domingo, 26 de julho de 2015

Opinião do dia – Merval Pereira

Há um pressuposto equivocado nessa proposta de diálogo entre os ex-presidentes Lula e Fernando Henrique, o de que toda conversa é boa em uma democracia. Foi-se o tempo em que uma conversa institucional com o PT poderia significar algum avanço democrático.

Desde que o mensalão foi desvendado, em 2005, qualquer conversa desse tipo tornou-se inviável, pois o PT revelou-se um partido que adota meios corruptos para fazer política, e usa o Estado para financiar seus esquemas, com o objetivo de dominar a máquina pública pelo maior tempo possível, negando a alternância no poder, ponto fundamental da democracia representativa.

O PT não é, certamente, o único partido político que se envolveu em corrupção na História do Brasil, mas é, até que se prove o contrário, o único que sequestrou o Estado brasileiro para montar um esquema de domínio político na tentativa de se perpetuar no poder.

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Merval Pereira é jornalista. Diálogo inviável. O Globo, 25 de julho de 2015

Segredos devastadores

• Executivo da OAS se oferece para fazer acordo de delação premiada com o Ministério Público. Em troca de benefícios legais, ele promete revelar o que viu, ouviu e fez nos anos em que compartilhou da intimidade de Lula e sua família

Robson Bonin – Veja

Léo e Lula são bons amigos. Mais do que por amizade, eles se uniram por interesses comuns. Léo era operador da empreiteira OAS em Brasília. Lula era presidente do Brasil e operado pela OAS. Na linguagem dos arranjos de poder baseados na troca de favores, operar significa, em bom português, comprar. Agora operador e operado enfrentam circunstâncias amargas. O operador esteve até pouco tempo atrás preso em uma penitenciária em Curitiba. Em prisão domiciliar, continua enterrado até o pescoço em suspeitas de crimes que podem levá-lo a cumprir pena de dezenas de anos de reclusão. O operado está assustado, mas em liberdade. Em breve, Léo, o operador, vai relatar ao Ministério Público Federal os detalhes de sua simbiótica convivência com Lula, o operado. Agora o ganho de um significará a ruína do outro. Léo quer se valer da lei sancionada pela presidente Dilma Rousseff, a delação premiada, para reduzir drasticamente sua pena em troca de informações sobre a participação de Lula no petrolão, o gigantesco esquema de corrupção armado na Petrobras para financiar o PT e outros partidos da base aliada do governo.

Por meio do mecanismo das delações premiadas de donos e altos executivos de empreiteiras, os procuradores já obtiveram indícios que podem levar à condenação de dois ex-ministros da era lulista, Antonio Palocci e José Dirceu. Delatores premiados relataram operações que põem em dúvida até mesmo a santidade dos recursos doados às campanhas presidenciais de Dilma Rousseff em 2010 e 2014 e à de Lula em 2006. As informações prestadas permitiram a procuradores e delegados desenhar com precisão inédita na história judicial brasileira o funcionamento do esquema de sangria de dinheiro da Petrobras com o objetivo de financiar a manutenção do grupo político petista no poder.

É nessa teia finamente tecida pelos procuradores da Operação Lava-Jato que Léo e Lula se encontram. Amigo e confidente de Lula, o ex-presidente da construtora OAS Léo Pinheiro autorizou seus advogados a negociar com o Ministério Público Federal um acordo de colaboração. As conversas estão em curso e o cardápio sobre a mesa. Com medo de voltar à cadeia, depois de passar seis meses preso em Curitiba, Pinheiro prometeu fornecer provas de que Lula patrocinou o esquema de corrupção na Petrobras, exatamente como afirmara o doleiro Alberto Youssef em depoimento no ano passado. O executivo da OAS se dispôs a explicar como o ex-presidente se beneficiou fartamente da farra do dinheiro público roubado da Petrobras. Léo Pinheiro se comprometeu também a passar aos procuradores a lista de despesas da família de Lula custeadas pela OAS. Afirmou ter conhecimento direto de como Fábio Luís da Silva, o Lulinha, fez fortuna atuando na órbita de influência da construtora. Léo Pinheiro disse que, se o acordo for selado, apresentará ainda a lista de todos os políticos que receberam dinheiro do petrolão via OAS. "Depois que o Léo falar, não tem como não prender o Lula. Ou se prende o Lula, ou se desmoraliza a Lava-Jato", diz um interlocutor de Pinheiro.

Obviamente, não basta o delator falar. Ele precisa provar o que diz ou dar aos investigadores pistas que permitam chegar às evidências que sustentem suas denúncias. Sem isso, o delator não se qualifica para a diminuição da pena. Como ocorreu com outros delatores, portanto, é de esperar que Léo Pinheiro, o operador, possa realmente fornecer o instrumental cirúrgico necessário para localizar Lula, o operado, no epicentro do esquema de corrupção.

Lula reconheceu a seus mais próximos que julgava impossível a prisão de Marcelo Odebrecht. Ela ocorreu. Achava altamente improvável que Ricardo Pessoa, dono da UTC, recorresse à delação premiada. Pessoa virou delator. Nesse contexto, ter Léo Pinheiro como beneficiário da delação premiada é apenas o desenvolvimento natural de um processo em que a verdade fecha o cerco em torno do ex-presidente.

Uma reportagem de VEJA revelou, há três meses, que Léo Pinheiro colocou os recursos da OAS na reforma de um sítio em Atibaia (SP) usado por Lula como refúgio familiar. Nada foi cobrado pelo serviço. No papel, o sítio pertence aos empresários Jonas Suassuna e Fernando Bittar, irmão de Kalil Bittar, o sócio de Lulinha. Léo Pinheiro ofereceu-se para contar aos procuradores como os sócios de Lulinha funcionaram como ponte entre a empreiteira e o primogênito do ex-presidente da República.

A pedido de Lula, contará Léo Pinheiro, a OAS assumiu obras em imóveis que eram de responsabilidade de uma cooperativa de bancários de São Paulo presidida pelo notório João Vaccari Neto, que viria a se tornar tesoureiro do PT e um dos presos no petrolão. A OAS entrou no circuito porque a cooperativa estava prestes a dar calote nos compradores dos apartamentos, o que ocorreu com milhares de famílias.

A cobertura tríplex no Guarujá pode ser considerada uma doação da OAS à família de Lula.

Também foi a empreiteira que acudiu Lula quando sua amiga íntima e então chefe do escritório da Presidência em São Paulo, Rosemary Noronha, foi descoberta traficando influência no governo. Surpreendida pela Polícia Federal e demitida de seu posto, Rose ameaçou delatar seu benemérito caso não fosse ajudada financeiramente. A boa e velha OAS deu um jeito de resolver o problema. Quando ocupava a Presidência da República, Lula era chamado de “chefe” por Pinheiro. Os dois foram assíduos companheiros e continuaram ligados depois de o petista transmitir o cargo a Dilma e assumir a identidade de palestrante e o ofício de lobista. Foi nesse período de grande atividade conjunta que Pinheiro cunhou para Lula o codinome “Brahma”. O ex-presidente viajava pela África e América Latina nas asas da OAS e de outras empreiteiras.

As investigações da Lava-Jato descortinaram as relações íntimas e financeiras que o ex-presidente mantinha com as empreiteiras envolvidas no escândalo. Entre 2011 e 2013, a Camargo Corrêa repassou ao instituto e à empresa de Lula 4,5 milhões de reais, parte contabilizada como "bônus eleitorais" — embora o petista não tenha disputado nenhuma eleição no período. A Procuradoria da República no Distrito Federal investiga se Lula recebeu vantagens indevidas para ajudar a Odebrecht a conquistar obras no exterior, especialmente aquelas custeadas com recursos do BNDES. "Um voo para qualquer país da América Latina e do Caribe dura pelo menos seis horas. Dá para imaginar as confissões que o Léo Pinheiro ouviu durante todo esse tempo ao lado do Lula", diz um de seus amigos. Em abril, VEJA revelou que o ex-presidente da OAS, quando estava preso, já examinava a possibilidade de se tornar delator na Operação Lava-Jato e, atrás das grades, anotava em um pedaço de papel histórias que poderiam ser contadas sobre suas relações com Lula e o poder. Dias depois, Pinheiro foi procurado por um carcereiro em sua cela no Complexo Médico-Penal do Paraná. Enquanto recebia a bandeja com a comida, Léo Pinheiro entendeu que o agente disse que seria melhor ele passar a dormir de olhos abertos. Conselho ou ameaça, o que se sabe é que a frase do carcereiro assustou bastante o preso.

As investigações da Lava-Jato descortinaram as relações íntimas e financeiras que o ex-presidente mantinha com as empreiteiras envolvidas no escândalo. Entre 2011 e 2013, a Camargo Corrêa repassou ao instituto e à empresa de Lula 4,5 milhões de reais, parte contabilizada como "bônus eleitorais" — embora o petista não tenha disputado nenhuma eleição no período. A Procuradoria da República no Distrito Federal investiga se Lula recebeu vantagens indevidas para ajudar a Odebrecht a conquistar obras no exterior, especialmente aquelas custeadas com recursos do BNDES. "Um voo para qualquer país da América Latina e do Caribe dura pelo menos seis horas. Dá para imaginar as confissões que o Léo Pinheiro ouviu durante todo esse tempo ao lado do Lula", diz um de seus amigos. Em abril, VEJA revelou que o ex-presidente da OAS, quando estava preso, já examinava a possibilidade de se tornar delator na Operação Lava-Jato e, atrás das grades, anotava em um pedaço de papel histórias que poderiam ser contadas sobre suas relações com Lula e o poder. Dias depois, Pinheiro foi procurado por um carcereiro em sua cela no Complexo Médico-Penal do Paraná. Enquanto recebia a bandeja com a comida, Léo Pinheiro entendeu que o agente disse que seria melhor ele passar a dormir de olhos abertos. Conselho ou ameaça, o que se sabe é que a frase do carcereiro assustou bastante o preso.

