sábado, 5 de setembro de 2015

Opinião do dia – Arminio Fraga

A corrupção no Brasil não se trata mais apenas do bom e velho padrão em que as pessoas ficam ricas, roubando. Vai além disso, é um esquema de corrupção politicamente conectado e organizado para alimentar o poder político. É uma ameaça real para a qualidade da democracia."
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Armínio Fraga é economista – ‘Arminio diz que escândalo é paralisante’. - Valor Econômico, 4 setembro de 2015.

Após prometer superávit, Dilma descarta cortar gastos

• ‘Já foram feitos todos os cortes possíveis no Orçamento’, diz ela

Empresários se reuniram com ministro Levy e pediram compromisso do governo com economia de despesas, redução de subsídios e esforço para que país não perca grau de investimento

Um dia depois de prometer ao ministro Joaquim Levy (Fazenda) empenho do governo para obter superávit primário no ano que vem, a presidente Dilma afirmou ontem que já cortou tudo o que podia no Orçamento, enviado ao Congresso com previsão de déficit de R$ 30,5 bilhões. Em entrevista a rádios do Nordeste, Dilma voltou a defender a criação de novas fontes de receita. Num jantar com Levy na quarta, empresários apresentaram lista de reivindicações, depois levada a Dilma, que inclui compromisso com superávit de 0,7% do PIB, corte de subsídios e esforço para o país manter o grau de investimento.

Dilma diz que cortou o que devia

  • Após defender superávit para manter Levy, presidente contraria posição do ministro da Fazenda

“Não podemos cortar esses gastos para evitar o retrocesso”
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“Nós podemos perfeitamente discutir como obter as receitas necessárias para não ter déficit”
Dilma Rousseff

Thiago Moraes* e Fernanda Krakovics - O Globo

-JOÃO PESSOA e BRASÍLIA- Um dia depois de entrar em ação para tentar garantir a permanência do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, no cargo e de se comprometer a perseguir a meta fiscal defendida por ele, a presidente Dilma Rousseff voltou a falar ontem em dois temas que desagradam ao ministro: a impossibilidade de serem feitos novos cortes no Orçamento e a necessidade de aumentar a carga tributária. Em entrevista a rádios paraibanas antes de embarcar para Campina Grande e João Pessoa, Dilma afirmou que “foram feitos todos os cortes possíveis no Orçamento, mas sem prejudicar os recursos dos programas sociais”, e indicou que a correção do déficit de R$ 30,5 bilhões — que foi previsto na proposta enviada ao Congresso — terá que ser feita com mais impostos.

Essa saída é justamente o que Levy não quer. O ministro defendeu intensamente que o Orçamento não fosse enviado ao Legislativo com déficit, que não fossem criados impostos e que houvesse um corte de gastos profundo, incluindo programas sociais. Dos três pleitos, Dilma apoiou ontem apenas o primeiro. Ela aderiu explicitamente à posição defendida pelo Ministério do Planejamento, que considera o ajuste de despesas feito já forte o suficiente.

— Não podemos cortar esses gastos para evitar o retrocesso, ainda que não sejam os maiores custos do Orçamento, que possui maiores gastos em setores como a Previdência, benefícios de assistência, gastos com pessoal e despesas obrigatórias previstas em lei — disse Dilma, lembrando que serão mantidos os programas Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, ProUni, Fies e Mais Médicos, a construção de postos de saúde e cisternas, e os investimentos em rodovias, ferrovias, portos e aeroportos.

Para resolver as questões financeiras do país, Dilma admitiu a possibilidade de criação de novas fontes de receita, como criação ou aumento de impostos, para que o país não fique com déficit e caia no retrocesso. A presidente também falou em medidas de gestão por parte do próprio governo — algo defendido por Levy —, enxugando gastos e fiscalizando a execução de programas. Na entrevista de rádio, Dilma voltou a falar na necessidade de aumentar a arrecadação:

— Se a gente quer um Orçamento equilibrado, vamos ter que tomar algumas medidas. Vamos enxugar mais gastos, olhar se o que estamos pagando está chegando àquelas pessoas que a lei manda que cheguem. A segunda coisa é que nós temos que discutir novas fontes de receitas, se a gente quiser garantir que o país não tenha um retrocesso. Nós não queremos ficar com déficit, nós podemos perfeitamente discutir como conseguir as receitas necessárias para não ter déficit — disse Dilma.

Na véspera, o ex-presidente Lula recomendou a Dilma que abafasse as divergências internas sobre a política econômica, colocando “água fria na fervura” da queda de braço entre Levy e Nelson Barbosa (Planejamento). Mesmo assim, Lula defende que o governo afrouxe o ajuste fiscal, liberando mais crédito para aquecer a economia. Essa foi a política econômica implementada no fim do governo do ex-presidente Lula e no primeiro mandato de Dilma pelo então ministro da Fazenda, Guido Mantega. (* Especial para O GLOBO)

Planalto considera declarações de Temer ‘Desastrosa’

• Embora oficialmente governo diga que fala do vice foi tirada de contexto, assessores questionam sua lealdade; para PMDB, discurso é de saída

Fala de Temer eleva desconfiança no Planalto e anima PMDB anti-Dilma

• Estafe da presidente reage mal à declaração de que petista não terminaria mandato se popularidade continuar no atual índice de 7%; vice tenta contornar polêmica e afirma que ela fica no cargo até 2018, mas peemedebistas veem rompimento mais próximo

Tânia Monteiro, Erich Decat e Carla Araújo - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O Palácio do Planalto reagiu mal nesta sexta-feira, 4, à fala do vice-presidente Michel Temer de que será difícil a presidente Dilma Rousseff resistir três anos no cargo sem apoio popular. Segundo interlocutores da petista, as declarações foram classificadas como “surpreendentes”, “assustadoras” e “desastrosas” e fortalecem a tese de uma corrente de assessores palacianos que acusam o vice de conspirar contra a presidente.

Além da forma como Temer abordou o tema, o local escolhido para a declaração – um evento organizado em São Paulo por um movimento que defende o impeachment da presidente Dilma, o Acorda Brasil –, deixaram interlocutores do Palácio do Planalto “atônitos”. Alguns assessores chegaram a questionar de que lado Temer está e se ele está deixando claro que quer desembarcar do governo.

Tanto que, na avaliação do PMDB, legenda presidida por Temer, a declaração do vice dá início ao discurso de desembarque do governo, incentiva a ala da sigla que defende a antecipação do movimento, previsto para depois das eleições municipais de 2016, e fortalece manifestações por candidatura própria em 2018.

Nesse sentido, a estratégia é cada vez mais se descolar da presidente para deixar claro à sociedade e setores empresarias de que o partido não é responsável pelo atual cenário de recessão econômica e nem favorável às decisões impopulares que envolvem aumento de carga tributária. “A declaração, efetivamente, vai animando aqueles que acham que tem que mudar. Vai mostrando a fraqueza dela (Dilma), vai solidificando a opinião do povo brasileiro de que ela não tem condição”, disse Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), que integra o grupo do PMDB favorável à debandada do partido.

‘Cavalo de pau’. Para o senador Romero Jucá (PMDB-RR), sua fala foi “realista”. “Ele (Michel Temer) fez uma constatação verdadeira e disse que precisamos agir para mudar essa realidade, porque nenhum governo consegue ficar nessa situação, sangrando três anos e meio. E é verdade”. Na opinião de Jucá, o governo precisa mudar a condução da sua política econômica para que as expectativas dos agentes econômicos possam ser revertidas e, com isso, o País possa gradualmente retomar o crescimento.

“Ou o governo dá um cavalo de pau, muda radicalmente e consegue passar outro tipo de expectativa para sociedade ou vai ter muita dificuldade”, afirmou. Disse ainda que coma fala “o PMDB marcou posição”.

Segundo o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação, Edinho Silva, a declaração de Temer foi usada “fora do contexto”. “Ele é extremamente fiel à presidente Dilma”. O ministro fez questão de ressaltar ainda a “liderança política extremamente importante para o governo”, representada por Temer, que tem sido “fundamental” para a governabilidade.

Certeza absoluta’. Diante da repercussão negativa causada com as declarações, Temer tentou consertar o impasse ao conceder ontem entrevista ao jornal norte-americano The Wall Street Journal. Na conversa, ele ressalta, desta vez, que Dilma vai encerrar o mandato em 2018. “Você pode escrever isso: eu tenho certeza absoluta que isso irá acontecer, que será útil para o País, que não haverá nenhum tipo de perturbação institucional”, disse o vice-presidente por telefone. “Dilma continuará a governar “até o final, até 2018”, comentou.

Apesar do mal-estar criado com sua declaração, Temer deve participar de reunião amanhã, no Palácio da Alvorada, onde a presidente pretende discutir com seus ministros alternativas para cobrir o déficit orçamentário. Embora acreditem que ele não faltará ao encontro, interlocutores de Dilma consideram que o clima, no mínimo, ficará “estranho”.

