sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Opinião do dia – Aécio Neves

A presidente, ontem, por duas vezes e sem ser instada, falou em golpismo. Falou em atalhos para se chegar ao poder. Concordo, e olha que não é fácil concordar com a presidente da República em alguma coisa, eu concordo com uma frase que ela diz de que a legitimidade do voto é a base da democracia. Isso é correto, desde que esse voto tenha sido obtido de forma legal e é isso, que, felizmente, as instituições hoje no Brasil estão apurando. O Tribunal de Contas avalia se a presidente descumpriu a Lei de Responsabilidade Fiscal com as pedaladas (fiscais) ou assinando crédito sem autorização congressual para se beneficiar eleitoralmente.

Dentro de poucos dias, o Congresso avaliará a decisão do Tribunal de Contas. Por outro lado, o Tribunal Superior Eleitoral investiga se dinheiro da propina da Petrobras foi utilizado na campanha eleitoral da presidente da República. Se comprovados esses crimes, seu mandato perde a legitimidade.

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Aécio Neves é senador (MG) e presidente nacional do PSDB. Brasília, 17 de setembro de 2015

STF veta doação de empresas para partidos e candidatos

Supremo proíbe doação eleitoral de empresas

• A decisão, tomada por oito votos contra três, ocorre às vésperas de análise da presidente Dilma Rousseff sobre um projeto de lei aprovado no Congresso, que permitia as doações de empresas até o limite de R$ 20 milhões

Talita Fernandes e Beatriz Bulla - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade do financiamento empresarial de empresas e partidos. A decisão, tomada por oito votos contra três, ocorre às vésperas de análise da presidente Dilma Rousseff sobre um projeto de lei aprovado no Congresso, que permitia as doações de empresas até o limite de R$ 20 milhões. Com o resultado do julgamento da Corte, a presidente deve vetar o texto aprovado pelo Legislativo. De acordo com o presidente da Corte, ministro Ricardo Lewandowski, a decisão "valerá daqui para frente e valerá para as eleições de 2016 e 2018", disse.

Votaram pela inconstitucionalidade das doações por empresas os ministros Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski e o ex-ministro Joaquim Barbosa (que foi substituído pelo ministro Edson Fachin). Já os ministros Teori Zavascki, Gilmar Mendes e Celso de Mello, decano da Corte, votaram pela constitucionalidade das doações de empresas.

A decisão do STF atinge apenas a lei como estava até agora. A minirreforna aprovada na Câmara é uma nova lei e valerá caso seja sancionada. Só poderá ser anulada por uma ação no Supremo. Com o julgamento da Corte, contudo, a expectativa é de que juizes eleitorais poderão se negar a aplicar a minirreforma com base na decisão so Supremo.

A proibição, pelo STF, do financiamento por pessoas jurídicas, abre brecha para que a presidente Dilma Rousseff vete o texto votado no Congresso na semana passada, quando a Câmara aprovou projeto de lei que regulamenta a chamada PEC da Reforma Política e prevê, entre outras coisas, o limite nas doações de empresas a partidos, permitindo o financiamento por pessoas jurídicas em até R$ 20 milhões. Contudo, ainda tramita no Congresso Nacional uma proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pode acrescentar a doação empresarial na Constituição Federal. Ou seja, se aprovada, a PEC poderia "constitucionalizar" novamente as doações de pessoas jurídicas.

O decano da Corte, ministro Celso de Mello, votou contra a proibição das doações de empresas, sob argumento de que é "preferível" ter o "controle real" das doações. "Se alguma doação fosse proibida só teríamos certeza de que não a conheceríamos, mas nunca teríamos a certeza de que nunca teria existido", afirmou o ministro. De acordo com ele, a possibilidade de que pessoas jurídicas contribuam com as campanhas e candidatos não contraria a constituição.

"Longe de negar a existência de interesses condenáveis nas contribuições feitas a candidatos e partidos. O que se afirma é que não se pode ver nesse fato isolado fundamento suficiente para conclusão radical de que toda e qualquer contribuição por pessoa jurídica é inconstitucional", disse Celso de Mello.

Além do decano, votaram nesta quinta também as ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber e ambas acompanharam o voto de Fux, pela inconstitucionalidade do financiamento empresarial. Já o ministro Teori Zavascki, pediu a palavra para acrescentar modificações ao seu voto, proferido em sessões anteriores.

Embora tenha votado pela permissão das doações de pessoas jurídicas, Zavascki propôs algumas limitações e foi acompanhado por Celso de Mello e Gilmar Mendes, que acabaram vencidos. A proposta era de liminar as doações de pessoas jurídicas que tivessem contratos com a administração pública, além de impedir que uma mesma empresa possa doar para partidos que concorrem entre si. Além disso, Zavascki sugeriu que uma empresa que doasse para uma campanha fosse impedida de fechar contrato com a administração pública até o fim do mandato.

O julgamento teve início em abril do ano passado, mas ficou suspenso até agora devido a um pedido de vista (mais tempo para análise) pelo ministro Gilmar Mendes. A discussão voltou à pauta da Corte em sessão realizada ontem, mas não pode ser concluída por falta de tempo suficiente. Ao proferir seu voto, Mendes fez uma longa sustentação oral, que se estendeu por mais de cinco horas, com duras críticas ao PT. Ele votou pela constitucionalidade das doações de empresas, divergindo da maioria dos ministros da Suprema Corte. No voto, o ministro sugeriu que a ação, proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), é uma tentativa de manipular a Corte para "atuar no processo democrático à revelia do Congresso".

Para Mendes, há uma tentativa por parte da entidade, orquestrada com o PT, de fazer uma reforma política pela via judicial e garantir a manutenção do partido no poder através da "asfixia" da oposição. Isso porque, segundo ele, o partido que ocupa o governo já recebe "financiamento público" oriundo de repasses ilegais oriundos do esquema de corrupção na Petrobras. Durante a sessão, o ministro afirmou que vedar as doações empresariais e permitir um teto igual para todas as pessoas físicas de doação significa "criminalizar o processo político-eleitoral no Brasil, além de ser um convite à prática reiterada de crimes de lavagem de dinheiro".

'Decisão do Supremo a gente respeita', diz relator da reforma política na Câmara

• Para Rodrigo Maia (DEM-RJ), uma decisão do Senado pode virar o jogo; a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) já aprovada em dois turnos pela Câmara está parada na Casa desde agosto

Daniel Carvalho - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O relator da reforma política na Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que não há o que fazer diante da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de declarar inconstitucional o financiamento empresarial de campanhas.

"A decisão está tomada. Fazer o quê? Decisão do Supremo a gente tem que respeitar", afirmou Maia. "O PT quer justificar os seus males com o fim do financiamento privado. Como se antes da criação do financiamento privado, no início da década de 90, a corrupção não existisse no Brasil. Eu tenho discordância da relação de uma coisa com a outra, mas respeito a decisão do Supremo", disse Rodrigo Maia.

Para o deputado, uma decisão do Senado pode virar o jogo. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) já aprovada em dois turnos pela Câmara está parada no Senado desde agosto. "É só os senadores quererem votar. Só uma PEC para resolver este problema agora. Se o Senado resolver, bom. Se não, todo mundo se prepare para conseguir, da noite para o dia, mudar a cultura da população brasileira. Está na mão do Senado. A parte nossa foi feita", disse o parlamentar.

Mesmo após STF decidir contra doação empresarial, só veto de Dilma evita nova consulta ao tribunal

Jose Roberto de Toledo – O Estado de S. Paulo

Segundo o professor Michael Freitas Mohallem, da FGV Direito Rio, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional a doação empresarial a campanhas eleitorais, e isso vale para qualquer legislação infraconstitucional. A decisão é auto-aplicável, assim que o tribunal publicar o acórdão do que foi decidido, diz. A partir desse momento, ficarão proibidas as doações de empresas para candidatos.

Porém, se a presidente Dilma Rousseff sancionar sem vetos a reforma eleitoral aprovada pelo Congresso, que cria um limite máximo de R$ 20 milhões para doações empresariais, haverá dois atos jurídicos contraditórios em vigor. Será necessário, então, que alguém provoque o STF para o tribunal dizer qual deles é válido, diz Mohallem. O Supremo deverá então ratificar sua decisão e dizer que esse artigo da nova lei é também inconstitucional. Mas, até fazer isso, o País terá duas normas válidas e contraditórias em vigor.

Em condições normais, Dilma exerceria seu dever e vetaria esse artigo, por inconstitucional. Mas, diante da fragilidade do governo e o risco de derrubada do veto, talvez isso não ocorra. Aí aumenta a chance de caos normativo. Como o STF já decidiu sobre o assunto e criou jurisprudência, a tendência é que o novo julgamento fosse rápido. Porém, é sempre possível que um ministro do STF peça vistas do processo e sente em cima dele por tempo indeterminado. Se Dilma não vetar (ou se vetar e o Congresso derrubar o veto), será uma corrida contra o tempo. Valerá o que vier antes: a ratificação da decisão do STF ou o início da arrecadação pelos partidos para a campanha de 2016, o que deve acontecer a partir de 20 julho.

Para Cunha, eleições de 2016 vão ficar 'num limbo de dúvida' após decisão do STF

• Presidente da Câmara afirmou que precisa analisar o acórdão para ver qual a motivação e as reais implicações do julgamento da Corte proibindo as doações

Bernardo Caram e Daniel Carvalho - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), disse nesta quinta-feira, 17, que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que declarou inconstitucional o financiamento empresarial de campanhas e partidos, vai gerar um "limbo de dúvidas" nas eleições municipais de 2016.

A decisão da Corte foi tomada nesta tarde por oito votos a três. Cunha afirmou que precisa analisar o acórdão para ver qual a motivação e as reais implicações. "O grande problema, que vai ficar numa zona de sombra, são as eleições de 2016. Para as eleições de 2018, haverá muito tempo para consertar tudo. As eleições de 2016 vão ficar num limbo de dúvidas absolutamente desnecessárias. É uma situação meio absurda", declarou.