Libertado da prisão preventiva pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Léo Pinheiro contou esse episódio a familiares durante uma discussão sobre a conveniência de fechar o acordo de delação premiada. A família o estimulou a fazê-lo. Os fatos também. Defendido por três renomadas bancas de advogados em Brasília, São Paulo e Curitiba, Pinheiro viu naufragar todas as estratégias jurídicas empregadas por seus defensores para livrá-lo da Lava-Jato. O impacto da delação premiada nas sentenças aplicadas até aqui também serviu de motivação. Na semana passada, na primeira condenação de executivos de grandes empreiteiras, Dalton Avancini e Eduardo Leite, da Camargo Corrêa, receberam uma pena de quinze anos de prisão, mas, em razão do acordo de colaboração, ficarão poucos meses em prisão domiciliar e, logo depois, passarão ao regime aberto, sendo obrigados a permanecer em casa apenas à noite e nos fins de semana.

O outro executivo da Camargo Corrêa condenado, João Ricardo Auler, que não fez delação premiada, foi condenado a nove anos e seis meses de prisão em regime fechado.

Ficou claro para Pinheiro que a promessa de redução de pena para quem colabora, chancelada pela lei brasileira, é cumprida. Questões pessoais também levaram o ex-presidente da OAS a negociar com o Ministério Público. Depois de ser preso preventivamente e apresentado ao país como integrante do "clube do bilhão", Pinheiro soube que seus netos foram hostilizados na escola.

Antes brincalhão e boa-praça, ele se tornou taciturno e introspectivo. "Vocês acham que eu ia atrás desses caras para oferecer grana a eles?", dizia Léo aos colegas de cela. Ele quer responder a essa pergunta diante dos procuradores. E quer fazê-lo rapidamente. Preso no Paraná, o ex-presidente do PP Pedro Corrêa também autorizou seus representantes a contatar os procuradores e dizer que ele se oferece para contar o que sabe sobre o ex-presidente Lula no contexto do petrolão. Quem chegar depois poderá não ter mais nada valioso para relatar./Colaborou Adriano Ceolin

Tempo feio em Brasília - O que está por trás e o que se pode esperar da crise política brasileira

Letícia Duarte e Paulo Germano – Zero Hora (RS)

• Qual a extensão real da tempestade que combina rajadas políticas, granizo econômico, gigantescas ondas de corrupção e ventos de impeachment?

Se um governo atinge 92,3% de reprovação nos primeiros sete meses, o que vem depois? Qual a extensão real da tempestade que combina rajadas políticas, granizo econômico, gigantescas ondas de corrupção e ventos de impeachment? Em busca de respostas, o PrOA ouviu especialistas de diferentes áreas para projetar cenários possíveis, tanto em caso de permanência de um governo desgastado quanto em uma eventual queda de Dilma Rousseff. Para a maioria dos entrevistados, a tormenta é grave mas não em grau inédito na história, tampouco impossível de ser contornada. Pelo menos por enquanto. Mas, entre os gritos de "fica" e "fora", há silêncios ainda intraduzíveis.

Para o antropólogo Roberto DaMatta, a crise política brasileira é como uma peça dramática em que os atores escalados não estavam à altura do papel, a maioria dos espectadores já abandonou o teatro e o palco ameaça desabar. Para o sociólogo Luiz Werneck Vianna, é um copo pela metade: dependendo do ângulo por que se olhe, pode estar meio vazio ou meio cheio. Para o sociólogo Francisco de Oliveira, é um baile em que tudo está em movimento, onde o capitalismo e a corrupção andam de braços entrelaçados rodopiando pelo salão – mas ao final o país voltará a crescer e a exasperação passará.

No meio das tensões que inflamam o país, não faltam metáforas para tentar traduzir o impacto da crise, em meio a previsões escorregadias sobre como tudo vai acabar. Uma das expressões mais invocadas pelos analistas para descrever o momento é a "tempestade perfeita", com a nação à deriva em águas sacudidas por trovoadas econômicas e políticas. O jornal Financial Times foi mais longe, dizendo que o Brasil virou um "filme de terror sem fim".

As más notícias se sucedem: denúncias de corrupção diárias catapultadas pela Operação Lava-Jato, elevação no nível de desemprego ao maior patamar em cinco anos (alcançou 6,9% nas metrópoles) e queda vertiginosa da popularidade do governo Dilma, que em sete meses só é aprovado por 7,7% do eleitorado. Na mesma pesquisa, divulgada pela CNT/MDA nesta semana, 63% dos entrevistados disseram ser favoráveis a um impeachment. A pergunta de um milhão de dólares é até onde a tempestade vai.

Pela primeira vez não tem o salvador da pátria, não tem o partido que vai salvar o Brasil – constata DaMatta.

– Ninguém está seguro porque não se sabe quem será o próximo réu – observa o jurista Lenio Streck.

– Qualquer coisa pode acontecer, essa é uma peculiaridade dessa crise – reforça o historiador Gunter Axt.

Ainda assim, a maioria dos entrevistados ouvidos pelo PrOA acredita que o cenário não é tão definitivo como pode parecer. Para o cientista político Leonardo Avritzer, presidente da Associação Brasileira de Ciência Política e professor da Universidade Federal de Minas Gerais, a crise política atual não é tão grave como a que culminou no impeachment de Fernando Collor, nem o revés econômico tão agudo como o da época de desvalorização do real durante o governo Fernando Henrique Cardoso – quando o desemprego chegou a 19%, e a dívida pública, a quase 70%. Nem por isso é fácil navegar nesse mar tempestuoso. O que torna a missão tão complicada é justamente a sobreposição das duas crises. Ainda assim, ele não não vê elementos para um impeachment.

– Taxa de aprovação nunca foi pré-condição para remoção de um presidente. A exceção de um presidente que manteve altas taxas de aprovação em todo o mandato foi o Lula – analisa.

Para o sociólogo Luiz Werneck Vianna, professor da PUC-RJ e autor de livros como A Democracia e os Três Poderes no Brasil (Ed. UFMG, 2002), a crise precisa ser compreendida em dois planos. O primeiro é o da política, cada vez mais exasperado. O segundo é o da sociedade, que até agora se mantém majoritariamente silenciosa sob a superfície tumultuada. Por isso, as manifestações marcadas para o dia 16 de agosto são consideradas cruciais para sinalizar o quanto a sociedade tem sido tocada por essa agitação.

– Se esse movimento se tornar massivo, pode estabelecer um elo de comunicação entre a base da sociedade e a superfície. Na política é difícil de prever o que vai acontecer, às vezes uma fagulha precipita algo que não estava à vista – diz.

Seja como for, Werneck também enxerga sinais positivos: a independência das instituições na condução das investigações revelaria um amadurecimento democrático. Em outros momentos, talvez o país não suportasse.

Se o futuro é incerto, o passado oferece pistas. Na visão do historiador Gunter Axt, pesquisador colaborador da USP e pós-doutorando em Direito na UFSC, é enganosa a visão de que esta é a maior crise de nossa história, ao menos por enquanto. Em outros momentos, o Brasil já viveu maior conflagração social, como na rebelião de 1932, quando a elite paulistana liderou uma revolta armada contra o governo provisório de Getúlio Vargas, ou no ano que antecedeu o golpe militar de 1964, quando tanto direita quanto esquerda defendiam uma "revolução" – e até Leonel Brizola bradava pelo fechamento do Congresso. Ali estavam presentes, além da crise política e econômica, rompimento institucional e convulsão social.

– Ainda não chegamos a esse ponto, mas podemos chegar. Toda vez que se combina um discurso moral com descrédito na representação política pode haver eclosão de violência pública. Isso constrói uma fórmula que serve de combustível para o fascismo, não para a democracia – analisa Gunter Axt.

A mudança passa pelo desempenho da economia. De acordo com o economista Pedro Fonseca, professor de Economia Brasileira da UFRGS, a raiz da crise estaria localizada na reversão da política econômica de Dilma em relação a seu antecessor e padrinho Lula. Na medida em que Dilma começou a reduzir as taxas de juros, colocou fim ao pacto político que Lula tinha firmado na "Carta aos Brasileiros", que prometia manter a política econômica ortodoxa, ao gosto do capital financeiro, ainda que combinada com políticas sociais. Ao fazer uma guinada mais à esquerda, Dilma teria começado a desagradar a setores e a fragmentar a base de apoio. Arrependida, voltou atrás neste segundo mandato. E começou a adotar medidas de austeridade fiscal que eram defendidas pelos tucanos na campanha eleitoral.
– Dilma se adiantou e está fazendo a política que a oposição faria. Se a oposição assumisse no seu lugar também teria desgaste, porque esse quadro não iria se reverter do dia para a noite – analisa Fonseca, que acredita na retomada do crescimento econômico do país a partir do final do ano que vem, o que abriria caminho para a recuperação política da presidente.

Num momento em que os grandes líderes políticos do país parecem faltar ("Onde estão os grandes parlamentares? Onde estão os nossos intelectuais?", pergunta o jurista Lenio Streck), ninguém tem uma tábua de salvação. Se em outros momentos históricos opositores se digladiavam por programas opostos, como comunismo versus capitalismo, hoje há pouca divergência no campo das políticas econômicas.

– Agora ninguém propõe outra via de desenvolvimento. Isso tira o caráter dramático da crise, mas também fica mais difícil sair dela. Não está em jogo nenhum modelo alternativo – diz o sociólogo Francisco de Oliveira, fundador do PT e do PSOL e professor aposentado da USP.

As dificuldades tampouco podem ser vistas como repetição do passado, salienta Oliveira. Isso porque o Brasil não é mais o mesmo. A retração econômica se dá depois de um período de prosperidade, e não na total ausência dela.

– A crise é grave exatamente porque o Brasil hoje é uma economia importante, a quinta do mundo. Antes, o Brasil não era importante nem para si mesmo. E a corrupção não é um desvio do sistema, faz parte dele. Quanto mais os negócios crescem, a corrupção vem junto – analisa Oliveira, que é crítico do lulismo.