As declarações do vice-presidente ocorreram em meio ao afastamento dele da articulação política do governo ocorrido após desavenças de Temer com o núcleo político mais próximo da presidente Dilma. Temer vinha reclamando que muitas negociações que fazia com a base eram desautorizadas ou não cumpridas pelo Palácio do Planalto. Além disso, não foi consultado sobre a reforma administrativa estudada pelo governo nem sobre o retorno da CPMF. / Colaborou Daiene Cardoso

Governo tenta minimizarimpacto da fala de Temer

• Planalto evita mais desgaste com vicee destaca lealdade do peemedebista

Temer expõe distanciamento de Dilma e preocupa Planalto

• Vice reconheceu que pode ser difícil para petista concluir mandato em 2018

• Maioria no PMDB de fato deseja romper com o PT, mas líderes defendem um desembarque calculado

Natuza Nery, Valdo Cruz – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O governo e setores do PMDB reprovaram nesta sexta-feira (4) o tom usado pelo vice-presidente Michel Temer ao declarar que, se a baixa popularidade da atual gestão se mantiver, será difícil para a presidente Dilma Rousseff concluir seu mandato.

A ordem dentro do Palácio do Planalto, porém, foi não alimentar uma nova crise.

Ministro da Comunicação Social, Edinho Silva disse que a frase de Temer ficou fora do contexto. "Para nós, o importante é que o vice-presidente tem sido leal e contribuído para superar as dificuldades atuais", afirmou.

Temer se reuniu com empresários de São Paulo nesta quinta (3) e afirmou que Dilma não "é de renunciar", mas asseverou que "é preciso melhorar o que está aí".

Apesar da consciência do paulatino afastamento do vice, assessores presidenciais disseram em caráter reservado que não esperavam uma linha pública de tão claro distanciamento.

O vice usou frases como "ninguém vai resistir três anos e meio com esse índice baixo. Disse ainda: "se a chapa [Dilma-Temer] for cassada [pelo TSE] eu vou para casa feliz. Ela vai para casa... Não sei se feliz".

A decisão de não rebater publicamente os comentários do peemedebista foi tomada na busca de evitar criar uma nova agenda negativa para o governo, num momento que ele nem bem saiu de uma crise em sua equipe econômica após especulações de demissão do titular da Fazenda, Joaquim Levy.

Até mesmo congressistas do PMDB que atuam em sintonia com o vice afirmaram, em caráter reservado, que ele cometeu um "sincericídio".

Para eles, as declarações ganharam sentido mais forte no ambiente em que foram ditas, pois se tratava de uma plateia majoritariamente reativa à presidente da República, dando motivos para o Planalto reclamar que Temer tem feito articulações para se posicionar como alternativa de poder diante da crise.

Rosangela Lyra, uma das organizadoras do evento, integra o movimento "Acorda, Brasil", que defende o impeachment. Ela, porém, disse à Folha ser contra a deposição de Dilma, reforçando que o objetivo do encontro é discutir políticas e ideias com formadores de opinião.

É quase unânime no PMDB o desejo de rompimento com o Planalto, mas os principais dirigentes da legenda defendem que o desembarque seja calculado, o que está previsto para novembro, durante congresso do partido.

De acordo com o script desenhado pelos defensores da ideia, a sigla partiria para a oposição, enquanto Temer cumpriria o papel institucional de vice, mas livre para criticar o Executivo quando bem entendesse.

Veja bem
Amigos procuraram explicar as frases de Temer, reconhecendo que ele foi "infeliz", mas "não conspirador", como veem petistas. Interlocutores ponderaram que, entre uma declaração e outra, Temer afirmou que trabalhará para que a atual gestão chegue até 2018.

Aliados reconhecem que as falas retratam um Michel Temer distante de Dilma Rousseff, magoado com o governo, mas nunca um traidor.

Em entrevista ao jornal americano "The Wall Street Journal" publicada nesta sexta, Temer aparentemente tenta "consertar" o mal-estar gerado pelas suas declarações da véspera.

Ao jornal, ele diz estar certo que Dilma terminará seu mandato em 2018. "Você pode escrever: eu tenho certeza que isso irá ocorrer, isso será bom para o país, que não terá nenhum tipo de crise institucional", afirmou.

Planalto considera fala de Temer ‘desastrosa’

• Parte do PMDB minimiza declaração do vice de que Dilma não resiste a mais três anos com baixa popularidade

Planalto acha desastrosa fala de Temer sobre popularidade de Dilma

• Nos bastidores, há no palácio preocupação com saída de vice do governo

Fernanda Krakovics, Catarina Alencastro e Cristiane Jungblut - O Globo

-BRASÍLIA- A declaração do vicepresidente Michel Temer de que será difícil a presidente Dilma Rousseff resistir até o fim do mandato se mantiver a baixa popularidade foi considerada “desastrosa” no Palácio do Planalto e fortaleceu os argumentos da corrente que acusa o vice de conspirar para derrubá-la. Apesar de auxiliares da presidente tentarem minimizar as declarações do vice, afirmando que foram tiradas do contexto, a avaliação do núcleo no entorno de Dilma é que as afirmações de Temer fragilizam o governo.

Oficialmente, no entanto, o Planalto adotou ontem linha conciliatória. O ministro da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva, elogiou Temer, dizendo que ele é um colaborador importante da presidente.

— Para nós, o fundamental tem sido a postura de Temer. Ele tem sido extremamente leal. Correto, não só com o governo, mas com os interesses do país — afirmou Silva.

Nos bastidores, no entanto, auxiliares de Dilma manifestam preocupação intensa com o desembarque do vice do governo. A luz vermelha acendeu na última quarta-feira, quando, em almoço com Dilma, 

Temer disse que não ajudaria mais o governo na articulação política direta com o Congresso. Anteontem, em evento com empresários, em São Paulo, o vice afirmou: “Se ela continuar com 7%, 8% de popularidade, de fato fica difícil, não dá para passar três anos e meio assim”.

A fala é um revés justamente no momento em que a presidente fazia um esforço de reaproximação com o PMDB. Nas últimas semanas, Dilma conversou os presidentes da Câmara e do Senado, Eduardo Cunha e Renan Calheiros, e com os líderes da legenda Leonardo Picciani e Eunício Oliveira.

Aliados de Temer, no entanto, minimizaram as declarações, destacando que a fala dele foi retirada do contexto. Além de dizer que ela terá dificuldades para governar se mantiver a baixa popularidade, Temer afirmou que é preciso melhorar a economia e que, quando isso acontecer, a popularidade melhora. Segundo os peemedebistas, a declaração não teria sido em tom conspiratório, mas de alerta.

— Ele viveu na pele um movimento dentro do governo para esvaziar seu trabalho na articulação política, e agora vê o mesmo acontecendo com o Levy. Ele estava apenas chamando a atenção para os erros que o governo está cometendo. São os mesmos erros e eles vêm se avolumando — avaliou um peemedebista.

Quase na mesma hora em que Temer proferia sua polêmica palestra em São Paulo, o ex-presidente Lula aconselhava Dilma, em Brasília, a se reaproximar do PMDB e reconstruir sua relação com o vicepresidente para garantir a governabilidade. O senador Romero Jucá (PMDB-RR) adotou um discurso conciliatório, defendendo que o vice foi verdadeiro e falou o “óbvio” ao relatar as dificuldades do governo.

— Temer fez um diagnóstico do problema e não foi uma frase isolada. Ele fez uma constatação. E do governo, não apenas dela, a presidente Dilma. Mas ele está falando o óbvio: o governo não aguenta sangrar três anos. O governo tem que mudar procedimentos ou vai ficar mais difícil. A situação econômica é grave, e o governo tem que reagir. Ele foi verdadeiro e fez uma reflexão importante — disse Jucá.

Empenhada em tentar reconstruir sua base de apoio, Dilma sinalizou ontem que nomeará, a pedido do PTB e do PMDB, o atual presidente da Conab, Rubens Rodrigues dos Santos, para a vice-presidência de Operações Corporativas da Caixa. A cobrança da nomeação veio do líder do PTB, Jovair Arantes (GO).

Um horizonte ainda mais nublado

Paulo Celso Pereira - O Globo

Primeiro, foi um aparente ato falho: “É preciso que alguém possa, tenha capacidade de reunificar a todos, de unir a todos”, disse o vice Michel Temer há quatro semanas. Depois, veio a entrega do posto de articulador político, após sentirse sabotado por Aloizio Mercadante ( Casa Civil). Nos últimos dias, Temer então começou a aparecer como presidente do PMDB em cadeia nacional ressaltando de forma categórica que “O Brasil é um só e sempre vai ser maior e mais importante do que qualquer governo. Esta é a verdade”. Na quinta-feira, o passo final: “Ninguém vai resistir três anos e meio com esse índice baixo”.

Se quando Temer exibiase fiel à presidente Dilma Rousseff, a incerteza já tomava conta do país, agora que o vice se afastou dela, o futuro do governo se torna insondável. A tendência é que o núcleo mais próximo da presidente, todo ligado ao PT, se concentre ainda mais na articulação política direta com parlamentares. Ainda que impopular e com o caixa em pandarecos, a União tem poder de fogo inigualável: cargos, verbas para emendas, influência junto a governadores, apenas para citar alguns objetos de desejo dos políticos.