Para que as doações empresariais voltem a ser válidas, o Congresso precisa aprovar uma alteração no texto da Constituição, incluindo essa permissão. Em agosto, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) com a autorização de doações empresariais foi aprovada na Câmara e enviada ao Senado. Desde então, o texto não foi apreciado pelos senadores.

Para Cunha, a decisão do STF pode pressionar o Senado a agilizar a votação. Para ele, há visões divergentes se a aprovação da PEC precisaria ser feita até outubro para ser válida nas eleições do ano que vem. "Não afeta o processo eleitoral, afeta o financiamento da eleição. Entendo que mesmo que seja num período posterior a esse prazo de um ano, ela vai valer para 2016", disse.

Jogos de azar.O presidente da Câmara afirmou ainda que, apesar de ser contrário à permissão de jogos de azar no País, há "boas chances" de uma proposta desse tipo ser aprovada na Câmara. "Não vejo na Casa uma posição como a minha ser predominante", afirmou. Em reunião na manhã desta quinta com a presidente Dilma Rousseff e ministros, líderes da base aliada foram consultados se seria bem recebida a ideia de legalizar jogos como cassinos e bingos.

Para ele, o governo não pode ver essa proposta como a solução para a questão fiscal. "País que depende de um jogo de azar para resolver as suas contas é mais ou menos igual a um trabalhador que não tem salário e vai para o cassino para ganhar um dinheiro, para poder pagar a sua despesa".

STF proíbe doações de empresas para campanhas

Por 8 votos a 3, decisão já valerá para as próximas eleições

Financiamento de pessoas jurídicas foi considerado inconstitucional pelos ministros do tribunal; Cunha diz que Senado pode mudar decisão se conseguir aprovar PEC já votada pela Câmara

Em meio às investigações da Lava-Jato, que desvenda esquema de corrupção na Petrobras com uso de doações eleitorais para “lavar” propina, o Supremo Tribunal Federal decidiu, por oito votos a três, proibir contribuições financeiras de empresas a candidatos e partidos por julgá-las inconstitucionais. A decisão, que deve provocar enorme mudança nas campanhas, já valerá para as próximas eleições. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), disse acreditar, porém, que o Congresso ainda pode reverter a proibição caso o Senado aprove proposta de emenda constitucional, já votada pela Câmara, que permite o financiamento de empresas. “Mas as eleições de 2016 ficam num limbo de dúvida”, disse ele.

Revolução nas urnas

• STF declara inconstitucional o financiamento de campanhas por empresas; proibição já vale para 2016

Carolina Brígido - O Globo

- BRASÍLIA- O Supremo Tribunal Federal ( STF) proibiu ontem que partidos e candidatos em campanha recebam doações de empresas. Por oito votos a três, os ministros consideraram inconstitucional a legislação em vigor, que permite a doação de pessoas jurídicas até o limite de 2% do faturamento bruto do ano anterior ao das eleições. Ficaram mantidas as doações de pessoas físicas, em valor correspondente a até 10% dos rendimentos do ano anterior, e também o Fundo Partidário — que financia parte das atividades dos partidos com dinheiro público. A decisão tem validade imediata e será aplicada a partir de 2016, nas eleições municipais.

A decisão do STF sepulta as expectativas do Congresso de validar as doações de empresas nas eleições. A lei que permite esse tipo de financiamento de empresas foi aprovada pela Câmara dos Deputados na semana passada. Agora, a presidente Dilma Rousseff pode vetar ou sancionar a lei. Se a lei for vetada, fica válida a decisão do STF.

“Princípios constitucionais”
Se for sancionada, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) já está com ação pronta para ser ajuizada no STF, pedindo liminar para que a nova lei seja derrubada antes de 2 de outubro, um ano antes das eleições. Esse é o prazo que a Constituição dá para que uma nova regra eleitoral possa ser aplicada no pleito do ano seguinte. Ontem, apesar de o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ter defendido uma solução legislativa para retomar as doações de empresas, ministros do STF garantiram que uma nova lei será declarada inconstitucional.

— O julgamento do Supremo baseouse em princípios constitucionais. Baseouse no princípio da igualdade de armas, no princípio da isonomia, no princípio da democracia, no princípio republicano, na normalidade das eleições. Então, qualquer lei que venha possivelmente a ser sancionada, ou aprovada futuramente, e que colida com esses princípios aos quais o Supremo se reportou, e com base nos quais considerou inconstitucional doação de pessoas jurídicas para campanhas políticas, evidentemente terá o mesmo destino — explicou o presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski.

Luiz Fux, relator do processo movido pela OAB, concordou com o colega:

— O STF reconheceu a invalidade de doação de pessoa jurídica para campanha eleitoral. Então, qualquer iniciativa que viole essa decisão é considerada um atentado à dignidade da jurisdição. A lei ( nova) vai ter o mesmo destino que teve essa. Se o Executivo sancionar, no meu modo de ver o caminho será o mesmo. Essa lei já traz em si o germe da inconstitucionalidade.

Fux deu a entender que, mesmo que o Congresso promulgue emenda constitucional, ela será derrubada no STF.

— Só relembro que o STF já declarou a inconstitucionalidade de emendas constitucionais. Eu relembro a última, que foi a dos precatórios — declarou.

O julgamento sobre a doação de empresas começou em 2013 e foi fatiado em quatro sessões. Votaram pela proibição das contribuições financeiras de pessoas jurídicas Luiz Fux, Joaquim Barbosa, atualmente aposentado; Dias Toffoli; Luís Roberto Barroso; Marco Aurélio Mello; Ricardo Lewandowski; Rosa Weber e Cármen Lúcia. Defenderam a legalidade das doações de empresas Teori Zavascki, Gilmar Mendes e Celso de Mello.

A OAB também questionava a regra que autoriza pessoas físicas a doar até 10% de seus rendimentos. Para a ordem, era preciso limitar um valor numérico como teto das contribuições de pessoas naturais, e não um percentual. Mas o STF manteve a regra atual.

O primeiro a se manifestar ontem foi Teori Zavascki, que resolveu fazer ajustes ao voto proferido anteriormente. Ele era totalmente a favor do financiamento de campanha por empresas. Ontem, estabeleceu condições para as doações. Para ele, deveriam ser proibidas de financiar campanhas pessoas jurídicas que mantiverem contratos com a administração pública. Ele também é contra a doação de empresas a candidatos que competem entre si.

Gilmar Mendes e Celso de Mello, que também são totalmente favoráveis às doações de empresas, concordaram com Zavascki. Para esses três ministros, não há proibição expressa na Constituição para a prática. Além disso, proibir a contribuição de empresas não diminuiria a corrupção nas eleições, porque seriam encontradas formas para burlar a lei. Um exemplo seria o partido receber dinheiro por caixa dois.

Rosa Weber e Cármen Lúcia defenderam proibir as doações por empresas.

— A influência do poder econômico culmina por transformar o processo eleitoral em jogo político de cartas marcadas, odiosa pantomima que faz do eleitor um fantoche, esboroando a um só tempo a cidadania, a democracia e a soberania popular — disse Rosa.

Venceu o argumento de que, pela Constituição, cabe aos cidadãos eleger seus governantes, e não a empresas. Portanto, pessoas jurídicas não teriam o direito de participar do processo eleitoral. A maioria dos ministros também afirmou que, sem poderem doar, as pessoas jurídicas deixam de ter tanta influência nas decisões políticas do país. Em tom irônico, Gilmar Mendes, que anteontem criticou duramente o PT pelos desvios na Petrobras, criticou a decisão:

— As empresas não amam, mas elas empregam as pessoas, permitem que elas amem, permite que elas tenham um emprego. As empresas não podem opinar (nas eleições)? Ora!

Ao fim do julgamento, os ministros consideraram desnecessário modular os efeitos da decisão — ou seja, declarar se ela tem efeitos imediatos. Antes, havia uma proposta de que o STF desse um prazo para o Congresso legislar.

Contrariado com a derrota, Gilmar anunciou que iria embora nessa parte da sessão, para tentar adiar a discussão para a próxima semana. Disse que tinha um compromisso. Lewandowski foi enfático ao dizer que a discussão terminaria naquele momento e não haveria possibilidade de reabrir o julgamento depois. O presidente do tribunal argumentou que a sessão foi marcada com antecedência e, por isso, não havia motivo para adiar o fim das discussões.

Após o julgamento, Fux disse que barrar as doações de empresas é incentivo ao caixa dois, como alertou Gilmar em seu voto, na quarta-feira:

— O sistema atual revela o quão arriscado é fazer um caixa dois e ser descoberto depois. Acho que há um desestímulo. Nas audiências públicas (realizadas no STF antes do julgamento), nós tivemos a informação de que tudo que as empresas querem é se ver livres dessa contribuição.

Uma ‘conquista’ da Lava-Jato

Cleide Carvalho e Renato Onofre - O Globo

-SÃO PAULO- O fim da doação de empresas a campanhas é determinado pelo STF justamente no momento em que a Operação Lava-Jato centra suas investigações no desvio de recursos do esquema de corrupção para financiamento político-partidário.

Ao investigar o cartel de empreiteiras que sangrou a Petrobras, a Lava-Jato descobriu uma sofisticada engrenagem de lavagem de dinheiro, dentro e fora do país, para abastecer partidos em proporções nunca antes vistas no cenário político brasileiro. Um esquema que, verificou-se depois, repassava propinas através do carimbo da legalidade das doações oficiais.

Delatores confessaram que até o caixa 1 estava contaminado. Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, afirmou:

— A maior balela que tem nesse Brasil é a doação oficial.

