segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Opinião do dia – José Casado

A fatia da indústria no PIB encolheu para pouco mais de 12%, conforme dados da Federação das Indústrias de São Paulo. Significa, proporcionalmente, retrocesso ao estágio de desenvolvimento que o Brasil possuía há 60 anos, quando o governo Juscelino Kubitschek lançou um plano para industrialização do Sudeste. Na década anterior a JK, quando o país era essencialmente rural, a embrionária indústria já contribuía com 11,3% do PIB. Entre Lula e Dilma ( 2004 a 2012), a participação do setor industrial no PIB caiu 30,8%, diz a Fiesp: "Se o cenário não se alterar, em 2029 a indústria vai representar apenas 9,3% do PIB."
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José Casado, jornalista. O Globo, 9 agosto 2015.

Dilma busca líderes em esforço para refazer base

Isadora Peron, Talita Fernandes e João Villaverde - O Estado de S. Paulo

• Presidente chamou a Brasília auxiliares para discutir como reagrupar a base no Congresso, que tem imposto derrotas sucessivas ao governo, e prometeu conversar esta semana com presidentes dos partidos; reforma ministerial não foi tratada

BRASÍLIA - Na tentativa de superar a maior crise política desde que a assumiu a Presidência, a presidente Dilma Rousseff decidiu chamar todos os presidentes e líderes dos partidos da base aliada para conversar durante esta semana. A decisão foi tomada após reunião neste domingo, 9, à noite com o grupo da coordenação política do governo. Ao todo, 13 ministros, o vice-presidente Michel Temer e dois líderes petistas no Congresso participaram do encontro realizado no Palácio da Alvorada.

O esfacelamento da base foi o principal assunto da reunião. O diagnóstico foi o de que é preciso recompor a base, formada por nove legendas, para garantir a governabilidade. Segundo o ministro da Comunicação Social, Edinho Silva, as conversas serão realizadas separadamente com cada partido. “A presidente quer dialogar com todos os partidos da base. Nós reconhecemos as dificuldades políticas que estamos enfrentando, mas temos a confiança de que essas dificuldades serão superadas com diálogo”, afirmou. De acordo com um ministro presente à reunião, o governo “tem 362 deputados que foram perdidos e agora teremos que recuperá-los”.

Os participantes disseram que não foi discutida na reunião nenhuma mudança ministerial, como era esperado por aliados. O tema voltou a ser debatido no Palácio do Planalto como uma opção de medida concreta para tentar acalmar a base. A expectativa é de que uma reforma abra mais espaço ao PMDB do Senado, o que reduziria cargos do PT.

Pauta-bomba. Na semana passada, a primeira após o recesso parlamentar, os deputados contrariaram a orientação do Planalto e aprovaram uma Proposta de Emenda à Constituição que vincula salários de advogados públicos da Advocacia-Geral da União (AGU) e de delegados de polícia à remuneração dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

A medida é vista como uma “pauta-bomba” por causar um impacto de cerca R$ 2,45 bilhões aos cofres públicos. A expectativa é de que o governo consiga evitar a conclusão da votação esta semana. “O governo ainda não se deu por vencido na questão dessa PEC”, relatou um dos presentes na reunião.

O Planalto também foi surpreendido com o anúncio de rompimento feito por dois partidos da base que, juntos, somam 44 deputados na Câmara. Lideranças do PTB e do PDT disseram que não iriam mais seguir as orientações do governo, alegando falta de diálogo.

O Planalto vem sofrendo sucessivas derrotas no Congresso. A situação, porém, está mais complicada na Câmara, diante do posicionamento beligerante adotado pelo presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O ministro Edinho Silva cobrou responsabilidade dos parlamentares nas votações e disse que eles tinham de agir levando em conta o “interesse do País e do povo brasileiro”.

A presidente também vai fazer um novo gesto de aproximação ao Senado. Na noite de hoje, ela recebe os principais nomes da Casa para um jantar no Alvorada. A expectativa é de que Dilma consiga o apoio dos senadores, em especial do presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), para barrar o avanço das pautas que prejudicam o ajuste econômico.

Vice. Durante o encontro, Temer pediu a palavra assim que a presidente terminou de falar. “O próprio vice-presidente foi enfático na sua fala, do seu compromisso com a governabilidade, com o seu compromisso com a presidente Dilma. Em momento algum vamos permitir que intrigas feitas por alguns setores, da própria base e da oposição, possam provocar ruídos ou dificultar a construção da governabilidade”, afirmou Edinho Silva.

Essa foi a primeira reunião do grupo após o vice-presidente, que também é o articulador político do governo, ter dito em público que o País precisava de “alguém que tenha a capacidade de reunificar a todos”. A fala foi vista com desconfiança por petistas diante da possibilidade da abertura de um pedido de impeachment contra Dilma. O governo também se preocupou com reunião entre senadores do PMDB e do PSDB, na semana passada, com as ameaças de impeachment no cenário.

O ministro da Comunicação Social ainda disse que o governo não está preocupado com as manifestações marcadas para o próximo domingo, que pedem o impeachment de Dilma. A reunião de ontem, que durou cerca de três horas, costuma ocorrer às segundas-feiras. A presidente, porém, decidiu adiantar o encontro porque vai hoje a São Luís do Maranhão inaugurar unidades do Minha Casa Minha Vida.

Dilma ignora pressão, rejeita reforma e acena só com diálogo

Simone Iglesias, Gabriela Valente, Danilo Fariello e Júnia Gama – O Globo

• Em reunião com 13 ministros, presidente diz que atuará na articulação com partidos
Na contramão dos pedidos da base aliada, ela não aceita mudanças, volta a falar na legitimidade do mandato e deixa sem resposta perguntas sobre corte nos ministérios

A pressão dos aliados não surtiu efeito. Em reunião com 13 ministros, ontem, no Palácio da Alvorada, a presidente Dilma Rousseff frustrou a expectativa da base e ignorou a discussão em torno de uma reforma ministerial. A medida era considerada, por aliados, essencial para reconstruir a governabilidade. A presidente afirmou aos ministros que atuará na articulação política, conversando diretamente com os partidos. A reunião abre uma semana que deve elevar a tensão com a Câmara, onde serão votadas pautas- bomba que preocupam o governo. Antes do encontro, aliados pediram uma “revolução” no governo, e o líder do PMDB, Leonardo Picciani, disse que, sem mudanças imediatas, uma saída do partido da base seria o “caminho natural”.

Alheia às pressões

BRASÍLIA - Imersa em uma crise política e econômica, apesar do aumento da pressão dos aliados por medidas concretas de reestruturação do governo, a presidente Dilma Rousseff sinalizou apenas com a necessidade de aumento do diálogo. Após três horas de reunião no Palácio da Alvorada, com o vice- presidente Michel Temer e 13 ministros, Dilma decidiu ontem fazer reuniões individuais com os partidos aliados, assumindo a linha de frente da articulação política junto ao vice. Segundo relatos de ministros ao GLOBO, a presidente se mostrou otimista que conseguirá vencer a crise política e cumprirá seus quatro anos de mandato.

A redução do número de ministérios foi um dos pontos da reunião. No entanto, não houve avanço. Ao menos dois cenários vêm sendo discutidos internamente: um mais brando, que diminui dos atuais 39 para 29 pastas e outro mais drástico, cortando para 24 ministérios. Um auxiliar presidencial afirmou que num grupo mais restrito dentro do governo, a reformulação vem sendo discutida.

Enquanto mudanças concretas não são anunciadas, Dilma disse aos ministros que cobrará que eles garantam o voto de seus deputados e senadores no Congresso. Segundo relatos de integrantes do governo, ela reclamou da falta de fidelidade das bancadas.

— A presidente vai liderar um amplo diálogo com as bancadas, com os partidos, empresários, movimentos sociais. Vai percorrer o país e não há chance de renunciar — disse o líder do governo na Câmara, José Guimarães ( PT- CE), ao sair da reunião.

O ministro Edinho Silva ( Comunicação Social) afirmou que o Executivo reconhece as dificuldades políticas e econômicas, mas que serão superadas em um curto espaço de tempo.

— Não estamos negando as dificuldades. Estamos reconhecendo, mas temos certeza que serão superadas com diálogo — disse ao deixar a reunião.

Edinho afastou qualquer possibilidade de Dilma deixar a Presidência antes de 2018.

— A presidente foi eleita para cumprir quatro anos de mandato e o Brasil é exemplo de democracia para o mundo. Não podemos brincar com a democracia — afirmou.

Na reunião, o mais exaltado era o ministro Miguel Rossetto, da Secretaria Geral da Presidência. Repetindo uma cobrança insistente dos petistas e do ex- presidente Lula, Rossetto disse que a retomada do diálogo com os movimentos sociais é o ponto central para resolver a crise de baixa popularidade da presidente Dilma e reaproximar o partido das bases. Na quarta- feira, Dilma participará da Marcha das Margaridas, com cerca de 50 mil mulheres sem terra na Esplanada. Dilma também terá reuniões com lideranças das centrais sindicais esta semana.

Todos os participantes da reunião se esforçaram para desfazer o clima de mal- estar entre Dilma e Temer, depois que o vice declarou que era necessária uma pessoa para unificar o país.

Perspectivas sombrias entre aliados
Nesta segunda semana de trabalhos legislativos, as perspectivas de parlamentares da base aliada são sombrias em relação à situação do governo. A análise coletiva entre os deputados é que, sem uma ampla reforma ministerial, nada irá melhorar.

O líder do PMDB, Leonardo Picciani ( RJ), defende ações imediatas por parte de Dilma, sob risco de desmoronamento do que resta de apoio ao governo no partido.

— Decisões precisam ser tomadas quase de imediato. O quadro está muito agravado. Hoje, a maioria da bancada do PMDB não é favorável a deixar a base. Mas, no ritmo que as coisas vão, esse vai ser o caminho natural — pontuou.

Há entre os deputados aliados ao governo a convicção de que vários dos ministros que foram nomeados por Dilma em nome das bancadas dos partidos não representam de fato seus interesses.