Nas últimas semanas, a própria presidente assumiu a dianteira das negociações e conseguiu amansar importantes líderes da base, a começar pelo do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani. Os presidentes do Senado e da Câmara, Renan Calheiros e Eduardo Cunha, que conduzem a pauta legislativa, também foram recebidos por Dilma e asseguraram uma rara semana sem grandes sustos no Congresso. Foi um alento para o Planalto, ainda que o núcleo próximo à presidente saiba que os humores de ambos flutuam de acordo com as investigações contra eles na Operação Lava-Jato.

Em paralelo, à medida que o tempo passa, avançam — lentamente, é verdade — as investigações envolvendo as contas eleitorais de Dilma, que colocam seu mandato em risco no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Se as “pedaladas fiscais” mais parecem problemas de gestão do que crimes, o mesmo não se pode dizer das denúncias de que a corrupção na Petrobras serviu para financiar a campanha à reeleição.

Enquanto os que defendem o impeachment precisarão convencer o cidadão de que os bancos públicos não deveriam ter pago o Bolsa-Família, seguro-desemprego e abono salarial durante alguns meses porque o Tesouro não tinha enviado os recursos, os que querem vê-la cassada no TSE navegam na tese, bem mais simples, de que uma campanha eleitoral não pode ser financiada com dinheiro desviado de uma empresa pública.

Sabedores de que a incerteza é um dos piores ingredientes para a economia, alguns dos maiores empresários do país trabalham para garantir suporte ao governo, contando que a presença de Joaquim Levy, cada vez mais incerta, evite que a confiança dos investidores e agências de risco seja jogada no chão.

Em seu primeiro mandato, Dilma deixou o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, no posto apesar das persistentes críticas do mercado financeiro e de analistas. A razão era simples: Mantega apenas executava a política “desenvolvimentista” de Dilma — que levou o país ao mais baixo crescimento econômico desde o governo Fernando Collor. Agora, a situação dela é diametralmente oposta: Dilma não acredita na política de Levy, um liberal de Chicago, mas o mantém exatamente porque o “mercado” exige. Em meio às nuvens da dupla crise, Levy ainda é visto como o último farol indicando o caminho para o país atravessar as tormentas.

'A gestão Dilma está se desmilinguindo, esfarinhando', diz FHC

• Para o ex-presidente, ainda não há razão para impeachment de Dilma, mas tribunais e Lava Jato determinarão o futuro da petista

Alberto Bombig - O Estado de S. Paulo

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso lança neste mês um novo livro: A Miséria da Política (Ed. Civilização Brasileira, R$ 42), reunião de artigos publicados no Estado e no jornal O Globo entre 2010 e 2015 - acrescidos da transcrição de dois discursos. O saldo da coletânea é, segundo seu autor, um panorama da derrocada da era petista no Palácio do Planalto (o "lulopetismo"), expressada pela crise da atual gestão Dilma Rousseff.

"Você entende melhor os processos políticos quando eles estão em declínio", afirma FHC, ao comentar o resultado da compilação de artigos. Para ele, o desfecho da atual crise está fora do alcance da política e dos políticos. "Não sabemos quais atores políticos estarão em pé daqui a três meses". O futuro passa pela Operação Lava Jato, que investiga a corrupção na Petrobrás, e pela recuperação ou não da economia, diz FHC. A seguir, a entrevista que ele concedeu ao Estado em seu apartamento, em São Paulo:

Como o senhor entende as ações no Tribunal Superior Eleitoral contra a campanha de Dilma e o julgamento das contas do governo no Tribunal de Contas da União? São tentativas de golpe?

Eu enxergo um grande progresso no Brasil porque as instituições, bem ou mal, estão funcionando. No passado, em situação equivalente, nós estávamos discutindo os nomes dos generais. Agora, nós estamos discutindo os nomes dos juízes. Falar em golpe me parece exagero daqueles que nunca foram realmente democratas, porque ninguém está propondo o golpe, que eu saiba. Pode ter grupos maluquetes que vão para as ruas pedir a volta dos militares, mas os militares não querem. Então, não tem fundamento efetivo. Isso é manipulado politicamente para dizer que 'é um golpe', mas nunca vi golpe que passa por um debate livre, que parte para os tribunais, não há nada de golpe.

O que o senhor define como lulopetismo no seu livro?

Você entende melhor os processos políticos quando eles estão em declínio, quando está no auge, você tem só entusiasmo. O que eu chamo de lulopetismo é o fato de você ter tido um partido, que era o PT, e um líder com força mítica, que era o Lula, que simbolizava a ascensão social e a ligação com a massa. O que eles fizeram? Qual era a visão desse partido? Se era socialista, nunca se traduziu numa política pró-socialismo, não existe isso. Por outro lado, eles foram assumindo crescentemente uma política que é a expressão muito mais de uma visão de capitalismo dirigido, de Estado, com forte ingerência no mercado e com tinturas de distribuição de renda. A partir da crise de 2007 e 2008, o lulopetismo passou a se revelar mais claramente porque eles manobraram bem na crise, fizeram uma política anticíclica e decidiram voltar às verdadeiras ideias: mais Estado e mais consumo, e o consumo gera o crescimento. Isso foi o que estourou, que arrebentou do ponto de vista econômico. Isso é o que eu chamo de lulopetismo. A aliança de crescimento com mais Estado e com mais consumo.

O que o senhor pretendia quando pediu a renúncia da presidente?

Fiz uma declaração no Facebook em que eu dizia: 'ou ela renuncia, ou ela assume a liderança, ou nós vamos ficar no ramerrão, que vai continuar sendo movido pela crise econômica e pela Lava Jato'. Como o poder está se esfarinhando, a maneira menos dolorosa de se fazer uma passagem seria ela entender que isso é necessário. Mas eu sei que é difícil, seria difícil para qualquer um. Dilma provavelmente não acha que está num beco sem saída, e eu também acho que ela ainda não está. Eu coloquei uma hipótese, coloquei um caminho: ou a renúncia ou fica tudo como está ou ela assume o comando. Eu não falei das saídas pelos tribunais. Ela está hesitante entre 'vou poder liderar' ou 'vou deixar que a coisa ande'. Para poder liderar, ela fez uma coisa complicada porque ela delegou o poder na economia a uma pessoa que pensa diferente dela, o ministro Joaquim Levy (Fazenda), e na política ao vice-presidente Michel Temer, que agora recuou e deixou a articulação. Nós continuamos nesse impasse. Não está claro qual vai ser o desdobramento disso. O motor que impele o processo não está sob o controle político. Ele é formado pela Lava Jato e pela crise econômica. Ele é que vai impelindo alguma saída. Agora, o que vem depois? É difícil de você dizer porque nós não sabemos quais atores políticos estarão em pé daqui a três meses.

Temer afirmou que Dilma não suportará a baixa popularidade por três anos e meio...

Isso dito pelo vice-presidente isso tem peso, porque ele está lá no governo. O poder de Dilma, a gestão Dilma, vai se desmilinguindo, esfarinhando, a gente viu isso em vários momentos, no momento do Jango (1964), do Collor (1992), por razões diferentes e de formas diferentes. Ela pode reagir? Pode, ela pode tentar assumir o comando. Mas como? Tem que mudar de base? Quando os ventos são favoráveis, você reconstrói facilmente a sua base de sustentação. Mas a economia não vai bem e nós passamos de um presidencialismo de coalizão para um presidencialismo de cooptação. Isso muda muitas coisas porque distorce as instituições de representação. A base de sustentação foi ficando cada vez mais fisiológica, clientelista. Eu não creio que a Dilma, pessoalmente, tenha afinidade com isso, mas ela está envolvida nesse processo. Ela tentou em vários momentos sair da armadilha. Mas sair com quem? Ela vai mudar de campo? Não pode mudar de campo. Então, fica difícil.

O senhor acha que um governo Temer pode ser a solução?

Isso havendo impeachment, né? Agora, o problema continuará em pé. Não é só para o Temer. Qualquer um que vá para o governo hoje vai se defrontar com um panorama político muito difícil, não é só o econômico, o político também. Eles estão ligados. Porque o econômico precisa de confiança e esse sistema não gera confiança. Quem quer que vá para o poder, a própria Dilma, quem quer que esteja no poder, tem a obrigação de tentar mudar esse sistema político brasileiro.

Como o PSDB deve se manter nesse processo?

Com cautela. O PSDB tem que mostrar claramente qual é sua posição, mas os passos têm que ser muito pensados em caso de impeachment. Você tem que ter algo objetivo. Impeachment não é uma vontade, porque aí é golpe. Impeachment é quando você tem realmente o esfarelamento do poder e junto com isso uma responsabilidade de quem está dirigindo. Não está clara responsabilidade moral de quem está dirigindo nos malfeitos. Isso vai passar pelos tribunais, o que o TCU (Tribunal de Contas da União que ira julgar o caso das pedaladas, as manobras fiscais) vai dizer. Não acho que o PSDB vai se pôr à frente disso. Até porque é um erro político. A menos que seja claro algum ilícito. Suponhamos que dessas delações apareça claramente uma incompatibilidade criminal. Aí não tem jeito. Se houver um fato concreto, vai fazer o quê? Mas não é o que se deseja. Entendo que a população queira tirar a Dilma. Tudo bem, mas é um sentimento periférico, mas e depois? E as instituições? Qual é a base para se tirar? Não pode. Você tem que seguir a Constituição.