As licitações para obras públicas são superfaturadas. Só o coordenador do “Clube das empreiteiras”, Ricardo Pessoa, doou mais de R$ 20 milhões oficialmente ao PT em troca da manutenção dos seus contratos com o governo federal. Além de Pessoa, outros quatro delatores afirmaram ter usado o expediente para quitar débitos com políticos.

Nos últimos oito anos, as empresas investigadas — que doaram mais R$ 500 milhões nos cofres dos partidos nos últimos oito anos — desenvolveram um complexo de pagamento de propina ao PT e outros partidos. Em parte, via doação oficial.

Para os procuradores, as empreiteiras adotaram um modus operandi capaz de ser replicado com facilidade na esfera federal e em estados e municípios. Pelas denúncias já enviadas pelos procuradores à Justiça, cada partido tinha seu operador da propina. Proliferam Baianos, Youssefs, Camargos cada vez mais íntimos dos principais dirigentes e caciques partidários.

Operadores eram importantes por obter os recursos entregues a políticos que não querem deixar rastro. O esquema de doações eleitorais serviu para pagar “pixulecos” a políticos do PT e aliados. Terça-feira, o procurador da República Deltan Dallagnol afirmou que as investigações, agora, são sobre um “esquema montado para a manutenção de um projeto de poder”, e não só sobre a corrupção na Petrobras.

Cunha e oposição defendem emenda para reverter decisão

• Presidente da Câmara prevê ‘limbo’ em 2016; governo e PT comemoram

Evandro Éboli, Isabel Braga e Cristiane Jungblut - O Globo

-BRASÍLIA e SÃO PAULO- A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) tornando inconstitucional as doações empresariais para campanhas eleitorais gerou críticas de dirigentes e líderes partidários de oposição e do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDBRJ). Os dirigentes partidários que são a favor do financiamento de empresas disseram apostar agora na aprovação no Senado de uma proposta de emenda constitucional, já aprovada na Câmara em agosto, que permite a doação de empresas. O PT e o governo elogiaram a decisão do Supremo

Cunha disse acreditar que a decisão do STF irá pressionar o Senado a votar a PEC com rapidez. Segundo ele, não é possível prever qual será o resultado no Senado. Mas, se os senadores aprovarem a emenda, a questão estará resolvida:

— Não tenho a menor dúvida (que resolve) a não ser que (os ministros do Supremo) tenham decidido que financiamento eleitoral seja cláusula pétrea da Constituição. Não me parece que seja o caso.

Cunha disse ainda achar que, como a PEC não altera o processo eleitoral, mesmo que votada depois de 2 de outubro a decisão do Senado já valeria para as eleições municipais de 2016. Mas ele admite que há quem pense de maneira diferente:

— (Pressiona) o Senado a decidir. Se vai aprovar ou não, depende da maioria. É o humor do dia. Vamos ver como será o humor deles quando forem votar.

2016: “zona de sombra”
Contrariando os ministros do STF, que consideraram inconstitucional a doação de empresas a partidos e candidatos, Cunha disse que, se a presidente Dilma Rousseff vetar o trecho da lei aprovada na minirreforma eleitoral que autoriza as doações, o Congresso ainda poderá apreciar o veto. Para ele, o maior problema dessa decisão está relacionado com as eleições municipais do próximo ano.

— O que vai ficar numa zona de sombra são as eleições de 2016. Para as de 2018 sempre haverá tempo para se consertar tudo. Mas as de 2016 ficam num limbo de dúvida absolutamente desnecessário. Na prática, é uma situação meio absurda.

Em nota, o secretário-geral da Presidência da República, ministro Miguel Rossetto, disse que o STF tomou “uma decisão histórica para a democracia brasileira”. “Essa decisão vai ao encontro da grande maioria do povo brasileiro, que quer afastar o dinheiro das empresas e a corrupção da atividade política em nosso país”, disse, na nota.

O presidente do PT, Rui Falcão, também comemorou:

— Queria saudar essa decisão histórica do STF que proíbe o financiamento empresarial das campanhas. O financiamento empresarial é a porta aberta para a corrupção.

O líder do PT no Senado, Humberto Costa ( PE), disse acreditar que a PEC não passa:

— No Senado, não passa. O Cunha não é dono do Congresso. Pode mandar na Câmara, mas no Senado não passa.

Líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB) disse que a decisão vai abrir caminho para o caixa dois. O tucano disse que o Senado vai votar a PEC que trata de financiamento, mas admitiu que, devido ao calendário, provavelmente não valerá para 2016:

— O Supremo falou sobre uma lei. O Congresso poderá incluir essa previsão da doação na Constituição. Acredito que a proibição leve à retomada do uso do caixa dois desenfreado e a uma lavagem de dinheiro por meio de doações individuais.

O senador Agripino Maia, presidente do DEM, também criticou a decisão do STF:

— O Supremo, por razões de ordem jurídica, decidiu uma questão eminentemente política. Quem vive o problema, a classe política, tem seus argumentos. Na Câmara, houve o voto sim. Há uma evolução de 20 anos para cá. O financiamento começou com pessoas físicas, e gerou caixa dois. Depois, das pessoas jurídicas para candidatos. Agora, das jurídicas para os partidos, que precisam nominar para quem repassam. É o aperfeiçoamento.

(Colaborou Sérgio Roxo)

Dilma defende ‘veredicto das urnas’

• Pelo terceiro dia seguido, presidente volta a condenar movimentos que chama de tentativas de golpe

A presidente Dilma voltou a discursar ontem contra o que tem chamado de golpismo, numa referência indireta aos movimentos pró- impeachment. Na posse do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ela afirmou: “Queremos um país em que os políticos pleiteiem o poder por meio do voto e aceitem o veredicto das urnas.” O presidente do PSDB, Aécio Neves, reagiu à afirmação anterior da petista de que é golpismo usar a crise para chegar ao poder. “Golpe é usar dinheiro do crime ou de irresponsabilidade fiscal para obter votos”, disse o tucano. Pedido de impeachment da presidente foi protocolado na Câmara por Hélio Bicudo, um dos fundadores do PT.

Presidente volta a defender seu mandato e ‘veredicto das urnas’

• Na posse de Janot, pelo 3º dia, petista faz alusão a momento político

Catarina Alencastro, Jailton de Carvalho, Gabriela Valente e Isabel Braga - O Globo

-BRASÍLIA- Pelo terceiro dia seguido, a presidente Dilma Rousseff mostrou preocupação com o avanço dos movimentos pró-impeachment e atacou o que classifica de golpe contra a democracia, em defesa de seu mandato. No discurso de posse do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que cumprirá um segundo mandato de dois anos, ela disse que todos querem um país onde “a lei é o limite”. A fala da presidente ocorreu no mesmo dia em que o pedido de impeachment de autoria do ex-deputado e jurista Hélio Bicudo, complementado pelo jurista Miguel Reale Junior, em nome da oposição, foi reapresentado ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

No discurso, Dilma afirmou que, na política, o poder só pode ser pleiteado durante as eleições, em referência indireta aos movimentos pró- impeachment contra ela:

— Queremos um país em que os políticos pleiteiem o poder por meio do voto e aceitem o veredicto das urnas. Em que os governantes se comportem rigorosamente segundo suas atribuições, sem ceder a excessos, em que os juízes julguem com liberdade e imparcialidade, sem pressões de qualquer natureza e desligado de paixões político-partidárias, jamais transigindo com a presunção da inocência de quaisquer cidadãos — afirmou Dilma.

Aécio: “vamos aguardar julgamento”
O presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), reagiu às declarações de Dilma nos últimos dias, nas quais ela afirmou que a legitimidade do voto é a base da democracia e, fora disso, se trata de golpe. Ao chegar ao seminário tucano “Caminhos para o Brasil”, ele disse que o voto é legítimo, desde que tenha sido conquistado de forma legal.

Anteontem, Dilma criticara quem pretende encurtar a “rotatividade democrática”. Aécio lembrou que o Tribunal de Contas da União (TCU) avalia se ela descumpriu a Lei de Responsabilidade Fiscal com as “pedaladas fiscais” (operações de crédito irregulares).

— Golpe e atalho para se chegar ao poder é utilizar de dinheiro do crime ou de irresponsabilidade fiscal para obter votos. Vamos aguardar, portanto, que a presidente seja julgada, e, aí sim, nós poderemos falar em legitimidade do voto — afirmou Aécio.

Pedido de impeachment é entregue
Ladeados por líderes da oposição e alguns deputados de partidos da base aliada, Miguel Reale e Maria Lúcia Bicudo, filha de Hélio Bicudo, entregaram a Cunha informações adicionais ao pedido de impeachment feito pelo jurista, que já foi do PT. Também participaram do ato representantes de movimentos como o Nas Ruas, o Vem Pra Rua e o Movimento Brasil Livre, que pediram a Cunha pressa na análise.

— Nunca se pode pedir a um juiz o momento em que ele vai dar sua sentença. Não tenho prazo, mas é óbvio que não vou ficar a vida inteira para responder. Não o farei de forma leviana — avisou Cunha.

Reale disse que foram incluídos dados sobre as “pedaladas fiscais” e decretos do governo Dilma sem suplementação de recursos, o que demonstraria crime de responsabilidade. Segundo Reale, são fatos graves que ocorreram no primeiro mandato de Dilma e também no atual. Frisou que ele e Bicudo lutaram juntos contra a ditadura e estão novamente unidos contra o que chamou de “ditadura das propinas”:

— Eu e Bicudo somos lutadores antigos em prol dos direitos humanos. Lutamos juntos contra a ditadura dos fuzis, e agora lutamos contra a ditadura das propinas. A ditadura da propina é mais insidiosa que a dos fuzis porque corrói a democracia por dentro e precisa ser descoberta. O país está destroçado moralmente e financeiramente. Essas mudanças que gritam nas ruas agora entram neste pedido — disse Reale.

