quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Ribamar Oliveira: Todos perdidos e sem direção

• As projeções sobre o quadro fiscal são discrepantes

- Valor Econômico

Não são apenas as expectativas dos analistas de mercado sobre a inflação que pioraram muito nas últimas semanas e estão, como dizem os economistas, desancoradas. As estimativas sobre o resultado das contas públicas neste e nos próximos anos também estão em deterioração, como mostra o Prisma Fiscal, o boletim editado pela Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda, nos moldes do Focus, do Banco Central.

Um novo déficit primário do governo central (Tesouro, Previdência e BC) é dado como certo neste ano e a média das projeções aponta déficit também em 2017. O mais significativo, no entanto, é a disparidade das projeções coletadas pela SPE.

O boletim de dezembro, divulgado na semana passada, mostra uma piora na expectativa para o resultado primário neste ano. Em novembro, a média das projeções das cerca de 30 consultorias e instituições financeiras consultadas pela SPE era de que o déficit primário das contas do governo central seria de R$ 53 bilhões. Hoje, a média está em R$ 64,8 bilhões ou algo como 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB).

O desvio padrão das projeções coletadas em relação à média, no entanto, é muito alto e em elevação. Quanto maior ele é, maior é a dispersão das estimativas. O desvio padrão para o resultado primário do governo central passou de R$ 32,5 bilhões em novembro para R$ 36,7 bilhões. Isto significa que a SPE coletou estimativas que vão de déficit até menores do que R$ 30 bilhões e também superiores a R$ 90 bilhões.

A piora na expectativa para o déficit primário neste ano está relacionada, principalmente, à arrecadação da União, pois a estimativa para a despesa permaneceu constante do boletim de novembro para o de dezembro, embora também com elevado desvio padrão.

No caso da receita, no entanto, o desvio passou de R$ 56,7 bilhões para R$ 58,8 bilhões. Quando fizeram suas projeções para a arrecadação deste ano, algumas consultorias certamente consideraram que será possível aprovar a Contribuição Provisória Sobre Movimentação Financeira (CPMF) e outras que o governo não terá êxito.

Algumas provavelmente apostaram que o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff impedirá o governo de avançar nas reformas. O quadro político dificultaria barrar a aprovação pelo Congresso de medidas que reduzam a arrecadação, como novas desonerações ou incentivos. Outras podem ter considerado que o processo de impeachment está vencido e que o governo terá, a partir de agora, maior protagonismo.

As projeções para 2017 são ainda mais discrepantes. A média das estimativas indica déficit primário no próximo ano de R$ 32,9 bilhões. Mas o desvio padrão observado foi de R$ 62,2 bilhões. Ou seja, a SPE recebeu projeções de consultorias e instituições financeiras que acreditam em expressivo superávit no próximo ano. O desvio padrão das receitas chega a R$ 78,3 bilhões ou algo como 1,5% do PIB. É muita coisa.

A dispersão das estimativas fiscais coletadas pela SPE mostra, inegavelmente, o grau de incerteza atualmente existente sobre as contas públicas neste e nos próximos anos. Já há consultores projetando déficit primário também para 2018 e aqueles que acham que o setor público brasileiro só voltará a registrar superávit primário em suas contas com a retomada do crescimento econômico.

A realidade é ainda mais angustiante quando sabemos que o governo está reestimando a sua arrecadação para 2016 e que ela ficará abaixo do que está no Orçamento, já inflado por novas receitas que são difíceis de serem aprovadas, como a CPMF, ou quase impossíveis de serem realizadas, como a venda de ativos no montante de R$ 37 bilhões. O Orçamento de 2016 foi elaborado com a previsão de queda da economia de 1,9%. Mesmo assim, a arrecadação projetada aumenta mais de 10%.

O mercado projeta agora retração da economia brasileira de 3% e o Fundo Monetário Internacional (FMI) de 3,5%. Se os parâmetros para a definição da receita continuarem sendo os de mercado, como aconteceu durante a gestão do ex-ministro Joaquim Levy, a nova estimativa para a arrecadação cairá muito.

Surgiu agora um dado inquietante. A recuperação da receita da Previdência Social, com a redução promovida no ano passado no benefício de desoneração da folha de pagamentos, poderá não ser tão expressiva quanto se supôs inicialmente. Isto porque a projeção divulgada foi feita no início de 2015, com base em projeção de crescimento da economia neste ano e da massa salarial. Hoje, com o avanço do desemprego, a massa salarial não crescerá tanto e a economia muito provavelmente terá uma forte retração.

É pouco provável também que os parlamentares, em seu retorno ao trabalho, deixem de aprovar uma correção da tabela do Imposto de Renda das Pessoas Físicas. É certo que o Senado aprovará o texto do projeto de lei complementar que eleva o limite de enquadramento no Super Simples. O projeto já passou pela Câmara.

A receita bruta anual da microempresa para enquadramento no Super Simples passará de R$ 360 mil para R$ 900 mil e da empresa de pequeno porte de R$ 3,6 milhões para R$ 14,4 milhões. Com isso, o governo espera estancar, em parte, o aumento do desemprego no país, mas a medida custará R$ 13 bilhões aos cofres públicos em 2017 e R$ 16 bilhões em 2018, segundo estimativa da Receita Federal. Além disso, algumas mudanças realizadas no Simples pela lei complementar 147 terão efeito negativo na receita a partir deste ano.

Um importante funcionário do governo definiu com precisão a realidade fiscal vivida hoje pelo Brasil. "A incerteza da receita é maior do que a certeza da despesa", afirmou. A despesa obrigatória está dada e indexada. Ela cresce independentemente da vontade individual dos ministros da área econômica. A receita está sendo derrubada pela retração econômica e pelas exageradas desonerações tributárias praticadas no passado recente. Elas repercutem até hoje na arrecadação federal. Em 2015, por exemplo, a perda da arrecadação com as desonerações foi maior do que em 2014.

A Receita ainda não estimou a perda com as desonerações neste ano, mas é provável que caiam um pouco em relação ao ano passado. Ainda assim, terão um impacto considerável.

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