— Havia uma expectativa de que as questões partidárias de espaço fossem resolvidas no recesso. Muitos líderes estão reclamando que, apesar dos apelos, não conseguem controlar a base porque as demandas não são atendidas e a economia não responde ao ajuste — afirmou Maurício Quintella ( PR- AL).

O líder do PDT, André Figueiredo ( CE), que na semana passada anunciou a decisão da bancada de se declarar independente, critica a dificuldade do governo em se antecipar às negociações dos projetos que estão para ser votados.

— O problema é a inércia, o governo só age no limite. Não basta uma reforma, é quase uma revolução. Uma grande transformação em todos os setores de seu governo — disse o líder do PDT.

A partir desta semana, são várias as pautas- bomba que devem entrar na votação da Câmara. Além da apreciação das contas de 2014 da presidente, que podem ser rejeitadas pelo TCU e podem desencadear um processo por crime de responsabilidade se o Congresso confirmar a decisão da Corte, há pedidos de impeachment pendentes de análise. O Congresso também irá analisar vetos como o da alteração do fator previdenciário, o do aumento do Judiciário e o da equiparação do aumento do salário- mínimo às aposentadorias. Além disso, devem entrar na pauta medidas do pacto federativo que podem onerar mais a União para beneficiar estados e municípios.

Hora de ‘ sangue frio e fígado na geladeira’

Fernanda Krakovics – O Globo

• Ex- ministros afirmam que Temer deveria ganhar mais espaço na articulação

Ex- ministros da articulação política afirmam que a raiz da atual crise com a Câmara e do esfacelamento da base aliada é a falta de “apetite político” da presidente Dilma, que tem um perfil mais técnico. Eles dizem que é preciso fortalecer o vice-presidente Michel Temer no comando da articulação política, e que a situação chegou a tal ponto que, em nome da responsabilidade com o país, os líderes têm que dialogar. Para esses ex- ministros, é preciso ter tranquilidade.

— A questão da relação política depende do apetite político de quem governa. No governo Lula, estava atrás de nós alguém que gostava de política. O Lula conversava com deputados e senadores de forma espontânea. A presidente é uma gestora, gosta de coisas que dependem menos de pessoas — disse um ex- ministro da articulação política do governo Lula, para quem a deterioração da relação entre o Legislativo e o Executivo é tão grande que a reconstrução é “muito difícil”.

Walfrido dos Mares Guia, ministro das Relações Institucionais no segundo governo Lula, defende que se dê mais poder a Temer. Ainda de acordo com Walfrido, o vice deveria ter prazo de um mês e meio a dois para acertar:

— Como a temperatura está alta, é necessário tranquilidade e um mínimo de tempo para atuar, para fazer a acomodação da base. Ele ( Temer) tem de um mês e meio a dois para fazer essa acomodação. O Temer tem que ter um empoderamento como articulador.

O vice costuma reclamar que o ministro Aloizio Mercadante ( Casa Civil) sabota acordos fechados por ele de nomeações para cargos federais, e que o ministro Joaquim Levy ( Fazenda) barra a liberação de emendas parlamentares.

Agora, o vice convive ainda com a desconfiança de ministros do PT, que o acusam, em reuniões internas, de conspirar contra Dilma. O motivo foi a declaração de que “alguém” precisa unir o país — o que foi lido por petistas como uma admissão explícita de que Dilma não teria como cumprir esse papel. A interpretação foi de que o peemedebista estava se credenciando para o cargo, em meio a articulações da própria base aliada para que a presidente não termine o mandato.

O ex- ministro Alexandre Padilha, também articulador político no 2 º governo Lula, disse que o governo deve aproveitar a derrota sofrida na Câmara, semana passada, para chamar empresários, trabalhadores, sociedade civil, movimentos sociais e a classe política e construir uma pauta que permita ao país enfrentar a crise econômica.

Apesar dos apelos de Temer e do ministro Nelson Barbosa ( Planejamento), a Câmara aprovou, em 1 º turno, proposta de emenda constitucional que vincula os salários da AdvocaciaGeral da União à remuneração dos ministros do Supremo, que é de R$ 33,7 mil.

Padilha também defendeu que a presidente viaje pelo país. Atendendo conselhos do ex- presidente Lula, Dilma começou uma rodada de viagens pelo Norte e Nordeste, na tentativa de recuperar sua popularidade.

— A instabilidade política e a insegurança econômica não são boas para ninguém, nem governo, oposição, empresários nem trabalhadores. A 1 ª coisa é respeitar as instituições. Tem um voto popular que tem que ser respeitado. E ter uma pauta legislativa que ajude o país a enfrentar a crise econômica internacional. Não é hora de interesses corporativos ou específicos se sobreporem — disse Padilha, que é secretário de Relações Governamentais da Prefeitura de São Paulo.

Ex- ministros foram unânimes em recomendar tranquilidade.

— Na política tem que ter sangue frio e fígado na geladeira — afirmou Padilha.
Atual ministro das Comunicações e ex- ministro da articulação política no governo Dilma, Ricardo Berzoini disse que essa tarefa tem que ser de todos, e não só de Temer.

— O desafio da articulação é sempre complexo, especialmente no quadro de fragmentação partidária do Brasil. É um esforço que não pode se restringir a quem está responsável por ele. Tem que ser tarefa de todos, ministros, deputados e senadores experientes. E da presidente. Berzoini também pregou serenidade: — Sou seguidor das orientações de Paulinho da Viola: “Faça como o velho marinheiro, que durante o nevoeiro, leva o barco devagar” — brincou, citando um trecho da música “Argumento”.

Para Walfrido, é preciso entender que, independente do governo, determinadas medidas de “saneamento econômico” têm que ser feitas:

— Estamos em um quadro de temperatura e pressão altas, mas ninguém está à beira da morte.

Reforma ministerial ganha força, mas Dilma resiste

Por Andrea Jubé, Lucas Marchesini, Raymundo Costa e Raquel Ulhôa - Valor Econômico

BRASÍLIA - Para melhorar as relações com a esfacelada base governista e tentar evitar o aprofundamento da crise política, a presidente Dilma Rousseff está sendo pressionada a realizar uma reforma ministerial. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é um dos defensores da estratégia. Ontem à noite a presidente se reuniu com ministros e líderes partidários que integram a coordenação política para organizar a semana do governo no Legislativo. A presidente decidiu "focar" os esforços no Senado, em mais um esforço para barrar as "bombas fiscais" eventualmente aprovadas na Câmara.

A tese principal dos defensores da reforma ministerial é que, embora fragilizada, a presidente ainda comanda a máquina pública e até agora não usou efetivamente a caneta. "É preciso zerar o jogo e começar tudo de novo", diz uma fonte do governo. Em público, ministros negam o possível rearranjo. Mas em conversas reservadas, o assunto é recorrente. A presidente resiste.

Os alvos preferenciais são ministros que não exercem influência sobre suas bases. Um exemplo recorrente é o do ministro do Trabalho, Manoel Dias, indicado pelo PDT. Dias não controla a bancada, que na última semana declarou-se "independente" do governo. Exemplos semelhantes são os de Gilberto Kassab (PSD), do Ministério das Cidades, e Armando Monteiro Neto (PTB), do Desenvolvimento, Indústria e Comércio.

A intenção da presidente é se reunir hoje com os líderes da base aliada no Senado. Está em articulação um jantar no Palácio da Alvorada com um grupo mais restrito e influente de senadores aliados. Dilma conversou com senadores pemedebistas no fim de semana e eles mostraram disposição para ajudar. A ideia de buscar anteparo no Senado evoluiu depois que Temer fez relato à presidente sobre suas conversas com os líderes das duas Casas. Dilma está convencida de que a Câmara, presidida por Eduardo Cunha (PMDB) é um caso "perdido".

O otimismo de Dilma em relação ao Senado é visto com reservas por integrantes da base aliada. Até hoje o Senado não votou o projeto que prevê o fim das desonerações da folha de pagamento das empresas, uma das medidas mais importantes do ajuste fiscal. A tendência no Senado é adiar o máximo sua votação.

Aumenta pressão sobre Dilma por trocas ministeriais
A presidente Dilma Rousseff está sendo pressionada a antecipar uma reforma ministerial para afinar a relação com os aliados fieis e conter o aprofundamento da crise política. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é um dos defensores da estratégia. Dilma encomendou estudos para reorganizar a máquina pública e reduzir gastos, o que estava previsto para fins de setembro. Mas auxiliares próximos tentam convencê-la a precipitar a mudança para nomear ministros capazes de liderar suas bancadas.

A tese principal é que, embora fragilizada, a presidente ainda comanda a máquina pública, e até agora, não usou efetivamente a caneta. "É preciso zerar o jogo e começar tudo de novo", argumenta uma fonte do governo. Em público, ministros negam o possível rearranjo. Mas em conversas reservadas, o assunto é recorrente, enquanto a presidente resiste, em busca de alternativas para conter a turbulência.

Dilma convocou uma reunião de emergência com o vice-presidente Michel Temer, articulador político do governo, e ministros do núcleo político para a noite deste domingo no Palácio da Alvorada. Na pauta, a agenda do Congresso Nacional, a fim de evitar novas derrotas, e os possíveis desdobramentos da crise.

"Vamos discutir o futuro", disse um dos convidados ao Valor. Foram convocados os ministros da Casa Civil, Aloizio Mercadante, da Secretaria de Aviação Civil, Eliseu Padilha, da Justiça, José Eduardo Cardozo, da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva, da Defesa, Jaques Wagner.

Nos bastidores, as atenções se voltam para o avanço da Operação Lava-Jato, com as iminentes delações premiadas de investigados-chave, como Fernando Baiano, apontado como suposto operador do PMDB, e Renato Duque, ex-diretor da Petrobras, que teria sido nomeado pelo ex-ministro José Dirceu, preso na última semana. Há receio de que Duque possa implicar ainda mais o PT.