— Estou aqui representando meu pai. É preciso renovar. Vamos mudar este Brasil e trazer a integridade, a coerência e a ética de volta. Basta de mentiras — acrescentou Maria Lúcia.

Governo desperdiça esforço monetário realizado pelo BC

Por Claudia Safatle - Valor Econômico

BRASÍLIA - Em julho, economistas do governo federal vislumbravam a possibilidade de o processo de recuperação da economia ser comandado pela queda das taxas de juros a partir de meados do primeiro semestre de 2016, desde que as metas fiscais fossem alcançadas. De lá para cá, três eventos transformaram esse cenário em miragem. O primeiro deles foi a redução da meta de superávit primário de 1,1% do PIB para 0,15% neste ano e, também, o corte das metas para os anos seguintes. O segundo foi o envio da proposta de Orçamento de 2016 para o Congresso Nacional com um déficit de 0,5% do PIB. O terceiro evento foi resultado dos dois primeiros, que levaram o país a perder o grau de investimento da dívida soberana pela agência Standard & Poor's.

Todos esses desacertos do governo custaram, até agora, cerca de dois pontos percentuais na curva de juros, que foram para o patamar de 15% ao ano como expressão do medo do mercado, que passou a cobrar prêmio de risco sobre tudo. Temor que é alimentado pelo desconhecimento sobre qual é, de fato, o regime fiscal no Brasil.

Sem uma resposta clara para essa dúvida - que deveria ser simples - é impossível conhecer a trajetória da dívida pública como proporção do PIB. E sem ter essa noção adentra-se em um terreno perigoso, onde o limite é a incapacidade do Tesouro Nacional de honrar seus compromissos.

Isso sem considerar que uma crise fiscal no país, hoje, se transformaria rapidamente em uma crise cambial, na medida que estimularia a fuga de capitais. É bom lembrar que aproximadamente 18% da dívida interna está em poder de investidores estrangeiros. Juros "flat" de 15% ao ano é taxa de "default".

O que está em risco é jogar fora todo o trabalho de política monetária que foi feito pelo Banco Central desde abril de 2013 para cá, quando a taxa básica de juros praticamente dobrou, de 7,25% para 14,25% ao ano. A despesa do Orçamento com juros é de quase 8% do PIB - de acordo com os dados oficiais, chegou a 7,92% do PIB nos 12 meses encerrados em julho. Houve, portanto, um substancial aumento desse gasto - em relação aos 4,85% do PIB em igual período de 2013 - para o BC conseguir, com seus erros e acertos, domar a inflação em meio a uma forte correção de preços relativos e ter como meta o IPCA de 4,5% em dezembro de 2016.

Legalização de jogos de azar é vista como nova fonte de receita

Por Vandson Lima e Raphael Di Cunto – Valor Econômico

BRASÍLIA - Em articulação com o Palácio do Planalto, o presidente da comissão especial do Senado que analisa a chamada "Agenda Brasil", senador Otto Alencar (PSD-BA), solicitou que seja juntado ao grupo de propostas para reanimar a economia um projeto, do senador Ciro Nogueira (PP-PI), que legaliza os jogos de azar - desde o jogo do bicho à atividade de bingos e cassinos - em todo o país.

O pedido coincidiu com a consulta feita ontem pelo governo a líderes partidários da Câmara, em reunião com a presidente Dilma Rousseff, sobre a receptividade da Casa para aprovar a regularização de jogos com o objetivo de obter nova fonte de receitas.

Segundo relatos, os líderes conversavam com Dilma sobre uma agenda a ser apresentada ao governo quando o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, disse ter recebido dos senadores a informação de que a defesa da legalização do jogo para aumentar a arrecadação estava muito forte no Congresso e perguntou se a medida tinha apoio na Câmara.

Os líderes do PR, Maurício Quintella (AL), e do PP, Eduardo da Fonte (PE), defenderam a proposta, mas houve divisão. Leonardo Picciani (PMDB-RJ), disse que o projeto já foi votado três vezes na Câmara e sempre foi rejeitado por pressão das bancadas religiosas e do governo, que orientou contra em outras oportunidades.

Questionado posteriormente sobre a proposta, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), afirmou ser contra, mas que reconheceu que é minoria neste tema. "Sou contra jogos de azar, [mas] acho que tem boa chance de se aprovar", disse.

Para o pemedebista, o governo federal não pode depender disso para solucionar a questão fiscal. "País que depende de jogo de azar para poder resolver a sua conta é mais ou menos igual a trabalhador que não tem salário e vai para o cassino para ganhar dinheiro e pagar despesa", afirmou. "Vamos depender da sorte dos outros."

No caso do jogo do bicho, o projeto institui que 60% do montante arrecadado seria destinado à premiação, 7% para a unidade federada do domicílio fiscal da empresa, 3% para o município e os 30% restantes para a empresa que explora a atividade.

Os jogos de azar seriam explorados com autorização dos Estados, que ficariam responsáveis por regular, normatizar e fiscalizar os estabelecimentos. A autorização dos cassinos seria, pelo projeto, concedida por prazo determinado, de 20 anos. Os bingos também seriam regulados pela legislação.

Na justificação da proposta, Ciro Nogueira - que está entre os parlamentares investigados no âmbito da Operação Lava-Jato - alega que "é preciso deixar o discurso demagógico de lado diante de um fato social irreversível. A legislação proibitiva não alterou o cenário de ilegalidade no Brasil, que movimenta anualmente em apostas clandestinas mais de R$ 18 bilhões com o jogo do bicho, bingos, caça-níqueis e apostas esportivas, i-gaming e pôquer pela internet".

O senador diz que o país deixa de arrecadar "em torno de R$ 15 bilhões" anuais por não ter um marco legal e não arrecadar impostos com os jogos de azar.

Governo sonda deputados sobre legalizar jogo para ajudar ajuste

• Senador que levou ideia ao Planalto estima arrecadação em R$ 20 bi por ano

Isabel Braga, Evandro Éboli, Cristiane Jungblut e Bárbara Nascimento - O Globo

BRASÍLIA - O Planalto sondou deputados sobre a viabilidade de se aprovar a legalização do jogo como forma de aumentar a arrecadação. -BRASÍLIA- A legalização de bingos e cassinos passou ontem a ser aventada como uma saída para o ajuste fiscal. Em uma reunião com os líderes da base aliada na Câmara, a presidente Dilma Rousseff sondou os deputados sobre a receptividade em suas bancadas da legalização dos jogos de azar no Brasil. Segundo o líder do PR, Maurício Quintella Lessa (PR-AL), os ministros comentaram que a proposta foi apresentada por alguns senadores em reunião com o governo, e a maioria dos presentes se mostrou favorável. A ideia é preliminar, mas poderia se tratar da legalização tanto dos jogos na internet, quanto em cassinos e bingos. A taxação dos jogos garantiria mais recursos aos cofres públicos. O senador Otto Alencar (PSD-BA), um dos que levaram a proposta ao Planalto, calcula que o governo pode arrecadar até R$ 20 bilhões por ano com os jogos de azar.

— Na internet hoje já se consegue jogar. Podemos estender a legalização para cassinos, bingos. Os ministros apresentaram a ideia e pediram para verificar nas bancadas. Na Câmara, também tem receptividade. A presidente perguntou o que a gente achava, e muitos líderes disseram apoiar — contou Quintella Lessa.

De acordo com o líder do PR, projetos nesse sentido passaram no Senado, mas acabaram sendo derrotados na Câmara. A derrota aconteceu, disse Lessa, por reação forte das igrejas, mas também porque o governo estava contra. O líder do PR afirmou que existem propostas nesse sentido tramitando na Casa e que podem ser avaliadas. O líder do PROS, Domingos Neto (CE), ressaltou que o governo quis saber a receptividade da Câmara, pois o debate estaria crescendo no Senado com força, mas destacou que os ministros e a presidente não se posicionaram sobre a questão.

— Não teve uma demonstração de que o governo é a favor ou contra. Os ministros falaram sobre a ideia que está nascendo forte no Senado e quiseram saber a receptividade do tema nas bancadas da Câmara. Não tinha uma proposta concreta, o governo só quis saber a opinião em relação ao debate. Eu comentei que poderia colocar só em regiões de baixo desenvolvimento econômico e social, por exemplo — disse o líder do PROS.

Cunha se opõe à ideia
Contrário à legalização do jogo no Brasil, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), criticou a intenção do governo. Segundo Cunha, proposta neste sentido tem “boa chance” de ser aprovada na Câmara, mas a solução para o equilíbrio das contas públicas deveria vir de cortes, e não de arrecadação com jogos de azar. Segundo ele, seria novamente o governo tangenciando o problema e não reduzindo seus gastos.

— Vamos depender da sorte dos outros. País que depende de um jogo de azar para resolver sua conta é mais ou menos igual ao trabalhador que não tem salário e vai para o cassino para ganhar o dinheiro e poder pagar suas despesas. Não podemos ir para o cassino para resolver o nosso problema — ironizou Cunha.

Está pronta para ser instalada na Câmara uma comissão especial para analisar a legalização de jogos no Brasil. Todos os partidos já indicaram integrantes para a comissão, que só falta ser instalada por Cunha. Entre os indicados estão Quintella Lessa; Paulo Pereira da Silva (SD-SP), o Paulinho da Força, um dos entusiastas da legalização; e Nelson Marquezelli (PTB-SP), um porta-voz do setor no Congresso.

A possibilidade de legalizar os jogos não foi a única novidade de ontem no ajuste fiscal do governo. Pressionado pelos parlamentares da Comissão Mista de Orçamento (CMO), o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, mudou o discurso e disse que a ideia de repassar para os parlamentares a tarefa de cobrir despesas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e da Saúde com suas emendas individuais — usualmente destinadas a pequenas obras paroquiais — era apenas uma sugestão.