Mas, no entender do senhor, qual seria saída para ela permanecer com força na Presidência?

Ela tem que reconhecer que o que eles fizeram estava errado. Não é ato de contrição católico ou autocrítica comunista, não. É para poder ter apoio, dizer: 'eu errei nisso, nisso e nisso'. Ela não acha isso. Ela põe agora o Levy porque ele tapa um buraco, ele é um esparadrapo. Não é que ela ache 'eu fiz o buraco e não vou fazer outro'. Ela põe o esparadrapo e vai fazer outro buraco. Aí não dá.

Como o senhor interpreta as movimentações do ex-presidente Lula nesta crise?

O Lula tem idade para poder aspirar voltar ao poder, voltar a governar. Só fica ruim quando ele, como ex-presidente, acelera a divisão no País. Você, quando força a divisão de um país, a reconstrução leva muito tempo. Eu não acho que seja saudável. Aliás, eu não acho que seja saudável esse antipetismo irracional. Nem é o que eu faço. Acho que tem que fazer uma análise, mas não criar 'o PT é o demônio'. Não, errou aqui ou ali, no meu julgamento. O PT tem um germe de hegemonia que eu acho que é ruim: 'eu mando, você obedece'. E a democracia não é isso: eu mando hoje e amanhã eu obedeço. O PT tem que aprender que hoje ele manda e amanhã vai obedecer e, quando ele obedecer, não queira arrasar com quem está mandando.

O senhor tem mágoas da 'herança maldita' que o PT criou para se referiu ao seu governo?

Foi um erro deles. Isso os levou a ser incumbidos pelo atraso. Em vez de terem uma relação saudável com o PSDB, foram ter uma relação maléfica com os setores mais atrasados. A vítimas foram eles próprios e o Brasil, não fui eu. A história passa, você volta...

Na hipótese de Michel Temer assumir o governo, qual deverá ser a posição do PSDB?

Em qualquer circunstância, o PSDB tem que ser coerente com a sua história. Eu não defendo o 'quanto pior, melhor'. Eu não acho que o PSDB tenha que votar contra tudo só porque veio do governo.

O que senhor achou do bonecão do Lula como presidiário?

Foi a coisa mais deletéria que já houve para o Lula. Porque é simbólico. Não acho que seja desrespeito, a situação levou a isso. O que estão dizendo ali é: 'até você pode ser atingido'.

FH: da base social que sustentou Lula e Dilma, só restou ‘um fiapo’

‘Hoje, Dilma representa um fiapo da base que já teve no passado’

• Para FH, poder da presidente se deteriorou e é muito difícil reagir diante da perda de popularidade. Mas ele também diz que Dilma é vítima do esquema corrupto montando no governo Lula

Por Mariana Sanches - O Globo

SÃO PAULO - Um “fiapo”. É o que resta, de acordo com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, da base social que sustentou os governos de Lula e Dilma. Para o tucano, “Lula é um mito que se quebrou” no processo de crise econômica e política, que também arrastou a presidente Dilma a um recorde negativo de popularidade, em torno de 7% de aprovação. FH diz que “é muito difícil” que Dilma consiga se manter na cadeira presidencial diante de tal cenário. “O vice-presidente já alertou que nessas condições a deterioração do poder é muito grande”, afirmou ele, em referência à declaração de Michel Temer de que “ninguém vai resistir três anos e meio com esse índice baixo”.

Essas e outras ideias compõem o livro “A miséria da Política - Crônicas do lulopetismo e outros escritos” (Editora Civilização Brasileira) que o ex-presidente lança este mês. A obra é um compêndio dos artigos publicados pelo ex-presidente em O GLOBO entre 2010 e 2015. Para falar sobre o trabalho e sobre a conjuntura política do país, ele recebeu O GLOBO em sua casa, na capital paulista. Descontraído e informal, FH trajava suéter cor de vinho e uma de suas calças preferidas — que não à toa precisou ser remendada no joelho “de tanto que eu uso”. Ele contou ter dispensado 50 entrevistas nesta semana e revelou ter tido uma impressão de que o presidente Barack Obama é “difícil no trato pessoal, com um ar indiferente”, na única vez em que estiveram juntos, em um almoço ao lado da presidente Dilma.

O que é o lulopetismo?

É a ideia da hegemonia do partido, de que o partido domina o Estado e o Estado muda a sociedade. Essa é a trajetória que o PT tentou imprimir.

Quais as consequências disso?

Os petistas aceitaram a democracia, mas uma democracia sob hegemonia, não aceitando o outro, só quando o outro se submete. É uma variante nacional-estatizante da esquerda.

• “O Lula é um mito que se quebrou, junto com o lulopetismo” “

• (A Lava-Jato) revelou que o mecanismo de sustentação de poder do PT passou a ser corrupto. Não é a corrupção tradicional, que é pessoal. É uma corrupção institucionalizada”

• “O ministro da Fazenda (Levy) tem uma visão mais liberal que a minha”

Como o senhor vê os conceitos de esquerda e direita considerando que o ministro da Fazenda do governo petista é Joaquim Levy?

É uma incoerência completa ter um ministro da Fazenda que tem uma visão mais liberal da economia. Mais liberal que a minha. A esquerda preconizava o controle coletivo dos meios de produção. Isso sumiu do mapa, ninguém mais propõe. A base real socioeconômica do governo petista é uma relação solidificada entre Estado, fundos de pensão, que representam os funcionários das empresas estatais, e alguns setores privados. E utiliza o Estado para o crescimento da economia. Portanto, o PT não propõe socialismo nenhum. É claro que tem um ingrediente de distribuição (de renda), que já vinha de antes e foi acentuado. Esse aspecto deu um elemento de esquerda ao lulopetismo, mas ele não é (de esquerda).

O senhor fala em crise da representatividade das lideranças. Quem a presidente Dilma representa hoje?

Os governos lulopetistas têm uma base nos estados em que há mais Estado e menos mercado. Nesses lugares, ricos e pobres votam pelo PT. Mas essa base é eleitoral, a base de sustentação de poder é outra, é o setor empresarial, com os fundos de pensão e a burocracia. Mas essa também o governo deixou de representar na medida em que a economia deu para trás pelo excesso de intervencionismo, por erros. Essa base foi minguando. Ricos e pobres deixaram de apoiar. No momento, Dilma representa um fiapo da base que já teve.

Como a Lava-Jato influenciou?

A investigação destruiu em parte essa estrutura de sustentação, conforme revelou que o mecanismo de sustentação de poder do PT passou a ser corrupto. Não é a corrupção tradicional, que é pessoal. É uma corrupção institucionalizada, organizada e que sustenta partidos. No mensalão não chegava a tanto, era para financiar a eleição, mas agora não.

É uma falha do sistema político?

Não é só isso. Com a pretensão hegemonista, você tem que ter recursos para manter a máquina do partido. De que maneira o PT obtinha esses recursos? Já lá atrás havia acusações. Pegue o caso da prefeitura de Santo André, em contratos de lixo, de ônibus. Não é o único exemplo. Mas ainda não era uma coisa sistemática. Agora, para surpresa de todo o mundo, se verificou que no poder federal eles organizaram o sistema. Está se vendo pela Lava-Jato que não é só a Petrobras, são todas as obras públicas, a Eletronuclear, o Ministério do Planejamento, da Saúde.

Mas é possível montar um esquema de corrupção no governo federal sem que o presidente saiba?

Muito dificilmente. É muito grande. Eu não posso afirmar porque não tenho informação. Isso não foi feito pela Dilma, ela já encontrou assim. Eu acho até que a Dilma tentou segurar no caso da Petrobras, quando nomeou a Graça (Foster), que demitiu alguns dos que estão implicados hoje. Tentou fazer um governo ético, mas, depois o sistema não permitiu, as forças políticas não permitem mais.

Em 2011, o senhor disse que a presidente Dilma recebeu uma “herança maldita” do Lula. O senhor a considera uma vítima?

Eu a considero vítima nesse processo. Ela não é só vítima, claro, até porque está lá, enfim, mas é uma armadilha em que ela caiu. E como sair dessa armadilha? A situação brasileira é tão anômala que qualquer um que fosse exercer o poder teria um tremendo problema de se sustentar politicamente, porque você teve um esfarelamento dos partidos, tem 40 ministérios. É uma anomalia que está ligada a essa cooptação. Nós não temos mais um presidencialismo de coalizão, é um presidencialismo de cooptação.

Na situação em que a Dilma está, com uma popularidade tão baixa, é possível se manter no poder?

É difícil, muito difícil, o próprio vicepresidente já alertou que nessas condições a deterioração de poder é grande. O poder definha, mas é possível ela reagir. Só não sei como.

O que o senhor quis dizer sobre renúncia ser um ato de grandeza?