O governo também paga o preço da desilusão, lembra o antropólogo Roberto DaMatta. O partido outrora aclamado pela bandeira da ética e do compromisso com os mais pobres virou refém de escândalos que gestou. Primeiro o mensalão, agora o petrolão.

– Antes, direita era bandido e esquerda era mocinho, hoje tudo é mais cinzento, é mais difícil conviver com esse cinza. Há uma profunda decepção do povo com o partido que seria o motor da redenção – observa.

A despeito de todas as dificuldades, DaMatta acredita que a crise também pode servir como oportunidade de reequilíbrio do sistema:

– O Brasil é maior do que isso. Já transitamos de coisas mais graves sem derrubar a casa.

O momento não é para a busca de aproximações com o governo, diz FHC

Carla Araújo - O Estado de S. Paulo

• Ex-presidente usou as redes sociais neste sábado para negar o interesse em conversar com a gestão Dilma Rousseff e afirmou que encontros privados poderiam parecer conchavo para salvar o 'o que não deve ser salvo'

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso usou as redes sociais neste sábado, 25, para negar o interesse em conversar com a gestão Dilma Rousseff e afirmou que encontros privados poderiam parecer conchavo para salvar o "o que não deve ser salvo". "O momento não é para a busca de aproximações com o governo, mas sim com o povo. Qualquer conversa não pública com o governo pareceria conchavo na tentativa de salvar o que não deve ser salvo", escreveu o ex-presidente em sua página no Facebook.

Segundo o jornal Folha de S.Paulo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estaria interessado em se reunir com seu antecessor pra uma conversa sobre as crises econômica e política que assolam o País. Entre os temas do encontro estaria também a discussão envolvendo um possível processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.

Representantes da direção nacional do PSDB e lideranças do partido no Congresso rechaçaram a possibilidade de uma aproximação entre a oposição e o PT. Xico Graziano, ex-chefe de gabinete de FHC e atualmente assessor do Instituto que leva o nome do ex-presidente, tem tratado o tema com ironia nas redes sociais. "Se eu fosse o FHC topava conversar com Lula. Primeiro mandava ele pedir desculpas pela mentirada. Depois perguntaria: tá dormindo em paz?", escreveu o assessor.

Do lado dos petistas, a reação tem sido diferente. Questionado sobre o encontro, o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva, disse ontem, 24, ser "plenamente favorável". "Acho que isso deveria acontecer mais no Brasil: ex-presidentes conversando. Nos Estados Unidos, é a coisa mais normal do mundo ex-presidentes se reunirem, inclusive a convite do presidente em exercício. Sempre que você estabelece diálogo entre lideranças nacionais, é bom para o País", disse Edinho.

Em uma agenda nesta semana no Rio de Janeiro, o ministro da Defesa, Jaques Wagner, também se mostrou favorável ao encontro. "A gente está num momento difícil, porque o quadro da economia mundial é difícil. É preciso serenidade, bom senso e imagino que os dois ex-presidentes têm de sobra essas qualidades. Eu aplaudiria muito se houver esse encontro, (mas) não para tratar de impeachment. O encontro de dois presidentes teria uma agenda muito superior a essa", disse.

Para Fernando Henrique, ‘momento não é para aproximação com o governo’

O Globo

• Ex-presidente diz que uma conversa não pública pareceria conchavo.

SÃO PAULO. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso avalia que o momento não é para aproximação com o governo. O tucano postou neste sábado em sua página no Facebook uma mensagem em que afirma que uma conversa neste momento poderia parecer conchavo.

“O momento não é para a busca de aproximações com o governo, mas sim com o povo. Qualquer conversa não pública com o governo pareceria conchavo na tentativa de salvar o que não deve ser salvo”, afirmou o ex-presidente.

Na quinta-feira, o jornal “Folha de S. Paulo” publicou a informação de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu a amigos em comum que marcassem um encontro com Fernando Henrique. O objetivo do petista seria pedir ao seu antecessor que barrasse qualquer movimento do PSDB pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Na ocasião, o Instituto Lula negou a intenção do ex-presidente petista de conversar com Fernando Henrique. Já o tucano disse que aceitaria discutir temas como a reforma política, desde que houvesse uma agenda clara e de conhecimento público.

A divulgação da intenção de Lula de procurar Fernando Henrique provocou reações no PSDB. Políticos da legenda recharam a possibilidade de o encontro acontecer.

O papel de Temer

Mario Simas Filho e Josie Jeronimo - IstoÉ

• Com ou sem Dilma na Presidência, o vice Michel Temer torna-se peça fundamental para assegurar a governabilidade do País

Durante uma conversa rápida e acima de tudo tensa, o vice-presidente, Michel Temer, mostrou como trabalha para buscar a governabilidade do País no momento em que as pesquisas revelam que seis em cada dez brasileiros clamam pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff. A conversa se deu na Base Aérea de Brasília, na sexta-feira 17. Temer preparava-se para embarcar rumo a São Paulo, quando foi abordado pelos presidentes da Câmara e do Senado, Eduardo Cunha e Renan Calheiros, ambos do PMDB e na alça da mira da Operação Lava Jato. Mais irritado do que de costume e com um tom de voz acima do habitual, Cunha disse ao vice-presidente que iria naquele momento anunciar o rompimento com o governo. Lamentou que o Palácio do Planalto não o protegia das ações do juiz Sérgio Moro e antecipou que não pouparia esforços para colocar na pauta do Legislativo o impeachment de Dilma Rousseff. Temer interpretou o gesto como uma armadilha: Cunha teria preparado o cenário para colocar o vice-presidente como co-protagonista do rompimento com o governo e na declaração de guerra à presidente. Mostrando irritação, a resposta dada pelo vice-presidente traduz o pragmatismo político de Temer. Logo depois de dizer que o rompimento com o governo era um gesto isolado de Cunha e não o caminho escolhido pelo PMDB, ele afirmou ter um compromisso com a Constituição e não com o Código Penal. Lembrou aos interlocutores que não se furtará a ocupar o lugar da presidente caso um processo absolutamente constitucional leve ao impeachment. Mas, em seguida, advertiu que, se vier a se concretizar o afastamento da presidente e sua promoção ao comando do País, a postura será a de buscar convergências capazes de retomar o crescimento e não colocar a máquina governamental como instrumento de proteção ou a serviço de um ou outro grupo político.

Temer sabe da importância do PMDB e de sua atuação para a governabilidade do País, seja como vice-presidente, como substituto de Dilma se vier o impeachment ou como aliado de um novo presidente caso tanto Dilma como ele venham a ser afastados do poder em razão de falcatruas nas contas eleitorais do PT. Como vice, não abre mão da lealdade, ocupa espaço na articulação política do governo e vem trabalhando de uma maneira que o credencia, caso necessário, a ocupar o poder sem que o País mergulhe em uma crise institucional. Temer navega com facilidade pelas mais variadas legendas e setores da sociedade. E quanto mais a Lava Jato agrava a crise política, mais aumenta a importância do vice. Não é à toa que nos últimos meses o Palácio do Jaburu, sede da Vice-Presidência da República tem se transformado em destino principal de diversas romarias. Cansados das negativas, indiferença e rispidez da presidente Dilma Rousseff, parlamentares da base, governadores, ministros petistas, representantes de associações empresariais e sindicais, militares de alta patente, presidentes de órgãos do Judiciário e, até mesmo, integrantes da oposição buscam o gabinete de Michel Temer para suprir a falta de diálogo da Presidência. Somente nas duas primeiras semanas de julho, Temer recebeu 77 parlamentares, acomodados nos intervalos das agendas com governadores, empresários e representantes do Judiciário. A muitos deles, o vice tem dito que, caso o governo se inviabilize politicamente, não será ao lado de Cunha e Renan que ele buscará a recomposição nacional. Ele pretende aglutinar quadros como o ex-senador Pedro Simon, os ex-ministros do STF Carlos Ayres Brito e Joaquim Barbosa, e o empresário Josué Gomes, filho do ex-vice-presidente José Alencar. "Em nenhum instante ele fala em impeachment, mas deixa muito claro que caso venha a governar, seja agora ou em 2018, pretende fazer um governo que não fique refém de Cunha ou de Renan", disse na manhã da quinta-feira 23 um dos interlocutores do vice-presidente.

Enquanto tenta promover a articulação política do governo, na condição de principal líder do PMDB, Temer trabalha para apresentar ao País uma nova alternativa de poder, uma vez que já anunciou que a legenda pretende ter candidato próprio em 2018. Sob seu comando, o programa nacional do partido que vai ao ar em cadeia de rádio e tevê no dia 28 de setembro irá repetir o slogan "não são as estrelas que me guiam, são as escolhas que vão me levar" e em seguida dirá: "As escolhas falam por nós". Na prática, uma espécie de declaração de independência em relação ao PT. Nada impede, porém, que a separação, a princípio marcada para 2018, seja antecipada. Outra demonstração de alternativa real de poder está agendada para o dia 15 de outubro, com o primeiro Congresso Nacional do Partido, que levará o nome de Congresso Compromisso. Ali, o PMDB apresentará ao País um novo estatuto e 15 propostas concretas para o Brasil. Para elaborar esse tipo de carta de intenções, Temer tem se reunido com empresários, sindicalistas, representantes do agronegócio, membros do Judiciário e líderes de diversos partidos, inclusive da atual oposição como o DEM e o PSDB. Emissários do vice-presidente conversam semanalmente com o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Há alguns desses interlocutores Temer já manifestou que o PMDB deve lançar candidato próprio em 2018, mas que abrirá mão de disputar a eleição caso venha a ocupar a Presidência em razão de um impeachment de Dilma. Nesse cenário, afirma que chamara Lula, Marina Silva, Aécio Neves e outros presidenciáveis e dirá a eles para que construam suas candidaturas enquanto permitam que o governo trabalhe para recolocar o País nos trilhos, sem abrir mão do combate à corrupção.