Barbosa, segundo parlamentares, teve que explicar a questão do papel das emendas individuais no ajuste. Pelas regras orçamentárias, os parlamentares têm liberdade de destinar as verbas para as obras que desejarem. O governo conta com R$ 7,6 bilhões das emendas individuais para fazer os remanejamentos no Orçamento de 2016 e reverter o déficit de R$ 30,5 bilhões.

A manobra é para evitar uma redução de recursos do PAC. Sem esse dinheiro, o PAC perderá R$ 3,8 bilhões.

— O ministro disse que os parlamentares não são obrigados, mas disse que quem quiser colaborar com o ajuste poderá destinar suas emendas para a lista de obras que o governo enviará. — disse o deputado Pauderney Avelino (DEM-AM).

O mesmo valerá para a Saúde. O governo também deixará a cargo dos deputados e senadores a decisão sobre se querem ou não destinar os R$ 3,8 bilhões de emendas que obrigatoriamente já seguem para a Saúde para os programas prioritários do governo.

O ministro do Planejamento apresentará uma “lista” de obras do PAC para as quais gostaria que os parlamentares destinassem suas verbas. Os parlamentares até aceitam destinar recursos para programas nacionais de Saúde, mas não querem deixar de destinar os outros 50% para obras que quiserem e que geralmente são de suas cidades e não estão no PAC.

Barbosa esclarece medidas
Na saída do encontro, Barbosa admitiu que teve que dar explicações aos parlamentares.

— A gente esclareceu as medidas. Como vocês viram no dia do anúncio, são nove medidas muito técnicas e que envolvem a aplicação de recursos de emendas parlamentares. Esclarecemos qual é a nossa proposta. Vamos reduzir nossa despesa discricionária e vamos fazer uma proposta para o Congresso para que essa redução possa ser compensada total ou parcialmente por emendas parlamentares — disse Barbosa.

Apesar da resistência em relação a várias das medidas do ajuste, Barbosa e o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, garantiram que não pretendem modificar as propostas. Os ministros afirmaram que o governo não tem um plano B.

— O governo tem um plano Ae é esse plano A que estamos empenhados em aprovar — enfatizou Barbosa.

— Não há intenção de modificar as propostas que a gente anunciou e devemos enviar ( ao Congresso) o que foi anunciado. Evidentemente, depois há um processo legislativo de discussão, mas isso seria uma segunda etapa — emendou Levy.

Levy e Barbosa destacaram que as medidas eram temporárias e faziam parte de uma “travessia” para um momento melhor da economia. Parlamentares da oposição criticaram a “aula” dos ministros. Já os aliados insistiram que o governo está aberto ao diálogo. Segundo participantes da reunião, Levy argumentou que as taxas de juros tendem a cair com o impacto positivo do ajuste. Já em relação à volta da CPMF, o ministro da Fazenda disse que o tributo é a “medida adequada para este momento”, pelo baixo impacto inflacionário e por afetar menos o setor produtivo.

Para economistas tucanos, prioridade é superar a crise política

Por Eduardo Campos e Raquel Ulhôa - Valor Econômico

BRASÍLIA - Políticos do PSDB e quatro economistas ligados à legenda criticaram ontem, em seminário organizado pelo partido, em Brasília, a matriz econômica, com o reconhecimento de que, antes de qualquer providência para realinhar a economia, é necessário superar a crise política, para que o governo tenha legitimidade e respaldo no Congresso para atacar os problemas no lado fiscal, promover uma reforma da Previdência, desindexar o salário mínimo e desvincular gastos do Orçamento.

O seminário "Caminhos para o Brasil" marcou a abertura das comemorações dos 20 anos do Instituto Teotônio Vilela, órgão de estudos do PSDB. Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central e um dos participantes dos debates, apontou que qualquer evento externo não tem importância comparável ao que acontece aqui dentro. Para ele, o quadro fiscal atual é gravíssimo e isso acabou se aprofundando em uma crise econômica que se mistura com outras crises, de corrupção e de valores.

Segundo ele, o Estado está "doente", "quebrado, capturado", "corrompido" e "refém de interesses partidários e privados" e se mostra incapaz de enfrentar a desigualdade de renda. Defendeu o fim de todas as vinculações orçamentárias, a adoção de mecanismos de meritocracia e a discussão da estabilidade do funcionalismo público, mudança radical na governança das estatais e reforma tributária profunda.

"Na prática, isso significa desmontar a nova matriz econômica. Mudanças radicais no Estado. Se isso não for feito, não temos chance desenvolver esse país. A opção é fazer um ajuste bem feito, arrumar a casa, atualizar nosso software para crescer, distribuir, ter uma sociedade mais justa, com igualdade de oportunidades, ou não fazer isso e provavelmente mergulhar num abismo de todo regime populista que existe no planeta", afirmou o ex-ministro.

Após o evento, em conversa com os jornalistas, Arminio disse que a CPMF é um imposto de "péssima qualidade" e que a tentativa de voltar com sua cobrança espelha a emergência que estamos vivendo.

Mansueto Almeida, economista e pesquisador do Ipea, apontou que o ajuste fiscal é sempre um debate político em qualquer lugar do mundo, mas que falta um governo disposto a colocar os assuntos sérios na mesa e debater com a sociedade. "Não tem plano de ajuste estrutural", disse, apontando que enquanto não se revisar o modelo de gasto obrigatório, o país pode crescer 4% a 5% ao ano que não se resolve a questão fiscal.

Samuel Pessôa, economista e pesquisador do Ibre-FGV, foi o mais enfático ao apontar a responsabilidade do PT pela situação da economia e ao dizer que simplesmente trocar de presidente não resolverá a situação.

"Os problemas foram criados por essa administração. O problema é de responsabilidade desse grupo político que está á frente do Executivo nacional há 13 anos", afirmou Pessôa. "Dito isso, uma vez criado o problema, simplesmente tirar ela [a presidente Dilma ] e colocar outra pessoa não vai resolver os problemas. Eles continuarão lá. Dependerá da nossa capacidade de articular politicamente no Congresso uma frente ampla em torno de uma agenda extensa de reforma, para que possamos superar os desafios que temos pela frente."

Gustavo Franco, também ex-presidente do BC, chamou a nova matriz de ensaio de "nacional-inflacionismo", complementando conceito trazido por Pessôa, segundo o qual o governo fez um "ensaio nacional-desenvolvimentista". Para ele, o Brasil é o país mais endividado do mundo considerando seu nível de riqueza. Para convencer a sociedade a alocar dois terços da renda em papel público, o governo tem de pagar uma taxa muito alta. "É por isso que os juros são estupidamente elevados. Não porque o BC é conservador, malvado. É o tamanho da dívida pública", disse.

Franco também disse enxergar inconstitucionalidades e "pedaladas" na transferência de títulos do Tesouro para o BC nas "operações compromissadas". Para ele, um terço da dívida pública está com o BC, via repasse de títulos que o Tesouro não conseguiu colocar no mercado. "A pergunta que não quer calar é se esse negócio não é uma pedalada. Fico na dúvida. Tenho dificuldade com a ideia de que a transferência sem ônus de título do Tesouro para o BC não seja financiamento indireto do Tesouro, que é o efeito econômico disso que está se passando."

"Golpe é usar dinheiro do crime para obter votos" diz Aécio

Por Raquel Ulhôa e Eduardo Campos - Valor Econômico

BRASÍLIA - Em resposta à presidente Dilma Rousseff, que na quarta-feira voltou a acusar a oposição de golpismo e de usar atalhos para tentar chegar ao poder, argumentando que "a legitimidade do voto é a base da democracia", o senador Aécio Neves (PSDB-MG) afirmou que o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estão investigando se o mandato da petista foi obtido de forma legal. Para ele, Dilma está obcecada com o fim do seu governo e deve ter serenidade para aguardar as decisões dos tribunais.

"Golpe e atalho para se chegar ao poder é se utilizar do dinheiro do crime ou de irresponsabilidade fiscal para obter votos. Não faço aqui pré-julgamentos, mas temos de garantir que as nossas instituições estejam blindadas", disse, em seminário com economistas ligados ao PSDB.

A ação julgada no TSE pede a cassação dos mandatos de Dilma e do vice-presidente Michel Temer por suposta utilização, na campanha de 2014, de dinheiro do esquema de corrupção da Petrobras, revelado pela Operação Lava-Jato, da Polícia Federal. Já o TCU avalia se Dilma descumpriu a Lei de Responsabilidade Fiscal com as manobras fiscais conhecidas como pedaladas ou assinando crédito sem autorização congressual para se beneficiar eleitoralmente.

Aécio manifestou a expectativa em que o TCU decida rapidamente a questão das pedaladas e o TSE retome em breve o julgamento, interrompido por pedido de vista da ministra Luciana Lóssio.

PT apoia CPMF e ajuste, com críticas

A Executiva do PT aprovou resolução que apoia a volta da CPMF e outras medidas do ajuste, com a ressalva de que são impopulares.

PT apoia volta da CPMF e impede críticas ao pacote

• Executiva se nega a classificar ajuste de recessivo, mas lembra que medidas são impopulares

Sérgio Roxo, Simone Iglesias e Washington Luis - O Globo

-SÃO PAULO e BRASÍLIA- Apesar de defender novamente a reorientação da política econômica, o PT manifestou ontem apoio ao pacote de medidas anunciado na segunda-feira pelo governo. Resolução divulgada após reunião da Executiva do partido elogia a proposta de recriação da CPMF, e afirma que as medidas preservam os programas sociais. Apesar do apoio, no entanto, o partido se queixa da falta de diálogo na elaboração das medidas e também ressalta que os obstáculos da crise atual serão superados com a continuidade do projeto da legenda e não com “concessões a políticas antipopulares de austeridade”.