Eu não falei da renúncia, eu dei três caminhos: renúncia, ou ela assumir a liderança, ou ficarmos nesse “ramerrão”. E de propósito eu não falei de impeachment nem de anulação de eleição, porque são coisas definidas por tribunais, não pela política. Renúncia é um ato individual, mas não só. Surge quando a situação fica impossível. Acho que ainda não é, mas pode chegar a ser impossível.

O senhor defende que o auge da hegemonia petista está no passado. Isso quer dizer que em 2018 temos o PT como perdedor certo?

Ah, eu acho muito difícil o PT ganhar. Mas me refiro à hegemonia do partido. A Dilma está na presidência, mas o PT não consegue mais impor sua vontade no governo.

O senhor em 2010 disse que o Lula era um mito e que poderia eleger quem quisesse. O senhor mantém a afirmação?

Isso foi naquela época. O Lula é um mito que se quebrou, junto com o lulopetismo. Lula cresceu e caiu junto porque o mito era sustentado pelos resultados. Isso não quer dizer que esteja morto. O Lula tem lá suas virtudes pessoais, se adapta às situações e tem olfato para coisas. Mas obviamente reconstruir é muito difícil, é um cristal que se quebrou. Embora o sistema tenha se esboroado nas mãos da Dilma, quem sabe ler a história percebe que não foi ela quem construiu esse sistema.

Pedido do PT para 7 de Setembro gera mal-estar

• Sigla convocou em site que militantes usassem verde e amarelo na data e, depois, recuou

- Folha de S. Paulo

SÃO PAULO e BRASÍLIA - O site oficial do PT convocou na quinta (3) seus militantes a usar verde e amarelo em manifestações pró-Dilma no dia 7 de Setembro. A proposta, feita por Wilmar Lacerda, integrante da Executiva Nacional do partido, provocou reação entre petistas.

Em 1992, o então presidente Fernando Collor pediu que seus apoiadores fossem às ruas vestindo verde e amarelo. Em resposta, a população usou preto, engrossando atos em favor do impeachment.

Temendo uma associação com o caso Collor, a cúpula do PT determinou a retirada da sugestão de vestimenta.

Nesta sexta (4), o presidente nacional do PT, Rui Falcão, telefonou para Wilmar Lacerda pedindo que ele esclarecesse que a proposta não havia saído do partido. Segundo Wilmar, o uso do verde e amarelo foi proposto em reunião da CUT para organização do "Grito dos Excluídos".

Um protesto contra Dilma deve ocorrer em Brasília próximo ao local do desfile de Sete de Setembro. Grupos contra Dilma, como o Revoltados Online e o Movimento Brasil Livre, confirmam presença.

PSDB pede que depoimento de Pessoa seja incluido em inquérito contra Dilma no TSE

• Empreiteiro falou em depoimento à Justiça Federal que fez depósitos 'na conta do partido' a pedido do ex-diretor da Petrobrás Renato Duque

Talita Fernandes e Isadora Peron - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O PSDB pediu nesta sexta-feira, 4, que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) junte um depoimento do empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da UTC e um dos delatores da Operação Lava Jato, a um inquérito eleitoral do qual a presidente Dilma Rousseff é alvo. O partido é autor da ação que pede que a investigação de fatos ligados à campanha que reelegeu Dilma presidente. A sigla acusa abuso de poder político e econômico no processo eleitoral no ano passado e, no limite, a ação pode resultar na perda de mandato da petista e de seu vice, Michel Temer (PMDB).

Os autores da ação querem que seja levada em consideração no processo em curso no TSE a fala de Pessoa na qual ele afirma ter feito depósitos oficiais em contas do PT. O depoimento do empreiteiro foi prestado na última quinta-feira, 3 ao juiz Sérgio Moro. O delator falou à Justiça como testemunha de acusação no processo em que são réus o presidente da Odebrecht, Marcelo Bahia Odebrecht, e executivos ligados ao grupo.

Os tucanos já tinham pedido à Corte eleitoral a oitiva de Pessoa como testemunha da ação eleitoral, já que ele foi citado por outro delator da Lava Jato, o ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa. Apesar de ter sido autorizado pelo ministro relator da ação, João Otávio de Noronha, o depoimento do empreiteiro está suspenso devido ao sigilo do acordo de delação premiada firmado pelo dono da UTC com o Ministério Público Federal. O PSDB aproveitou o pedido protocolado nesta sexta para reiterar a oitiva de Pessoa.

O pedido depende de decisão de Noronha, mas a expectativa da defesa é de que ele seja acatado. O relator já aceitou no passado outras solicitações feitas pelo PSDB como a oitiva do doleiro Alberto Youssef, de Costa e Pessoa. O presidente da UTC Engenharia é apontado pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal como o presidente do 'clube vip' das empreiteiras que se apossaram de contratos bilionários da Petrobrás entre 2004 e 2014.

Ao lado de Hélio Bicudo, Freire defende que oposições endossem pedido de impeachment

• Presidente do PPS se reuniu com o advogado paulista de 93 anos, fundador do PT, que apresentou petição pelo impedimento de Dilma Rousseff

Por Assessoria do Parlamentar

O deputado federal Roberto Freire (SP), presidente nacional do PPS, se reuniu na tarde de sexta-feira (4) com o advogado paulista Hélio Bicudo, de 93 anos, fundador do PT, que apresentou à Câmara no início da semana um pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff.

A advogada Janaína Paschoal, que também subscreve o pedido, participou do encontro na residência de Bicudo.

“Nosso trabalho deve ser unir as oposições em torno do pedido de impeachment apresentado pelo grande democrata Hélio Bicudo, que merece todo o respeito da sociedade”, disse Freire após a conversa.

“Vou, inclusive, encaminhar ao Diretório Nacional do partido a proposta de Hélio Bicudo para que os nossos companheiros de direção se pronunciem sobre a possibilidade de endosso do PPS ao pedido.”

Segundo o parlamentar, em avaliação compartilhada por Bicudo, somente com um novo governo o país conseguirá sair da grave crise em que se encontra sob o comando de Dilma e do PT. “Faço um chamamento às oposições para que também endossem o pedido de impeachment”, prosseguiu Freire.

O deputado comparou a iniciativa de Hélio Bicudo ao pedido de impeachment do ex-presidente Fernando Collor assinado, entre outros, por Barbosa Lima Sobrinho, então presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), em 1992.

“Isso nos lembra de um homem da estirpe de Barbosa Lima Sobrinho, que foi signatário do pedido de impeachment de Collor. A situação se repete com um nome do quilate de Hélio Bicudo. É algo que vai além da luta político-partidária”, afirmou Freire.

Painel - Vera Magalhães

- Folha de S. Paulo

Deixa como está
Michel Temer preferiu não explicar a Dilma Rousseff sua declaração de que é difícil que o governo resista mais três anos e meio com popularidade baixa. O vice-presidente acha que, diferentemente de quando disse que o país precisava de um "reunificador", desta vez não houve ruído em sua fala. Em guerra com Aloizio Mercadante, o grupo do vice preferiu difundir a versão de que o titular da Casa Civil tratava de amplificar a repercussão da fala para afastar ainda mais Temer e Dilma.

Numa nice Os bombeiros da equipe de Temer diziam que a própria presidente, quando tomou conhecimento da fala na íntegra, fez chegar ao vice a avaliação de que não viu nela um ataque à sua permanência no cargo.

Vai ter... Aliados do vice preparam nova artilharia contra Mercadante na reunião da coordenação política de terça-feira.

... troco A mensagem será que Dilma não tem como reverter o quadro negativo sem interlocução confiável no Congresso, o que, dizem, é dificultado pelo petista.

Tamo junto Temer agradeceu ao ministro Edinho Silva (Secom) pela entrevista que concedeu, dizendo que a fala dele, dentro do contexto, tinha outro sentido.

Sósia? Incrédulos com a declaração, ministros palacianos chegaram a questionar na quinta-feira se o autor da frase era de fato Temer.

Vamos conversar O contato do vice com o mundo empresarial, que irritou Dilma, segue ativo: ele almoçou com Paulo Skaf, presidente da Fiesp, nesta sexta.

Abaixo-assinado O presidente do PPS, Roberto Freire, reuniu-se com Hélio Bicudo nesta sexta-feira. O deputado defende que partidos da oposição endossem o pedido de impeachment de Dilma apresentado pelo advogado.

Eu sozinho A ideia tem adesão de parte dos deputados que lançaram o movimento pró-impeachment, mas enfrenta resistência de alguns dirigentes que preferem um pedido próprio.

Sintonia Em conversas que teve depois do jantar com empresários, Joaquim Levy (Fazenda) defendeu que o governo faça uma "reengenharia do Estado". Só isso lhe daria credibilidade para cobrar mais impostos, no futuro.

Trator 1 A ala do PSDB paulista ligada ao governador Geraldo Alckmin trabalha para derrubar o formato de prévias adotado pela direção municipal do partido para a eleição de 2016.

Trator 2 Além de reverter a cobrança de R$ 20 mil, aliados do governador querem derrubar também o prazo de 4 de outubro para inscrição dos pré-candidatos a prefeito de São Paulo.