Sem o poder da caneta presidencial, o vice costuma mais ouvir do que falar e assim vem conquistando a confiança de parlamentares e empresários. Atualmente, Temer tem priorizado o setor produtivo da Construção Civil e do Varejo, áreas que sofrem fortemente os impactos da crise econômica. Nas próximas semanas pretende abrir a agenda para os movimentos sindicais. A todos esses interlocutores o vice repete como se fosse um mantra que o País precisa avançar independentemente do combate à corrupção, que, segundo ele, deve ser implacável. "O problema não é combater a corrupção, mas precisamos tratá-la nas páginas policiais e não pautar a política pelos crimes ou pelos criminosos", afirma Temer a vários líderes que o procuram. Na semana passada, o trabalho de Temer pela manutenção da governabilidade ultrapassou as fronteiras. Reportagem da revista Economist com o título "The Power Behind the Throne" (O poder por trás do trono"), diz que o vice-presidente faz o papel de primeiro-ministro e se reúne com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, com mais frequência do que a própria presidente Dilma. A revista afirma ainda que, no governo atual, é o PMDB quem dá as cartas em Brasília. A Economist cita a estagnação econômica, a alta da inflação e a Operação Lava Jato para explicar por que, agora mais do que nunca, a presidente precisa do PMDB. A reportagem lembra que o PMDB tem mais cadeiras no Congresso e mais integrantes do que qualquer outro partido, incluindo os principais rivais da política brasileira, PT e PSDB.

O papel de Temer ganhou destaque no exterior depois de sua atuação em Nova York, onde permaneceu da segunda-feira 20 até a quarta-feira 22. Temer deu palestra em evento com advogados americanos e alunos da Universidade de Cornell e teve encontros reservados com empresários do setor de infra-estrutura. A agenda oficial de Temer nos Estados Unidos incluiu, ainda, almoço com 30 representantes de grandes grupos de investidores financeiros como Pimco, Goldman Sachs, JP Morgan e Nomura. Juntas, as empresas gerenciam fundos em dezenas de países que atingem cifras de U$ 14 trilhões, valor sete vezes maior do que o Produto Interno Bruto do Brasil. O objetivo era o de reconquistar a confiança desses investidores. Temer tentou relativizar a crise política e econômica do País e chamou de "alegria cívica" as manifestações populares que tomam as ruas para pedir a saída da presidente Dilma Rousseff. A ida do presidente da Câmara, Eduardo Cunha para a oposição foi chamada de uma "crisezinha política", que, segundo Temer, não interfere na instabilidade institucional. "Na verdade, até uma crisezinha política existe, mas crise institucional é que não existe. Esses acidentes ou incidentes que acontecem de vez em quando não devem abalar a crença no País", disse, para logo em seguida afirmar que se vier a ocupar o governo não abrirá mão do ministro Joaquim Levy.

A maior visibilidade ao pragmatismo político de Temer se deu exatamente na semana em que foi constatada a impopularidade recorde da presidente Dilma. Na terça-feira 21, pesquisa CNT/MDA apontou que o governo tem a pior avaliação registrada desde 1999. Dilma Rousseff tem apenas 7,7% de avaliação positiva dos brasileiros. Em março, o percentual era de 10,8%. A queda demonstra a resposta das ruas ao desgaste sofrido pelo governo devido às denúncias de corrupção, flagrantes de irregularidades, falhas na administração pública e alta inflacionária. De acordo com a pesquisa, 70,9% dos entrevistados consideram o governo ruim ou péssimo. A pesquisa questionou, também, a opinião dos brasileiros em relação a um pedido de impeachment de Dilma. A saída da presidente foi apoiada por 62,8% dos consultados.

Os números negativos do governo e a radicalização política em torno do afastamento de Dilma exigem que o País seja pacificado. É nessa direção que o desafio de manter a governabilidade se impõe. Em outro momento emblemático da história do Brasil, na esteira do impeachment do ex-presidente Fernando Collor, a celebração de um pacto nacional foi necessária para restaurar a tranquilidade institucional e fazer o País voltar a andar. A condução desse processo, na ocasião, coube ao vice de Collor, Itamar Franco. Em dezembro de 1992, Itamar convocou uma reunião com todos os líderes e presidentes de partidos e estabeleceu um governo de unidade nacional. Os frutos seriam colhidos mais adiante, em 1994, com a criação do Plano Real, que proporcionou a estabilidade da moeda e o fim da inflação. As duas conquistas foram fundamentais para abrir caminho para as políticas de distribuição de renda e inclusão social – iniciadas nos governos de FHC e aprimoradas nas gestões de Lula.

A fama de pacificador atribuída a Michel Temer remonta ao início da década de 90. Em 1992, ele assumia a Secretaria de Segurança de São Paulo, depois de ser procurador-geral do Estado, com uma missão das mais espinhosas: a de tentar resolver a profunda crise no setor ocasionada pela chacina dos presos do Carandiru. Em seu primeiro ato como secretário, Temer convocou a sociedade civil para participar da política de segurança. Arejou o gabinete. Recomendou à secretária que marcasse quantas audiências fossem necessárias por dia, mesmo que ele tivesse que madrugar em sua sala de trabalho. Pela primeira vez, representantes de entidades ligadas aos direitos humanos conquistaram assento no Conselho da Polícia Civil. O cenário encontrado por Temer na secretaria de Segurança Pública era desolador. Registrava-se 1421 mortes de civis em conflitos com a PM. Para alterar o quadro, reforçou as corregedorias e ordenou que agentes envolvidos em crimes contra civis fossem deslocados para áreas administrativas, depois de passarem por exames psiquiátricos. Em um ano, reduziu drasticamente as mortes para não mais que 350. Ganhou o respeito da população e a admiração da tropa. 23 anos depois, Temer se considera mais maduro, viu sua liderança extrapolar os limites do Estado de São Paulo, mas continua a apostar em uma arma fortíssima para romper as resistências: o diálogo. Arma essa que parece não existir no arsenal da presidente Dilma Rousseff.

Lava Jato vai aprofundar investigação sobre políticos

Com apoio da Suíça, Lava Jato avança sobre núcleo político e setor elétrico

• Investigação. Após condenações e denúncias de executivos das empreiteiras, operação utilizará acordo firmado com autoridades suíças em busca de rastrear pagamentos a PT e PMDB e ampliará sua área de atuação rumo a outros setores das gestões Lula e Dilma

Fausto Macedo, Julia Affonso, Ricardo Brandt – O Estado de S. Paulo

A condenação de executivos da Camargo Corrêa e a denúncia formal contra os presidentes e ex-dirigentes das duas maiores empreiteiras do País, Odebrecht e Andrade Gutierrez, abrem nova fase das investigações da Operação Lava Jato. A investigação se aproxima de PT e PMDB como integrantes importantes do esquema de corrupção, em conluio com o comando do cartel empresarial, que fatiava obras da Petrobras mediante o pagamento de propina desde 2004.

Com a chegada dos primeiros documentos oficiais da Suíça, após acordo de cooperação internacional entre autoridades brasileiras e suíças, a força-tarefa de procuradores da Lava Jato acredita ter aberto "uma janela" nas apurações que levarão à comprovação do uso de contas secretas dos quatro núcleos do esquema: empresarial, político, de operadores financeiros e de agentes públicos.

Além de chegar às contas secretas das empreiteiras, dos políticos, dos dirigentes da Petrobras e dos operadores de propina, os investigadores vão ampliar a devassa em contratos, antes centrada na estatal, a outras áreas dos governos Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006 e 2007-2010) e Dilma Rousseff (2011-2014). Uma das prioridades é o setor energético e envolve as obras de grandes usinas, como Belo Monte, no Pará, e Angra 3, que tiveram investimentos bilionários.

As delações de dois executivos da Camargo Corrêa, que confessaram "cartelização" e pagamentos de propina nessas obras, reforçaram as suspeitas levantadas após o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa confirmar que o esquema de propina era generalizado. Primeiro delator da Lava Jato, Costa era sustentado no cargo por um consórcio entre PP, PMDB e PT e confessou ter agido em nome desses partidos. "Temos elementos para apontar que o esquema de cartel e corrupção foi além da Petrobrás", afirmou o procurador regional da República Carlos Fernando Lima, um dos integrantes da Lava Jato.

Núcleo empresarial. A sentença dos três executivos da Camargo Corrêa, Dalton dos Santos Avancini (ex-presidente), Eduardo Leite (ex-vice-presidente) e João Ricardo Auler (ex-presidente do Conselho de Administração), na última semana, foi a primeira condenação do núcleo empresarial do esquema. "No período compreendido entre 2004 e 2014, uma grande organização criminosa estruturou-se com a finalidade de praticar delitos no seio e em desfavor da Petrobrás", sustenta o MPF. Um prejuízo de pelo menos R$ 19 bilhões.

Segundo a força-tarefa da Lava Jato, o núcleo empresarial, em conluio com o núcleo político, detinha o comando do esquema. Por meio dessa união, houve uma sistematização da corrupção, à partir do maior caixa de investimentos do governo federal, a Petrobras, nas demais esferas. Avancini e Leite foram condenados pelo juiz da 13.ª Vara Federal, em Curitiba, Sérgio Moro, que conduz os processos em primeiro grau da Lava Jato, a 15 anos e dez meses de reclusão, mas como fizeram delação premiada foi concedido a eles o direito ao regime de prisão domiciliar. Auler pegou nove anos e seis meses de reclusão. Eles foram responsabilizados pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Nesta semana, Moro decidirá se leva ao banco dos réus os presidentes da Odebrecht, Marcelo Bahia Odebrecht, e Andrade Gutierrez, Otávio Marques Azevedo, e seus executivos, pelos mesmos crimes em que os ex-dirigentes da Camargo Corrêa foram condenados. Com a possibilidade de abertura de processo contra executivos das duas maiores empreiteiras do País, a Lava Jato atingirá, ao mesmo tempo, o topo das pirâmides do núcleo empresarial e político do esquema: PT e PMDB.