Durante a reunião, grupos minoritários da esquerda do PT chegaram a apresentar um texto com críticas diretas ao pacote. O documento dizia que o “conjunto de medidas não constitui uma resposta adequada aos reais problemas nacionais”, classificava o ajuste do governo de recessivo e defendia a adoção de “uma nova política econômica”, mas foi rejeitado por 11 votos a 4.

Ao mesmo tempo que mantém apoio ao governo, a resolução aprovada pela maioria da Executiva cobra do governo medidas complementares, como a taxação de grandes fortunas e heranças, além da adoção de programas de combate à sonegação. Também propõe a criação de uma linha de corte na cobrança da CPMF para que os mais pobres sejam poupados. A nota oficial critica ainda a forma como as medidas foram apresentadas. “Como em outras ocasiões, faltou ao governo diálogo prévio e comunicação mais eficiente, falhas que precisam ser sanadas através de interlocução permanente com a sociedade, sobretudo com os movimentos organizados”, afirma o texto.

Ao contrário da avaliação de movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT), o PT entende que prevaleceu no pacote do governo a “orientação de não sacrificar os programas sociais”. “Ao contrário do início do ano, quando o ajuste incidiu sobre direitos trabalhistas e previdenciários, desta vez a conta chegou ao chamado andar de cima, como, por exemplo, o aumento da alíquotas sobre capital próprio”, afirma a nota.

O partido também relata que, por meio de seu grupo de economistas, atuará para promover “uma reorientação da política econômica”. Em entrevista depois da reunião, o presidente do PT, Rui Falcão, evitou entrar polêmica sobre a possibilidade de o partido perder espaço na reforma ministerial da presidente Dilma, mas defendeu a permanência de Aloizio Mercadante na Casa Civil.

— As decisões sobre composição de ministério são prerrogativa da presidente da República. Acho que o ministro Mercadante vem cumprido as funções estritas da Casa Civil e nesse papel deveria ser mantido — disse Falcão.

Com dificuldade para conseguir apoio da sociedade e do Congresso para aprovar o pacote de ajuste fiscal, incluindo a recriação da CPMF, Dilma fez uma reunião com ao menos 12 ministros à tarde no Palácio da Alvorada, onde determinou uma “força-tarefa” pela aprovação do ajuste, segundo um participante. No começo da noite, ela recebeu o ex-presidente Lula para discutir as propostas que o governo apresentou segunda-feira e a reforma ministerial, a ser anunciada na próxima semana.

Antes, Lula se reuniu com parlamentares petistas. Ouviu dos correligionários que o clima é o pior possível, e há pouca chance de aprovação da CPMF. Segundo um desses parlamentares, Lula afirmou concordar com a essência do pacote. No entanto, demonstrou muita preocupação com o ânimo dos parlamentares. Lula manteve sua posição pela saída de Mercadante e sua substituição pelo ministro da Defesa, Jaques Wagner.

Discurso de Lula é para segurar base social do partido

Por Cristiano Romero, Andrea Jubé e Fernando Taquari - Valor Econômico

BRASÍLIA e SÃO PAULO - O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu criticar abertamente a política econômica do governo por duas razões: a própria presidente Dilma Rousseff não mostra convicção em relação às medidas do ajuste fiscal e a chamada base social do PT é contrária ao arrocho nas contas públicas. "Lula está se posicionando, garantindo a base social e o PT", revelou um interlocutor privilegiado do ex-presidente.

A informação, dada pelo Valor, de que Lula está pressionando Dilma a mudar a economia, substituindo o ajuste fiscal por uma política de estímulo ao crescimento a qualquer preço, surpreendeu o mercado porque, em sua gestão, ex-presidente promoveu um forte ajuste nas contas públicas, principalmente, no primeiro mandato (2003-2006). O ajuste tirou o país de uma crise profunda e criou, rapidamente, as condições para a economia crescer a taxas elevadas nos anos seguintes.

"Ela [Dilma] não quer consertar o que está errado. Vou eu defender a política econômica dela?", teria indagado Lula em conversa com amigos. A avaliação é que a presidente tem agido de forma "pendular". O melhor exemplo foi o envio, ao Congresso, de uma proposta orçamentária deficitária, decisão que teria sido a gota d'água para a Standard &Poor's retirar o grau de investimento do país.

"Depois do rebaixamento, o governo reagiu e prometeu medidas. Quando essas vieram, ficou claro para todos que não haveria cortes efetivos de despesas, mas sim aumento de impostos", observou um interlocutor de Lula, acrescentando que a relação dele com Dilma está bastante "desgastada". "Ele [o ex-presidente] não vai defender o ajuste fiscal sem haver antes um diálogo."

Quando estava na Presidência, Lula apoiava as decisões do Ministério da Fazenda e do Banco Central, mas vazava à imprensa, por meio de assessores, a versão de que não concordara com algumas medidas, especialmente, quando o BC elevava a taxa de juros. O objetivo do vazamento era fazer um aceno à "plateia" (o PT e os movimentos sociais, insatisfeitos com o ajuste). Na prática, porém, ele endossava as decisões tanto da Fazenda quanto do BC.

Agora, diante da crise política que assola o governo, o ex-presidente faz os mesmos acenos, com a diferença de que os titulares da Fazenda e do BC não respondem a ele. "O Lula não vai ajudar na área fiscal." Um de seus interlocutores assegura que o ex-presidente não defende a demissão do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. "Ele ajudou a convencer Dilma a nomeá-lo. Isso não existe", diz a fonte.

Na opinião do ex-presidente e de alguns de seus auxiliares, o ajuste da economia - não só o fiscal, mas todo o ajuste, que inclui, por exemplo, as contas externas - está sendo feito. O problema, acreditam, é que a hesitação de Dilma, refletida na falta de coesão do governo, estaria aumentando o custo social do ajuste. "A inflação vai demorar mais para cair, portanto, os juros também. Isso vai retardar ainda mais a recuperação da economia", disse uma fonte próxima a Lula.

Ontem, o ex-presidente fez uma rodada de reuniões em Brasília com a presidente Dilma e um grupo de ministros do PT. Com Dilma, reuniu-se no fim da tarde no Palácio da Alvorada, a residência oficial da Presidência. À noite, estava previsto um jantar, sem a presença da presidente, com os ministros Jaques Wagner (Defesa), Edinho Silva (Comunicação Social), Miguel Rossetto (Secretaria Geral), Ricardo Berzoini (Comunicações) e Carlos Gabas (Previdência Social).

No início da tarde, a presidente Dilma reuniu os ministros do PT no Palácio da Alvorada para explicar as medidas do pacote fiscal e da reforma administrativa e pedir apoio. Rossetto não participou. Em outra frente, Lula intensificou a pressão por uma guinada na articulação política.

Foi a primeira reunião de Lula com Dilma desde o anúncio do novo pacote fiscal, que contempla, entre outras medidas, a recriação da CPMF e o congelamento dos salários do funcionalismo público.

Ontem, o Instituto Lula negou, por meio de nota, que o ex-presidente esteja pressionando o governo a alterar a política econômica. Contudo, uma liderança do PT, próxima a Lula, admitiu em conversa reservada com jornalistas, após solenidade no Palácio do Planalto, que o ex-presidente defende a flexibilização do ajuste, com medidas como o aumento da oferta de crédito por meio da liberação de parte dos depósitos compulsórios. O objetivo seria "manter o poder de compra dos brasileiros".

Lula teria ficado irritado com o método do anúncio das medidas, porque os cortes não foram discutidos previamente com ele, o PT e o PMDB. Lula avalia, por exemplo, que poderiam ter sido adotadas fórmulas para atenuar o impacto das iniciativas, como escalonar o congelamento do reajuste dos servidores por faixas salariais.

Dilma e Lula discutiram mudanças no ajuste fiscal e a reforma ministerial. O ex-presidente está preocupado com os problemas da política do governo, num momento em que a oposição intensifica a pressão pelo impeachment na Câmara. Acha que Dilma deve, prioritariamente, se reaproximar do PMDB. Ele se reuniu com o vice-presidente Michel Temer em São Paulo, no dia 5.

Diante da renúncia de Temer ao cargo de articulador político, Dilma cogita chamar Berzoini. O assessor especial da presidência, Giles Azevedo, atuaria como seu braço-direito. Se o cargo for extinto na reforma administrativa, Berzoini acumularia as atribuições com a pasta das Comunicações.

O PT decidiu ontem apoiar com ressalvas o pacote fiscal anunciado esta semana para equilibrar as contas públicas. Em reunião em São Paulo, o partido divulgou documento que defende as medidas "para minorar os impactos da crise mundial". O texto, porém, reconhece a impopularidade do ajuste, cobra diálogo com os servidores e propõe a fixação de um piso de incidência da CPMF.

Lula pede a Dilma que privilegie os 'fiéis' na reforma

• Ex-presidente se reúne com sucessora e defende mudança ampla na Esplanada, diminuindo o espaço dos 'traidores'

Vera Rosa - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Na primeira conversa com a presidente Dilma Rousseff após a divulgação do pacote fiscal, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu a ela que faça uma reforma ministerial mais ampla, para garantir sustentação política no Congresso e evitar o processo de impeachment. Lula disse a Dilma, na quinta-feira, que ela precisa aumentar o espaço dos aliados fiéis e diminuir os cargos dos traidores, porque somente assim conseguirá aprovar o ajuste e barrar iniciativas para afastá-la do Planalto.

Na lista dos partidos que comandam ministérios e votaram contra medidas propostas pela equipe econômica na primeira fase do ajuste estão o PR, que controla os Transportes; o PDT, no Trabalho; e o PRB, no Esporte. A avaliação é de que tudo tem de ser feito para impedir que um pedido de impeachment seja aceito na Câmara comandada por Eduardo Cunha (PMDB-RJ) porque, se isso ocorrer, será muito difícil deter sua tramitação com a pressão das ruas.