Efeito inverso Diante do apoio de outros caciques tucanos à pré-candidatura de Andrea Matarazzo em jantar na quinta-feira, aliados do governador dizem que "todo mundo sabe que ele não funciona sob pressão".

Corujão José Serra ficou surpreso ao saber que Matarazzo tem um programa diário de rádio da meia-noite às 2h: "Fiquei com inveja, ele lançou um programa perfeito para mim. Já fui a quatro astrólogos e todos falaram que meu melhor horário é 1h45".

É ela Nos discursos durante o jantar na quinta-feira, a avaliação geral dos tucanos foi de que Marta Suplicy, a caminho do PMDB, será a candidata mais forte na sucessão na capital em 2016, pois fez obras importantes na periferia, como os CEUs.

Famoso quem? "Haddad só tem a bicicleta. E tem aquele senhor que alardeia a defesa do consumidor. Qual o nome dele mesmo? Fez uma tese interessante sobre tarifa de ônibus", ironizou Aloysio Nunes, se referindo a Celso Russomanno (PRB) e à proposta que o tirou do segundo turno em 2012.

TIROTEIO
Temer não falou nenhuma novidade. Apesar de não existir nenhum motivo concreto para o impeachment, não enxergo saída para ela.

Do deputado Júlio Delgado (PSB-MG), sobre o vice-presidente ter dito ser difícil Dilma resistir a mais três anos de governo com baixa popularidade.

CONTRAPONTO
Há sempre uma figura oculta

Antes de Michel Temer dizer, no encontro organizado por Rosangela Lyra, ser difícil a presidente Dilma resistir a mais três anos de governo com a popularidade tão baixa, a empresária perguntou ao vice-presidente:

-Quem é a pessoa que orienta a presidente? Parece que aquele cachorro com o qual ela passeava sempre que estava com problema, morreu...

-Isso não sei! -respondeu Temer.

Mesmo com o constrangimento geral, ela continuou:

- Sabemos que ela é uma pessoa muito solitária e, sendo mulher, com esse Congresso amplamente masculino, tem mais dificuldade de ter alguém para conversar.

Com Paulo Gama e Thais Arbex

Merval Pereira - Abaixo do volume morto

- O Globo

A presidente Dilma tem razão de ter achado “desastrosa” a fala do vice Michel Temer sobre a dificuldade de mantê-la no governo nos próximos 3 anos e meio com os níveis de popularidade que ostenta. Mas também tem razão o senador Romero Jucá quando diz que Temer disse apenas o óbvio, fazendo uma análise realista sobre a situação política atual.

Oque é preciso entender é o que levou um político experiente e cauteloso como Michel Temer a falar com tamanha desenvoltura sobre temas que devem ser tabus para governantes que estejam no fundo do poço, como é o caso de Dilma.

O vice estava tão à vontade na casa da socialite oposicionista que chegou a comentar com displicência a possibilidade de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) impugnar a chapa presidencial vitoriosa, da qual faz parte. “Iria para casa feliz da vida”, disse ele, quando o normal seria contornar o tema, partindo do princípio de que não há nenhuma irregularidade a ser flagrada pelo TSE. Além do mais, dizer que deixaria o governo “feliz da vida” revela bem seu estado de espírito.

Mas não é a primeira vez em que Temer aborda de maneira pouco ortodoxa essa questão das contas de campanha. Tentou dizer que suas contas de campanha não estavam vinculadas às de Dilma, e, portanto, as irregularidades porventura encontradas deveriam ser cobradas apenas da candidata a presidente.

O vice-presidente chegou a ir ao TSE falar sobre essa tese com ministros daquele tribunal, mas foi dissuadido de continuar com ela. Não há como desvinculá-lo das contas da campanha do PT, pois a chapa é comum, e qualquer irregularidade de um dos componentes atinge o outro, mesmo que alguns gastos tenham sido contabilizados em contas separadas.

O fato é que Michel Temer e o PMDB se afastam gradativamente do governo petista, e já não é prioridade para eles a manutenção da presidente Dilma no Palácio do Planalto. Dilma também nunca cuidou com atenção de seu principal aliado, e a relação entre ela e Temer nunca foi das mais pacíficas.

A gota d’água foi a ideia de criar a CPMF sem que ele fosse ouvido. Criticou a decisão, previu uma derrota acachapante no Congresso e na sociedade, e irritou-se com a incompetência política.

A chapa foi formada pragmaticamente por Lula para garantir a eleição de Dilma, mas a relação PT-PMDB nunca foi tranquila. A começar pelo próprio Lula, de cujo primeiro Ministério não fez parte o PMDB.

O então todo-poderoso chefe da Casa Civil, José Dirceu, chegou a fechar um acordo com o PMDB, que foi desautorizado por Lula. Ficou famosa a exclamação do recém-eleito presidente ao saber que o então deputado Eunício Oliveira seria ministro. “Quem é esse tal de Eunício? Eu nunca vi, não sei quem é, por que vai ser meu ministro?”.

A partir daí, criou-se a tese de formar coalizão na base da compra de apoios pontuais, que deu origem ao mensalão. Só na 2ª fornada de ministros é que o PMDB passou a fazer parte do Ministério, ganhando força paulatinamente à medida que, com o escândalo do mensalão, Lula precisou do apoio do partido para evitar perder o próprio mandato.

Eunício não apenas virou ministro, como teve seu prestígio aumentado com o tempo, a ponto de ter conseguido recentemente emplacar um genro sem experiência no ramo em uma diretoria da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

Portanto, a relação do PT com o PMDB sempre foi de aproveitamento recíproco, sem que nada os una em termos programáticos ou ideológicos. O PMDB, por sinal, sempre foi o maior obstáculo às tentativas do PT de fazer um governo autoritário, pois o partido tem um DNA democrático que vem da linhagem de Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Thales Ramalho.

O objetivo de controle dos meios de comunicação, por exemplo, é impossibilitado no Congresso pela presença firme do PMDB, que sempre se posicionou a favor da liberdade de expressão, apesar das críticas que recebe com frequência.

A partir do “sincericídio” de Temer, o 2º em curto espaço de tempo, ficará cada vez mais claro o distanciamento do PMDB de solução para o problema que é Dilma à frente do governo com popularidade “abaixo do volume morto”, como constatou Lula recentemente.

Aliás, o comentário de Temer tem muita semelhança com o de Lula.

Igor Gielow - E agora, Michel?

- Folha de S. Paulo

Michel Temer é o proverbial "gentleman", uma ave rara em seu comedimento e gentileza no trato, além de possuir um talento incomum para lidar com catástrofes –vide sua intervenção como secretário de Segurança paulista após o massacre do Carandiru em 1992.

Na quinta (3), para uma plateia sedenta de pancada no seu governo, ele foi inconvenientemente sincero, assim como na entrevista nervosa em que decretou a necessidade de um unificador do país.

Disse verdades, e ainda assim sob um ponto de vista otimista para o governo. Afirmou que Dilma não se aguenta com a popularidade que tem e que, se for cassado com a chefe pelo TSE, irá para casa "feliz".

A senha final anunciando o desembarque do governo, negada de cima abaixo durante a sexta (4), foi dada. O PMDB na figura do vice enfim largou Dilma, ainda que ele, como disse, não vá "mover uma palha" para atrair a acusação de golpista.

Mais chamativa, contudo, é sua disposição de "ir para casa feliz". Esse desprendimento, sincero ou não, ecoa o que os empresários empenhados em tentar apoiar a tal estabilidade de seus ganhos querem ouvir. É precisa muita maldade impopular para consertar a hecatombe que o PT deixou nas contas públicas.

Até os amigos de Dilma no PIB, temerários por seus lucros, deram um ultimato, após a presidente ter rasgado o apoio conferido nas últimas semanas ao apresentar um Orçamento deficitário –só para recuar.

Como numa corte otomana, a petista se vê acossada por vizires, os famosos "assessores presidenciais". É intriga atrás de intriga, rumo ao oblívio, embaladas não por uma banda militar de janízaros, mas pelos acordes da "Bohemian Rhapsody" associada usualmente a seu grão-vizir.

Na hipótese de que Temer não será colhido pelo vendaval, a pergunta é: ele está pronto para assumir seu papel na história ou quer ir "feliz" para casa?

Marco Aurélio Nogueira - Sem povo e sem as oposições, solução da crise fica distante

- O Estado de S. Paulo

A especulação é uma só: o que estaria por trás das declarações bombásticas e nada cautelosas do vice-presidente Michel Temer, feitas ontem (3/9) a um grupo de empresários e ativistas de oposição?

Temer não poupou palavras ao dizer que acha difícil Dilma “resistir três anos com popularidade tão baixa” e que seu mandato estará ameaçado caso a situação política e econômica não melhore até meados de 2016. Reiterou que alguém precisa surgir para “reunificar o País”, mas não apontou quem poderia desempenhar este papel e nem se ofereceu, por não querer parecer “oportunista”.