Defensores da reforma alegam que Dilma deve usar a caneta presidencial para prestigiar aliados que têm dado provas de lealdade. A base ficará menor, mas a presidente saberá com quem pode contar de verdade.

Os alvos preferenciais são ministros que não exercem influência sobre suas bases. Um exemplo recorrente é o ministro do Trabalho, Manoel Dias, indicado pelo presidente do PDT, Carlos Lupi. Dias não controla a bancada, que na última semana declarou-se "independente" do governo. Outros que não influenciam as respectivas bancadas são os titulares do Ministério das Cidades, Gilberto Kassab, do PSD, e do de Desenvolvimento, Indústria e Comércio (Mdic), Armando Monteiro Neto, do PTB. O PSD ainda comanda a Secretaria de Micro e Pequena Empresa, com Guilherme Afif.

Outro nome questionado no primeiro escalão é o de Kátia Abreu, do Ministério da Agricultura, filiada ao PMDB, mas considerada da cota pessoal de Dilma. O problema é que a presidente tem apreço especial por Kassab, Afif e Kátia, e não pretende dispensá-los.

Um grupo restrito defende que o ex-presidente Lula seja nomeado para uma pasta, que poderia ser o Ministério das Relações Exteriores, para exercer maior influência no governo e, simultaneamente, ganhar foro privilegiado. A tese chegou diretamente ao ouvido de Lula, que a rechaçou automaticamente.

Dilma segue determinada a enfrentar a crise. "Sou uma pessoa que aguento pressão, aguento ameaça", afirmou em discurso em Boa Vista, Roraima, na solenidade de entrega de unidades do programa Minha Casa, Minha Vida. Disse que a democracia brasileira respeitará sua vitória nas urnas. "Ninguém vai tirar essa legitimidade que o voto me deu".

A presidente reconheceu a fase de turbulência, mas ressaltou que "não quebramos". Admitiu que "o Brasil passa por dificuldades", mas hoje é um "país muito mais robusto". Segundo ela, "antes, no Brasil, quando havia qualquer problema, tendia a ter dificuldade para pagar as contas externas", mas hoje o país tem mais de US$ 300 bilhões em reservas.

Dilma busca movimentos sociais antes de protestos

• Petista vai se reunir com UNE e MST em contraponto a atos contra governo

• Presidente mostra irritação com infidelidade da base aliada e cobra pulso firme de ministros

Natuza Nery, Flávia Foreque – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff se reunirá nesta semana com movimentos de esquerda para tentar mostrar respaldo social em uma ofensiva contra as manifestações antigoverno marcadas para o dia 16 de agosto.

Para o governo, é importante sinalizar que Dilma não está isolada, apesar do recrudescimento da crise política.

Em outra frente, num esforço para recompor a base de apoio do governo no Congresso, a presidente também terá encontros individuais com os líderes aliados para cobrar fidelidade nas votações.

Na avaliação da cúpula do Executivo federal, é necessário apresentar um contraponto aos protestos. Ainda não há medição interna sobre o público, mas projeções de bastidores apontam para uma grande adesão.

Ministros e petistas afirmavam na semana passada que, dado o grau de enfraquecimento do governo, um ato massivo pró-impeachment poderia emparedar ainda mais a presidente. Alguns se arriscavam a afirmar que, se não houvesse reação, poderia ser "o começo do fim".

Na terça-feira (11), o Planalto sediará um encontro da presidente com a Marcha das Margaridas, que reúne trabalhadoras rurais. Possivelmente na quinta (13), Dilma receberá representantes de movimentos como UNE e MST para demonstrar apoio político.

A presidente é criticada por não receber e pouco dialogar com o alicerce social que sempre deu força ao partido. Em diversas reuniões, o ex-presidente Lula insistiu que ela dialogasse mais com esses setores, sob a lógica de que são eles que se organizarão nas ruas contra um eventual processo de deposição.

Na crise do mensalão, em que o governo Lula também enfrentou queda de popularidade, movimentos sociais ficaram a postos para defender a administração petista.

Reunião
O atual cenário de crise política foi o tema central de reunião entre Dilma e 13 ministros da Esplanada na noite deste domingo (9), no Palácio da Alvorada.

Dilma mostrou irritação com a infidelidade da base aliada e cobrou pulso firme dos ministros, indicando que aqueles que não têm força política no Congresso deverão ser substituídos.

Após a reunião, o ministro Edinho Silva (Comunicação Social) cobrou "responsabilidade" do Legislativo e reforçou o discurso de que a presidente irá cumprir todo o mandato de quatro anos para o qual foi eleita.

"Não estamos negando as dificuldades políticas que estamos enfrentando, mas temos certeza de que serão superadas com diálogo. A política é a arte de dialogar e é isso que o governo da presidente Dilma irá fazer", disse.

Edinho fez questão de elogiar a posição "de destaque" e o "papel fundamental" que o vice-presidente Michel Temer vem desempenhando e afirmou que, durante a reunião, Temer "foi enfático com seu compromisso com a presidente Dilma".

"Em momento algum vamos permitir que intrigas, interpretações ou utilização política por alguns setores minoritários da própria base ou da oposição possam provocar ruídos ou dificultar a construção da governabilidade", afirmou o ministro.

Na semana passada, Temer disse que o país precisa de alguém que possa "reunificar a todos". A fala foi interpretada como sinal de que o vice estaria se preparando para assumir o governo. Temer até ofereceu deixar a articulação política, mas Dilma recusou.

Nesta segunda (10), Dilma avançará no plano de tentar conquistar o apoio do Senado contra projetos de forte impacto fiscal aprovados pela Câmara. Ela receberá senadores para jantar no Palácio da Alvorada e pedirá a eles "responsabilidade".

Trata-se de apelo contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que tem pautado projetos que aumentam os gastos públicos.

Colaboraram Andréia Sadi e Marina Dias

Frustração com presidente e temor de um golpe dividem a base petista

Por Cristiane Agostine – Valor Econômico

SÃO PAULO - "Daqui a pouco não vamos ter base social para defender o governo. Está muito difícil, muito difícil. Estamos lascados, na verdade". O comentário do vereador petista Lineu Navarro, de São Carlos (SP), ganhou fortes aplausos de filiados do PT e integrantes de movimentos populares, reunidos com o ex-ministro e diretor do Instituto Lula, Luiz Dulci na noite de quarta-feira, na sede nacional do partido em São Paulo. "A economia está indo para um lado que não foi o que construímos. Você sai na rua e o povo fala: a vaca tossiu. Isso significa muito para a nossa base e as pesquisas de popularidade do governo mostram isso. Como é que vai defender o Lula, o governo Dilma se a base social não vier?"

A frustração com o governo da presidente Dilma Rousseff, com o ajuste fiscal e a quebra da promessa de que os direitos trabalhistas não seriam alterados "nem que a vaca tussa" marca o debate sobre a relação da base petista com o governo e o partido. Em meio ao aumento das demissões e o crescimento da inflação, petistas e movimentos sociais reclamam da falta de diálogo com o governo e com o próprio PT e resistem em dar a Dilma o mesmo apoio que deram ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2005. Ao mesmo tempo, a base petista mostra-se angustiada com a possibilidade real de saída de Dilma da Presidência.

Ao lado de Dulci na mesa de debate, Thiago Vinícius de Paula, militante da periferia paulistana, reclamou do pedido de apoio diante da crise. "A gente não quer ser chamado só nas eleições, ou quando a chapa esquenta", disse. Thiago elogiou a atuação de Lula, com encontros frequentes no Instituto que leva seu nome, mas pontuou: "De que adianta as reuniões com Lula se depois não temos espaço no governo?"

"O distanciamento com os movimentos sociais é grande", afirmou Maria Sufaneide Rodrigues, professora aposentada ligada à Apeoesp, sindicato dos professores de São Paulo. "E o [Aloizio] Mercadante? Qual tem sido o papel dele?", disse, ao criticar a ação do ministro da Casa Civil na articulação política. Militante petista, o jovem Maurílio criticou a política econômica e as escolhas de Dilma para o ministério, como a de Katia Abreu para a Agricultura. "PT tem sido ingrato? Claro que sim. Mas o fato é que se essa pauta golpista continuar, vão nos esmagar. Não importa se você é do PT ou do movimento social. Não vai sobrar ninguém", disse o petista, que saiu do evento antes do fim do debate.

"É claro que tivemos equívocos no Congresso e ficamos alijados do comando da Câmara. Os erros na articulação política e o ajuste fiscal pesam muito para a militância. Mas está em curso uma agenda golpista", disse Douglas Isso, vice-presidente da CUT-SP. "Temos que pintar nosso rosto e ir para a guerra".

A defesa do governo Dilma não é fácil nem para os "lulistas". Dulci reclamou do ajuste fiscal, disse que é preciso virar essa página e cobrou medidas para o crescimento. "É isso que vai dar condições de dialogar com os que estão distanciados de nós", disse. "O governo tem que corrigir erros, mas não significa jogar a água com o bebê. Querem nos destruir não por nossos erros, mas por nossos acertos. Mas evidente que os erros enfraquecem a defesa dos acertos, do legado". Aos insatisfeitos, Dulci pediu, como alternativa, que se faça a defesa da democracia. Alertou para o "golpe" e o comparou com o que aconteceu na ditadura. "A questão não é apoiar ou não o governo, mas trata-se de defender a democracia e a solução dos conflitos pelas regras democráticas. Pode continuar criticando, mas tem que ser contra o golpe".

Lula e seus interlocutores, como Dulci, têm feito uma ofensiva junto à base petista, em dezenas de reuniões como o da quarta-feira, que se intensificaram nas últimas semanas. Para "lulistas", o governo subestimou por muito tempo a força da oposição e a articulação em torno do impeachment e o risco de golpe é real. Lula pretende intensificar uma agenda de viagens. Nesta semana, o ex-presidente irá para Brasília e na próxima estará em Minas Gerais.

