terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Ano novo dos mercados começa com um susto chinês – Editorial / Valor Econômico

A China voltou a assombrar os mercados no primeiro dia útil do ano, derrubando as bolsas mundiais e provocando nova rodada de desvalorização das moedas. Os temores são os mesmos que habitaram os mercados no ano passado, assim como os motivos imediatos. A bolsa de Xangai caiu 7% ontem, limite que desencadeou a suspensão do pregão. O BC permitiu nova desvalorização do yuan, que atingiu seu valor mais baixo desde 24 de novembro de 2011. E o pano de fundo é similar: estatísticas mostraram uma nova queda na produção industrial - a quinta, segundo a contagem oficial, a décima pela da Markit. Mais desvalorizações e estímulos monetários estariam a caminho para evitar uma desaceleração mais forte da economia.

A China parece estancada entre o velho modelo que pretende reformar e o novo que ainda toma forma, sendo que o esfriamento da economia é o resultado mais provável. Há sinais de que o instinto conservador da burocracia chinesa foi acionado e, para evitar reduções maiores na velocidade de crescimento, velhas armas que garantiram durante duas décadas e meia avanços espetaculares do PIB poderão ser usadas novamente. Sua eficácia hoje não seria apenas duvidosa, como poderia produzir desequilíbrios ainda mais violentos em um economia onde o endividamento aumentou demais, e rapidamente.

O estopim da queda da bolsa de Xangai foi o fim do prazo da proibição, estabelecida em meados de 2015, quando as ações despencaram (após alta de mais de 100%), de venda de papéis por grandes investidores, acompanhada da vedação de lançamento de ofertas iniciais e compras maciças por instituições financeiras oficiais. Sem muletas, com boa parte das empresas atravessando um período de lucratividade nula ou baixa, redução da produção e superestoques, a tendência das ações só pode ser uma: a baixa. Ocorreu ontem e voltará a ocorrer, pois o governo sustenta um nível artificial dos papéis, que só deixará de sê-lo se a economia voltar a crescer com mais força do que hoje - o que parece fora de cogitação.

A desvalorização do renmimbi, por seu lado, ressuscitou nos mercados o pesadelo de desvalorizações competitivas, o que, diante da contínua força do dólar, tenderia a forçar movimento semelhante nos países emergentes, aumentando as incertezas e acentuando a retração em vários deles.

Ao atrelar o renmimbi a uma cesta de moedas, a China evitou a valorização forçada que seguia na trilha do dólar. Desde junho de 2014, as reservas internacionais chinesas caíram US$ 400 bilhões, para US$ 3,4 trilhões. Não parece, porém, haver vontade explícita de desvalorização, pois o país mantém substanciais superávits comerciais (com grande queda nas importações) e que, junto ao baixo crescimento no comércio global desaconselhariam estímulos à competitividade de exportações já muito competitivas.

Sinais de fumaça de órgãos oficiais indicam que o governo vacila em suas intenções e está mais disposto a usar a política fiscal - isto é, bancar mais investimentos - e afrouxar a política monetária para estimular a economia e, quase tão importante quanto isso, dar liquidez e boas condições de rolagem dos enormes dívidas do país - 208% do PIB, medida pelo financiamento social total (Michael Pettis). Desde novembro de 2014, os juros foram cortados em seis oportunidades, acompanhados ou não de reduções dos depósitos compulsórios.

O uso desses instrumentos - aumento do déficit fiscal de 2,3% para 3% do PIB e ampliação da oferta de crédito - podem evitar maior desaceleração, mas ao custo de ampliar o endividamento, que só é inferior ao do Japão e que se aproxima de um nível insustentável. Além disso, ampliar a fatia dos investimentos é receita velha, embora temporária, para preencher o hiato de crescimento durante a guinada da economia para o consumo, além de ser uma prova de que a velocidade com que o consumo e a renda doméstica estão crescendo é insuficiente para suportar o ritmo de expansão almejado pelos burocratas de Pequim.

O governo tem em suas mãos todos os meios de evitar a perda de velocidade do PIB, agravando, porém, os desequilíbrios existentes. Para corrigir os problemas de superprodução, enorme capacidade ociosa, baixa ou negativa rentabilidade dos investimentos e alto endividamento, a economia terá de desacelerar. O quanto é um dos assuntos que mais atemorizam o governo chinês e os mercados globais há tempos.

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