No dia seguinte, o ministro da Comunicação, Edinho Silva, veio a público esclarecer que as palavras do vice-presidente foram descontextualizadas, que ele não disse o que acharam que disse e que sua lealdade ao governo é inquestionável. “Mais que uma frase ou outra que geralmente é utilizada e que gera polêmica, para nós o fundamental tem sido a postura do vice-presidente Michel Temer. E, nesse sentido, ele tem sido extremamente leal, correto, não só com o governo da presidenta Dilma, mas leal e correto com os interesses do país”, afirmou.

Seja como for, a impressão generalizada é que o vice-presidente tentou ciscar para dentro e para fora: mostrar lealdade a Dilma sem deixar de cortejar a oposição e de acenar para ela com um esboço de solução. Quis fixar com clareza que é do governo mas tem voo próprio.

A questão é saber se sua manobra é factível e se angariará apoio e seguidores. A polarização atual torna difícil que se cisque para os dois lados ou se fique em cima do muro. Temer, além disso, não é propriamente um estadista, um político de gestos simbólicos fortes, com uma biografia mítica, imagem consolidada e discurso emblemático. Não é Fernando Henrique Cardoso, por exemplo. Também não é Lula, que quando em boa forma conseguia levantar multidões.

Temer é tão-somente vice-presidente de um governo sem rumo e um dos principais próceres do PMDB, partido que não mais tem vocação unificadora ou pegada “nacional-popular”. Não é pouco, mas não parece suficiente para impulsionar uma operação complexa como a de encontrar um modo de desatar o nó da crise nacional.

Resta a Temer fazer o mais decisivo: convencer a população de que é uma boa opção e trazer para seu lado as oposições, antes de tudo o PSDB.

No primeiro caso, precisará pensar em cidadãos que esteja além dos ativistas que vem enchendo a Av Paulista para protestar contra o governo. Terá de fazer como Joaquim Nabuco na campanha abolicionista: “ter resolução ou vontade de romper as ficções de um parlamentarismo fraudulento, como é o nosso, para procurar o povo nas suas senzalas ou nos seus mocambos e visitar a nação no seu leito de paralítica”. Em suma, falar com os milhões de brasileiros, para o que lhe faltam instrumentos associativos, pontes de acesso e projeto.

No caso das oposições, precisará antes de tudo unificá-las e dar-lhes um discurso claro e coeso, que é o que mais falta. Entre tucanos “radicais” pró-impeachment e tucanos “moderados” há um mar a ser atravessado. Se Temer conseguir caminhar sobre as ondas, poderá despontar como um estadista que ajudou a encontrar uma solução e “salvar” o País. Se fracassar, terá de se conformar com a posição de vice de um governo a que aderiu por erro de cálculo e que, ao soçobrar, o arrastará consigo para as águas do oceano profundo.
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Marco Aurélio Nogueira é professor titular de Teoria Política da Unesp

Cristovam Buarque - Sem mapas

• Agimos sem projeto de longo prazo, pensando só nos benefícios para cada um

O Globo

As nações precisam de dois mapas de voo: para enfrentar as dificuldades de curto prazo e para orientar os rumos históricos em direção ao futuro. Nós estamos sem qualquer destes dois mapas, e com os pilotos sem credibilidade, pelos equívocos na condução da economia e pelas falsas promessas na campanha, além de incompetência na formulação dos ajustes necessários para corrigir os próprios erros.

No período de poucas horas, a presidente Dilma determinou e voltou atrás no adiamento de parte do décimo terceiro salário dos aposentados, lançou e recuou na recriação da CPMF, anunciou redução de dez ministérios e não disse quais; e, sobretudo, enviou ao Congresso, pela primeira vez na História, uma proposta orçamentária com déficit primário (despesas - receitas) de R$ 31,5 bilhões, R$ 367 bilhões se contarmos os compromissos com juros para 2016. A impressão é de improvisações e indecisões constantes. Falta um comando político e um coordenador técnico.

As notícias destes últimos meses e semanas mostram o governo quebrado e desorientado. O ministro da Fazenda passa a ideia de que não sabe o que deve ser feito, e a presidente da República, de que não sabe o que quer que seja feito. E a população e os parlamentares não parecem dispostos a pagar o preço pelo enfrentamento dos problemas imediatos e muito menos pela construção de um país eficiente, justo, sustentável, saudável.

A sensação é de que, sob os olhares passivos da população e suas lideranças, o governo conduziu o Brasil para a recessão e a quebra das finanças públicas; sem definir os rumos para o futuro desejado. Parecemos ter optado pelo caminhar sem direção, sem mapa, sem escolher os caminhos, apenas levando os problemas com pequenos arranjos e ajustes improvisados.

Há décadas agimos sem projeto de longo prazo, pensando apenas nos benefícios para cada um ou cada grupo, no imediato. Preferimos consumir logo, mesmo sacrificando a poupança para o futuro; optamos por aposentadorias ainda jovens, mesmo ao risco de não haver dinheiro para pagá-las quando chegarmos à velhice; aceitamos ser o celeiro de alimentos do mundo, sem cuidar de sermos uma economia produtora de bens de alta tecnologia.

Por isto, apesar de todos os nossos imensos recursos, chegamos ao 193 º aniversário de nossa Independência como um país de baixa renda per capita, campeões de concentração de renda e desigualdades social e regional, um país pobre especialmente na educação, na ciência e na tecnologia; despreparados politicamente para construirmos o Brasil que queremos, ou mesmo para definirmos o rumo do que queremos no longo prazo da história futura de nossa nação.

Se fosse empresa, o Brasil teria de pedir concordata: substituir diretores, vender patrimônio, renegociar dívidas, reduzir salários, demitir trabalhadores, parar todos investimentos. Como não é empresa, a Constituição impede de tomar quase todas estas medidas; deixando o país quebrado e sem mapa.
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Cristovam Buarque é senador (PDT-DF)

Demétrio Magnoli - O sonho do golpe civil

• O acordão proposto por Abilio Diniz é um truque para encerrar o debate nacional. Sai Dilma, ficam as ilusões

- Folha de S. Paulo

"Tem que juntar o Temer, o Fernando Henrique, o Lula, trancar dentro de uma sala e jogar a chave fora, para encontrar a solução". Há 51 anos, o golpe militar surgiu como "solução" dos impasses da precária democracia brasileira. Hoje, segundo Abilio Diniz, a solução demanda um golpe civil. As repercussões positivas da sugestão do empresário, tanto entre seus pares como na imprensa –onde foi celebrada, por exemplo, por Clóvis Rossi– evidenciam a natureza de nossa crise. O Brasil gosta do auto-engano.

"O povo não sabe votar." No seu cerne, a ideia do golpe é substituir a vontade imperfeita dos cidadãos, essa massa ignara conduzida no turbilhão das emoções, pela deliberação fria de um ente de razão que assume o papel de representação nacional: o Caudilho, o Partido, as Forças Armadas. O golpe civil, tal como proposto por Diniz, troca o ato de força pela encenação da conciliação: os "pais da pátria" correm em defesa de um valor maior, que é o bem comum, subordinando a ele seus interesses particulares. O acordo por cima, o conchavo sublime, cancela o conflito, refaz a ordem perdida e propicia um novo começo. Seu pressuposto implícito é que inexistia um conflito verdadeiro, uma legítima disputa política sobre a sociedade, a economia e o Estado.

Os três homens na sala fechada são os caciques das principais forças partidárias do país. O interlocutor ausente é a presidente eleita pelo povo. Na formulação de Diniz, compartilhada por tantos incautos, Dilma é o nome do problema –e sua ausência é a chave da solução. A presidente é, certamente, um problema: o cânone definitivo da união entre a arrogância e a incompetência. Contudo, atrás de sua figura patética, avulta o problema real: a crise do lulopetismo. Fiel à sua alma profunda, por quatro vezes consecutivas o Brasil escolheu nas urnas a estrada sedutora do capitalismo de Estado. Hoje, já no meio da jornada de uma década perdida, a nação confronta-se com as consequências de suas opções. O golpe civil proposto por Diniz é um truque para encerrar o debate nacional, evitando sua conclusão. Sai Dilma, ficam as ilusões.

A sentença do empresário contém um trecho oculto, que deve vir à luz. Na sala de três, só um pode tomar a cadeira de Dilma. Diniz está conclamando FHC e Lula a demitirem a presidente, forçando sua renúncia e substituindo-a por Temer. O projeto envolveria um contrato informal entre o PSDB e o PT: na sala lacrada, os dois partidos congelariam suas divergências, entregando a gerência da crise nacional a um fiel depositário e adiando o desfecho do conflito até a batalha eleitoral de 2018. No mito da conciliação, a democracia é posta entre parêntesis pelo tempo suficiente à restauração da ordem. De fato, porém, o golpe civil não significaria mais que a perenização da desordem.

Inexistem cenários virtuosos no horizonte. Nada, porém, seria tão deplorável quanto um governo de "união nacional" fecundado na alcova de um conchavo tripartidário. Na planilha de custos do golpe civil, sonegada por Diniz, encontra-se a manutenção da aliança PT-PMDB, acrescida da eliminação da oposição parlamentar. A união dos três partidos ergueria uma paliçada de proteção de um sistema político consagrado à pilhagem do Estado. O dilema econômico pendente, expresso pelo fracasso do ajuste fiscal, continuaria sem solução. Mas a sociedade pagaria a transação da saída de Dilma pela renúncia ao aprofundamento da nossa Operação Mãos Limpas.