A presidente começou a buscar uma aproximação com a base petista e marcou um encontro com os movimentos sociais no Palácio do Planalto no dia 13, três dias antes do ato pró-impeachment. Dilma tem acenado também ao MTST, que articula um ato contra o impeachment no dia 20, e prometeu atender os pedidos no programa Minha Casa, Minha Vida. O presidente do PT, Rui Falcão, também tem se aproximado do líder do MTST, Guilherme Boulos. No entanto, no ato organizado pelos sem-teto, com movimentos como CUT e UNE, o ajuste fiscal será atacado.

Na sexta-feira, Lula reuniu centenas de pessoas para apoiá-lo, em ato organizado pelo diretório do PT paulistano. Ao redor do Instituto Lula, ministros, dirigentes petistas e integrantes da CUT, MST e de outros movimentos populares protestaram contra uma bomba que foi jogada no local. No mesmo dia, Lula reuniu-se com os ministros Mercadante, Edinho Silva (Secretaria da Comunicação Social) e Jaques Wagner (Defesa) para tratar da crise com o PMDB, reforma ministerial e impeachment.

Crises no governo ameaçam imagem do legado lulista

Mauro Paulino
DIRETOR-GERAL DO DATAFOLHA
Alessandro Janoni
DIRETOR DE PESQUISAS DO DATAFOLHA

O recorde de reprovação a Dilma Rousseff (PT) revela um fenômeno curioso de homogeneização da opinião pública. O resultado produz um quadro simetricamente oposto à curva de aprovação de seu padrinho político no último ano de mandato. Ao longo de 2010, Lula pavimentava a vitória de sua ministra sobre patamares históricos de popularidade que variavam de 73% a 83%.

Taxas tão altas em universo tão heterogêneo ocorrem apenas quando os vetores que as compõem têm impacto abrangente e alcançam diferentes segmentos da população. A característica aguda da crise política e econômica anulam o discurso ostensivo da inclusão social, marca do lulismo, mesmo junto aos estratos que mais se beneficiaram das ações do governo.

Para melhor compreender essa tendência, o Datafolha replicou na pesquisa de 4 e 5 de agosto método desenvolvido para dividir a população em classes socioeconômicas com base em renda familiar mensal, posse de itens de conforto e escolaridade.

A clivagem foi uma das variáveis que demonstraram maior grau de correlação com o comportamento do brasileiro na última eleição presidencial. Percebia-se claramente a preferência das classes alta e média-alta por Aécio Neves (PSDB) e das classe média-baixa e dos chamados excluídos por Dilma. A classe que mais cresceu nos governos petistas –média-intermediária– mostrava-se dividida. Filhos da inclusão da era Lula, acabaram, no final, pendendo à candidata do PT.

Como a expectativa era positiva, os estratos que mais apoiavam a presidente na ocasião são hoje os mais frustrados. De outubro de 2014 até aqui, a aprovação a Dilma caiu 44 pontos percentuais entre os excluídos contra 34 na média da população. Apesar de ser o subconjunto que menos reprova a petista, o crescimento de sua insatisfação perde apenas para a classe média-baixa, onde a popularidade caiu 40 pontos e a rejeição subiu 63 (doze a mais que a média).

Na classe média-intermediária, a reprovação cresceu 53 pontos e a aprovação caiu 38. Nas classes mais altas, a queda de avaliação de Dilma também é importante, mas não tão elevada quanto nos outros segmentos nos quais sua imagem era melhor.

Mais dependentes do governo, especialmente na educação e na assistência social, esses estratos temem o retrocesso que tentaram evitar ao reeleger Dilma. No final do governo FHC, por exemplo, 17% dos brasileiros pertenciam à classe média-intermediária (hoje são 32%). Entre eles, 22% eram assalariados registrados (hoje são 30%).

Por enquanto, mesmo com poder aquisitivo menor, esses estratos ainda "não perderam a classe". Mas há de se perguntar se a impopularidade de Dilma hoje é maior do que o medo do que pode acontecer a partir de agora.

Antes de reunião do Planalto, Cunha volta a atacar governo

Por André de Souza e Maria Lima – O Globo

• Presidente da Câmara diz que não é vilão das contas públicas e reafirma que governo é culpado por derrotas em plenário

BRASÍLIA - Horas antes de a presidente Dilma Rousseff se reunir com o núcleo político do governo, neste domingo, o presidente da Câmara, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), rechaçou, por meio de sua conta no Twitter, que tenha se tornado o vilão das contas públicas e atribuiu ao próprio Planalto a responsabilidade pela crise política.

Cunha rompeu com o governo, depois que foi citado, em delação premiada da Operação Lava-jato, como um dos políticos que teriam recebido propina do esquema de corrupção montado dentro da Petrobras. De acordo com o empresário Júlio Camargo, Cunha recebeu R$ 5 milhões, denúncia negada pelo parlamentar. Desde então, ele patrocina a chamada "pauta-bomba" na Câmara, com propostas que desagradam o governo, o que inclui o aumento das despesas públicas.

Em sua conta no Twitter, Cunha destacou que não é dono dos votos dos deputados e ressaltou que jogar nele a culpa pelas derrotas do governo é o mesmo que querer não enfrentar o problema. Para ele, o governo continuará sendo derrotado, caso não reagrupe a maioria no Congresso.

"Sem reagrupar a sua base e constituir uma maioria sólida, o governo continuará com problemas e sofrendo derrotas"... "A tentativa de alguns de me colocar como vilão das contas públicas por retaliação ao governo não tem amparo na realidade dos fatos", disse Cunha no Twitter, acrescentando: "Sei bem os riscos que sinais equivocados podem causar na avaliação do grau de investimento do país e não compactuo com isso".

No encontro deste domingo, a presidente Dilma pode dar início ao processo de reformulação de sua base de sustentação no Congresso, inclusive com mudanças em ministérios e uma nova distribuição de cargos de segundo e terceiro escalões aos partidos aliados.

Ao GLOBO, Cunha criticou a articulação da presidente Dilma Rousseff para tentar isolar a Câmara, fazendo um pacto com partidos, para segurar, no Senado, as matérias consideradas bombas fiscais aprovadas na Casa.

— Não adianta fazer um cavalo de batalha e tentar isolar a Câmara, dizer que a Câmara está sabotando o ajuste e o Senado ajudando. Votamos todas as matérias do ajuste. O problema é que o ajuste é fraco, o governo não consegue implementá-lo, não dá resultado, e querem culpar a Câmara. Se querem saber, pelas coisas que o governo manda, eu até segurei muito — disse Cunha.

Na madrugada de quinta-feira, com apoio de Cunha, a Câmara aprovou em primeiro turno a proposta de emenda constitucional (PEC) que eleva o teto salarial dos advogados da União, procuradores estaduais e municipais e delegados das polícias Federal e Civil. Neste domingo, no Twitter, o presidente da Câmara afirmou que o governo, caso não consiga reagrupar sua base de sustentação na Câmara, continuará com problemas e sofrendo derrotas.

Ele destacou também que, em 2009, o então presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), hoje vice-presidente da República, não conseguiu impedir a votação de algumas propostas que contrariavam o governo. "Isso não quer dizer que Michel estava contra as contas públicas.Foi a vontade da casa naquele momento que ele teve que aceitar", disse Cunha, concluindo: "Presidente da Câmara não é o dono da Câmara e nem do voto dos deputados".

Cunha também negou responsabilidade sobre a instalação de CPIs que não agradam o governo. Ele lembrou que cinco CPIs podem funcionar simultaneamente, e que elas devem ser instaladas na ordem em que foram protocoladas. "Não fui eu quem protocolei as CPIs. Se a vez eram dessas CPIs,o que me restava fazer a não ser cumprir a minha obrigação", disse Cunha.

Ele também defendeu a votação de quatro contas de ex-presidentes da República, o que ajuda a abrir caminho para a votação das contas de Dilma. O Tribunal de Contas da União (TCU) ainda está analisando a situação e são reais as chances de que rejeite as contas da presidente. Depois disso, a matéria segue para o Congresso, que tem a palavra final sobre o assunto. "É preciso parar de especular e se tratar as coisas com mais seriedade", concluiu Cunha.

Cunha diz não ter culpa por 'fragilidade' do governo 'sem base'

Luciana Nunes Leal - O Estado de S. Paulo

• Presidente da Câmara nega ser 'vilão das contas públicas'

RIO - O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que rompeu com o governo em julho, usou mais uma vez as redes sociais para negar que esteja trabalhando para fragilizar a presidente Dilma Rousseff com a votação de uma "pauta-bomba" e abertura de CPIs incômodas ao Palácio do Planalto. "A tentativa de alguns de me colocar como vilão das contas públicas por retaliação ao governo não tem amparo na realidade dos fatos", reclamou em sua conta no Twitter na tarde deste domingo, 9. "Sei bem os riscos que sinais equivocados podem causar na avaliação do grau de investimento do País e não compactuo com isso", afirmou. "É preciso parar de especular e tratar as coisas com mais seriedade", afirmou Cunha.

"Tentar esconder a real situação de fragilidade do governo sem base na Câmara me culpando pelas suas derrotas é querer não enfrentar o problema", defendeu-se. "A verdade nua e crua e que não existe base do governo".

Cunha tem transferido para o Colégio de Líderes a responsabilidade pelas votações, como a que aprovou a emenda à Constituição que reajusta salários de advogados e defensores públicos e delegados, na semana passada.

"Presidente da Câmara não é o dono da Câmara e nem do voto dos deputados", escreveu.

Cunha comparou a votação da semana passada à aprovação pela Câmara, em 2009, de emenda constitucional que aumentava o salário de policiais militares e bombeiros. Na época, o presidente da Câmara era o atual vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB)."Em 2009, Michel Temer como presidente da Câmara não conseguiu impedir a votação da PEC 300, de autoria do senador Renan Calheiros. Nem conseguiu impedir a violação do fim do fator previdenciário, que foi vetado por Lula. Isso não quer dizer que Michel estava contra as contas públicas. Foi a vontade da Casa naquele momento, que ele teve que aceitar", disse Cunha.

