domingo, 3 de janeiro de 2016

Desgaste de Lula deixa PT em alerta para 2016

• Petistas já reconhecem que ex-presidente passa por processo de ‘desmitificação’

Ricardo Galhardo - O Estado de S. Paulo

A diretoria do Instituto Lula postergou para o início de 2016 a reunião de planejamento das atividades para o ano que se inicia. Desde que o instituto foi criado, em 2011, essa reunião é realizada no fim do ano anterior. Em 2015, isso não foi possível, segundo auxiliares do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, porque a agenda do petista em dezembro foi quase totalmente tomada por medidas defensivas. O episódio ilustra como foi 2015 para Lula, ano em que mais foi alvo de desgaste desde que deixou o Palácio do Planalto.

Depois de ajudar a reeleger sua sucessora, Dilma Rousseff, em uma disputa apertada contra o tucano Aécio Neves, em 2014, o ex-presidente que deixou o governo com o maior índice de aprovação já registrado no Brasil – 87%, segundo o CNI/Ibope – viu seu capital político escorrer pelas mãos em meio a fracassos na economia, erros na condução política do governo, o derretimento político do PT, manifestações nas ruas, ameaça de impeachment de Dilma, investigações envolvendo integrantes de sua família, amigos e o próprio instituto.

Em 20 de junho, durante encontro com líderes religiosos, em São Paulo, o próprio Lula resumiu a situação, com uma de suas tradicionais metáforas: “Dilma está no volume morto, o PT está abaixo do volume morto, eu estou no volume morto”.

Pesquisas mostram que, para o eleitorado, as boas lembranças do governo Lula estão cada vez mais distantes. Segundo o Datafolha, em dezembro de 2010, 71% consideravam o petista o maior presidente da história do Brasil. Em novembro de 2015, essa taxa era de 39%.

‘Padre Cícero’. Dirigentes petistas admitem, reservadamente, que os acontecimentos de 2015 precipitaram um processo de desmitificação de Lula. Em 2009, pouco antes de deixar o governo de Minas para se candidatar ao Senado, Aécio dizia em conversas reservadas que nunca enfrentaria Lula nas urnas porque o petista havia alcançado a condição de mito em algumas regiões do País, principalmente no Nordeste, onde, segundo o mineiro, o ex-presidente havia obtido o mesmo status de Padre Cícero. Hoje, conforme pesquisas, o tucano bateria o petista nas urnas com 31% das intenções de votos, ante 22% do adversário.

Segundo auxiliares próximos de Lula, o fracasso de Dilma na área econômica e as contradições entre o discurso de campanha da presidente e a prática são suas maiores preocupações. Em conversas recentes, ele teria manifestado incômodo com o impacto da economia nos programas sociais. A um interlocutor, expressou o temor de que o País “volte atrás dez anos” e forças de esquerda tenham de “começar tudo outra vez”.

Por isso, estaria concentrando seus esforços em ajudar Dilma a recompor sua base política (na sociedade e no Congresso), afastar o risco do impeachment e retomar a rota de crescimento econômico para evitar retrocesso na área social. “É a primeira vez que ele não sabe o que fazer”, diz um petista que o acompanha há mais de três décadas.

Operações. Mas a principal causa do abalo na imagem do ex-presidente, segundo análises internas do PT, é a aproximação de investigações como Lava Jato e Zelotes a amigos e parentes do petista. Desde que o doleiro Alberto Youssef disse que Lula “tinha conhecimento” do esquema de desvios na Petrobrás, aumentou a impressão de que o cerco se fecha em torno do ex-presidente. Embora o juiz da Lava Jato, Sérgio Moro, e o Ministério Público Federal afirmem que Lula não é investigado, seu nome tem sido constantemente citado em relatórios da Polícia Federal e depoimentos.

Para lembrar: o ex-presidente e as apurações
Segundo o Instituto Lula, o ex-presidente está tranquilo em relação ao aspecto jurídico das citações, mas admite que elas têm sido usadas para desgastá-lo politicamente. “É evidente que existe um processo de desconstrução da imagem do Lula”, disse o jornalista Celso Marcondes, um dos diretores do instituto.

- Tráfico de influência
Em maio de 2015, o Ministério Público Federal pediu esclarecimentos a Lula, à Odebrecht – alvo da Operação Lava Jato – e ao BNDES sobre suspeitas de tráfico de influência – de 2011 a 2014, Lula teria ajudado a empreiteira a obter contratos no exterior com recursos do banco.


- Instituto e empresa
A Polícia Federal afirmou em junho do ano passado que a Camargo Corrêa – que já teve executivos condenados na Lava Jato – pagou R$ 3 milhões ao Instituto Lula e mais R$ 1,5 milhão à LILS Palestras, Eventos e Publicidade, empresa do ex-presidente, entre 2011 e 2013.

- Investigação
A Procuradoria da República no Distrito Federal abriu em julho procedimento de investigação criminal para apurar se o ex-presidente praticou tráfico internacional de influência em favor da Odebrecht. A Procuradoria suspeita que Lula obteve “vantagens econômicas” da empresa.

- ‘Assuntos BNDES’
PF citou o nome do ex-presidente nos autos da Lava Jato sobre a Odebrecht. Em relatório sobre interceptação telefônica da 14ª fase da operação, a PF informou ao juiz Sérgio Moro que o ex-presidente conversou com o executivo Alexandrino Alencar, da Odebrecht, em 15 de junho – quatro dias depois do telefonema, Alexandrino foi preso. Segundo o relatório, Lula estaria preocupado com “assuntos do BNDES”.

- Delator 1
Em delação premiada, o dono da UTC, Ricardo Pessoa, afirmou que, entre repasses “legais e ilegais” para partidos com a finalidade de “abrir portas” no Congresso e em órgãos públicos, pagou em 2006 R$ 2,4 milhões à campanha de Lula. Pessoa disse, porém, que não sabe se o ex-presidente tinha conhecimento da origem ilegal do dinheiro.

- Coaf
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão de inteligência do Ministério da Fazenda, remeteu em agosto ao menos três relatórios diferentes indicando movimentação atípica da empresa do ex-presidente, a LILS, para investigações do Ministério Público Federal e da PF.

- ‘Informante’
A PF pediu em setembro ao Supremo que Lula fosse ouvido no inquérito que investiga envolvimento de políticos no esquema de corrupção na Petrobrás. O pedido aponta suspeita de que Lula pode ter sido “beneficiado pelo esquema”. O ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no STF, autoriza a PF a colher depoimento do ex-presidente como “informante”.

- Delator 2
Fernando Baiano afirmou que Lula se reuniu pelo menos duas vezes com o pecuarista José Carlos Bumlai e com João Carlos Ferraz, então presidente da Sete Brasil – companhia criada pela Petrobrás para construção de navios-sonda –, para tratar de negócios intermediados por ele. Segundo Baiano, os encontros ocorreram no Instituto Lula e antecederam a cobrança de R$ 3 milhões por Bumlai para supostamente pagar uma dívida de imóvel de uma nora do ex-presidente.

- Pagamentos
Laudo da PF apontou que instituições ligadas ao ex-presidente receberam quase R$ 4 milhões da Odebrecht, entre 2011 e 2014. Os pagamentos foram feitos ao Instituto Lula e à LILS. Ainda segundo o laudo, as instituições receberam R$ 17,2 milhões de outras empreiteiras alvo da Lava Jato.

- Zelotes
No fim de setembro, PF, Receita e Ministério Público Federal cumpriram mandado de busca e apreensão no escritório de Luís Cláudio Lula da Silva, filho do ex-presidente. A ação integrou a Operação Zelotes, que investiga esquema de compra de medidas provisórias para favorecer montadoras de veículos.

- Depoimento
Em dezembro o ex-presidente prestou depoimentos à PF na condição de “informante” em inquérito que tramita no Supremo para apurar suposta formação de quadrilha por políticos de PP, PT e PMDB para desviar recursos da Petrobrás. Ele disse não ter conhecimento sobre os eventos de corrupção ocorridos na estatal e falou em tentativa de “criminalizar” o PT.

- Amigo preso
No fim de novembro, o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente, foi preso suspeito de intermediar propinas envolvendo contrato do navio-sonda da Petrobrás. A PF investiga empréstimo de R$ 12 milhões tomado por Bumlai no Banco Schahin – o real destinatário do dinheiro foi o PT, segundo o empresário.

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