Para o Ministério Público Federal, a primeira condenação de executivos do cartel da Lava jato referendou a denúncia de que PT e PMDB, com apoio do PP, dividiam indicações nos cargos da Petrobrás, por meio dos quais arrecadavam de 1% a 3% dos grandes contratos. A estatal já incluiu em seu balanço os desvios de R$ 6,2 bilhões.

O PT teria sistematizado a cobrança de propina em grandes contratos estatais, estipulando porcentuais fixos e operadores de corrupção, em conjunto com o cartel de empreiteiras. Nesse caso, a Lava Jato tem mais do que confissões de delatores para apontar que recursos desviados chegaram aos cofres do partido. Documentos entregues pelo empresário Augusto Ribeiro Mendonça, dono do grupo Setal, em sua delação deram o caminho do dinheiro que chegou aos cofres do partido, via ex-tesoureiro João Vac-cari Neto.

Partidos temem uma nova leva de delações

• Ex-diretores da Petrobrás Renato Duque, Nestor Cerveró e Jorge Luiz Zelada são três alvos de apurações

- O Estado de S. Paulo

CURITIBA - O acordo de cooperação firmado com a Suíça e a expectativa de novas delações deixaram em alerta as cúpulas de PT e PMDB. Segundo apurou o Estado, os dois partidos tem que, diante do avanço da Operação Lava Jato rumo ao caminho do dinheiro no exterior, outros operadores do chamado "núcleo político" do esquema de corrupção decidam contar o que sabem em busca da redução de penas.

A quebra dos sigilos bancários de contas mantidas por offshores na Suíça, enviadas por autoridades daquele país, foram consideradas provas cabais do envolvimento de ex-diretores da Petrobrás indicados pelo PT e PMDB no esquema de corrupção e lavagem. Os ex-diretores da Petrobrás Renato Duque (Serviço), Nestor Cerveró e Jorge Luiz Zelada (ambos Internacional) são três dos alvos dessas apurações. Os três estão presos preventivamente em Curitiba. No PT, a maior preocupação diz respeito a Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobrás, e João Vaccari Neto.

Preso desde março, João Vaccari Netto cuidou do pagamento de R$ 4 milhões para o PT, via doações oficiais ao partido e anúncios pagos em editora ligada aos petistas, indica o Ministério Público Federal. No caso do PMDB, a peça-chave para os investigadores da Lava Jato é o lobista e operador de propinas Fernando Antonio Soares Falcão, o Fernando Baiano, preso de dezembro e prestes a ser condenado

Planos para 2016 afastam ainda mais PMDB e PT

• Partidos deverão se enfrentar em pelo menos 13 capitais; alianças estão previstas apenas em quatro

Sérgio Roxo – O Globo

SÃO PAULO - A eleição municipal do ano que vem deve servir de cenário para o primeiro ato do processo de divórcio entre PMDB e PT. O partido do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e do vice-presidente Michel Temer quer usar as disputas municipais como ensaio geral para a corrida pelo Planalto, em 2018. Por isso, deve ampliar o número de candidatos próprios. Consulta a líderes e dirigentes partidários nos estados mostra que a expectativa é que petistas e peemedebistas se enfrentem em, pelo menos, 13 das 26 capitais. Em 2012, foram só oito duelos entre as duas siglas nessas cidades.

O projeto de independência do PMDB ainda levará à redução das alianças entre os dois partidos. Nas últimas eleições municipais, as siglas estiveram juntas em oito capitais; agora, devem manter a união em, no máximo, quatro. Além disso, os peemedebistas, que apoiaram quatro candidatos do PT em 2012, não têm, no quadro atual das negociações políticas, perspectiva de estar em nenhuma chapa que tenha um petista na cabeça.

De olho na disputa presidencial, o PMDB montou um grupo para viabilizar o maior número possível de candidaturas em 2016.

- As eleições municipais vão servir para alicerçar o nosso projeto de concorrer competitivamente em 2018 - afirma o ex-ministro Moreira Franco, presidente da Fundação Ulisses Guimarães, ligada ao PMDB, e responsável por coordenar o projeto do partido para as eleições municipais.

O líder do partido no Senado, Eunício Oliveira (CE), fala em lançar entre 18 e 20 nomes nas capitais. Em 2012, haviam sido 12 candidatos próprios.

- E não tenho dúvida que entre 12 e 15 dos nossos serão candidatos competitivos - diz Eunício, que defende a saída do PMDB do governo federal após as eleições municipais.

No PT, a ordem é evitar polêmica com o PMDB.

- Acho legítimo que o PMDB queria construir o seu caminho próprio e imagine que ter muitas candidaturas no ano que vem ajude nesse caminho para 2018 - diz o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE).

Dentro do partido da presidente Dilma, há quem defenda a necessidade de ampliação do número de candidaturas próprias para que o projeto político da legenda possa ser defendido neste momento de crise do governo federal.

- O momento acaba fortalecendo mais o cenário de candidaturas próprias - avalia o secretário de organização do PT, Florisvaldo Souza, para quem o total de candidatos petistas nas capitais capitais pode chegar a 17 (mesmo número de 2012).

O plano de independência peemedebista deve ter um efeito mais direto nos estados de São Paulo, Rio, Minas e Bahia,, tidos como estratégicos por Moreira Franco.

Na capital paulista, o acirramento dos ânimos entre os dois partidos nos últimos meses no plano federal provocou uma mudança do quadro que havia sido traçado pelos petistas. O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), havia convidado Gabriel Chalita (PMDB) para assumir a secretaria de Educação do município no começo do ano passado. Pretendia tê-lo como seu vice em 2016, numa tentativa de ampliar o tempo de televisão no horário eleitoral.

Mas, nos últimos dias, dirigentes peemedebistas em São Paulo intensificaram as negociações para o ingresso da ex-petista Marta Suplicy no PMDB. A filiação pode ser ser anunciada nas próximas semanas.

- A Marta está conversando e tem todas as condições de ser uma candidata forte - afirma Eunício.

Dirigentes do PT em São Paulo já reconhecem que, no momento, é pouco provável a aliança com o PMDB.

No Rio, a relação, que já era tensa por causa do movimento de um grupo de petistas, liderados pelo ex-governador gaúcho Tarso Genro e pelo senador Lindbergh Farias (RJ), em favor do rompimento da aliança, ficou ainda mais estremecida com a declaração de guerra ao governo de Eduardo Cunha, um dos principais nomes do partido no estado. O presidente do PT fluminense, Washington Quaquá, ainda trabalha para reverter o quadro e manter a parceria na disputa do ano que vem. O prefeito Eduardo Paes (PMDB) planeja lançar o secretário de Coordenação de Governo da prefeitura, Pedro Paulo, como candidato à sua sucessão.

Em Salvador, o PMDB negocia a filiação do prefeito da cidade, ACM Neto, hoje no DEM. Mesmo que a transferência não se concretize, os peemedebistas devem apoiar a sua reeleição. Já o PT planeja ter um candidato próprio.

Em Minas, apesar de o PMDB ter o vice do governador petista Fernando Pimentel, a chance de os dois partidos repetirem a parceria na eleição para a prefeitura de Belo Horizonte é pequena.

- Vamos ter candidato próprio em Belo Horizonte - diz o deputado federal Mauro Lopes (MG), secretário-geral do PMDB nacional.

O deputado Leonardo Quintão, aliado de Cunha, é cotado para ser o candidato. O PT ainda tenta consolidar um nome.

Plano do PMDB é avançar nas grandes cidades

• Antes de tornar viável candidatura própria para 2018, partido tem o desafio de conquistar prefeituras de municípios com mais de 200 mil eleitores

Luciana Nunes Leal – O Estado de S. Paulo

RIO - O PMDB tenta fazer da candidatura própria em 2018 para presidente da República um fator de união do partido, em meio a divisões sobre apoiar ou romper com o governo Dilma Rousseff, mas terá um problema a resolver nas eleições municipais de 2016: chegar às grandes cidades. O partido só tem duas capitais, Rio, com Eduardo Paes, e Boa Vista. Em 2012, elegeu somente dez prefeitos nas 85 grandes cidades do País (26 capitais e 59 municípios com mais de 200 mil eleitores).

Para o ano que vem, a legenda tenta montar estratégia a fim de chegar ao eleitorado dos grandes centros urbanos, com maior renda, escolaridade e mais sensível à mensagem de candidatos do que a máquinas partidárias. Ao mesmo tempo, não pode abrir mão da condição de partido com mais prefeituras do País. Em 2012, venceu em 1.022 cidades, onde vivem 31 milhões de pessoas. Naquele ano, o PT elegeu 637 prefeitos em municípios com 36 milhões de habitantes.

"Temos o maior número de prefeituras, mas, em função do peso delas, não sustenta a vitória de presidente da República. Temos que avançar em capitais, em São Paulo, no Rio, em Belo Horizonte. Vamos conversar sobre Salvador. Queremos formar uma força competitiva", disse o ex-ministro da Aviação Civil e ex-governador do Rio Moreira Franco, presidente da Fundação Ulysses Guimarães, encarregada de fazer um banco de dados das administrações do PMDB.

A maior vitrine do PMDB, por enquanto, é a administração de Paes no Rio, sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Paes é hoje o nome mais forte do partido para concorrer em 2018.

O PMDB fará em agosto pesquisa de intenção de voto em cidades com mais de 200 mil eleitores para detectar onde há candidatos viáveis e em busca de campeões de voto que possam ingressar na legenda. Aprovada na Câmara, a janela que permite mudança de partido antes da eleição ainda será votada no Senado.

O ex-ministro crê no ingresso da senadora Marta Suplicy (sem partido), ex-prefeita de São Paulo que deixou o PT em abril e que também conversa com dirigentes do PSB. "Marta tem trânsito muito bom no PMDB do Senado, é liderança consolidada, tem predicados para ser cobiçada pelo PMDB."