O peemedebista também negou ter instalado novas CPIs para trazer novos problemas ao governo. A que mais preocupa o Planalto é da CPI do BNDES.

"Se a vez eram dessas CPIs,o que me restava fazer a não ser cumprir a minha obrigação. Não fui eu que protocolei as CPIs. E mais: as CPIs são regimentais, funcionam cinco simultâneas e na ordem de protocolo", disse.

Cunha lembrou que projetos problemáticos para o governo, por implicarem em aumento de gastos, têm sido aprovados com votos de parlamentares do PT e outros partidos governistas.

"É preciso parar com essa fantasia de que sou responsável pelo resultado das votações,como se eu fosse capaz de convencer a todos. Sem reagrupar a sua base e constituir uma maioria sólida, o governo continuará com problemas e sofrendo derrotas. Agora, não cabe a mim constituir a maioria que o governo não tem para vencer votações no plenário da Câmara".

Cunha negou que o fato de ter rompido com o governo esteja ligado à "pauta-bomba" da Câmara. "E convencer por um motivo de retaliação. Será que todos se submeteriam a isso? E os votos de deputados que me fazem oposição aberta, tais como os do PT?", questionou.

Crise altera planos do PSDB para 2016

Por Raquel Ulhôa – Valor Econômico

BRASÍLIA - A possibilidade de mudanças no quadro político em poucos meses, com desfecho imprevisível para o governo Dilma Rousseff, gera novas incertezas no cenário de alianças eleitorais para as eleições de 2016 com o qual o PSDB vem trabalhando. A estratégia de ampliar filiações continua, assim como a de construir nas maiores cidades coligações em 2016 que possam se estender até 2018, em apoio à provável candidatura do senador Aécio Neves (MG) à Presidência da República. Mas, dependendo do que acontecer com o país, mudam os potenciais parceiros.

Com Dilma à frente do governo, a prioridade do PSDB é isolar o PT nas eleições municipais, reforçar a polarização com os petistas e atrair partidos da base aliada da presidente para alianças que poderão ser reeditadas nas eleições presidenciais. Uma orientação de Aécio, inclusive, é que os tucanos apoiem candidatos a prefeitos de outras legendas onde o PSDB não tiver nomes competitivos, em vez de lançar candidatura própria só para marcar posição. Nessa situação, a previsão é que o PMDB vá se desgastando junto com o PT e lideranças do partido poderiam até migrar para o PSDB.

Mas, como os tucanos avaliam que o governo Dilma está com seus dias contatos, os dirigentes começam a pensar em novos cenários, como a possibilidade de o vice-presidente, Michel Temer, assumir a Presidência da República. Nesse caso, a disposição de Aécio e seus aliados é não legitimar a nova gestão. O PMDB passaria, então, a ser uma legenda a se opor nas eleições. Fortalecido, o partido de Temer manteria quadros que hoje estão descontentes em ser linha auxiliar do PT.

Aécio, presidente nacional do PSDB, programou para os próximos dias iniciar ofensiva da Executiva Nacional sobre os cerca de 200 municípios com mais de 100 mil eleitores para atrair filiados e para começar os entendimentos sobre as candidaturas a prefeito e sobre as alianças eleitorais para 2016. A expectativa, agora, é que o processo seja prejudicado pelos desdobramentos da crise nacional, com uma possível dança de cadeiras.

Para pavimentar sua provável candidatura à Presidência, Aécio definiu como meta atrair para o PSDB o máximo de filiações até setembro, inclusive de atuais prefeitos e vice-prefeitos de cerca de 300 das maiores cidades do país para o PSDB; eleger o maior número de prefeitos nesse universo (com candidato próprio ou aliado); ampliar o leque de alianças para mantê-lo em 2018; e reforçar a polarização com o PT, especialmente nas grandes cidades.

Para isolar o PT, a intenção era reforçar o vínculo do partido com o governo Dilma Rousseff. No entanto, se Temer passa a ocupar a Presidência da República, o PMDB passa a ser foco principal. Os tucanos adotarão o discurso de mostrar que Temer e seu partido têm responsabilidade por todas as ações do governo Dilma, para que também sofram o desgaste da gestão petista.

O PSDB prevê que, independentemente do que acontecer, o PT tentará se descolar do governo nas eleições municipais e, por isso, precisará adotar o que Aécio chama de "discurso da sanfona": enquanto os petistas buscarão afastamento de Dilma, os tucanos vincularão a imagem do PT ao governo, como o grupo responsável pela política econômica que desempregou, levou ao aumento da inflação e desorganizou o país e pelo esquema de corrupção descoberto no país.

"É o discurso da sanfona, da colagem: eles vão abrir e nós vamos fechar", diz Aécio. "Nós queremos dar o tom na campanha, deixando claro que nós somos adversários do PT e do governo."

Após o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir que os eleitos pelo sistema majoritário (senador, prefeito, governador, presidente e vices) não perdem os mandatos se trocarem de partido, a cúpula tucana viu "uma janela aberta para o PSDB no Brasil inteiro" e quer filiar o maior número de prefeitos até setembro, um ano antes do pleito. A intenção é atrair gente de partidos da base de Dilma, como PMDB e PTB, por exemplo, que não queiram disputar as eleições municipais em alianças com o PT, para evitar a contaminação pelo desgaste do governo.

A direção do PSDB vai designar cinco coordenadores regionais para dar atenção total ao processo eleitoral nas maiores cidades do país. Cada um ficará responsável por 50. A orientação é que façam levantamento de todas as possibilidades de candidaturas tucanas ou de outros partidos com maior potencial de ganhar do PT e que possam ser parceiros, tanto em 2016 quanto em 2018.

Nas cidades em que o PSDB tiver candidatos viáveis a prefeito, o partido vai buscar construir aliança eleitoral em torno dele. Mas, onde potenciais parceiros tiverem nomes mais competitivos, a orientação da cúpula nacional aos diretórios locais será abrir mão de lançar candidato próprio com pouca viabilidade eleitoral e privilegiar alianças. A avaliação é que uma aliança feita nas cidades maiores, na qual o PSDB apoia um candidato de outro partido, tende a ser reeditada na eleição presidencial.

As candidaturas a prefeito ainda estão indefinidas, mas há tendência no PSDB de se buscar novos nomes, para renovar o partido. São Paulo é uma das cidades em que o PSDB não abrirá mão de ter candidato.

O governador Geraldo Alckmin (PSDB), também postulante à Presidência, quer lançar candidato, mas ainda não há um nome. Dirigentes nacionais dizem que qualquer tucano vai polarizar com o prefeito Fernando Haddad (PT) e irá para o segundo turno.

Em Belo Horizonte, a intenção do PSDB é reeditar aliança com o PSB do prefeito Márcio Lacerda, mas, por enquanto, as duas legendas têm pretensão de lançar candidato próprio. A orientação da direção nacional do PSDB é buscar o candidato mais viável para derrotar o PT. A preferência é por um tucano, mas não está descartada, previamente, a possibilidade de aliança em torno de um nome do PSB. A meta é ganhar do PT, que hoje comanda o Estado, com Fernando Pimentel, para recompor a base política de Aécio em Minas Gerais.

"O PSDB vai ter caras novas. Vai se apresentar nas eleições municipais com caras novas, discurso renovado e oposição frontal ao PT. Acho que vamos sair dessa eleição mais fortes do que de qualquer outra", afirma Aécio.

Sem Campos, PSB cria polo de poder em São Paulo

• Um ano após a morte do ex-governador, comando do partido está sob nova influência

Pedro Venceslau – O Estado de S. Paulo

A crise política e o clima conflagrado entre governo e oposição terão uma pequena trégua nesta semana, quando se completa o primeiro aniversário da morte do ex-governador pernambucano Eduardo Campos. A próxima quinta-feira, dia 13, marca um ano do acidente fatal com o avião em Santos, no litoral paulista. Campos morreu em plena campanha presidencial e desde então o PSB, partido que ele comandava de forma centralizadora, enfrenta um processo de disputas internas, perdeu a unidade e tem atuação difusa no Congresso.

Embora mantenham um centro de poder em Pernambuco – onde estão à frente do governo do Estado e da prefeitura da capital – os afilhados políticos do ex-governador estão atualmente isolados na máquina partidária. O núcleo de comando da sigla se deslocou do Recife para São Paulo e hoje seu nome mais influente é o vice-governador paulista Márcio França. A casa da viúva de Campos, Renata Campos, no bairro Dois Irmãos, no Recife, se tornou uma parada obrigatória de todos os debates políticos nacionais da sigla, mas o pessebista mais influente hoje na estrutura da legenda é mesmo França.

O governador pernambucano, Paulo Câmara, e o prefeito da capital, Geraldo Julio, acabaram isolados no partido depois que o senador Fernando Bezerra Coelho (PE) e o presidente nacional, Carlos Siqueira, se alinharam com ele. Na prática, isso significa que o PSB nacional está mais afinado com o projeto de poder do governador Geraldo Alckmin (PSDB). Se o tucano conseguir ser o candidato à Presidência pelo PSDB em 2018, França assumirá o governo do Estado e poderá tentar a reeleição.

Não foi por acaso que o partido adotou um tom moderado em relação ao impeachment da presidente Dilma Rousseff e não embarcou na defesa de uma nova eleição presidencial, como querem os tucanos ligados ao senador Aécio Neves (PSDB-MG). Um novo pleito antes de 2018 faria do senador mineiro o candidato natural e frustraria os planos de Alckmin.

O vácuo deixado por Campos pode ser notado também no Congresso. Segundo análise das votações em plenário da Câmara feita pelo Estadão Dados, o partido é, hoje, o terceiro colocado no ranking da legendas mais “dispersas” da Casa. Ou seja: as menos coesas na hora votar. Em primeiro e segundo lugar estão respectivamente o PP e o PTB.