Diniz sustentou por quase três anos um rumoroso conflito empresarial sem nunca fechar-se numa sala para conciliar com o Casino. Mas acha que a crise nacional gerada pelo estatismo, pelo neopopulismo e pela privatização partidária do Estado é assunto menos complexo –e ainda tem quem o aplauda. O "Financial Times" descreveu o Brasil como "um filme de terror". Vai ver, é por isso.

Miguel Reale Júnior - Pedaladas Fatais

- O Estado de S. Paulo

Deteriora-se a situação econômica, entrando o País em recessão com encolhimento do PIB em 2%, num cenário sem esperança, com provável ainda maior redução dos investimentos e do consumo. E as chamadas “pedaladas”, consistentes em valer-se a União de empréstimos nas suas instituições financeiras (Banco do Brasil, Caixa Econômica, BNDES) para suprir deficiências do Tesouro - visando a cumprir programas essenciais como Bolsa Família, seguro-desemprego e Minha Casa, Minha Vida - não vêm a ser uma questão meramente técnico-contábil.

A crise que vivemos tem como uma das causas o recurso às pedaladas, pois, sem meios, se maquiou haver capacidade financeira com empréstimos vedados pela lei, além de deixar-se de registrar tais débitos, falsamente forjando-se um superávit primário. Transformou-se ilicitamente dívida em superávit.

O descontrole da contas governamentais permitiu a continuidade de benefícios fiscais, a gastança nos milhares de cargos em comissão, os desvios de dinheiro em contratos com sobrepreços astronômicos, na administração direta e indireta. A falência do Estado foi construída com o escudo das pedaladas para disfarçar o rombo. E agora toda a população, especialmente a mais pobre, paga a conta com inflação e desemprego.

A importância da responsabilidade fiscal é de tal monta que condutas de afronta às finanças públicas foram alçadas, pela Lei n.º 10.028/2000, em crimes, artigos 359 A e seguintes do Código Penal, introduzindo-se na lei do impeachment tais atos como passíveis de levar à cassação do presidente. No caso, haveria também, em tese, o crime de falsidade ideológica, previsto no artigo 299 do código, por se omitirem como despesa do Tesouro as dívidas contraídas, gerando falso superávit primário. Representação dos partidos de oposição imputa à presidente a prática destes crimes comuns.

A Constituição de 1988, com relação ao processo por crime comum contra o presidente da República, estabelece no artigo 86, § 4o, que na vigência de seu mandato não pode o presidente ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções, como, por exemplo, se provocasse uma lesão corporal culposa dirigindo um veículo.

Em março do corrente ano, o procurador-geral da República, bem como o relator no STF (PET 5263/DF), ministro Teori Zavascki, manifestaram-se no sentido de, nos termos da Constituição federal, não poder o presidente da República, na vigência de seu mandato, ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções. Indeferiu-se, com razão, a apuração de responsabilidade da presidente por fatos anteriores à sua posse em 2011, relativos à Petrobrás e à campanha eleitoral.
Surpreende agora Rodrigo Janot dizer, na sabatina no Senado, haver uma questão jurídica em pauta, em vista da imunidade da presidente da República no caso das pedaladas. Ressalto não haver, segundo penso, nenhuma divergência no STF em face de crimes praticados pela presidente se não estranhos às suas funções.

A orientação do STF, conforme se verifica em acórdãos do plenário, relatados pelo ministro Celso de Mello (Inq 672-QO, julgamento em 16/9/1992 e Ação Penal 305/92), é no sentido de poder o chefe de Estado, nos ilícitos penais praticados em seu ofício ou em razão dele, ainda que vigente o mandato, ser submetido a processo-crime, desde que haja autorização da Câmara dos Deputados.

Estabelece-se, em face do princípio republicano, caber a possibilidade de responsabilizar penal e politicamente o presidente “pelos atos ilícitos que eventualmente venha a praticar no desempenho de suas magnas funções”. E alerta-se, na decisão, estarem excluídas de responsabilização pelo artigo 86, § 4o, apenas as infrações penais comuns cometidas pelo chefe do Executivo da União que não tiverem relação alguma com o exercício do ofício presidencial.

Em decisão mais recente, também do plenário do STF, relatada pelo ministro Sepúlveda Pertence (HC 83.154, julgamento em 11/9/2003), asseverou-se: “O que o art. 86, § 4.º, confere ao presidente da República não é imunidade penal, mas imunidade temporária à persecução penal: nele não se prescreve que o presidente é irresponsável por crimes não funcionais praticados no curso do mandato, mas apenas que, por tais crimes, não poderá ser responsabilizado, enquanto não cesse a investidura na presidência”.

No caso das pedaladas, o crime de responsabilidade fiscal não é estranho ao exercício das funções de presidente: ao contrário, é próprio dessas funções, com a realização de atos que diretamente se inserem nas atribuições presidenciais, como a de exercer, com o auxílio dos ministros de Estado, a direção superior da administração federal.

Nada mais específico da alta administração do que examinar e determinar a destinação de recursos, mormente em face de programas essenciais de governo. Sendo os crimes de responsabilidade fiscal próprios das funções de chefe do Executivo, devem ser objeto de processo criminal independentemente de terem ocorrido neste ou no mandato anterior, pois importa é saber se o ilícito penal foi praticado no exercício do ofício presidencial.

Ademais, a presidente era unha e carne com o secretário do Tesouro, confessadamente responsável pelas pedaladas, com quem sempre se reunia. Por mais distraída que fosse, a presidente não poderia deixar de ver empréstimos no valor de R$ 40 bilhões.

As razões de Janot no Senado, no sentido de descaber processo contra a presidente, são destituídas de base legal. Os crimes contra as finanças públicas, que infelicitam o povo, devem ser levados à apreciação do STF, que solicitará autorização à Câmara dos Deputados para prosseguir o processo, com afastamento temporário da presidente, agora ré confessa diante da proposta de Orçamento deficitário em 2016. Deficitário porque sem a maquiagem das pedaladas.
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*Miguel Reale Júnior é advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras , foi ministro da Justiça

Míriam Leitão - A demolidora

O Globo

Alguns indicadores mostram mais que outros o fenômeno do qual os economistas falam tanto: a deterioração fiscal do país. É preciso esmero para se chegar a esse resultado. Só um governo dedicado a atacar as bases do edifício fiscal pode realizar a proeza. Nisso, a presidente Dilma Rousseff foi realmente imbatível. O fato da semana, o Orçamento deficitário, é emblemático dos anos de demolição.

Os gráficos abaixo dão uma noção visual desse resultado. O superávit primário, que já chegou a 3,57% do PIB, foi desmontando até chegar ao déficit, que pode se estender por três anos. Nos 15 anos antes de 2014, o resultado sempre foi positivo. A dívida bruta cresceu mais de 10 pontos, e o Brasil retrocedeu até se fazer uma peça orçamentária com rombo.

Não foi a primeira vez na história, porque a história é muito longa, mas é inédito na era do real. Antes da criação da nova moeda, a contabilidade pública era confusa, e a hiperinflação tratava de aumentar as receitas ou diminuir a despesa, bastante para isso cobrar antes e pagar com atraso.

O economista Maílson da Nóbrega lembra de um período até anterior, em que mágicas eram feitas com bancos públicos:

— A partir dos anos 1930, quando a Carteira de Redesconto do Banco do Brasil, que exercia a função de Banco Central, se tornou a fonte básica da agricultura, o orçamento sempre foi deficitário, na prática. Isso piorou no governo militar, quando se institucionalizou a “conta de movimento” do Banco Central no Banco do Brasil, e a dívida pública subia para suprir os dois bancos de recursos para o crédito rural.

Havia naquela época o Orçamento Monetário, que cobria os gastos com os créditos subsidiados para a agricultura, a indústria e o comércio. Funcionava assim: o Banco do Brasil emprestava às empresas, depois sacava do Banco Central para se cobrir, e tudo era ajeitado na contabilidade do Orçamento Monetário.

Em comparação a esse passado remoto, estamos em uma situação bem melhor. Mas, na verdade, é um baita retrocesso, porque a partir do fim da conta de movimento, em 1986, o país passou a buscar a transparência das contas públicas. Não foi possível até 1994, por causa da hiperinflação. Nos primeiros anos do real, o país ainda teve déficit primário, mas a partir de 1998 perseguiu o positivo no resultado primário. Foi feito então um trabalho cuidadoso de retirada de velhas dívidas do limbo contábil para serem reconhecidas. Isso mostrou o tamanho real da dívida do governo. Esse trabalho foi concluído com a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Com gastos crescendo de forma extravagante, com a transferência de R$ 500 bilhões ao BNDES para serem emprestados a juros subsidiados às empresas, com isenções de impostos a grupos escolhidos, com o uso da Cide para mascarar a inflação, o governo atacou o edifício fiscal que o país montou durante anos. Foi assim que se chegou a um orçamento deficitário. Foi preciso persistência e determinação.