Bahia. Em Salvador, o prefeito Antonio Carlos Magalhães Neto esteve próximo de deixar o DEM, voltou a se entender com o partido, mas o convite do PMDB está de pé. "A tendência do PMDB é manter a aliança com ACM Neto, que está avaliando se vem ou não para o partido. É uma questão pessoal", disse o presidente do PMDB-BA, ex-ministro Geddel Vieira Lima. Ele diz que o partido quer ter candidatos no maior número possível de municípios da Bahia, mas não vê relação direta entre vitória nas grandes cidades e disputa presidencial. "O PT tem o prefeito de São Paulo, mas perdeu o rumo de casa nas eleições presidenciais." Na capital paulista, Dilma teve 36,2% dos votos e o tucano Aécio Neves, 63,8%.

Para Geddel, o importante é o partido deixar o mais rápido possível o governo Dilma. "Não adianta essa conversa mole de candidatura própria e vir com esse discurso fraco e equivocado de que temos que dar governabilidade a um governo sem projeto, sem rumo."

Presidente do PMDB no Rio, onde o partido tem o governo do Estado e a prefeitura da capital, Jorge Picciani, presidente da Assembleia Legislativa, diz que, para pôr em prática o plano de fortalecer grandes centros urbanos, "é preciso combinar com os russos". Ele afirma ser preciso fazer alianças, o que implica, por vezes, em abrir mão de candidaturas próprias. Picciani negocia ampla coalizão em torno do PMDB para a sucessão de Paes.

Famílias perdem R$ 16 bi de seu poder de compra mensal

Bruno Villas Bôas – Folha de S. Paulo

• Queda na capacidade de consumo é a 1ª desde 2003 e deve ser de 6,2% no ano

• Cálculo leva em conta massa de renda descontada a inflação, oferta de crédito e gastos com dívidas

RIO - A capacidade das famílias brasileiras de consumir bens e serviços ao longo de um mês encolheu em R$ 16 bilhões neste ano.

Com a inflação em alta, o desemprego crescente e o crédito restrito, o poder de compra das famílias, propulsor da economia nos últimos anos, está em queda pela primeira vez desde 2003 e deve se manter em baixa nos próximos meses.

Estudo da consultoria Tendências, obtido pela Folha, mostra que o poder de compra das famílias foi de R$ 240 bilhões na média mensal de janeiro a maio –6,2% menor do que em igual período de 2014 (R$ 256 bilhões).

"Depois de anos de aumento da capacidade de consumo, fica até difícil falar em empobrecimento do brasileiro, mas é exatamente o que está acontecendo", afirmou Rodrigo Baggi, economista da consultoria Tendências.

Isoladamente em maio, o poder de compra estava em R$ 229 bilhões, o que representava um retrocesso ao patamar de janeiro de 2012 (R$ 228,5 bilhões).

Para chegar aos números, a consultoria considera a massa de renda (inclusive da previdência) descontando a inflação, a oferta de crédito (com imobiliário) e os gastos das famílias com pagamento de dívidas.

O poder de compra das famílias encolheu porque a inflação corroeu a renda dos brasileiros e o ritmo das novas concessões de crédito –componente básico do consumo¬– desacelerou.

Supérfluos
O empresário Bruno Gorodicht, 34 anos, é um dos que sentem na pele esses efeitos. Com custo de vida 10% maior em 2015, ele precisou readequar seus gastos, cortando supérfluos como restaurantes e viagens.

"Só o colégio da minha filha aumentou 20%. Mas minha renda não acompanhou", diz o empresário, dono da rede Espetto Carioca.

As famílias de baixa renda são as que mais sofrem. Elas têm menos supérfluos para cortar do orçamento e acesso restrito a investimentos que superam a inflação.

Outro problema é que, com um mercado de trabalho em deterioração, o ambiente para as negociações salariais está desfavorável.

"O trabalhador não consegue cobrar aumento acima da inflação. A prioridade é manter o emprego", afirma Hélio Zylberstajn, coordenador do site Salários.org.br e professor da USP.

Nas projeções da Tendências, o poder de compra deve recuar, ao fim do ano, 6,1% na comparação com 2014. No ano que vem, com a expectativa de desaceleração da inflação, o poder de compra pode ter pequeno aumento, de 0,6%.

Temer defende Cunha e diz que relação PMDB-governo é institucional

- Valor Econômico

BRASÍLIA - O vice-presidente Michel Temer usou hoje o Twitter para dizer que não participa de “movimento contra o presidente da Câmara”, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O parlamentar foi citado no depoimento de um dos delatores do esquema de corrupção investigado pela Operação Lava-Jato, Júlio Camargo, que o acusa de ter recebido propina.

Cunha nega a acusação, mas pode vir a ser denunciado pela Procuradoria-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal (STF).

“Não participo de movimento contra o presidente da Câmara. As relações entre governo, Câmara dos Deputados e PMDB devem ser institucionais, tendo em vista os interesses do país”, escreveu Temer na rede social. A mensagem foi compartilhada por Cunha minutos depois, também pelo Twitter.

A bancada do PMDB na Câmara dos Deputados também saiu em defesa de Cunha e informou que não aceitará “especulações que visem a enfraquecer a autoridade institucional do presidente da Câmara”, segundo nota divulgada na noite de sexta-feira.

No texto, os deputados pemedebistas argumentam que a democracia prevê o direito à ampla defesa e criticam a especulação sobre a participação de Cunha no esquema baseada apenas nas informações do delator. “Na democracia, diferentemente das ditaduras, todos os cidadãos, sem exceção, estão sujeitos a investigação, não importa quanto poder ou riqueza possuam. É isso o que ora assistimos no país. Mas a democracia prevê também o direito à ampla defesa. Não existe julgamento sumário.”

(Agência Brasil)

"O governo Dilma é um desastre", Roberto Romano

• Professor da Unicamp diz que o Estado brasileiro funciona à base da corrupção e considera grave a situação da presidente

Ludmilla Amaral - IstoÉ

Doutor em filosofia e professor de Ética Política na Unicamp, Roberto Romano mostra ceticismo em relação ao futuro do País. Para ele, a crise política é estrutural e remonta ao processo de criação de um Estado de modelo absolutista. "No princípio absolutista, os governantes estão acima do cidadão comum e, portanto, não têm de prestar contas a ninguém. Há o controle do poder no plano central, mas não há autonomia dos municípios e dos Estados. Um País onde 70% dos impostos vão direto para o cofre do poder central é um país de exército vencido", critica.

Na avaliação de Romano, a crise se agrava quando uma presidente, no caso Dilma Rousseff, encontra sérias dificuldades para dialogar com a sociedade e escala auxiliares tão ou mais inábeis quanto ela. "Se somar a incapacidade de dialogo notório que a presidente tem com a incapacidade de seus auxiliares, você tem um governo que é esse desastre". Para um partido que vendeu esperança, na eleição de Lula, o quadro é grave, avalia. Na opinião do professor da Unicamp, equivoca-se quem diz que as instituições operam normalmente. Ele considera a intervenção estatal no BNDES uma prova de que a democracia ainda capenga no Brasil.

ISTOÉ - O senhor disse uma vez que "a inflação é um desagregador político muito forte". A crise no governo Dilma se dá por conta da alta dos preços?

ROBERTO ROMANO -A inflação é um ingrediente complicador. Ela quebra a capacidade que o ser humano tem de confiar. Esse fenômeno desagregador da inflação é o ponto essencial, mas não é o único ponto da crise política.

ISTOÉ - Quais são os outros pontos?

ROBERTO ROMANO -O fato de o nosso Estado ser ainda gerado para combater a democracia moderna. Dom João VI trouxe para cá um Estado contra revolucionário. O modelo trazido para cá é um modelo absolutista. Tanto que na primeira Constituição independente do Brasil há a figura de irresponsabilidade do chefe de Estado. No princípio absolutista, os governantes estão acima do cidadão comum e, portanto, não têm de prestar contas a ninguém. Há o controle do poder no plano central, mas não há autonomia dos municípios e dos Estados. Nós não temos municípios até hoje. É uma ficção. Um País onde 70% dos impostos vão direto para o cofre do poder central é um país de exército vencido. O poder central age em relação aos estados e municípios como um poder invasor, que controla tudo.

ISTOÉ -Como esses pontos influenciam na crise do governo Dilma?

ROBERTO ROMANO - O problema não é só essa questão da estrutura do Estado que é obsoleta. Você tem essa figura do chefe de estado que possui prerrogativas de imperador. Em vez de a preocupação ser com a estrutura da máquina do Estado, a preocupação é com as pessoas. Se a pessoa está distribuindo favores e as políticas sociais são transformadas em favores, quando a fonte dos favores diminui evidentemente que a popularidade também diminui. Eu sempre digo que o presidente brasileiro é um gigante de pé de barro. É um gigante, mas precisa da base aliada, dos acordos com as oligarquias, do dinheiro das empresas. Então, você tem um presidente que, ao invés de mandar no sentido absolutista, ele é mandado. E se ele tiver capacidade política, diplomática, ele pode se sair razoavelmente bem. Infelizmente a presidente Dilma não tem essa capacidade política e diplomática. Para piorar, ela escolheu muito mal os seus auxiliares.

ISTOÉ - De quem o sr. está falando especificamente?

ROBERTO ROMANO -
Veja os chefes da Casa Civil escolhidos pela Dilma: Erenice Guerra, Gleisi Hoffmann e Aloízio Mercadante. Eles não sabem conversar. Eles sabem mandar. E são desastrados. Então, se somar a incapacidade de dialogo notório que a presidente tem com a incapacidade de seus auxiliares, você tem um governo que é esse desastre.

ISTOÉ -Na semana passada, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, anunciou o rompimento com a presidente Dilma Rousseff. A crise se agrava na opinião do sr.?

ROBERTO ROMANO -Enquanto presidente da Câmara e também como deputado, ele não pode dizer que está rompendo em caráter pessoal. Ele está cometendo um atentado à Constituição e isso é gravíssimo porque ele não é do Executivo. Um técnico do Executivo até pode cometer erros constitucionais assim, mas quem elabora as leis em nome do povo como pode dizer que decidiu pessoalmente uma coisa que não pode ser decidida pessoalmente?

ISTOÉ - Como o sr. vê a atuação dele como presidente da Câmara?

ROBERTO ROMANO -Desde que assumiu a presidência da Câmara, ele tem defendido uma pauta que não é do interesse geral, e sim de facções. Hoje ele é líder de uma facção. Como deputado ele tem direito de liderar uma facção, mas como presidente da Câmara, não.

ISTOÉ -O sr. acha que o PMDB realmente terá candidato próprio em 2018?

ROBERTO ROMANO - É uma situação muito interessante, porque na época do Sarney, o PMDB era quem decidia tudo no governo. Passado esse período, eles têm só suportado governos. Na ditadura, o MDB tinha presença em todo o Brasil, e ampliou suas bases municipais. Isso faz com que sempre em toda eleição eles consigam uma base parlamentar, tanto de deputados como de governadores, bem razoável. O PSDB e o PT não aproveitaram seus oito anos de governo para ampliar suas bases municipais, então eles continuam dependendo muito do PMDB para ter a famosa base parlamentar de apoio. No entanto, os peemedebistas ganham cargos, mas do ponto de vista macro, eles continuam coadjuvantes, o que não interessa. Isso, ao que parece, mudou. O problema é quem será o candidato deles. Existe a possibilidade de ser o Eduardo Paes, prefeito do Rio. O Cunha, antes cotado, se isolou no próprio PMDB, além de ter rompido com o Ministério Público e o Supremo. Foi um pulo mortal sem rede. Um ato de imprudência política.

ISTOÉ - E o papel do vice-presidente Michel Temer nesse momento?

ROBERTO ROMANO -O Temer é uma garantia de que a presidente não vai continuar fazendo impolidez ou falta de tato maior. Por enquanto ela está afastadinha e eu acho que é o mínimo que ela pode fazer. Não porque quando ela fala toca panela, não. É porque efetivamente a situação dela é muito grave.

ISTOÉ - O senhor enxerga alguma semelhança entre as situações de Collor, em 1992, e a de Dilma agora?

ROBERTO ROMANO -O Collor conseguiu muita impopularidade com o golpe que ele deu nas poupanças. Ele confiou demais na sua popularidade e arruinou o seu relacionamento com todas as classes brasileiras. Ele pertencia a um partido minúsculo que dependia vitalmente de outros partidos também, mas ele nunca teve, por exemplo, a base sólida do PMDB. Já a Dilma recebeu do Fernando Henrique e do Lula essa capacidade de aliança com grandes partidos. Mas Dilma não levou adiante isso graças a inabilidade de seus negociadores que agiram de forma imperial. Boa parte dessa erosão que a Dilma está vivendo já foi eclodida no segundo governo de Lula, quando essa aliança com o PMDB já começou a periclitar.

ISTOÉ -Mas os escândalos também começam a se aproximar do gabinete da presidente... Inclusive há uma outra CPI em gestação, a do BNDES, que pode ser arrasadora para o governo. Há quem diga que os estragos podem ser maiores do que o Petrolão.

ROBERTO ROMANO - Há um mantra entre meus colegas de que as instituições estão operando normalmente. Isso é conversa mole para boi dormir. Não estão operando normalmente e nunca estiveram operando normalmente. Não foram resolvidos os problemas de estrutura do Brasil em termos democráticos. O BNDES é uma instituição pública que tem dinheiro da população e que operava de maneira sigilosa até agora. Como isso pode ser normal numa democracia? Pega-se bilhões da população e coloca-se na mão de Eike Batista. Isso é normal? Não se justifica a atitude de gerir o BNDES no sigilo. É preciso, sim, fazer uma investigação das contas do BNDES, do Banco do Brasil, de todas as estatais para se constatar quanto está sendo subtraído dos planos propriamente econômicos.

ISTOÉ - Num capítulo do livro "Uma Oveja Negra al Poder" diz-se que Lula teria dito ao presidente uruguaio que ele teve de lidar com "coisas imorais, chantagens." Esse é o cenário da política brasileira?

ROBERTO ROMANO -O Estado brasileiro funciona à base da corrupção. Em todo o Estado do mundo ocorre essa negociação e essa tomada de cargos, mas tal como existe no Brasil é uma coisa absolutamente delirante. Não há outra saída, porque não houve o parlamentarismo. A Presidência da República é quase irresponsável e o Parlamento não é responsável. Não há o princípio da responsabilidade. O Congresso não assume a plena responsabilidade pela governança do País, ele ou chantageia o Executivo ou é subserviente a ele. Isso vem acontecendo desde a morte do Getúlio.

ISTOÉ -Em uma de suas colunas, o senhor disse que "usar utopia, como faz Luiz Inácio Lula da Silva, é pintar cinza sobre cinza."O que o senhor quis dizer com isso?

ROBERTO ROMANO - Em 1987, eu escrevi um artigo chamado "Lula, o senhor da razão", e eu mostrava claramente que ele tinha posição extremamente conservadora, muito carismática e muito ligada a sua pessoa, ele era o dono da razão. Isso não coaduna com um País democrático e com um partido democrático. Desde a greve do ABC, o Lula sempre é o protegido, nunca se pode criticar o Lula, o que faz com que ele seja uma continuidade de personalidade como Getúlio Vargas, Perón, e etc. Ele não tem a característica de um líder colegiado, tanto é verdade que hoje o PT só tem o Lula. Todas as tentativas de lideranças regionais do PT foram cortadas em favor do Lula. Hoje, se o Lula faltar, o PT está sem uma alternativa. O Lula adota um modo muito antigo de governar o País. Ele atua na base do caciquismo. O Lula é um cacique.

ISTOÉ -As investigações da Lava-Jato têm chegado cada vez mais perto de Lula. O que isso pode significar para a história do ex-presidente e para o futuro do PT?

ROBERTO ROMANO -Vamos supor que seja provado que ele fez lobby e tudo mais. Vai ser mais uma decepção para a população brasileira. Desde Getúlio Vargas nós vendemos pais do Brasil e o Lula sempre dizia que era o pai do Brasil. O caudal de tristeza e da perda de fé pública em termos de perda de confiança nos líderes vai ser algo muito grave. Um slogan muito usado na campanha do Lula era "a esperança venceu o medo". O que está acontecendo é que o medo está voltando e a esperança chegando a ponto mínimo. A popularidade de Dilma ilustra o índice da diminuição do nível da esperança. Eu diria que o povo brasileiro tem 7,7% de esperança na sua sobrevivência. E isso é muito grave.

"Não há condições políticas para um impeachment", Brasilio Sallum Jr.

• Estudioso da crise que culminou na queda de Collor, o sociólogo diz que não existe uma articulação consistente que leve ao afastamento da presidente

Guilherme Evelin e Vinius Gorczeski – Época

O sociólogo Brasilio Sallum, professor titular cia Universidade de São Paulo (USP), estudou minuciosamente o processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor, o primeiro na história da América Latina. Seu estudo acaba de sair na forma de livro peía editora 34, com orelha assinada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, num momento mais que oportuno. A palavra impeachment está de volta, na boca até da presidente Dilma. Como escreve Fernando Henrique, a tese de Sallum é que o processo de impeachment de Collor inaugurou o presidencialismo de coalizão - e o sistema, gestado para dar estabilidade política ao país, sofre agora percalços consideráveis. Pessimista em relação ao futuro imediato do país, Sallum não vislumbra o impeachment de Dilma nem saídas fáceis para a crise.

ÉPOCA - Alguns opositores da presidente Dilma Rousseff apostam que uma mobilização popular em agosto poderá ser o gatilho para detonar um processo de impeachment. No caso do impeachment do ex-presidente Fernando Collor, houve uma mobilização importante nas mas. Com Dilma, isso poderá se repetir?

Brasilio Sallum Jr. - Contra o governo Collor, havia um processo de mobilização, que se manifestava em iniciativas da CUT, da CNBB, da OAB. Era uma mobilização razoável, mas não muito extensa. Até que surgiram as revelações do Pedro Collor dizendo que o PC Farias era o testa de ferro do presidente. Elas foram uma espécie de estopim de um barril de pólvora que estava crescendo. A demanda popular é importante porque ela dá legitimidade ao impeachment. Mas só a mobilização popular não basta. Depois dessas denúncias, houve uma articulação político-partidária do PT, do PSDB e do PMDB. Um pedido de CPI parado 110 Congresso ganhou força, e ela foi instaurada, somando-se à articulação da sociedade até então sem força. Contribuiu ainda a fundação do Movimento Ética na Política. Essa coalizão política foi fundamental, porque é preciso obter dois terços de votos da Câmara para que o processo de impeachment avance para julgamento no Senado.

ÉPOCA - O que tornou possível aquela coalizão contra Collor, apesar dos interesses políticos divergentes de partidos que depois acabariam se tornando rivais?

Sallum Jr. - A gente acabava de sair de um processo de democratização, que tinha produzido a democracia como valor. Grupos como OAB e CNBB elaboraram a campanha pelo impeachment do Coílor com essa retórica. Não havia experiência de impeachment na América Latina até então. Alguns políticos que participaram de todo aquele processo tinham muita cautela em relação ao que poderia acontecer no país se Collor fosse afastado. Só explicitaram a demanda por impeachment ao receberem a documentação contendo provas. A preocupação com a preservação da democracia era um elemento de unidade da coalizão. A articulação avançou também porque os parlamentares foram convencidos não apenas de que o presidente Collor não tinha mais condições de governar, mas também de que o próximo presidente -àquela ocasião o vice Itamar Franco - conseguiria articular uma coalizão que não os excluísse. Quarenta por cento do Congresso sustentava o governo Collor. Para quebrar essa resistência, não bastava dizer que Collor recebeu recursos do PC Farias. A dinâmica poiítica pede que o grupo que sustenta o presidente se desloque, e ele se deslocou em torno de uma coalizão do Itamar. O Collor atuava de um jeito que parecia que o Congresso não tinha relevância. O impeachment foi uma afirmação do Legislativo. Quando Itamar entrou, cie demorou para montar ministério e, quando o fez, fez um governo de coalizão, mostrando que o Congresso era relevante. Esse elemento foi chave.

ÉPOCA - O senhor vê a possibilidade de repetição de uma coalizão contra Dilma?

Sallum Jr. - Ainda não vejo essa possibilidade. As pessoas que pedem impeachment agora têm um problema. A presidente foi reeleita. Há uma discussão jurídica sobre se este governo e o anterior são uma coisa só e, portanto, se um crime noutro governo pode levar á perda do atual mandato. É preciso resolver, primeiro, essa questão. Outra questão-chave é saber para qual lado essas forças que pensam o impeachment se deslocarão. É preciso haver alguma coalizão partidária qualquer. Contra o Collor, você tinha um processo de unanimidade. Os grupos estavam mobilizados numa só direção. Hoje, há uma divisão. Temos uma fragmentação de demandas, vários coletivos, mas todos sem diretrizes e sem elementos para o qual as forças se polarizem. Existe um conjunto de partidos e parlamentares que tem derrotado o governo sistematicamente. Nem sempre pelos melhores motivos. Esse é um exemplo da gravidade da nossa crise. Você tem uma situação em que os agentes parecem não ter um destino comum, nem ao menos horizontes em disputa. Os agentes, os partidos, as forças políticas não desenham um futuro que seja atraente e que force uma articulação em prol disso. Nem governo nem ninguém aponta um horizonte para além dessa crise. Daí resulta uma boa dose da desesperança sobre nosso futuro.

ÉPOCA - Essa falta de horizontes se deve à falta de grandes lideranças políticas?

Sallum Jr. - Estamos no fim de uma época, dá ascensão do movimento de democratização que produziu a estabilização poiítica no Brasil. Esse grupo que vinha de longe ou morreu ou foi atingido pela corrupção e se retirou da vida pública. Ele é substituído por uma nova geração, sem lideranças de peso, em todos os partidos. Parte das lideranças do PT está presa. Metade do PSDB envia cartas para a Câmara contra o projeto do "distritão" e outra vota a favor desse projeto. Há uma dificuldade de gestão e articulação dentro dos próprios partidos. No processo do Collor, os partidos e suas lideranças foram muito hábeis em esperar que o fruto amadurecesse. Mas hoje, por enquanto, não vejo amadurecimento político suficiente, nem um elemento óbvio que resulte em impeachment. Não significa que não haja no futuro. Mas é preciso haver um grupo que vislumbre e atraia aliados para isso.

ÉPOCA - Na orelha de seu livro, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso escreveu que o impeachment deu forma ao presidencialismo de coalizão. Hoje,estamos assistindo ao colapso desse sistema?

Sallum Jr. - Não acho que seja uma crise do presidencialismo de coalizão, mas desta coalizão. Temos um sistema que funciona sob a liderança e a autoridade do presidente. Quando ele perde a autoridade, o sistema não funciona direito. A liderança que o presidente exerce é quase insubstituível. Isso, infelizmente, falta à presidente Dilma Rousseff. Ela não consegue produzir uma diretriz entre os aliados. Isso produz uma desorganização do processo legislativo e de gestão pública muito forte. A perda de autoridade tem a ver com o jeito que a campanha eleitoral foi tocada, muito aquém dos padrões desejados. Houve mentira. Da forma como foi obtida a vitória, criou-se um enorme ressentimento. A própria presidente é culpada por isso. No comício da vitória, ela não falou o nome do adversário. Depois, ela resolveu se envolver na disputa da presidência da Câmara e arrebentou a coalizão.

ÉPOCA - Dilma tem condições de se recuperar e terminar bem seu mandato?

Sallum Jr.- Ela tem tempo para isso, mas não sei se ela tem capacidade. A gente não sabe que gato vai sair dessa toca. No fundo, não depende SÓ dela. Depende do conjunto das forças e como elas se organizam. E não sabemos quanto tempo vai demorar o processo recessivo que vivemos. Outro problema é que a presidente tem uma dificuldade de gestão e claramente não se educou na arte de tázer política. Isso toma muito difícil a saída.

ÉPOCA - O senhor não vê então saída para essa crise?

Sallum Jr. - Não há crise que não seja superada. O processo político vai produzir alternativas. Mas não sou otimista de que serão imediatas. Nem sei que direção ela vai tomar. A crise que vivemos é maior que aqueia do Collor, mais pesada, complexa e complicada, e as saídas são menos óbvias e menos fáceis de vislumbrar. Há duas razões principais: a falta de autoridade da presidente e a falta de projeto para o futuro. Há uma polarização entre liberais e desenvolvimentistas que não ajuda a apontar uma saída da crise. Vamos fazer ajustes, mas qual a nossa meta? Para onde vai o país? Agora não é mais a democracia que está em jogo. É uma reorientação do país no cenário internacional e num mundo novo que surgiu dos anos 1980 para cá. Estamos imaturos para discutir essa nova situação do capitalismo mundial, em que não podemos mais nos fechar em nossos próprios territórios. A maioria dos desenvolvimentistas professa um nacionalismo muito defensivo como forma de enfrentar a crise. Ou bem mudamos essa visão e nos tornamos competitivos no mercado mundial, inovando na indústria, ou vamos encolher a cada dia. Em vez de nos defender das vicissitudes do mundo, poderíamos participar ativamente de sua construção. Isso daria um horizonte.

Ferreira Gullar - As boas e as más intenções

- Folha de S. Paulo / Ilustrada

• Não há sentido em alguém ganhar milhões de dólares por hora enquanto outros mal ganham para sobreviver

Numa coisa Karl Marx estava certo: o capitalismo é um regime de exploração. Mas daí partiu para uma conclusão errada: só o trabalhador produz riqueza e o capitalista só explora. Não é verdade, e essa conclusão errada foi responsável pelo fracasso dos governos comunistas, que excluíram a iniciativa privada –ou seja, o empreendedor– e puseram em seu lugar meia dúzia de burocratas do partido, incapazes de gerir até mesmo uma quitanda.

É curioso que ninguém se tenha dado conta disso, a começar pelo próprio Marx, homem culto e de rara inteligência. Talvez a razão de tal equívoco tenha sido o caráter selvagem do capitalismo do século 19, que explorava os trabalhadores sem qualquer escrúpulo.

Marx via os capitalistas, portanto, como cruéis exploradores que não mereciam participar da sociedade igualitária do futuro, a qual, segundo ele, seria governada pela ditadura do proletariado. O que, aliás, nunca aconteceu nem podia acontecer, uma vez que, a começar por ele, quase todos os líderes revolucionários de esquerda eram de classe média.

Chego a pensar que tampouco a classe operária sonhada por Marx era revolucionária. O operário não só não tinha conhecimento dos problemas da sociedade como temia perder o emprego, uma vez que não lhe restaria outro meio de sobrevivência.

Ele era pobre, o irmão era pobre, o pai era pobre. Já o cara de classe média, se perdia o emprego, tinha o pai para socorrê-lo ou algum outro parente. Por isso o operário pensava duas vezes antes de se meter em encrenca.

Tanto isso é verdade que, em nenhum país desenvolvido, a revolução operária aconteceu. Nos Estados Unidos, que possuíam a maior classe operária do planeta, o partido comunista nunca teve qualquer importância.

A verdade é que, se sem o trabalhador não há produção, sem o empresário também não há. Neste momento, aqui mesmo no Brasil, há milhões de pessoas inventando agora pequenas empresas, médias empresas, grandes empresas, que vão promover o crescimento econômico do país, gerar empregos e riqueza.

Mas não é o empresário que, sozinho, vai pôr sua empresa para funcionar; precisa do trabalhador. O problema é que a riqueza produzida assim é mal dividida: o patrão fica com a parte do leão. Daí a desigualdade que caracteriza a sociedade capitalista e que, se já não é a mesma que no século 21, tampouco conseguiu eliminar a pobreza, mesmo em países desenvolvidos.

Está errado, mas também não estaria certo todo mundo ganhar a mesma coisa, uma vez que as pessoas têm capacidades diferentes. Nem todo mundo é Bill Gates ou Pelé ou Picasso. Tampouco tem sentido alguém ganhar milhões de dólares por hora enquanto outros mal ganham para sobreviver.

A conclusão a tirar de tudo isso, conforme penso, é que, se o regime capitalista tem a virtude de produzir riqueza, é uma riqueza desigualmente dividida. A conclusão inevitável é que devemos batalhar por uma divisão menos injusta possível.

Inteiramente justa, jamais o conseguiremos, porque, como se viu, a própria natureza é injusta, cria pessoas com capacidades desiguais. A justiça é, portanto, uma invenção humana e, por isso mesmo, depende das pessoas e das instituições para acontecer de fato.

Mas não é assim que pensam certos políticos que decidiram pôr, no lugar do marxismo extinto, um populismo dito de esquerda, que se vale da referida desigualdade social para ganhar o apoio dos mais pobres para chegar ao poder e pôr em prática programas assistencialistas, que não resolvem os problemas; pelo contrário, os agravam, como ocorre hoje na Venezuela, na Argentina e no Brasil.

Não há exagero, portanto, em apontar o caráter demagógico do populismo que, chegado ao governo, faz o contrário do que prometeu.

É possível até que, em alguns casos, acreditem, na sua visão equivocada, que têm a solução dos problemas, mas, na hora de enfrentá-los, veem que, nesse campo, milagres não acontecem. O resultado é o desastre, de que é exemplo o governo Dilma no Brasil.

Mas esse populismo está sendo desmistificado pela realidade dos fatos, como ocorreu agora mesmo na Grécia, onde o premiê Alexis Tsipras teve que fazer exatamente o contrário do que prometeu para chegar ao poder: submeteu-se às imposições dos credores.
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Ferreira Gullar é ensaísta, crítico de arte, poeta e membro da Academia Brasileira de Letras (ABL)