domingo, 10 de janeiro de 2016

Miriam Leitão: O que encarar

- O Globo

A presidente Dilma Rousseff disse uma coisa e, logo após, o seu oposto. Ficou difícil entender. Ela disse: “Nós precisamos encarar a reforma da Previdência”, com a fixação da idade mínima, para em seguida dizer que “outro caminho é o 85/95”. As duas afirmações se anulam. A segunda fórmula é deixar tudo como está, porque é isso que vigora desde que foi derrubado o fator previdenciário.

Dilma não é o exemplo da clareza de manifestação de pensamento, então é preciso caminhar nesse chão pedregoso de palavras incertas em busca do significado. Encaremos. Ela começou dizendo: “Nós vamos encarar a reforma da Previdência, sempre considerando que ela tem a ver com modificação.” A última palavra da frase leva ao entendimento de que ela quer mudar o modelo atual. “Primeiro na idade, no comportamento etário da população. Nós estamos envelhecendo mais e morrendo menos.” Ela quer dizer que o quadro etário está mudando porque os brasileiros estão vivendo mais e morrendo mais tarde. É fato. Isso coloca para o Brasil um inarredável encontro com este tema difícil.

Assunto árido é reforma da Previdência. Economista ou demógrafo que a defende recebe mensagens de ódio como se ele fosse culpado, quando está apenas entregando a mensagem de que precisamos falar sobre isso. Jornalista que escreve sobre o tema também é criticado, mas isso é do jogo.

A presidente Dilma estava indo razoavelmente bem na explicitação do seu pensamento até que ele ficou tortuoso. “Não é possível que a idade média de aposentadoria no Brasil seja 55 anos. Os países desenvolvidos, emergentes, todos buscaram aumentar a idade de acesso à aposentadoria”. De fato, 55 anos é cedo demais e, se é a média, significa que muita gente se aposenta com menos do que isso. E há uma inversão da ordem. Os mais pobres se aposentam por idade, mais tarde, portanto. Os que sempre tiveram inserção no mercado de trabalho formal passam a receber o benefício mais cedo. A presidente completou: “E o outro caminho é o 85/95. Nos dois casos, uma coisa tem que ser considerada: não se pode mexer nos direitos adquiridos”. Aí, complicou.

A fórmula que permite à mulher se aposentar quando a soma da idade com o tempo de trabalho der 85, e ao homem 95, já está em vigor. Ela abre a possibilidade de uma mulher se aposentar até mais cedo do que a média atual. O governo vetou a forma proposta pelo Congresso e em seguida propôs uma alteração, o 85/95 progressivo, mas vai aumentar o gasto da Previdência, em relação ao período do fator.

O déficit do Regime Geral da Previdência Social, dos trabalhadores do setor privado, saltou 38,9% entre 2014 e 2015 em termos reais, ou seja, excluindo da conta os efeitos da inflação. O rombo acumulado de janeiro a novembro nesses anos, último dado divulgado pelo Tesouro, aumentou de R$ 65,7 bilhões para R$ 91,3 bilhões.

Durante muito tempo, os que são contra a reforma diziam que tudo era culpa da Previdência Rural. Alegavam que sem os aposentados rurais o problema não existiria. Mas até a Previdência Urbana passou a ter déficit, em parte pelo aumento do número de aposentados e queda dos contribuintes, com o desemprego. A Previdência dos funcionários públicos também tem um déficit de R$ 67 bilhões e para apenas um milhão de aposentados.

Qualquer governante diante de números tão assustadores não tem outra saída a não ser encarar o problema. A presidente Dilma, em reuniões com a equipe econômica, na época do ministro Joaquim Levy, se deixou convencer de que a reforma da Previdência é necessária, mas fica dando sinais contraditórios. Dilma mesma tem dito que isso sairá da comissão que montou para propor uma solução. A comissão nem tem se reunido e jamais demonstrou ter entendido a gravidade do nó previdenciário.

Viver mais é uma vitória. O aumento da expectativa de vida é resultado de acertos de políticas públicas. Não se pode transformar o avanço em um rombo que ameaça o país. Para encarar isso, é preciso que a presidente tenha uma proposta e a defenda. Não pode dizer algo e o seu oposto, como fez nessa entrevista. Será difícil a tramitação de reforma em época como essa. Mais difícil ainda se a fala da presidente for tão hesitante.

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