quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Operação de salvamento de empreiteiras da Lava-Jato – Editorial / O Globo

• Chamada de ‘presente de Natal’, a MP 703, assinada em dezembro, permite acordos de leniência com empresas sem que elas sejam obrigadas a fazer revelações

A medida provisória 703 tem sido chamada, com propriedade, de “presente de Natal” do governo Dilma às empreiteiras investigadas pela Lava-Jato. Baixada no dia 18 de dezembro, não por acaso quando o Congresso entrava em recesso, a MP altera dispositivos da Lei Anticorrupção, para facilitar os chamados acordos de leniência, pelos quais as empresas contribuem nas investigações de delitos e, em troca, podem voltar a participar de licitações públicas e deixam de receber qualquer outro tipo de punição na esfera administrativa.

Com todas as características de ter sido engendrada na Advocacia Geral da União (AGU), muito ativa na defesa da presidente Dilma, a MP produz o truque de centralizar no Executivo — na própria AGU e na Controladoria Geral da União — a condução dos acordos de leniência. Alija o Ministério Público das negociações com as empresas, assim como o Tribunal de Contas da União (TCU), organismo do Congresso.

De forma clara: quem passa a lavrar os acordos é um governo interessado em que não se avance nas investigações do esquema lulopetista que saqueou a Petrobras e agiu em canteiros de obras de outras estatais (Eletronuclear, por exemplo).

O argumento oficial, repetido pela presidente Dilma — “deve-se punir CPFs, mas não CNPJs” —, para preservar empregos, é exemplo perfeito da “quase lógica”, método muito usado pelo ex-presidente Lula para justificar atos lógicos apenas na aparência.

É indiscutível que as empresas devem ser ao máximo preservadas, mas não podem servir de escudo a acionistas criminosos. Tudo deve ser feito para que não se protejam em nome da “manutenção dos empregos”, o que facilitaria o crime continuado.

O Proer (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional), criado na época do Plano Real para sanear o sistema bancário, viciado nos ganhos ilusórios da inflação, serve de modelo: bancos foram preservados, mas acionistas entraram com o patrimônio pessoal para ressarcir danos. A ponto de terem de repassar o controle da pessoa jurídica. Não pode tudo ficar por isso mesmo.

A MP 703 — que o Congresso precisa rejeitar — cria o que os americanos chamam de “risco moral”: quando empresários e investidores deixam de temer perdas patrimoniais, degradam a administração das empresas e desestabilizam o próprio sistema capitalista, cuja base, entre outras, é premiar o mérito e punir o erro.

A medida provisória, denunciam procuradores da Lava-Jato, permite que sejam feitos acordos no atacado com as empreiteiras, sem a exigência de que cada uma contribua com informações inéditas nas investigações. Grave retrocesso.

A MP 703 desconstrói de vez o discurso da presidente Dilma de que é fiel combatente na luta anticorrupção. Pois a medida provisória vai em direção inversa.

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