Com 33 deputados, a bancada do PSB não costuma seguir a orientação do seu líder. Questionados sobre o fenômeno, os quadros da legenda reconhecem que isso decorre da falta de uma referência nacional que unifique o discurso e defina a estratégia. “O PSB tem, hoje, duas posições. Uma mais histórica, que defende a aproximação com o governo federal, e outra mais moderna, que é de oposição. Com Eduardo, a postura era mais unificada. Da Luiza Erundina (SP) ao Heráclito Fortes (PI), todos respeitavam a posição dele”, avalia o vice-governador de São Paulo, Márcio França. “Não há no PSB uma liderança nacional. Isso não se fabrica, mas se forja na luta política”, concorda o presidente nacional do partido, Carlos Siqueira.

Depois de apoiar a eleição de Dilma Rousseff em 2010, o PSB desembarcou do governo em 2013, quando se consolidou a candidatura de Campos à Presidência. Após a morte dele no ano passado, a sigla articulou uma frágil aliança interna para dar sustentação à campanha de Marina Silva, que herdou a candidatura. A composição se desfez logo depois do primeiro turno, quando o partido decidiu apoiar Aécio.

Herdeiros. Nas eleições municipais do ano que vem, o único integrante da família Campos que tentará a sorte nas urnas será o irmão do ex-governador, o advogado Antonio Campos. Em sua estreia na política, ele disputará a prefeitura de Olinda. A principal aposta do clã, entretanto, é o filho do ex-governador João Campos, de 21 anos. Nomeado ano passado para um cargo na direção da Executiva do PSB pernambucano, ele foi pressionado a disputar uma vaga na Câmara Municipal do Recife em 2016. João Campos se animou com a ideia, mas a mãe vetou o projeto: candidatura só depois de terminar a faculdade de engenharia. No plano traçado pelo partido, o primogênito atuará na militância da juventude do PSB até 2018, quando disputará a vaga de deputado federal. “A candidatura dele a deputado federal já tinha sido cogitada em 2014, mas Renata não permitiu”, disse Siqueira.
Campos completaria amanhã 50 anos de idade e a data dará início às homenagens. Além do Recife, o ex-governador será lembrado em eventos em Brasília e em vários Estados. / Colaborou Rodrigo Burgarelli

Homenagens a Campos unem PT e oposição

Maria Lima, Sérgio Roxo - O Globo

• Esta semana, amigos e família relembram presidenciável morto em acidente de avião há um ano

- BRASÍLIA e SÃO PAULO- O PSB dará início hoje às homenagens de um ano da morte do ex- governador Eduardo Campos com um evento, no Recife, que devem unir oposição e governo. Aécio Neves, que preside o PSDB, e Rui Falcão, presidente do PT, ao lado dos governadores Geraldo Alckmin ( PSDB- SP) e Marconi Perillo ( PSDB- GO), da vice na chapa de Campos, Marina Silva, e das principais lideranças do PSB, participarão de atos que lembrarão a morte de Campos, em acidente aéreo durante a campanha presidencial.

O ato, no Recife Antigo, contará ainda com a família de Campos, que completaria hoje 50 anos. Em seguida, familiares e amigos repetirão uma tradição que Campos mantinha nos aniversários: acompanhar a missa campal em São Lourenço da Mata.

Até esta sexta- feira, as homenagens vão prosseguir com uma série de batismos de equipamentos públicos. Na quarta, uma sessão solene na Câmara lembrará a vida política de Campos e, na quinta, uma missa será celebrada na Igreja Matriz de Recife. A missa será dedicada ainda aos 10 anos da morte de Miguel Arraes, avô de Campos e também ex- governador de Pernambuco.

— ( Hoje) será um cerimonial para celebrar a vida, e não a morte, no dia em que Eduardo faria 50 anos — diz o senador Fernando Bezerra Coelho ( PSB- PE).

Um ano após a morte do exgovernador e de outros seis ocupantes do avião, dirigentes do PSB e a vice Marina dizem que Campos tem feito falta nesse momento da política brasileira:

— Se estivesse vivo, o desfecho e o quadro político e econômico não seriam diferentes. Mas ele seria uma voz equilibrada em meio ao caos, uma voz com reconhecimento nacional para ajudar a liderar a busca de um caminho — diz o presidente da Fundação João Mangabeira, o ex- governador Renato Casagrande.

— Creio que Eduardo estaria percorrendo o país para conversar com as lideranças regionais, insistindo em temas como o pacto federativo e a reforma tributária, estaria na luta. Sua presença certamente daria mais qualidade à política brasileira — diz Marina.

Sobre 2018, Beto Albuquerque, que em 2014 assumiu, depois do acidente, o papel de vice na chapa de Marina, diz que o partido disputará a Presidência:

— Só temos um caminho: o PSB tem que disputar a Presidência. Não podemos recuar.

Aécio e Marina viajam a Recife para homenagens

Por Marina Falcão e Raquel Ulhôa - Valor Econômico

RECIFE e BRASÍLIA - Em uma tentativa de estreitar lanços com a cúpula do PSB, o senador Aécio Neves, presidente nacional do PSDB, participa do início da maratona de homenagens ao ex governador Eduardo Campos. Hoje, dia em que Campos completaria 50 anos, Aécio estará presente no lançamento de uma coletânea de discursos do ex-governador entre 2007 e 2014, no Recife.

O tucano seguirá para o evento acompanhado do governador de Pernambuco Paulo Câmara (PSB). A cerimônia contará com a presença de governadores, parlamentares, prefeitos e presidentes estaduais do partido, além de líderes nacionais de outras legendas, além da família Campos. O tucano recebeu o apoio da sigla no segundo turno da eleição passada, mas PSB e PSDB não atuam de forma coordenada em Brasília. A sigla que foi comandada por Campos se opõe ao impeachment da presidente Dilma Roussef, por exemplo.

Ainda hoje, haverá uma reunião da Executiva Nacional do PSB no Recife, que será transformado em grande ato político. Aécio irá participar. A candidata presidencial derrotada Marina Silva, que era vice na chapa de Campos, estará presente. Está prevista ainda a presença do governador paulista Geraldo Alckmin, presidenciável tucano para 2018, cujo vice é do PSB. Também foi convidado o presidente nacional do PT, Rui Falcão.

Na quarta feira, Campos será lembrado em Brasília na sessão solene no plenário da Câmara dos Deputados. Na quinta, data que marca o primeiro ano do falecimento, o Senado promove uma sessão especial em memória do ex-governador. Ainda em Brasília, à noite, será rezada missa em memória de Campos e do avô, o ex-governador Miguel Arraes, por coincidência falecido há exatamente dez anos.

O surgimento do nome de Eduardo Campos como possível beneficiário do esquema de propina na Petrobras, durante investigações da Lava Jato, não intimidou as homenagens ao ex governador. De um ano para cá, Eduardo Campos se tornou nome de praça, de trecho de rodovia, teleférico, instituto de oncologia e até de rótulo de cerveja.

O grupo Petrópolis, estampou mais de 470 mil latinhas de Itaipava com a imagem do ex governador e a frase "Não vamos desistir do Brasil". A ação, segundo grupo, é um reconhecimento da importância do ex governador para implantação da fábrica do grupo em Itapissuma (PE).

A Itaipava " Eduardo Campos" não é o primeiro reconhecimento de apreço do grupo Petrópolis pelo ex governador.

Segundo o Tribunal Superior Eleitoral, no exercício de 2014, o grupo Petrópolis doou R$ 3 milhões ao diretório do PSB em Pernambuco, ou 20% do total recebido pela legenda no Estado. O grupo, maior doador individual para o diretório estadual do partido naquele ano, desembolsou ainda mais R$ 1 milhão para o PSB nacional.

Família de Campos se prepara para eleições

• Um ano após morte, familiares agem no partido de olho em 2016 e 2018

• Partido tenta atrair nomes de peso, como Marta Suplicy, para se fortalecer e viabilizar lideranças nacionais

Patrícia Britto - Folha de S. Paulo

RECIFE - Em Xexéu, a 135 km do Recife, a praça Miguel Arraes recebeu em abril um convidado que despertou olhares curiosos durante a inauguração do Palácio Municipal Governador Eduardo Campos.

"Eu tenho certeza de que, quando vocês olham pra isso [crise política], se perguntam: por que não é Eduardo Campos que está lá?", discursou João Campos, 21, segundo dos cinco filhos do ex-governador.

Homenagens como essa têm se repetido desde 13 de agosto de 2014, quando Eduardo Campos, então candidato do PSB à Presidência, e outras seis pessoas morreram em acidente com o jatinho Cessna, em Santos (SP).

Um ano depois, graças à popularidade do ex-governador, filho, irmão e viúva mantêm a influência da família no partido, iniciada com o avô de Eduardo, Miguel Arraes, nos anos 1990. Nova aposta, João Campos se prepara para sua primeira eleição –quer ser deputado federal em 2018.

Também tem percorrido o interior de Pernambuco para participar de encontros como secretário de Organização do diretório estadual do PSB e se tornar conhecido. Discursa de improviso e com voz firme, mas ainda transmite pouca intimidade com o palco.

A viúva, Renata, tem participado dos bastidores da cúpula do PSB: defendeu o adiamento da fusão com o PPS e recebeu a senadora Marta Suplicy (ex-PT-SP) –o partido negocia sua filiação.

Ela, porém, diz que a prioridade é cuidar do filho caçula, Miguel, de um ano e com síndrome de Down. E faz mistério sobre se candidatar.

"Eu já falei, 'uma hora você terá que sair de cima do muro'. Ela não diz nem sim, nem não", afirma o presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, que era ligado a Eduardo Campos.

Já Antônio, irmão de Eduardo, não esconde a pretensão de concorrer à Prefeitura de Olinda. A mais de um ano da eleição, já teve que responder na Justiça Eleitoral por suposta propaganda antecipada.

Nesta segunda (10), quando completaria 50 anos, Campos será lembrado em ato no Recife. Homenagens já se espalham pelo Estado –uma edição especial de latas de cerveja e até tatuagem nas costas de um prefeito.