Apesar de defender mudanças na política econômica e achar que Dilma deveria ter adotado outro caminho para reequilibrar o Orçamento, Lula disse que é necessário "pôr no Ministério quem ajuda o governo no Congresso" para aprovar o quanto antes o pacote fiscal, mesmo se houver recuos estratégicos, como um prazo menor de vigência da CPMF.

Depois de se encontrar com Dilma, Lula jantou com ministros do PT e considerou a situação "gravíssima". Na conversa, o diagnóstico foi que outra derrota de Dilma no Congresso, neste momento, pode ser fatal para ela.

"Nós precisamos nos unir. Mesmo quem não concorda com um ponto aqui, outro acolá, tem de apoiar nossa companheira", disse Lula, segundo relato de um dos participantes do encontro. "Mas nós também precisamos dar uma notícia boa para a população. Não dá para só falar em desemprego, recessão, imposto e corte."

Embora faça reparos ao endurecimento do ajuste, Lula garantiu que não renovará as críticas à equipe econômica nem atacará as medidas em público. Para ele, a presidente deve dar uma "chacoalhada" no governo e mudar a articulação política, inclusive a Casa Civil, além de se reaproximar do vice Michel Temer, que comanda o PMDB.

Até agora, porém, Dilma resiste a tirar Aloizio Mercadante da Casa Civil e avisou que não cederá às pressões. O nome da ministra da Agricultura, Kátia Abreu (PMDB), chegou a ser cogitado para a pasta, mas ela não tem apoio integral do PMDB. Lula também disse, ontem, que não aprovaria a troca. Na sua opinião, o mais indicado para substituir Mercadante seria Jaques Wagner, titular da Defesa.

Único prefeito petista de capital do Nordeste, Cartaxo troca partido pelo PSD

• 'Não podemos ser penalizados pelos erros dos outros. Não podemos penalizar a cidade de João Pessoa por questões nacionais', disse o polít, que deixou o PT depois de 20 anos de militância

Adelson Barbosa dos Santos - O Estado de S. Paulo

JOÃO PESSOA - Único petista à frente da administração de uma capital do Nordeste, o prefeito de João Pessoa, Luciano Cartaxo, anunciou nesta quinta-feira, 17, sua desfiliação do PT e o ingresso no PSD do ministro Gilberto Kassab (Cidades). O político alegou que está deixando o PT por causa dos escândalos que envolvem o partido no plano nacional e porque precisaria de liberdade para continuar alianças celebradas desde o início da gestão com partidos como PSDB, PPS e SD, todos de oposição à presidente Dilma Rousseff.

"Não podemos ser penalizados pelos erros dos outros. Não podemos penalizar a cidade de João Pessoa por questões nacionais", disse Cartaxo, que sai do PT depois de 20 anos de militância, quatro mandatos de vereador, um de deputado estadual e um de vice-governador. Ele afirmou ter tomado uma decisão corajosa, pensada, amadurecida e equilibrada. "Reafirmo o meu compromisso com a cidade de João Pessoa e repito: o que acontece nacionalmente (escândalos envolvendo o Governo e o PT) não pode penalizar a cidade", disse o prefeito.

Cartaxo afirmou que, como petista, não tinha tempo a perder dando explicações sobre fatos nacionais que nada têm a ver com a cidade de João Pessoa. "Não podemos perder um minuto explicando problemas que não foram criados por nós, nem pelos petistas da Paraíba", declarou o prefeito de João Pessoa.

Segundo ele, a decisão de trocar o PT pelo PSD lhe dará mobilidade para agregar qualquer força política que queira contribuir para o crescimento de João Pessoa. "Vamos respirar outros ares e crescer", frisou. Ele disse acreditar que não haverá retaliações do Palácio do Planalto por causa da sua decisão de abandonar o PT.

"Até porque, o PSD faz parte da base da presidente Dilma e nós vamos manter a relação institucional com o Palácio do Planalto, Não creio que uma posição partidária possa prejudicar uma população inteira. Não é esse o perfil da presidente Dilma", afirmou.

Cartaxo comunicou que seu irmão gêmeo, Lucélio Cartaxo, presidente municipal do PT de João Pessoa, deixou a função nessa quarta e entregou o cargo de presidente da Companhia Docas da Paraíba, empresa que administra o Porto de Cabedelo, para o qual foi nomeado pelo governador Ricardo Coutinho em função da aliança que o PT fez com o PSB para o Governo do Estado em 2014.
Lucélio Cartaxo foi candidato a senador pelo PT em 2014, teve o apoio da presidente Dilma, mas perdeu para José Maranhão (PMDB). Atualmente, Maranhão é aliado da petista, assim como Ricardo Coutinho (PSB), um dos governadores que mais defendem a presidente das críticas do PSDB.

PSDB vai acusar Dilma de mentir sobre CPMF

• Propaganda mostrará petista contra tributo

Daniela Lima – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O PSDB vai usar a proposta de retomada da CPMF para acusar novamente a presidente Dilma Rousseff de ter mentido à população.

Na próxima propaganda nacional do partido, a sigla exibirá imagens de entrevistas antigas da petista desqualificando o tributo.

Segundo a Folha apurou, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) vai explorar o cenário de crise econômica e o mote será o questionamento : "dá para o Brasil ser governado pela mentira?".

Além de Aécio, falarão no programa o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o senador José Serra (SP).

O discurso de Serra também será centrado na deterioração do cenário econômico. Ele dirá que o PT escondeu a verdade dos brasileiros para continuar no Planalto e que, hoje, o país sofre com o desemprego e "juros nas nuvens".

Boa parte dos discursos do programa foram gravados na última quarta-feira (16). A propaganda irá aí ar no próximo dia 27.

Roberto Freire - O último ato

O anúncio atabalhoado do pacote que prevê um corte de R$ 26 bilhões nas despesas do governo e propõe um aumento de cerca de R$ 40 bilhões na arrecadação, com R$ 32 bilhões provenientes de uma nova CPMF, desnudou mais uma vez o quanto Dilma Rousseff e sua equipe econômica estão desnorteadas e não têm capacidade de oferecer alternativas concretas para o país sair da crise. As medidas anunciadas pelos ministros da Fazenda e do Planejamento, que dependem em sua quase totalidade do Congresso Nacional, revelam que o PT pretende jogar sobre os ombros dos brasileiros a enorme fatura por sua própria incompetência nos últimos 13 anos.

O desmantelo é tão evidente que, há menos de um mês, Dilma enviou ao Congresso uma proposta de Orçamento deficitário em mais de R$ 30 bilhões justamente porque não teve a coragem de assumir o ajuste que agora apresenta como a solução para todos os males do Brasil. Nesta nova investida para recuperar a credibilidade perdida, o governo se dispõe a fazer um corte de gastos insignificante, muito menor que a previsão de receita advinda dos novos impostos. O pacote se ancora, fundamentalmente, no aumento de uma carga tributária já obscena e na recriação da CPMF, amplamente rejeitada pelos brasileiros e que certamente não será aprovada no Parlamento.

É quase um delírio imaginar que um governo inepto, acuado e reprovado pela população conte com o beneplácito do Legislativo em seu intuito de tungar o cidadão e fazê-lo pagar a conta pela inoperância dos que levaram a economia brasileira ao buraco. Talvez só seja possível discutir um pacote de austeridade ou mesmo o aumento da carga tributária em um outro ambiente político, sob novas bases, com uma liderança que tenha o respeito da sociedade. Sob Dilma, o ajuste fiscal tem um sabor amargo de fraude e não passa de uma tentativa de escamotear a irresponsabilidade lulopetista e ludibriar novamente a nação.

O estelionato eleitoral praticado pela presidente da República, que agora se vê obrigada a levar a cabo tudo aquilo que acusou seus adversários de fazerem caso eleitos (cortar gastos, reduzir programas sociais, suspender concursos públicos, adiar o reajuste dos servidores etc.), diminui ainda mais a confiança da população na gestão que aí está. O PT nunca teve um projeto de desenvolvimento para o país, mas sempre contou com uma máquina de propaganda eficiente capaz de “fazer o diabo” para vencer eleições. O conto de fadas chegou ao fim, o país está no chão e os brasileiros não se deixam mais enganar por quem mostra a cada dia que não tem condições políticas e morais de comandar coisa alguma.

O último ato do governo de Dilma Rousseff já começou a ser escrito e, ao que tudo indica, não deve se transformar em um capítulo tão longo. O Brasil exige uma saída rápida e um desfecho democrático para a grave crise que atravessa. O processo constitucional do impeachment já foi deflagrado no Congresso Nacional e hoje se impõe como uma necessidade absoluta para resgatarmos a confiança no futuro e retomarmos o caminho do desenvolvimento. É o que a sociedade deseja, é o que o país precisa.

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Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS

Alberto Aggio - A democracia na América Latina como construção histórica

• A América Latina das primeiras décadas do século XXI está frente a uma disjuntiva que opõe a chamada “pós-democracia” e os desafios da construção de uma democracia de maior qualidade.

-QD – Qualidade da Democracia

A conquista da democracia política parece ser o movimento histórico mais extraordinário que as sociedades latino-americanas realizaram nas últimas décadas do século XX e nos primeiros anos que abriram o novo milênio. Mesmo com todas as inseguranças e incertezas, o reconhecimento dessa conquista é quase consensual. A corroborar tal fato, o cientista político norte-americano, Peter H. Smith, concluiu, no final da primeira década do século XXI, que as massas latino-americanas não mais estavam pegando em armas e fugindo para as montanhas para iniciarem guerrilhas ou colocando bombas contra alvos militares ou civis. O que havia mudado é que elas, ao contrário, estavam votando e, mesmo com todo o ceticismo, não rechaçavam a política democrática. O voto passaria a coincidir com a expectativa de melhorar a vida por meio de reformas de amplo alcance. Tratava-se, sem duvida, de uma transformação significativa que demonstrava querer ir além e buscar unir a luta contra antigas mazelas, como a pobreza e a iniquidade que ainda assolam as sociedades latino-americanas, com novos objetivos voltados para a manutenção da estabilidade econômica e outros mais ambiciosos que apontam para um desenvolvimento sustentável.