Na quinta (13), data que marca um ano de sua morte, serão celebradas missas em Brasília e no Recife.

Sem candidato
Com a previsão de que Marina Silva, que substituiu Campos na chapa presidencial, deixe o PSB após a formalização da Rede, o partido procura um novo nome para disputar as eleições em 2018.

"Há lideranças intermediárias importantes –governadores, senadores, deputados–, mas não uma nacional", diz Siqueira. "Não temos um candidato natural como ele foi."

A sigla aposta em adesões. Além de Marta, que também cogita o PMDB para disputar a Prefeitura de São Paulo, o PSB tenta atrair o governador Pedro Taques (PDT-MT) e os senadores Álvaro Dias (PSDB-PR), Lúcia Vânia (ex-PSDB-GO), Walter Pinheiro (PT-BA) e Paulo Paim (PT-RS).

Sem um nome de mesmo perfil conciliador como Campos, a legenda vê dificuldade para chegar a consensos, como visto na fusão com o PPS. Após anunciar o início das tratativas, o PSB recuou e deixou o plano para depois da eleição de 2016.

"A partir da reorganização de que o PSB precisou com a ausência de Eduardo, a gente discute e formula consensos de forma diferente", diz o prefeito do Recife e primeiro-secretário do PSB, Geraldo Julio. "É um partido de muitas lideranças, e quando existem posições diferentes, é hora de fazer as instâncias partidárias funcionarem."

Aécio Neves - Carta a Eduardo Campos

- Folha de S. Paulo

Amigo, escrevo nesse domingo, Dia dos Pais.

Aqui, em Brasília, os dias secos chegaram e as crianças já sentem. Balde com água e toalha molhada no quarto têm sido a solução caseira, mas acho que já está na hora de comprar um umidificador.

Nesta segunda, em que você completaria 50 anos estarei na sua Recife. Quero muito dar um beijo na Renata e nos meninos e agradecer, mais uma vez, o carinho e a generosidade que tiveram comigo no ano passado, quando você, inexplicavelmente, nos deixou.

Amanheci pensando na falta que o seu abraço e seu sorriso largo fazem a eles. Aprendi com meu pai, Aécio, que para a educação dos filhos duas coisas são muito importantes: a presença, sempre que possível, e os bons exemplos. No seu caso, os bons exemplos estão por toda parte e os acompanharão para sempre.

Como deve estar vendo aí de cima, por aqui as coisas não vão nada bem.

Estava me lembrando da nossa conversa no apartamento de sua mãe, dona Ana, no fim de 2013, quando, após uma apetitosa carne de sol, falamos da necessidade da correção de rumos na economia. Lembro-me que chegamos à conclusão de que deveríamos concorrer à Presidência em trincheiras próprias, para fortalecer as oposições, e de que nos encontraríamos mais adiante, para somarmos forças em um novo projeto de Brasil, caso um de nós dois viesse a ser vitorioso.

Nesses dias de incertezas, Eduardo, sinto falta das nossas conversas francas, verdadeiras, em que falávamos do futuro com responsabilidade, mas também com alegria e com o bom humor que nunca lhe faltou. Disse a você, muitas vezes, como me chamava atenção a união da sua família e o afeto que toca a todos que têm o privilégio de conviver com ela. Nesse último ano, você não tem ideia dos exemplos que Renata e os meninos deram a todos os brasileiros.

Não me sai da cabeça um dos últimos jantares na sua casa, com carne de boi e frutos do mar à mesa, que naturalmente você não comeu. Após muitas histórias sobre Arraes e Tancredo (que adaptávamos ao sabor do ouvinte), nos reunimos em volta daquela máquina de música na varanda, que funciona com fichas, e que o José, até então seu caçula, com um sorriso no rosto, manejava como ninguém. Miguel ainda não havia chegado.

Após ouvirmos algumas vezes a sua preferida, "Evidências", na voz dos amigos Chitãozinho e Xororó, colocamos "Tocando em frente", de Renato Teixeira e Almir Sater: "Ando devagar, porque já tive pressa e levo esse sorriso porque já chorei demais"...

É isso que fica. A lembrança do seu sorriso franco e leal. Os nossos sonhos comuns. E uma amizade para toda vida.

Você faz muita falta ao Brasil, amigo.

O abraço do Aécio.

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Aécio Neves é senador (MG) e presidente nacional do PSDB

Ricardo Noblat - Receita para salvar Dilma

- O Globo

É preciso que alguém tenha capacidade de reunificar a todos. Michel Temer, candidato a reunificar a todos

Está nas mãos da presidente Dilma Rousseff a chance de escapar da degola. Ou da hemorragia que a levará a se esvair até o último dia do seu mandato. Basta que concorde com tudo o que seu Lula mandar. É assim que pensam os que rodeiam Lula, e ele. Mas que se apresse porque o tempo passa, a Lusitana roda e daqui a pouco nem mesmo Lula, o aspirante a milagreiro, conseguirá operar o milagre prometido.

ESQUEÇAMOS QUE, outro dia, Lula fez pesadas críticas a Dilma. Acusou- a, por exemplo, de ter mentido durante a última campanha eleitoral. Como se ele fizesse política sem mentir. Acusou- a de fazer um governo de surdos, distante dos chamados movimentos sociais. E de estar, em resumo, no “volume morto”. Assim como o PT estaria abaixo do “volume morto”.

NÃO QUIS relembrar as críticas, mas relembrei. Adiante. Lula ainda enxerga uma forma de, salvando Dilma — quem sabe? —, salvar o projeto de continuidade do PT no poder. Passaria por uma série de providências. A primeira: uma reforma ministerial ampla, geral e irrestrita. Para reforçar a presença de partidos aliados no governo, mesmo que à custa do sacrifício do PT.

SAIRIA ALOIZIO Mercadante da chefia da Casa Civil da presidência da República. No lugar dele entraria Jaques Wagner, atual ministro da Defesa. Sairia do Ministério da Justiça José Eduardo Cardoso, e entraria Michel Temer, vice- presidente da República. Sairia da Secretaria- Geral da presidência da República Miguel Rosseto, e entraria Gilberto Carvalho, amigo de fé, irmão de Lula, camarada.

SAIRIA PEPE Vargas, ministro da Secretaria de Direitos Humanos do Brasil, para a entrada de qualquer outro. Eliseu Padilha, ministro da Aviação Civil, assumiria o ministério das Relações Institucionais. O jornalista Franklin Martins substituiria Edinho Silva, ministro da Secretaria de Comunicação Social, ex- tesoureiro da campanha de Dilma no ano passado, e enrolado com a Operação Lava Jato.

APROXIMAÇÃO COM o PSDB? Aproxime- se pra lá! O trunfo é pau, ô meu! Reduzir o número de ministérios? Nem pensar. A economia não significaria grande coisa. Seria reaberta a temporada de loteamento de cargos no governo e de pagamento de obras construídas nos redutos eleitorais dos parlamentares. Velharia? Mas funciona, não duvide. Eduardo Cunha: venha para cá, meu velho!

SINTO MUITO, Dr. Levy, mas o senhor perderia o emprego porque virou o ministro símbolo da rendição do PT ao arrocho. Entraria outro para manter a mesma política, entendendo, porém, que de nada servirá mantê- la se isso implicar na queda do governo. Algum dinheiro irrigaria os cofres dos movimentos sociais. E, sem grandes custos, seriam feitos acenos demagógicos para o populacho.

QUANTO A LULA... Em caso extremo, observadas essas e outras condições inconfessáveis de público, ele iria para o sacrifício de assumir algum ministério. O das Relações Exteriores, não. Ficaria obrigado a viajar muito por aí com a imprensa em seu encalço. O ministério da Defesa? O lugar seria adequado, sim, para um ex- presidente da República. E o livraria das garras do juiz Sérgio Moro.

QUANTO A DILMA... É para dizer a verdade? Dilma continuaria desempenhando todos os papéis de representação que cabem a um presidente. Aumentaria sua agenda de viagens ao exterior e aos Estados. Mas na prática deixaria que Lula, com a discrição possível, coordenasse o governo. Ou melhor: governasse. É pegar ou largar! Se não pegar, olha o Temer aí, gente!

José Roberto de Toledo - Pós-Cunha, pós-Dilma

- O Estado de S. Paulo

Pela narrativa predominante na opinião pública, o governo é ruim/péssimo (71%, segundo o Datafolha) e deveria ser aberto processo de impeachment contra a presidente (66%). Nesse roteiro, a maioria ainda não crê que ela será afastada (53%), mas cresce a parcela dos que apostam no afastamento, de 29% para 38% desde abril. A pesquisa não questiona o que a população acha que ocorreria depois, se Dilma Rousseff for destituída do cargo.

Essa é a pergunta que vai determinar o destino da presidente. Passa pela opinião pública, mas não é ela quem vai dar a resposta definitiva. Se dois terços dos deputados acharem que o dia seguinte será menos pior - e não importa se de fato seja -, Dilma desocupará o Palácio da Alvorada antes do fim do mandato. Qual será o motivo formal, o Fiat Elba da vez, é irrelevante.

Subjacente à defesa do impeachment há um discurso segundo o qual o problema tem nome e CPF: Dilma. Bastaria tirá-la de cena para que todo o resto, mais cedo ou mais tarde, se arranjasse. É como se todos a bordo de um avião em queda acreditassem que a mera troca do piloto evitaria o desastre. Porque o copiloto seria hábil o suficiente para conter o motim da tripulação (deputados e senadores) e consertar o motor em pane (a economia). Quem crê no copiloto salvador incensa o vice, Michel Temer.

Estão nesse time alguns dos principais caciques do PMDB, como Eduardo Cunha - o presidente da Câmara dos Deputados também ameaçado de cassação por causa da denúncia de um delator. O mais curioso é que foi justamente o PMDB de Cunha que incentivou o motim da tripulação e sabotou o conserto do motor da aeronave. Impediu o mecânico Joaquim Levy de cortar o combustível que alimenta o fogo e ainda criou outros focos de incêndio.