Foi uma longa e árdua travessia, certamente ainda inconclusa, demarcada pela superação dos regimes autoritários e o estabelecimento de diversas situações democráticas, algumas mais consolidadas do que outras. Hoje, como todos nós sentimos e às vezes nos angustiamos, estamos imersos em novos problemas que afrontam o amadurecimento da jovem democracia latino-americana.

Os desafios que o combate aos regimes autoritários colocou à sociedade acabaram por promover uma virada tanto intelectual quanto simbólica entre os setores de pensamento democrático e progressista da região. Do fato e da sedução pela revolução, tão poderosa nas décadas de 1960 e 1970, se passou, como demarcou Norbert Lechner, a uma reflexão mais sistemática a respeito da democracia, em suas diversas dimensões, ainda que de início esta fosse percebida mais como uma esperança difusa do que como uma realidade política complexa que, aos poucos foi se afirmando. Em termos histórico-estruturais, essa mudança de perspectiva calou fundo no ambiente intelectual e político e, a partir daí, se fortaleceu a convicção de que a democracia era um elemento intrínseco à modernização que a América Latina necessitava.

Pode-se dizer, em termos sintéticos, que foi o “movimento democrático” geral, de selo policlassista, que abriu a possibilidade para se avançar em direção a uma cidadania mais alargada, com “velhos” e novos direitos sendo consagrados no âmbito do Estado e da sociedade civil. No conjunto da América Latina, o caso brasileiro apresenta a mais expressiva e avançada conquista nessa direção em razão da luta, elaboração e promulgação da Constituição de 1988, considerada a mais democrática de toda a história do país. Em termos mais amplos, o “movimento democrático” que se generalizou pela América Latina também possibilitou que atores étnicos e culturais historicamente excluídos viessem à luz em alguns países e postulassem, por meio de movimentos sociais vigorosos, outra organização estatal e civil, reconfigurando ou mesmo reinventando a Nação, como no recente caso boliviano. Inversamente, em países que não vivenciaram dinâmicas democratizantes de caráter similar, como a Venezuela, onde a mudança se impôs em função da falência de uma classe política afogada na corrupção, acabaria emergindo uma situação politica na qual foi se instalando, pouco a pouco, um jogo de soma zero. O resultado, como sabemos, foi a instalação e expansão daquilo que alguns analistas passaram a qualificar como um retorno do populismo.

Ocorre que o mundo e a América Latina já não eram mais os mesmos de meados do século XX, período do auge da “era do populismo”. A luta política contra os regimes autoritários havia deslocado o populismo do centro da política latino-americana, recusando a centralidade do Estado como paradigma, ao mesmo tempo em que promovia a autonomia da sociedade civil em sua dinâmica de expansão da cidadania. No plano mundial, as mudanças no padrão produtivo das últimas décadas do século XX, com a internet à frente de uma verdadeira revolução organizacional e comunicacional, alteravam drasticamente as relações entre política e mercados, colocando em questão o antigo poderio dos Estados nacionais. Tudo isso reduziu o populismo a não mais do que um constructo ideológico, passível de ser mobilizável intelectual e politicamente apenas na “era dos Estados nacionais”, anacrônico no contexto de globalização.

Assim, a mesma quadra histórica que possibilitou os avanços das amplas liberdades, do pluralismo e da alternância de poder também produziu uma espécie de “revanche do populismo”, expresso na moldura do bolivarianismo. O mal denominado “populismo do século XXI”, diferentemente do anterior, radicalizou os termos de sua definição no sentido de buscar uma identidade integral entre a instituição do “povo-sujeito” e a política, anulando a ideia de representação. Nesta formulação, da qual E. Laclau parece ser o principal teórico, a razão populista e a razão política são concebidas como idênticas, o que desloca para um plano secundário a deliberação racional vigente nas democracias ocidentais. É essa radicalização, contraposta à modernidade e avessa ao individuo e à sua expressão autônoma, que dá sustentação às reformas constitucionais que se seguiram, nas quais o que se pretende estabelecer é a “eternização no poder” de forças que se autodefinem como única e legítima expressão da vontade popular.

Trata-se efetivamente de “uma espécie de autoritarismo baseado no consenso”, como definiu Félix Patzi, ex-ministro da educação da Bolívia. Alguns analistas definem essa estratégia como “pós-democrática”, na qual predominaria o autoritarismo, a intolerância e o antipluralismo, expressos na afronta aos direitos humanos, na supressão das liberdades e na repressão e perseguição aos opositores políticos, aos juízes e jornalistas. Sem duvida, um cenário de risco para a democracia que, combinado com a corrupção endêmica, largamente disseminada pelas instituições públicas, tornam o ambiente político extremamente carregado e incerto.

A América Latina das primeiras décadas do século XXI está frente a uma disjuntiva que opõe a chamada “pós-democracia” e os desafios da construção de uma democracia de maior qualidade, fundada em instituições representativas que deem suporte a uma conduta intransigente e de punição exemplar à corrupção, que apoiem concretamente projetos para minimizar os abismos sociais existentes e que favoreçam o estabelecimento de uma nova cultura politica estabelecida a partir do entendimento de que os problemas da democracia não são passiveis de serem realmente enfrentados de uma maneira simplista, retórica e ilusória. Difusamente, é isso que nos dizem as multidões que ganharam ruas e praças nos últimos anos, do Chile ao Equador, da Venezuela ao Brasil.

Referências
LACLAU, E. A razão populista. São Paulo: Três Estrelas, 2013.
LECHNER, N. “De la revolución a la democracia”. Opciones, Santiago, mayo-agosto, 1985.
SMITH, P. H. La democracia en América Latina. Madrid: Marcial Pons, 2009.

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Alberto Aggio é professor titular da Unesp, campus de Franca, autor de Um lugar no mundo – estudos de história política latino-americana. Brasília/ Rio de Janeiro: FAP/Contraponto, 2015.

Merval Pereira - E agora?

- O Globo

Retomar o tema do financiamento está nas mãos do Senado. A formalização da decisão do Supremo Tribunal Federal ( STF) de proibição de financiamento de campanhas eleitorais por pessoas jurídicas causou um impacto no mundo político poucas vezes visto. “E agora, como fica?”, perguntou por WhatsApp o prefeito do Rio, Eduardo Paes, ao relator do projeto na Câmara, Rodrigo Maia. A resposta: “Agora, pergunta ao Renan”.

Isso porque está nas mãos do Senado a única chance de retomar o assunto, por meio da aprovação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que já foi aprovada na Câmara em dois turnos. O Senado rejeitou o projeto da Câmara que permitia o financiamento de pessoas jurídicas dentro de certos limites, e o tema voltou à Câmara, que o aprovou novamente.

Agora, tudo indica que a presidente Dilma, respaldada pela decisão do STF, vetará o projeto por inconstitucional. Mesmo uma PEC pode ser considerada inconstitucional, ressaltou ontem o ministro Luiz Fux, relator no Supremo da tese vitoriosa. No entanto, essa interpretação é considerada excessiva, pois seria impedir o Congresso de fazer leis, ou substituí- lo em sua função específica.

Alguns deputados consideram que é possível renegociar com o Senado a aprovação da PEC, pois todos terão dificuldades para fazer campanhas apenas com doações de pessoas físicas e o financiamento público que já existe — propaganda gratuita para os partidos no rádio e na televisão, financiamento do Fundo Partidário.

O PT, que junto à OAB apoiava essa iniciativa, tentará aprovar agora o financiamento público, mas a maioria do Congresso é contra, porque ele só seria viável com a adoção do voto na lista partidária.

A primeira reação dos políticos foi de pânico, e muitos já anunciam que não se candidatarão nessas condições. A reação dos chamados políticos profissionais é vista pelos defensores da proibição como exemplar de que o fim da doação de pessoa jurídica levará a uma renovação da política brasileira, mas é uma ilusão considerar que antes de ser permitido tal financiamento não havia corrupção na política brasileira.

O texto aprovado na Câmara estabelecia que as empresas só poderão doar dinheiro aos partidos, não aos candidatos, com um teto máximo de R$ 20 milhões. Além disso, empresas contratadas para realizar obras, prestar serviços ou fornecer bens a órgãos públicos não poderão fazer doações para campanhas na circunscrição eleitoral onde o órgão estiver localizado.

Ia ao encontro dos votos de dois ministros do Supremo Tribunal Federal que votaram a favor do financiamento de pessoas jurídicas com restrições. O ministro Gilmar Mendes, que assumiu a missão de defender a permanência do financiamento de pessoas jurídicas, assinalou em seu voto que a proibição fará aumentar o uso de caixa dois nas eleições, e acusou o PT de estar por trás da proposta da Ordem dos Advogados do Brasil.

De fato, a demonstração que vem sendo feita pelas investigações do Ministério Público Federal e da Polícia Federal de que o financiamento de campanhas eleitorais do PT vem sendo adubado com verbas desviadas de empresas estatais como a Petrobras — “lavado” pelo fato de ser feito “legalmente” em doações registradas no Tribunal Superior Eleitoral ( TSE) — traz à tona a questão do financiamento dos partidos políticos numa democracia.

A melhor solução parece ser uma legislação que seja rigorosa nos limites e no controle das doações, e não a simples proibição. Apontado como o mentor da tese, o ministro Luís Roberto Barroso ressaltou em artigo que não considera inconstitucional que empresas participem do financiamento eleitora. O que ele considera “claramente inconstitucional, porque antidemocrático e antirrepublicano, é o modelo atualmente vigente”.