Essa parte é especialmente interessante. Há poucos meses, quando Levy era o salvador, as restrições que se faziam à sua escolha diziam respeito a como seria sua relação com Dilma. Se ela deixaria Levy trabalhar e se bancaria as medidas impopulares que ele teria que tomar. Deixou e bancou. Mesmo assim, está ameaçada de cair. O problema era outro: um sistema político em que, quando o presidente está fraco, os lobbies sequestram o Congresso e transformam a soma das partes em múltiplo do todo.

De volta ao avião. Se o copiloto assumir o comando, terá sido graças a Cunha. Temer deverá o cargo a ele. Logo, para continuar acreditando que o vice evitará a queda do avião deve-se crer também que o fortalecimento ainda maior do presidente da Câmara o transformará de incendiário em bombeiro. Que Cunha refreará a ação de lobbies no Congresso e passará a apoiar as investigações do juiz Sérgio Moro e da Procuradoria-Geral da República.

Quem acredita na conversão repentina de Cunha lembra que quase nenhum dos focos de incêndio que ele criou com sua pauta-bomba na Câmara explodiu de fato. Dependem de um 2.º turno de votação para terem efeito. Logo, ninguém melhor do que ele para desarmar as armadilhas que criou. É o sapo crendo no escorpião.

Há outra corrente, minoritária, que quer ejetar o piloto e o vice juntos. O impeachment duplo provocaria a convocação de novas eleições em três meses. Nesses 90 dias, porém, o avião seria pilotado adivinhe por quem. O próprio: Eduardo Cunha. Cabe ao presidente da Câmara, como terceiro na linha sucessória, zelar por uma transição limpa e pacífica. Para ser o avalista da substituição de Dilma, não poderia ser questionado por ninguém.

Alguém lembrará que Cunha pode ser cassado antes disso, caso a delação contra ele se transforme em denúncia ao Supremo Tribunal Federal. Mas, se ela acontecer, outros devem cair junto. Mudaria a relação de forças no Congresso e, por tabela, a chance da presidente. Como se vê, política não é matemática. A ordem dos fatores altera o produto. O pós-Cunha condiciona o pós-Dilma.

Vinicius Mota - Conspirar é papel do vice

- Folha de S. Paulo

O vice-presidente da República, determina o artigo 70 da Carta, "substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suceder-lhe-á, no de vaga". O parágrafo único estabelece que o vice "auxiliará o Presidente sempre que por ele convocado para missões especiais".

Na política, o vice é uma peça de composição partidária para a disputa das eleições. Marco Maciel representava a adesão do PFL à chapa de Fernando Henrique. Com José de Alencar, Lula acenou para o centro do espectro ideológico.

Michel Temer garantiu a entrega do cobiçado tempo de propaganda do PMDB à aventura que em 2010 deu a Presidência a uma debutante eleitoral. Temer submergiu nos quatro anos seguintes, voltou à tona em 2014 para reassegurar a aliança e talvez pensasse que teria mais quatro primaveras de sossego no Jaburu.

A presidente Dilma, entretanto, convocou-o para uma missão especial. Depois de queimados todos os outros cartuchos, entregou ao vice a tarefa de restaurar a coalizão governista no Congresso e viabilizar o programa emergencial na economia.

Deu errado. A base mostrou-se ingovernável com a ração de pão e água permitida pelas finanças escangalhadas e diante do desenrolar da Operação Lava Jato. Congressistas graúdos são alvos atestados ou potenciais dos "snipers" da Procuradoria. Ninguém sai à rua para conversar nessa Sarajevo da política nacional.

Michel Temer então fez um apelo por alguém que reunificasse a nação. Quis colocar-se nessa posição? Talvez não. Talvez tenha sido, admita-se, um acidente de oratória. A pasta, porém, saiu do tubo e não vai voltar para dentro.

Em situações de esfacelamento do poder presidencial, o vice insinuar-se como alternativa é algo mais que esperado. Nessas circunstâncias, conspirar –com cerimônia, apego à lei e sem retirar precipitadamente os pés das duas canoas– é quase dever constitucional do vice.

Marcos Nobre - O essencial e o acessório

Valor Econômico

• A crise exige cabeça fria e foco no essencial

Na última semana, a irresponsabilidade política se alastrou até onde a vista alcança. Tomou por completo os dois partidos que se revezaram nos últimos 20 anos no cargo de síndico do condomínio pemedebista, PSDB e PT. Tomou conta mesmo daquele que pretendia até então ocupar a posição de baluarte da serenidade e do equilíbrio, o vice-presidente Michel Temer.

Jogaram gasolina no incêndio para ver a crise queimar mais rápido. Tudo devidamente secundado por diferentes vozes, que, no debate público, bateram palma para o fogaréu. Dão-se todos o luxo de ignorar que a crise suspendeu temporariamente qualquer disputa política real e organizada, incluída aí a disputa em torno da política econômica, por exemplo.

Pouco importa se os atores são movidos pela sandice, por interesse próprio, ou pelas duas coisas. O fato é que não existe nenhuma força social e política em condições de fazer o rescaldo e dirigir a reconstrução depois do incêndio. Em uma situação como essa, a primeira atitude de quem legitimamente teme pelo futuro do país tem de ser a de manter a cabeça fria. Exige que se distinga na confusão o que é essencial e o que é acessório. Exige agir segundo o imperativo de fazer todos os esforços para preservar o essencial.

A causa maior da desorganização atual é a Operação Lava-Jato. O efeito manada provocado pelo pânico de ser alcançado pela operação desfez partidos, bancadas e grupos. Impera o salve-se quem puder, especialmente na forma de movimentos de autodefesa contra os braços da Justiça. Ao mesmo tempo, o que causa a desordem é também uma das mais importantes conquistas da redemocratização.

Pela primeira vez, a Polícia Federal, o Ministério Público e o Judiciário tiveram liberdade de ação para atingir a cúpula do Legislativo e do Executivo. Tudo isso tem muito que ver com Junho de 2013 e com a fragilidade do segundo governo Dilma. Mas o fato é que, pela primeira vez, os famosos três Poderes se encontraram, face a face, na mesma praça, em igualdade efetiva de condições para negociar seu legítimo espaço de atuação constitucional.

A crise não cansa de produzir paradoxos. A causa da desorganização política é também o mais importante desenvolvimento a ser preservado. O que pode servir de plataforma para um aprofundamento da democracia funciona hoje como desestabilizador do sistema político. Mas o paradoxo não deve impedir de ver o essencial: é imperativo resistir a qualquer proposta de acordo e arranjo que pretenda bloquear politicamente a Lava-Jato.

Uma consequência imediata desse limite absoluto: é imperativo lutar contra qualquer linha de ação que possa ter como resultado a posse do deputado Eduardo Cunha na Presidência da República. Isso acontecerá com o afastamento de Dilma Rousseff e de Michel Temer, seja com uma dupla renúncia, com a impugnação da chapa ou com o impeachment sucessivo de ambos. Em todos esses casos, o presidente da Câmara dos Deputados assume a Presidência da República por 90 dias, até a realização de novas eleições.

Se isso acontecer, o essencial estará em risco. Um deputado investigado em um esquema bilionário de corrupção não tem condições políticas de ocupar a Presidência da República. A mesma Presidência que, constitucionalmente, tem sob seu comando a Polícia Federal e o Ministério Público, que indica juízes de três graus diferentes de jurisdição. A mesma Presidência que tem sob seu comando o serviço de inteligência do país, que tem acesso direto a informações privilegiadas das mais diversas ordens.

Pode-se querer o impeachment de Dilma, pode-se desejar novas eleições. O que politicamente não se tem o direito de ignorar é que ações nessa direção podem resultar em regressão democrática gravíssima. Manter a cabeça fria em momento de crise significa também reconhecer que, quando se olha para o essencial, não se vê até hoje indício de que Dilma tenha tomado qualquer atitude que pudesse significar uma tentativa de bloquear a Lava-Jato. Pelo contrário, seu ato mais recente foi propor a recondução de Rodrigo Janot para o cargo de procurador-geral da República.

Quem sonha com um impedimento apenas de Dilma, com a posse de Temer na Presidência, está aceitando riscos que vão muito além da troca de uma situação de razoável garantia do bom prosseguimento da Lava-Jato por um cenário de incerteza. Nesse cenário, não só Eduardo Cunha andaria mais uma casa no jogo da linha sucessória, tornando-se o substituto imediato de Temer. Cunha e Temer pertencem ao mesmo partido, o PMDB. O eventual Presidente da República estaria colocado em uma situação de dependência ainda mais estreita em relação ao presidente da Câmara dos Deputados do que Dilma Rousseff.

A atuação de Eduardo Cunha não demonstra apreço pela institucionalidade quando esta contraria seus objetivos e interesses. Sua gestão na Câmara dos Deputados vem sendo marcada pelo autoritarismo e pelo arbítrio de medidas nunca antes tomadas por qualquer outro presidente. Rasgou o regimento da Casa ao dissolver a comissão responsável pela elaboração do projeto de reforma política e nomear relator de sua confiança para apresentar proposta de seu interesse diretamente em plenário. Ao ser derrotado na emenda do financiamento privado de campanhas, Cunha afrontou a Constituição ao recolocar o mesmo tema em votação no dia seguinte. Repetiu idêntica manobra no caso da votação da redução da maioridade penal. Sendo presidente da Câmara, nada fez para impedir que deputados utilizassem uma CPI para constranger no livre exercício de sua profissão a advogada cujo cliente citou o próprio Eduardo Cunha em sua delação premiada na Lava-Jato.

Esses são apenas alguns elementos mais recentes do preocupante histórico de atuação do político que pode ser colocado no cargo de Presidente da República, ou na posição de seu substituto imediato. É uma perspectiva sombria para um país que produziu a duras penas a sua ordem democrática. É um preço alto demais a pagar por perder a cabeça no meio do incêndio, por desprezar a distinção política básica entre o essencial e o acessório.
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Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap.