terça-feira, 7 de julho de 2015

Opinião do dia – Fernando Henrique Cardoso

Espera-se mais das oposições. Espera-se que apresentem sua visão de futuro, apontando um rumo ao País. 

Espera-se que se comprometam com a construção de uma economia de baixo carbono, impulsionada pela inovação, regida por regras claras e estáveis, com agências regulatórias independentes, melhor e mais integrada ao mundo e às cadeias globais de valor. 

Espera-se que defendam a reindustrialização do País, sem hesitar na crítica a políticas canhestras de conteúdo nacional que, sob a pretensão enganosa de estimular a produção local, acabam por isolar o Brasil e condená-lo à obsolescência tecnológica. 

Espera-se que façam da educação não um slogan, mas de fato uma prioridade do Estado e da sociedade; que tenham a coragem de dizer que, embora avançando, o Brasil está ficando para trás em relação a países comparáveis ao nosso; que diante da sombra que esse quadro projeta sobre o futuro do País não receiem enfrentar dogmas e pressões corporativas que dificultam reformas e inovações indispensáveis a um salto de qualidade em matéria de educação.

Da mesma maneira, espera-se que reiterem não ter o propósito antidemocrático de derrubar governos, mas tampouco o temor de cumprir seus deveres constitucionais, se os fatos e a lei assim o impuserem.

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Fernando Henrique Cardoso é sociólogo e foi presidente da República. A responsabilidade das oposições. O Estado de S. Paulo, domingo, 5 de julho de 2015.

Dilma diz que defenderá gestão 'com unhas e dentes'


  • Dilma acusa oposição de ‘golpe’ e diz que defenderá mandato ‘com unhas e dentes’

Vera Rosa e Tânia Monteiro - O Estado de S. Paulo

• Um dia após tucanos sugerirem que petista não completará 2º governo, presidente orienta aliados a rebaterem opositores; vice afirma desconhecer setores do PMDB favoráveis a impeachment, medida que considera ‘impensável para o momento’

BRASÍLIA -A presidente Dilma Rousseff classificou onesta segunda-feira, 6, como “golpista” a pregação por sua saída do governo e disse que defenderá “com unhas e dentes” o mandato para o qual foi eleita. Um dia depois da convenção do PSDB, na qual tucanos apostaram em novas eleições antes de 2018, Dilma orientou ministros, presidentes de partidos, deputados e senadores da base aliada a afastarem com vigor a articulação de adversários pelo seu impedimento, carimbando a iniciativa como “golpe”.

“As pessoas que estão fazendo delação premiada vão ter de provar o que estão falando”, disse Dilma, em conversa reservada. “Vou defender o meu mandato com unhas e dentes. Nada ficará sem resposta.”

Ao citar a delação premiada, a presidente fez uma referência a depoimentos de empreiteiros que, presos pela Operação Lava Jato, disseram ter dado dinheiro desviado da Petrobrás para o PT e para as campanhas de Dilma e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Indignada com o movimento que começou a ganhar corpo com o agravamento da crise política e foi reforçado na convenção que reconduziu o senador Aécio Neves (MG) ao comando do PSDB, Dilma chamou uma reunião de emergência no Palácio da Alvorada, à noite, com o Conselho Político do governo, formado por presidentes e líderes de partidos da base na Câmara e no Senado. Não foi só: convocou os ministros Nelson Barbosa (Planejamento) e Luís Inácio Adams (Advocacia-Geral da União) para explicar a todos, “ponto por ponto”, a defesa do governo aos questionamentos do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a manobra orçamentária conhecida como “pedalada fiscal”.

‘Impensável’. No Alvorada, Dilma pediu aos aliados que a ajudem a desmontar “factoides” para permitir que o País retome a rota do crescimento. Ao admitir sua preocupação com a queda dos postos de trabalho, ela também detalhou o Programa de Proteção ao Emprego, lançado ontem por medida provisória.

Ficou decidido ali que os partidos integrantes da coalizão divulgarão hoje nota de apoio ao governo, condenando o que chamam de iniciativas “golpistas”. A ideia é mostrar que Dilma não está sozinha.
“Todos nós achamos que (o impeachment) é algo impensável para o momento atual”, afirmou o vice-presidente Michel Temer, que comanda o PMDB e é articulador político do Palácio do Planalto. “Eu vejo essa pregação com muita preocupação. Não podemos ter, a esta altura, no momento em que o País tem grande repercussão internacional, uma tese dessa natureza patrocinada por diversos setores.”

Além do PSDB de Aécio, uma ala do PMDB flerta com a oposição e também prega o afastamento de Dilma, sob o argumento de que ela não tem mais condições políticas para governar. Essa ala torce para que o TCU rejeite as contas do governo em razão das “pedaladas fiscais”. Nesse caso, mesmo que o desfecho no Congresso seja a aprovação do impeachment, Temer assumiria o governo.

Na convenção do PSDB, porém, tucanos evitaram falar em impeachment. O partido aposta que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acatará o seu pedido, considerando que houve abuso do poder econômico e político nas eleições. Com isso, a chapa Dilma-Temer perderia o mandato.

Temer disse desconhecer que setores do PMDB estejam namorando o PSDB para um possível apoio ao governo caso Dilma seja obrigada a se afastar. “A presidente está tranquila. Podemos ter uma crise política e dificuldades econômicas, mas o que não se quer é uma crise institucional”, afirmou o vice.

Na tentativa de derrotar os argumentos da oposição, os ministros Nelson Barbosa e Luís Inácio Adams também farão uma peregrinação pelo Congresso. “Todas as operações que foram feitas estão de acordo com a lei e já foram objeto até de aprovação pelo TCU em exercícios anteriores”, disse Barbosa.

Dilma viajará hoje para a Rússia, onde vai participar da Cúpula dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), e depois irá à Itália. Diante das notícias cada vez piores que atingem o seu governo, com a popularidade desmoronando dia a dia, ela ordenou uma reação urgente.

Nesta tarde, os senadores Gleisi Hoffmann (PT-PR) e Aloysio Nunes (PSDB-SP) bateram boca no plenário. Após a petista acusar o PSDB de planejar um “golpe” para tirar Dilma do poder, o tucano se irritou. “Estou aqui fervendo, ouvindo essas barbaridades”, disse Aloysio. “Não admito ser chamado de golpista.” / Colaboraram Rafael Moraes Moura, Ricardo Della Coletta, Carla Araújo e Isadora Peron

Não há ‘golpismo’, afirma ex-presidente do Supremo

• Carlos Ayres Britto diz que, caso as instituições investigativas atuem no marco da Constituição, investigações contra Dilma não são golpe

Mateus Coutinho – O Estado de S. Paulo

Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral Carlos Ayres Britto afirmou nesta segunda-feira, 6, não ver “perigo de golpe” contra a presidente Dilma Rousseff, caso as instituições de investigação atuem “nos marcos da Constituição”.

“Eu não vejo perigo de golpe se as instituições controladoras do poder, o Ministério Público, a própria cidadania, considerada como instituição extra pública estatal de investigação, os tribunais de contas, se todas atuarem nos limites, nos marcos da Constituição não há que se falar de golpe”, disse.

Em resposta a movimentos de opositores e de setores da sociedade que defendem a saída da presidente antes do fim do mandato, Dilma e aliados do governo voltaram a rechaçar a ofensiva e definiram-na como “golpismo”. “Ninguém está blindado contra a investigação”, afirmou Britto.

No começo da entrevista, ele também aproveitou para ironizar a presidente e disse que saúda a delação premiada “mais do que a mandioca” em referência ao discurso de Dilma na cerimônia dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas no mês passado em que ela, em tom descontraído, saudou a mandioca.

Ao ser questionado sobre a situação atual da presidente – que é alvo de um processo no TSE movido pelo PSDB contra sua campanha no ano passado e também corre o risco de ter as contas de 2014 rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) – Ayres Britto reconheceu o cenário difícil vivido por Dilma. “Pelo andar da carruagem, a situação não está boa em nenhuma das duas instâncias.”

O ex-ministro, contudo, evitou se manifestar pela condenação ou pela inocência de presidente em ambos os casos. “Não quero avançar em um juízo técnico de antecipação de resultado”, comentou.
Mensalão. Durante a entrevista, Ayres Britto, que presidiu o Supremo no começo do julgamento do mensalão, relembrou o caso e disse que “o grande legado” do julgamento da ação penal 470 foi mostrar que a lei vale para todos.

Ao ser questionado sobre o impacto para os magistrados de julgar casos com grande repercussão popular, Ayres Britto disse que a opinião pública “incentiva o julgador”. “Nesses momentos, de expectativa social mais aguda, evidente que o juiz é humano, ele sabe que os olhos mais acesos da própria Nação estão focados sobre ele. Ele se toma naturalmente de um empenho maior.”

Cassar exige provas, diz ministro do TSE

Beatriz Bulla, Luciana Nunes Leal - O Estado de S. Paulo

RIO, BRASÍLIA - Depoimentos ligando a campanha da presidente Dilma Rousseff de 2014 ao esquema de corrupção na Petrobrás, por si só, podem não ser determinantes para cassar o mandato da petista, avaliam ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Dois ministros da corte ouvidos reservadamente pelo Estado consideram que falas de delatores da Operação Lava Jato podem ajudar as investigações eleitorais, mas são exigidas outras formas de prova para ligar a presidente ao escândalo.

Para integrantes do tribunal, os depoimentos de delatores devem ser confrontados com provas documentais e falas de outras testemunhas para checar a veracidade das revelações. É preciso ter uma conjunção de provas - e não um só depoimento para caracterizar o abuso de poder político e econômico e captação de recursos de forma ilícita na campanha de 2014.

O doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa foram ouvidos em junho em uma das ações que investiga a campanha da presidente e do vice-presidente Michel Temer (PMDB) de 2014. A maior expectativa recai, contudo, nas revelações que podem ser feitas pelo empreiteiro Ricardo Pessoa em depoimento marcado para o próximo dia 14.

Relator. A solicitação para ouvir os delatores foi autorizada pelo corregedor-geral da Justiça Eleitoral, João Otávio de Noronha, relator da ação no TSE. Em seminário no Rio de Janeiro há dez dias, Noronha afirmou que "o momento muito delicado" da política gera tensão, mas defendeu que a destituição de um presidente da República só se justifica com "provas robustas".

"Cabe à Justiça Eleitoral verificar o que contaminou a vontade popular e ao mesmo tempo assegurar estabilidade. O voto popular é voto soberano", disse o ministro no evento organizado pelas Escolas Judiciárias Eleitorais do TSE e do Tribunal Regional Eleitoral do Rio. "Só nos cabe intervir quando a manifestação de vontade do eleitor é viciada. Se a manifestação se dá de forma viciada, é possível anulação da eleição, cassação. Mas não pode ser feito a qualquer pretexto", completou Noronha, que fez críticas às gestões do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma.

O Estado procurou ontem o ministro e relator, mas não conseguiu contato até a conclusão desta edição. Mineiro, Noronha é ministro do TSE desde 2013 e faz parte do corpo do Superior Tribunal de Justiça (STJ) desde o fim de 2002, indicado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

A expectativa entre integrantes da corte e advogados é de que o ministro leve o caso para julgamento no plenário antes de encerrar seu mandato à frente da corregedoria, em outubro. Apontado como chefe do "clube das empreiteiras", Pessoa foi convocado por Noronha e deverá esclarecer se a campanha à reeleição de Dilma foi beneficiada pelo esquema de corrupção da Petrobrás.

Em delação premiada, o dono da UTC citou o ministro da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva, que foi tesoureiro da campanha da petista em 2014, ao detalhar repasses de R$ 7,5 milhões para ajudara reeleger a presidente. A avaliação de integrantes do tribunal é de que, após o depoimento de Pessoa, o TSE pode solicitar novas diligências para checar a veracidade das eventuais afirmações.-

PMDB tenta evitar queda de Temer

Ricardo Brito – O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O PMDB se articula para barrar qualquer iniciativa que tire o vice Michel Temer do Planalto, em caso de afastamento da presidente Dilma Rousseff. Em reuniões privadas desde a semana passada, peemedebistas decidiram traçar um plano de reação a eventuais tentativas da oposição, principal-mente do grupo ligado ao senador Aécio Neves (PSDB-MG), de cassar no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tanto a petista quanto o peemedebista.

A avaliação dentro do PMDB é de que qualquer solução para a crise - seja política, seja judicial - tenha de passar pelo comando de Temer. Se Dilma continuar no cargo, dizem, o vice terá de ganhar maior poder na articulação política. Se a presidente for destituída, caberia, ao peemedebista concluir o mandato até 2018.

Para barrar a ofensiva do PSDB no TSE, que poderia apear Dilma e Temer dos cargos, o PMDB começou a defender internamente uma controversa tese de que, se houve irregularidades na campanha de outubro, elas estariam circunscritas à presidente. O argumento é de que Temer, vice da chapa, não se imiscuiu no caixa de campanha da petista.

A contabilidade do vice, alegam, foi feita em separado à da presidente. Contudo, o entendimento consolidado pelo TSE - quando julgou casos de prefeitos e governadores - é de que a cassação em casos de financiamento ilegal de campanha abrange a chapa como um todo. "A jurisprudência maciça é que você tem uma chapa una e indivisível", disse o advogado João Fernando Lopes de Carvalho, especialista há 30 anos em Direito Eleitoral.

O líder tucano no Senado, Cássio Cunha Lima (PB), criticou a articulação de peemedebistas de tentar eventualmente salvar Temer de uma cassação no TSE. "O PMDB, mais uma vez, abandona a presidente quando começa a advogar a tese de que a chapa não contamina", afirmou.

No PSDB, a solução de cassar a chapa e ter novas eleições no curto prazo é vista como de interesse de Aécio, candidato com melhor recall em função de ter disputado o 2.° turno contra Dilma e ter obtido 51 milhões de votos.

Essa saída não interessaria a dois potenciais candidatos do PSDB à Presidência, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o senador José Serra (PSDB-SP).

Crise Política - Dilma articula reação com aliados

• Presidente reúne ministros e partidos da base para discutir defesa do governo, além de receber Cunha

A reação de Dilma

• Presidente se reúne com Cunha e Conselho Político após PSDB apostar que ela não conclui mandato

Luiza Damé e Isabel Braga – O Globo

BRASÍLIA - Em meio ao agravamento da crise política, insuflada nos últimos dias pelos depoimentos relacionando arrecadação irregular de recursos para sua campanha no ano passado, a presidente Dilma Rousseff fez ontem uma série de reuniões para tentar reagir. Pela manhã, Dilma encontrou-se com ministros e o vice-presidente Michel Temer. Após esse encontro, a presidente decidiu convocar às pressas uma reunião do Conselho Político, que reúne os líderes e os presidentes dos partidos da base aliada. Onze líderes da Câmara, outros onze do Senado e seis presidentes de partido compareceram ao encontro no Palácio da Alvorada, no início da noite. Depois, por volta das 21h, Dilma ainda recebeu reservadamente o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), junto com Temer.

Diante dos aliados, a presidente e os ministros Luís Inácio Adams (Advocacia-Geral da União) e Nelson Barbosa (Planejamento) explicaram a defesa do governo no caso das "pedaladas fiscais" que está em julgamento do Tribunal de Contas da União. Como o TCU é um órgão consultivo do Congresso, mesmo que a presidente seja condenada pela corte, suas contas só poderão ser aprovadas ou reprovadas pelos deputados e senadores. No encontro, Adams contestou o termo "pedaladas" e disse não ter havido irregularidades.

"Muito tranquila e segura"
Os líderes sugeriram à presidente e aos ministros que compareçam à Câmara e ao Senado para dar aos parlamentares suas explicações. Segundo os presentes, Dilma se mostrou "muito tranquila e segura" dos fundamentos jurídicos da defesa.

- A presidente demonstrou estar muito tranquila (em relação às pedaladas) e otimista em relação ao Programa de Proteção ao Emprego (PPE, lançado ontem) - afirmou o líder do PDT, André Figueiredo (CE).

O presidente do PT, Rui Falcão, disse que hoje os aliados vão se reunir com Temer para elaborar uma nota de apoio a ele e Dilma.

- Vamos discutir a nossa solidariedade apresentada a ele e a ela, compromisso irrestrito de defesa da Constituição e da legalidade democrática - disse Falcão, negando que seja uma resposta à oposição: - Não é nenhuma resposta, é uma declaração dos partidos que aqui estavam.

Segundo um dos presentes, a única pessoa a tocar no tema do eventual afastamento de Dilma foi a presidente do PCdoB, Luciana Santos, que, em discurso, disse que o partido ficaria contra "essa tentativa de golpe". Dilma, no entanto, não fez qualquer comentário e mudou de assunto.

Segundo os presentes, Dilma fez um apelo para que a Câmara adie a votação do projeto que aumenta a correção do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), que Eduardo Cunha pretende votar na próxima semana. Segundo o governo, a medida pode prejudicar o financiamento do programa Minha Casa Minha Vida.

Logo após o encontro da manhã, Temer disse que é preciso evitar que uma crise institucional se instale no governo. Segundo ele, Dilma está tranquila em relação ao avanço do movimento dentro do Congresso Nacional em torno da possibilidade de ela ser afastada da Presidência.

- A presidente está inteiramente tranquila. Todos nós achamos que é algo impensável para o momento atual (a saída da Presidência). Eu vejo essa pregação com muita preocupação. Nós não podemos ter a essa altura, em que o país tem grande repercussão internacional, uma tese dessa natureza sendo patrocinada por diversos setores. Levar-se adiante uma ideia de impedimento da presidente da República poderia revelar uma crise institucional, que é indesejável para o país - disse Temer.

O vice-presidente colocou panos quentes na relação com o PSDB. Anteontem, no congresso que reconduziu o senador Aécio Neves (MG) à presidência do partido, os principais caciques tucanos disseram acreditar que o mandato de Dilma possa terminar antes de 2018. Apesar disso, Temer disse que partidos como o PSDB estão no seu papel de criticar o governo, e afirmou que espera que Dilma só deixe o governo nas próximas eleições presidenciais.

- Todos nós esperamos que seja daqui a três anos e meio - afirmou Temer: - O PSDB está fazendo seu papel. Acha que terá suas razões... A oposição existe para ajudar a governar. Nós achamos que devemos evitar qualquer espécie de crise institucional.

Cunha reafirma que Temer foi sabotado
Ao chegar à Câmara, ontem à noite, Cunha (PMDB-RJ) contestou a afirmação de Temer de que não foi sabotado pelo governo em sua atuação como articulador político. Cunha disse que Temer foi sabotado "até a semana passada", e que isso resultou em derrotas para o governo na Câmara, já que o vice não conseguiu "cumprir" os compromissos que assumiu com a base para garantir a aprovação de matérias do ajuste fiscal.

Cunha afirmou que, se não houver mudança de fato, a crise será reinstalada em breve:

- Até quinta-feira, ele estava sendo sabotado. Não adianta querer pôr o Michel na articulação política e ele ficar sendo desmoralizado por sabotagem, como estava acontecendo até quinta passada. Se ele não tivesse sido sabotado, talvez o governo não tivesse perdido tanta votação como perdeu. (Colaborou Júnia Gama)

Petistas rebatem oposição e acusam PSDB de 'golpismo'

• Gleisi Hoffmann e tucano Aloysio Nunes batem boca no Senado

Luiza Damé, Isabel Braga e Cristiane Jungblut – O Globo

BRASÍLIA - Um dia após líderes do PSDB apostarem em sua convenção que a presidente Dilma Rousseff pode não completar o mandato e se dizerem "prontos" para assumir o governo, integrantes do PT foram para o ataque contra o que chamaram de "golpismo". O ministro de Direitos Humanos, Pepe Vargas, disse que o impeachment de Dilma, defendido por setores da oposição, não tem base legal nem jurídica:

- Então, quem defende uma posição dessa natureza está defendendo uma posição de golpe ao estado democrático de direito e à Constituição.

Embora dirigentes tucanos tenham evitado usar o termo impeachment, essa foi a mensagem da convenção, na interpretação de alguns petistas.

O ministro Miguel Rossetto (Secretaria-Geral) criticou a oposição por, em suas palavras, armar para tirar a presidente do poder:

- O país acabou de sair de um processo eleitoral com grande participação da sociedade, portanto o que a consciência democrática faz é rejeitar esses movimentos golpistas e ilegais que infelizmente ainda residem no nosso país.

O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, disse que não haja motivo para impedimento e afirmou que não há ilegalidade nas contas do governo que estão sendo analisadas pelo Tribunal de Contas da União.

O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), afirmou que o PSDB presta um desserviço ao defender "atalhos autoritários":

- Ficar apregoando o caos não é nada responsável para quem quer um dia governar o Brasil. Essa história de discutir impeachment é coisa de uma direita truculenta.

Guimarães disse que ficou espantado ao ver na convenção do PSDB o ex-presidente Fernando Henrique dizer que "o PT quebrou o Brasil":

- Eles quebraram o Brasil! Dizer que o PT quebrou o Brasil parece uma piada dessa gente que governou durante oito anos, comprou reeleição conforme a imprensa divulgou.

No Senado, Gleisi Hoffmann (PT-PR) e Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) bateram boca em plenário. Gleisi acusou o PSDB de pregar o golpe na convenção, ao defender o impeachment. Aloysio disse que estava "fervendo e indignado" com a acusação.

- Só posso chamar isso de golpe, não há outra forma de avaliar. Desculpe se ofende o PSDB. Mas o que ouvi na convenção do PSDB foi isso - disse Gleisi.

- Estou impaciente, fervendo! A senhora está abusando no direito de nos atacar! Eu me senti insultado por Vossa Excelência quando fui chamado de golpista. Não tenho, na minha vida política passada e atual, porque ser acoimado de inimigo da democracia ou das instituições - rebateu Aloysio.

- Não o chamei de golpista. Falei que o PSDB, que a oposição estava sim com atitudes golpistas. Vossa Excelência vestiu a carapuça! - retrucou Gleisi, irônica.

A senadora disse que ficou "muito assustada" com o tom da convenção do PSDB.

- O golpe não é legítimo! Um partido não pode se prestar a esse papel: querer que o Tribunal Superior Eleitoral casse a presidente por conta disso ou querer preparar, no TCU uma situação de não aprovação de suas contas de governo, para levá-la a um impeachment. Dispute-se a eleição, ganhe-se na eleição. Faça-se isso, mas não o golpe - disse Gleisi.

"Não há golpe coisa alguma"
Depois, Aloysio disse que não quer ver o fim do governo Dilma, mas admitiu que o PSDB está preparado se ela for afastada do poder.

- Não há golpe coisa alguma. A tese de que a oposição busca um golpe é simplesmente é uma fantasia, uma forma escapista dos governistas de não enfrentarem os problemas. Não desejo o fim do governo da presidente. Quero ganhar no voto, em 2018. Mas, se acontecer algo antes, se a Justiça trabalhar, cumprir o seu papel e decidir no sentido de interromper o mandato, estaremos em condições de fazer uma transição tranquila do governo.

Ao lado de Aloysio, o senador Telmário Mota disse (PDT-RR):

- O golpe foi dado pelo PT.

Para bancada petista, governo precisa reagir e enquadrar a PF

• Deputados cobram reação às declarações de diretor sobre Lava-Jato

Fernanda Krakovics – O Globo

BRASÍLIA - Diante da baixa popularidade do governo, das acusações de corrupção na Operação Lava-Jato e dos prognósticos da oposição e de partidos da própria base aliada de que a presidente Dilma Rousseff não concluirá seu mandato, a bancada do PT na Câmara tem criticado reservadamente a falta de reação do Planalto.

"Nossa bancada é uma voz clamando no deserto às vésperas da crucificação. Não estou preparada para ver esse cortejo", escreveu ontem a deputada Benedita da Silva (RJ), no grupo de WhatsApp da bancada, segundo deputados petistas.

O deputado Afonso Florence (BA) defendeu, no mesmo espaço, segundo relatos, a necessidade de o governo criar um gabinete de crise. Para a deputada Maria do Rosário (RS), a crise é "gravíssima", ainda segundo os integrantes do grupo.

Cardozo é cobrado
Já o deputado Zé Carlos (MA) escreveu, segundo petistas, que o PT e o governo não podem continuar na defensiva, porque "quem abaixa demais o fundo aparece".

A gota d"água foi a entrevista do diretor-geral da Polícia Federal, Leandro Daiello, publicada anteontem em "O Estado de S. Paulo". Na entrevista, Daiello afirmou que as investigações da Lava-Jato não vão parar nem se chegarem perto de Dilma, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de suas campanhas. Disse ainda que as investigações continuarão "com o ministro José Eduardo Cardozo na Justiça ou não, com o Daiello na PF ou não".

Lula e seu grupo no PT têm atacado Cardozo em conversas reservadas. Eles reclamam que o ministro "não controla" a Polícia Federal e de supostos excessos na Lava-Jato, além de vazamentos "seletivos".

A primeira mensagem com esse tom, no grupo de WhatsApp, foi postada pelo deputado Assis Carvalho (PI) anteontem, segundo colegas de bancada. Ele cobrou providências do Ministério da Justiça e do governo porque, segundo ele, o diretor da PF "extrapolou".

Crítica à ação da PF
O deputado Leo de Brito (AC) foi na mesma linha, segundo integrantes do grupo: "Não tenho nada contra o ministro (da Justiça), mas o que está acontecendo com a Polícia Federal é inadmissível. A Polícia Federal virou instrumento político".

O deputado Carlos Zarattini (PT-SP) confirmou que a entrevista de Daiello não repercutiu bem na bancada:

- Eu não gostei. Esse diretor da Polícia Federal acha que ali é um quarto poder, que não tem que se submeter a quem foi eleito, a quem tem voto. Até os ministros do Supremo (Tribuna Federal) são indicados pela presidente da República e referendados pelo Senado.

Assis Carvalho recomendou, na troca de mensagens, que o líder do PT, Sibá Machado (AC), e o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (CE), procurem Lula para conversar.

O deputado Paulo Pimenta (RS) ponderou, segundo petistas, que a bancada perdeu essa oportunidade na semana passada, ao se reunir com o ex-presidente.

Para Temer, debate sobre impeachment é prejudicial ao país

Temer diz que impeachment agora é 'impensável' e critica Aécio

• Para vice, "essa pregação" não é boa para o país e PSDB só terá chance de chegar ao poder em 2018

• Tucano rebate e diz que sucessão será em 2018 se "o governo conseguir chegar até lá, o que depende dos tribunais"

Mariana Hubert, Mariana Dias, Flávia Foreque e Daniela Lima – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA, SÃO PAULO - Personagem central dos debates sobre possíveis desfechos para a crise que atinge o governo Dilma Rousseff, o vice-presidente, Michel Temer (PMDB), disse que o impeachment da petista é algo "impensável para o momento atual". Ele garantiu que a presidente está "tranquila em relação a isso".

"Vejo essa pregação com preocupação porque não podemos ter, a esta altura, em que o país tem uma grande repercussão internacional, uma tese dessa natureza sendo patrocinada por vários setores. Temos que ter tranquilidade institucional", disse.

As declarações foram dadas nesta segunda-feira (6), um dia depois de os principais líderes do PSDB afirmarem, durante convenção da sigla, que a gestão Dilma caminha para um fim precoce.

Em sua resposta, parte de uma contraonfensiva organizada pelo governo, Temer rebateu discurso do senador Aécio Neves (MG), presidente nacional do PSDB. O tucano disse que seu partido terá "coragem para fazer o que tem que ser feito" e que deve se preparar porque, "em breve", deixará de ser oposição para "ser governo".

"Esperamos que ele esteja falando de daqui a três anos e meio", disse Temer. Ele não quis classificar a fala de Aécio como irresponsável, "mas é preciso mostrar que isso não é bom para o país".

Procurado pela Folha, o tucano retrucou. "Sou amigo do Temer, mas me permito dizer que o que não ajuda o país é a forma como a presidente vem o conduzindo nos últimos anos. E acredito que a esmagadora maioria dos brasileiros concordará comigo."

"Quanto ao momento da sucessão, será sim em 2018, se o governo conseguir chegar até lá. O que não depende das oposições, mas dos tribunais", concluiu Aécio.

Teorias
A fala do tucano é uma referência direta ao debate que existe hoje nos bastidores de diversos partidos, entre eles o PSDB e o PMDB de Temer, sobre qual seria o detonador de um afastamento de Dilma.

Hoje, o PSDB se divide em duas linhas. A primeira, majoritária na sigla, acredita que a saída menos traumática seria o afastamento da presidente com base em uma condenação do TCU (Tribunal de Contas da União) por conta das chamadas pedaladas fiscais. Nessa tese, Temer assumiria o governo e o PSDB ajudaria o novo presidente a atravessar a crise até 2018.

Uma segunda corrente, liderada por aliados de Aécio, vê em uma possível condenação da petista no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) o único caminho para a superação plena da crise. Nesse caso, tanto Dilma como Temer seriam afastados e haveria nova eleição. Aécio largaria na frente na disputa e poderia assumir o Planalto legitimado pelo voto popular.

Após a convenção do PSDB, os tucanos fizeram pequenas reuniões para debater o impacto do evento no ambiente político. Celebraram o fato de que o governo "comprou a tese" do afastamento, levando o debate sobre o impeachment para dentro do Planalto, mas reafirmaram que a sigla precisará de cautela para não ganhar a pecha de "golpista". 

"Eu não vou cair", afirma Dilma

Dilma afirma que não vai cair e desafia adversários, diz jornal

Valor Econômico

SÃO PAULO - Em entrevista ao jornal “Folha de S.Paulo”, a presidente Dilma Rousseff afirmou que não vai perder o mandato e desafiou seus adversários políticos a tirá-la do posto. “Eu não vou cair, eu não vou, eu não vou. Meu recado é claro. Isso aí é luta política”, disse durante a entrevista no Palácio do Planalto.

Apesar de enfrentar um cerco político e a possibilidade de ter de enfrentar processos sobre as chamadas pedaladas fiscais e irregularidades na sua campanha à reeleição, Dilma disse não ter medo.

“Não tem base para eu cair, e venha tentar. Se tem uma coisa que eu não tenho medo é disso”, afirmou.

A presidente disse ainda que setores de oposição são “um tanto golpistas”, mas afirmou que não a “atemorizam”.

Na segunda-feira, Dilma convocou uma reunião para controlar os desdobramentos de uma possível rejeição das contas do governo pelo Tribunal de Contas da União (TCU) por conta das chamadas pedaladas fiscais.

Junto de seus principais assessores, a presidente montou uma operação de "defesa prévia" para as pedaladas e pediu que os parlamentares da base aliada a defendam no Congresso.

Aos assessores, afirmou que a tentativa dos oposicionistas de empurrá-la para o impeachment é “golpista” e prometeu defender seu mandato “com unhas e dentes”.

Dilma lança ofensiva contra tentativa de afastá-la do cargo

Andrea Jubé e Rosângela Bittar – Valor Econômico

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff montou ontem uma ofensiva de guerra para conter a escalada dos rumores de que o PMDB se alinharia à oposição num movimento para afastá-la do cargo. Após reunião da coordenação política, o vice-presidente Michel Temer, dois ministros e um líder governista classificaram o ato de "impensável" e exaltaram a democracia. Dilma também convocou às pressas o conselho político, incluiu de última hora na agenda o lançamento do Plano de Proteção ao Emprego e concedeu entrevista ao jornal "Folha de S. Paulo", numa tentativa de sair do isolamento. À noite, após a última reunião com o Conselho, ainda reteve no Alvorada o vice-presidente e os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Eduardo Cunha, para que ouvissem exposição do advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, e do ministro Nelson Barbosa sobre a legalidade das pedaladas fiscais.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva será procurado hoje por emissários de Dilma Rousseff para juntar-se à operação de resgate do governo e da imagem da presidente de forma mais efetiva e combinada, embora ontem ele já tenha iniciado uma campanha de divulgação dos números da economia dos governos petistas para confrontar as críticas da oposição.

Lula e o PT devem assumir a linha de frente de defesa do governo a partir de agora, seguidos dos demais partidos da base, seus líderes, ministros e governadores. Farão, porém, uma ação mais objetiva, que vá além das acusações à oposição de tentativa de golpe de Estado, como se deu no início da reação. As principais lideranças do PMDB estão sendo procuradas desde o fim de semana, também para retomar o eixo da aliança e reassumir seu papel. Enquanto o vice-presidente Michel Temer voltava a falar ontem explicitamente contra o impeachment, lideranças do seu partido ainda insistiam que essa era a melhor solução, mas espera-se um acerto do passo a partir de hoje.

De certa forma o tom radical do discurso do PSDB, na convenção do fim de semana, ajudou a presidente a retomar o controle da situação e reunir as forças governistas em torno de si. Foi um fato decisivo também para mostrar a Lula que suas críticas ao governo e ao PT, além de a ele próprio, abriram a avenida da contestação pela qual entrou a oposição e podem entrar os movimentos populares contra o governo.

Pelo lado do PT, os ministros Jaques Wagner e Aloizio Mercadante, acusados o primeiro de esconder-se dos problemas, o segundo de provocá-los, se reajustaram à estratégia do governo e passarão a tentar atuar a favor da reaglutinação dos partidos aliados.

Também ontem o marqueteiro João Santana desembarcou em Brasília. Ele retornou à capital federal em meio ao acirramento da crise e uma semana após reunião com Lula e o presidente do PT, Rui Falcão. Santana sustenta que seu compromisso, no momento, é com o programa partidário do PT. Mas ele se tornou amigo da presidente e tem sido ouvido como conselheiro informal.

No Twitter, Falcão, disse que a oposição é "golpista" e quer "ganhar no tapetão". "Perderam no voto e agora querem ganhar no tapetão. Fora golpistas! Democracia neles!", escreveu Falcão.
Em meio à turbulência, Dilma viaja hoje para a Rússia, onde participa da cúpula dos Brics, de onde segue para a Itália. No fim da semana, visita a ExpoMilão. O cancelamento dessa viagem jamais foi cogitado, segundo assessor de Dilma, mas sua confirmação, ontem, levou alívio ao PT: se a presidente vai à Rússia é porque o impasse imediato foi superado, argumentam.

Se não retornar a tempo, enviará Michel Temer para representá-la na missa do Papa Francisco no sábado em Assunção, no Paraguai. Nessa hipótese, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), assumiria a Presidência da República.

Cunha tem sido apontado, em conversas reservadas, como um dos adversários mais ferrenhos do governo. Por isso, essa hipótese, se confirmada, seria um afago num momento em que auxiliares da presidente defendem mais diálogo com Cunha e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) para reduzir a temperatura política. "Eu sempre dialogo, independente de apoio ou não do governo, mas não deixarei de expor minha opinião e nem de votar as pautas da sociedade", reagiu Cunha em conversa com o Valor.

Um interlocutor da presidente admite que o cerco está se fechando. "Todos estão contra ela", resumiu. "O Tribunal de Contas da União (TCU), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a Câmara dos Deputados, o Senado, e até o PMDB", enumerou.

No Planalto, é real o temor de que o TCU rejeite as contas relativas ao ano passado devido às "pedaladas fiscais", o que remonta o caso ao Congresso, que é controlado pelo PMDB. Os pemedebistas estão insatisfeitos e acusam o governo e o PT de descumprirem acordos firmados com Temer. Em outra frente, assessores palacianos igualmente temem os desdobramentos do processo em tramitação no TSE, em que o PSDB pede a cassação da chapa encabeçada por Dilma e Temer por irregularidade nas contas de campanha.

A crise política agravou-se após a veiculação de notícias de que lideranças do PMDB teriam procurado o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para sondá-lo sobre eventual apoio do PSDB a Michel Temer na hipótese de impedimento da presidente. A afirmação dos tucanos de que estão "prontos" para voltar ao governo foi interpretada no PT como um aviso de golpe em marcha.

Duas teses eram ventiladas ontem no Planalto. Uma de que o PSDB só subiu o tom porque teria respaldo de lideranças do Congresso. Nesse caso, dilmistas defendem mais diálogo, liberação de emendas e cumprimento de acordos relativos a cargos. Outra tese é de que há uma disputa de forças internas no PMDB, e que é mais vantajoso aos oposicionistas manter Dilma "sangrando" no cargo. No PT, a avaliação é de que o golpe que preveem só prospera se PMDB e PSDB unirem-se internamente e chegarem ao consenso, um cenário remoto por enquanto. Michel Temer disse em entrevista coletiva que o impedimento de Dilma é "impensável". (Colaborou Cristiane Agostine, de São Paulo)

Tese de impeachment ganha adesões dentro do PMDB

Raquel Ulhôa – Valor Econômico

BRASÍLIA - A possibilidade de a presidente Dilma Rousseff ser afastada do cargo por um processo de impeachment e a consequente posse do vice-presidente, Michel Temer, para cumprir o restante do mandato, ganha cada vez mais defensores na cúpula do PMDB, convencida da falta de condições da presidente de permanecer no cargo, mas ainda dividida quanto à solução.

Dirigentes pemedebistas favoráveis ao impeachment como melhor solução para o país já desenham os desdobramentos de eventual afastamento de Dilma: Temer assumiria, faria um governo de união com os partidos que quisessem, montaria um gabinete de "alto nível", cortaria custos da máquina pública e realizaria reformas e ajustes necessários para fazer o país voltar a crescer e retomar estabilidade política. Temer não disputaria a reeleição em 2018.

Dirigentes do partido dizem que o vice, presidente nacional do PMDB, atua para garantir a estabilidade do governo e evitar desgastes à presidente. Mas os demais dirigentes conversam abertamente sobre o isolamento político de Dilma e a previsão de agravamento da economia em setembro e outubro, com demissões em vários setores da economia, após a aprovação do projeto que acaba com as desonerações da folha de pagamentos.

A previsão é que o setor produtivo, ainda dividido, conclua pela necessidade de afastamento de Dilma, aumentando a pressão da opinião pública sobre o Congresso. Para criar as condições para o impeachment, citam o risco de crise sistêmica e as chamadas "pedaladas fiscais" (manobras contábeis envolvendo uso de recursos de bancos federais para maquiar o Orçamento da União).

Os pemedebistas que preferem o caminho do impeachment avaliam que seria a solução menos traumática para o país. Consideram que as outras opções provocariam danos piores. Se Dilma cumprir o mandato até o fim, ficará "sangrando, politicamente ilhada e sem poder para tirar o país da crise econômica", segundo um dirigente do PMDB. A alternativa da cassação da chapa pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que significaria também o afastamento de Temer da Vice-Presidência e a realização de novas eleições, levaria a um acirramento da guerra entre PSDB e PT e da divisão do país.

A avaliação é que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o senador Aécio Neves (MG), presidente do PSDB, teriam uma "disputa sangrenta". Os pemedebistas estão convencidos que Lula seria candidato e teria o PT a seu lado, levando sindicatos, militantes do MST e do PT às ruas. A cassação do mandato pela Justiça Eleitoral começou a ser defendida no PSDB, por aliados de Aécio, como melhor solução para o afastamento de Dilma. O argumento dos tucanos é que somente uma nova eleição daria legitimidade ao futuro presidente.

Políticos da cúpula do PMDB com experiência no Congresso dizem que a última vez em que o afastamento de um presidente foi comentado tão abertamente como agora foi no governo de Fernando Collor, que acabou sofrendo impeachment. Acreditam que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (RJ), a quem cabe aceitar ou não aber- tura do processo, será convencido pela pressão da opinião pública.

No dia seguinte à convenção nacional do PSDB que reelegeu Aécio presidente do partido, sob duros discursos contra o governo, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) acusou a oposição de "golpe" e de querer "ganhar no tapetão" por defender o afastamento da presidente. Provocou forte reação do tucano Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP).

"O golpe não é legítimo! Dizer que tem de afastar uma presidente da República sem mostrar o motivo. Querer ganhar no tapetão uma oportunidade para governar o Brasil. Vamos esperar 2018, vamos disputar a eleição. Um partido não pode se prestar a esse papel: querer que o Tribunal Superior Eleitoral casse a presidente por conta disso ou querer preparar, no Tribunal de Contas da União, uma situação de não aprovação de suas contas de governo, para levá-la a um impeachment", disse Gleisi.

"Estou impaciente, fervendo! A senhora está abusando no direito de nos atacar", afirmou Nunes Ferreira, demonstrando irritação. "Não lhe chamei de golpista, mas, se vossa excelência vestiu a carapuça...", respondeu a petista. Segundo ela, há dificuldades e problemas no país, mas não se pode achar "que só há erros, que o Brasil está quebrado, é um país sem rumo e desgovernado".

O senador tucano disse que falar em afastamento de Dilma não é golpe. "A tese de que a oposição busca um golpe é simplesmente é uma fantasia. Quero ganhar no voto, em 2018. Mas, se acontecer algo antes, se a Justiça decidir no sentido de interromper o mandato, estaremos em condições de fazer uma transição tranquila e tomar as rédeas do governo."

TSE analisa denúncias de irregularidades em campanha

Maíra Magro e Raphael Di Cunto - Valor Econômico

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff enfrenta ameaças de cassação em três processos movidos pelo PSDB no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A Corte terá que avaliar se houve irregularidades na campanha presidencial e se elas foram ou não relevantes para a vitória da coligação. Se a resposta for afirmativa, o TSE pode decretar a cassação do diploma da presidente e do vice, Michel Temer. Caso isso ocorra, caberia recurso ao Supremo Tribunal Federal. A consequência mais provável seria a convocação de novas eleições diretas à Presidência, segundo três ministros do TSE ouvidos pelo Valor. O encarregado da convocação seria o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Em duas ações de investigação judicial eleitoral, o PSDB alega abuso de poder político e econômico na campanha presidencial. O partido pede a cassação da diplomação da chapa e a inelegibilidade da presidente e do vice por oito anos. Uma dessas ações foi apresentada em outubro do ano passado e a outra em dezembro. O relator é o ministro João Otávio de Noronha, corregedor-geral do TSE.

Na primeira fase, o ministro determina a produção de provas para avaliar se algum ato da campanha prejudicou a normalidade das eleições. Com o surgimento de fatos novos na Operação Lava-Jato, que investiga o esquema de corrupção na Petrobras, o PSDB pediu a Noronha que tomasse o depoimento do doleiro Alberto Youssef, do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e do dono da UTC, Ricardo Pessoa - este com maior potencial explosivo.

Os dois primeiros já foram ouvidos. Pessoa está com depoimento marcado para o dia 14 de julho. Em delação premiada, o empresário teria dito que foi coagido a contribuir para a campanha presidencial em 2014 - o que o PT nega.

Para afetar o resultado do processo no TSE, as afirmações teriam que ser provadas com outros elementos - como novos depoimentos indicando um contexto de ilegalidade nas contribuições eleitorais ou documentos que corroborem as informações. Alguns ministros consideram que seria preciso avaliar também até que ponto as supostas contribuições ilegais foram decisivas na campanha. Se a Corte concluir que as irregularidades afetaram o processo eleitoral de forma significativa, Dilma e Temer poderiam ser cassados. A tendência é que esses dois casos sejam julgados no segundo semestre.

Em uma terceira frente, o PSDB pede a cassação de Dilma em uma ação de impugnação de mandato eletivo, ajuizada em janeiro ao TSE. A relatora é a ministra Maria Thereza de Assis Moura. Ao apresentar seu voto em março, ela declarou não ver provas suficientes para dar andamento ao processo. O ministro Gilmar Mendes pediu vista e deve trazer seu voto em agosto. A expectativa é que ele vote contra a relatora e defenda que o processo siga adiante. As potenciais consequências dessa causa são as mesmas das outras duas ações de investigação.

Apesar da conclusão de que uma decisão da Justiça eleitoral afetaria Dilma e Temer ao mesmo tempo, o PMDB tenta separar sua campanha do bolo da coligação - o vice seria assim uma alternativa para assumir o governo diante de eventual cassação. O pemedebista não foi citado em nenhuma das delações premiadas até o momento nem tem inquérito aberto na Lava-Jato.

Levantamento do Valor nas prestações encaminhadas ao TSE mostra, porém, que Temer também recebeu dinheiro de empresas acusadas na operação. A OAS depositou R$ 5 milhões na conta do vice e foi a maior doadora individual. A Andrade Gutierrez contribuiu com R$ 1 milhão para a direção nacional do PMDB, que repassou o recurso para a campanha de Temer. Em nota, o vice-presidente afirmou que "as contribuições para a campanha foram recebidas dentro do mais estrito respeito à institucionalidade e à legalidade em relação a todos os doadores que colaboraram em 2014".

O TSE determina que os candidatos a vice também abram contas correntes para movimentar recursos nas campanhas, mas a maioria fica zerada e os recursos são concentrados na conta do cabeça de chapa. À frente do maior partido aliado, Temer teve arrecadação e gastos próprios destinados a ajudar correligionários nos Estados. Mas o dinheiro foi misturado aos recursos de Dilma na divulgação das contas da campanha presidencial.

Da conta do vice saíram recursos para ajudar oito diretórios estaduais e 50 candidatos pemedebistas a deputado federal, governador ou senador. Receberam recursos, o por exemplo, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, na eleição para o governo de São Paulo, e o deputado federal Edinho Araújo (SP), atual ministro dos Portos. O maior montante, R$ 2,8 milhões, foi para manter o comitê no Rio Grande do Sul, administrado pelo ex-deputado Eliseu Padilha, atual ministro da Aviação Civil e auxiliar de Temer na coordenação política.

Governo cria plano para reduzir salário e jornada de trabalho

• Fundo de Amparo ao Trabalhador vai compensar parte da perda salarial; plano vai até fim de 2016

• Para participar, empresa terá que comprovar efeitos da crise e entrar em acordo com sindicato da área

Sofia Fernandes – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O governo criou nesta segunda-feira (6) um programa que permite a redução em até 30% da jornada de trabalho, com redução de salários.

Chamado de Programa de Proteção ao Emprego (PPE), ele será enviado como medida provisória ao Congresso e começa a valer a partir de sua publicação, nesta terça (7).

A medida tem o objetivo de conter demissões, principalmente na indústria, e foi negociada pelo Palácio do Planalto com centrais sindicais e o setor produtivo.

O governo vai complementar metade da redução da renda do trabalhador com recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), que custeia também o seguro-desemprego e o abono salarial.

Por exemplo, um trabalhador que recebe R$ 2.500 e tiver redução de 30% da jornada ganhará R$ 2.125 (-15%), sendo R$ 1.750 pagos pelo empregador e R$ 375 pelo governo.

A complementação, porém, terá um teto de R$ 900,84. Na redução de 30% da jornada, por exemplo, a perda do empregado será maior que 15% do salário se ele superar R$ 6.000 --se for R$ 7.000, por exemplo, a perda será de 17,13%.

O trabalhador poderá ter sua jornada reduzida por seis meses, prazo prorrogável por mais seis meses.

Crise comprovada
Uma empresa só poderá lançar mão do programa em caso de crise econômica, que deve ser comprovada pela empresa ao sindicato da categoria e ao governo federal, e não pode ser motivado por má gestão. O prazo de adesão vai até dezembro deste ano.

As empresas que aderirem ao programa não poderão dispensar os empregados que tiveram sua jornada reduzida enquanto vigorar o regime diferenciado de trabalho.

No fim do programa, o trabalhador não poderá ser demitido por um prazo equivalente a um terço do período de adesão. Se durar um ano, por exemplo, a estabilidade será de quatro meses.

Custos
Ministros da equipe econômica defenderam o programa como bom para o trabalhador, que não é demitido e tem seus direitos trabalhistas preservados.

O custo do PPE para a empresa pode superar os que ela teria com a suspensão temporária do contrato de trabalho ("lay-off"). Mas, em setores como o automotivo, montadoras já estão perto do prazo máximo em que podem suspender os contratos.

Nesse caso, em vez de demitir (e arcar com os custos e com a perca de mão de obra treinada), a empresa poderá optar pelas reduções do PPE.

O governo ganha com menos desembolsos com seguro-desemprego e ao evitar perda de arrecadação com contribuições sociais e tributos sobre os salários.

Segundo o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, num cenário de adesão de 50 mil trabalhadores, o governo estima uma economia de R$ 68 milhões --a diferença entre o que seria gasto com seguro-desemprego e o que passaria a ser gasto com os desembolsos para o programa.

Medida do governo prevê redução de salário e jornada

Jornada e salário menores

• Governo lança medida que prevê recursos do FAT para compensar corte no rendimento

Geralda Doca, Martha Beck e Cassia Almeida – O Globo

BRASÍLIA, RIO e SÃO PAULO - Na tentativa de estancar o desemprego, em especial no setor automotivo, e em busca de apoio para enfrentar a mais grave crise política do seu governo, a presidente Dilma Rousseff editou ontem medida provisória criando o Programa de Proteção ao Emprego (PPE). A medida permite a redução da jornada de trabalho, com corte dos salários em até 30%, em momentos de crise. Mas, para o trabalhador, o corte efetivo será de 15% do salário, já que o governo se compromete a usar recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para bancar metade da parcela do salário que for cortada. O gasto estimado em um ano de vigência, prazo máximo do programa, é de cerca de R$ 112,5 milhões.

A proposta - defendida pelos sindicatos dos trabalhadores das montadoras - não contou com o apoio do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, voto vencido nas discussões dos últimos dias. Isso porque, o programa vai elevar as despesas do FAT no momento em que a equipe econômica tenta reduzir essas despesas, restringindo o acesso ao seguro-desemprego e estendendo o pagamento do abono salarial. Segundo interlocutores, a maior preocupação do ministro é que a medida sinalize que o ajuste fiscal pode ser afrouxado, especialmente depois que o Congresso aprovou medidas de forte impacto sobre os gastos, como o aumento do Judiciário e a extensão da regra de reajuste do salário mínimo para todos os aposentados do INSS.

A condução e finalização do novo programa, coube ao Ministério do Planejamento, com auxílio da Secretaria-Geral da Presidência da República. Antes do anúncio, a MP foi detalhada para as lideranças sindicais.

- É um projeto ganha-ganha. Ganham os trabalhadores que mantêm o seu emprego, ganham as empresas que conseguem preservar uma mão de obra qualificada e retornar rapidamente o seu nível de produção, e ganha o governo na medida que assegura o nível de emprego e preserva receitas importantes do ponto de vista fiscal - disse o ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Miguel Rossetto.

Os setores que poderão aderir ao programa serão definidos nos próximos 15 dias por um comitê gestor, formado por vários ministérios. Em princípio qualquer empresa em crise financeira poderá participar, desde que se comprometa em manter os empregos na vigência programa. A adesão poderá ser feita até 31 de dezembro de 2015, por seis meses, prorrogáveis por mais seis. E dependerá negociação com o sindicato da categoria, mediante acordo coletivo.

O FAT vai complementar até 50% do corte salarial, limitados a 65% da parcela do seguro-desemprego (R$ 900,84). Segundo estimativas do governo, quem ganha R$ 2.500, passará a receber R$ 2.125, sendo que a empresa responderá por R$ 1.750 e o governo por R$ 375). Para uma remuneração de R$ 5 mil, o novo contracheque ficará em R$ 4.250, sendo que a firma pagará R$ 3.500 e o governo mais R$ 750. Os cálculos consideram corte de 30%.

O programa se assemelha ao mecanismo do Lay-off, que consiste na suspensão temporária do contrato de trabalho por até cinco meses. Nesse período, os trabalhadores afastados recebem as parcelas do seguro-desemprego.

O professor da Unicamp Claudio Dedecca, especialista em mercado de trabalho, diz que essas medidas são comuns em outros países, mas ele estranha que o FAT para compensar as perdas dos empregados:

- No momento em que o governo faz uma alteração no seguro-desemprego, acreditando que isso ajuda no equilíbrio orçamentário do FAT, toma uma medida que claramente sobrecarrega o fundo, por outro lado.

O problema para o economista é a falta de estratégia de geração de emprego, salário e produtividade. Para ele, o governo toma iniciativas "tópicas, sem um norte, apagando incêndios".

- É só uma reação de um governo com baixa popularidade, com a corda no pescoço, que não pode sofrer um desgaste ainda maior decorrente da deterioração social no país.

O ministro Miguel Rossetto destacou que o programa é mais inteligente (que o Lay-off), porque permite a manutenção do emprego.

- É mais inteligente colocar os recursos públicos para manter os empregos do que financiar o desemprego - disse Rossetto.

Segundo ele atualmente há 20 mil trabalhadores utilizando o sistema do Lay-off.

- Essa medida é melhor do que o Lay-off Porque preserva os empregos - reforçou o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa.

Segundo Barbosa, o programa vai ajudar no ajuste fiscal à medida em que assegura a arrecadação com as receitas previdenciárias, com o imposto de renda e o FGTS.

Para o presidente da Anfavea, Luiz Moan, o programa vem em boa hora, sobretudo para o setor automobilístico:

- É um instrumento fundamental de ultrapassagem de qualquer crise que possa vir - disse.

O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Rafael Marques, disse que a medida anunciada no "olho do furacão" cumpre seu papel e deverá ter grande adesão.

Diretor superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), Fernando Pimentel afirmou que ainda é preciso ter segurança de que como a Justiça vai lidar com pedidos de trabalhadores para recuperar seus salários:

- Essa é uma questão que parece interessante. No entanto, nós não fomos consultados e não conhecemos o teor da MP. É algo que faz sentido num momento de crise, você preservar o funcionário, mas precisamos ver como a Justiça do Trabalho vai encarar, se houve ou não alguma negociação prévia, para que lá na frente não venham ações na Justiça no sentido de recuperar as perdas.

Para José Silvestre, coordenador de Relações Sindicais do Dieese, o programa é melhor do que a política de lay-off , que suspende o contrato de trabalho e o salário fica limitado ao teto do seguro-desemprego. Ele diz que a capacidade de o programa frear as demissões vai depender da adesão das empresas.

- A tendência é que o programa seja implantado mais na indústria e, particularmente, na metalúrgica.

Golpe é o governo que Dilma faz

• Todas as denúncias e revelações que têm vindo a público comprometendo a campanha que reelegeu a presidente e seu vice são emanadas de iniciativas legais e órgãos institucionais

Acuados por todos os lados, por crises de todas as naturezas, Dilma e seu governo decidiram ontem balbuciar uma reação. Entre frenéticas reuniões, uma longa entrevista exclusiva da presidente e uma ordem unida articulada, o grupo no poder sintetizou sua contraofensiva na tentativa de transformar acusações e suspeitas que pesam sobre a petista em "golpismo". Golpe, isto sim, é o governo que Dilma Rousseff faz.

Todas as denúncias e revelações que têm vindo a público comprometendo severamente a campanha que reelegeu a presidente da República e seu vice são emanadas de iniciativas legais e órgãos institucionais, seja o Ministério Público, a Justiça, a Polícia Federal, o TCU ou o TSE, e respeitam rigorosamente os limites constitucionais. Ninguém, nenhum dos adversários do governo, busca chicanas jurídicas para forçar a saída de Dilma do cargo.

São a presidente e seus porta-vozes que tentam nublar o debate, confundir argumentos, falsear realidades. Por exemplo, quando, em entrevista à Folha de S.Paulo publicada hoje, ela busca igualar repasses comprovadamente derivados de negócios escusos na Petrobras transferidos à sua campanha com doações feitas por empresas a adversários sem qualquer ligação com o aparato estatal.

E também quando tenta equiparar as fraudes fiscais cometidas reiteradamente ao longo do seu primeiro mandato com atrasos episódicos que podem ter ocorrido em passado remoto. O que se discute nas chamadas "pedaladas" não são contas que ficaram de um mês para o outro para ser pagas. O que se discute é que o Tesouro tomou dinheiro emprestado de bancos públicos, o que é proibido, o governo maquiou dados e mentiu ao país.

Já a interpretação de nossa principal mandatária sobre leis e instituições é das mais singulares.

À Folha, Dilma diz que "as pessoas caem quando estão dispostas a cair". Não, presidente, as pessoas caem quando fazem coisas erradas, quando afrontam as normas, quando manipulam orçamentos e, em razão disso, são condenadas com base no que preveem as leis e a Constituição. Não é ato de vontade, é ato de direito.

São os fatos, as revelações quase diárias da Operação Lava-Jato, as confirmações dos abusos denunciados pelos adversários da presidente (por todos eles) na campanha de 2014 que estão engrossando o caldo pelo afastamento de Dilma. Não há golpismo, tramoia ou manipulação. Há leis e há a dura realidade. Só na Lava-Jato há depoimentos de cinco diferentes envolvidos apontando uso de dinheiro sujo na campanha de Dilma e seu vice.

Dilma Rousseff é hoje rejeitada por dois de cada três brasileiros e seu afastamento do cargo é visto como desejável pela maioria dos brasileiros - sempre dentro dos estritos limites institucionais - porque ela faz um governo que golpeia os interesses da população, que trai a vontade popular manifestada nas urnas no ano passado e porque se revelou capaz de "fazer o diabo" na campanha para ficar mais quatro anos no cargo. É disso que os brasileiros, que passam longe de ser golpistas, se encheram e ora fortemente repelem.

Merval Pereira - Realidade adversa

- O Globo

A presidente Dilma parece ter levado um choque de realidade diante da convenção nacional do PSDB no domingo, quando o maior partido oposicionista declarou-se preparado para assumir o governo quando necessário, sinalizando claramente a possibilidade de o mandato presidencial ser reduzido em decorrência dos processos que correm no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e no Tribunal de Contas da União (TCU).

Diante da situação adversa que não dá trégua, já existe quem, dentro da teórica base aliada governista, detecte a necessidade de uma repactuação entre os partidos que apoiam o governo, para que se atravesse a crise econômica sem que sua correspondente política gere uma situação de inviabilidade do governo.

O problema maior para a efetivação desse pacto interno é o receio de que já não exista uma recuperação possível para o governo Dilma, e de que quem esteja em sua órbita seja tragado pela crise inexoravelmente. Não existe no momento um clima de boa vontade para a busca de uma negociação do dissenso, para que os estragos sejam minimizados.

Isso porque não há confiança na interlocução entre o PT e os demais partidos da base aliada, que deveria ser comandada pelo chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante - que não tem liderança dentro do PT e, portanto, não é reconhecido como interlocutor confiável.

A decisão da presidente Dilma de apresentar sua defesa ao TCU para os partidos aliados, para que eles possam defender o governo em relação às pedaladas fiscais que foram reprovadas pelo relator de suas contas do último ano do governo, é vista como uma sua primeira reação positiva, apesar de alguns assessores terem sido contrários a essa reunião de emergência no Palácio do Planalto.

Ela pode favorecer a percepção de que o governo está com receio de possíveis sanções, devido à palavra "impeachment" estar na boca de todo o mundo político nos últimos dias. Mas até mesmo os pseudoaliados abriam janelas para uma escapada de emergência caso necessário: "Hoje não tem fato concreto (para o impeachment), mas, se o fato surgir, é outro quadro", afirmou Maurício Quintella Lessa, líder do PR na Câmara, entre os presentes à reunião convocada por Dilma.

Atribui-se à presidente a determinação de defender seu governo "com unhas e dentes", mas, para quem tem uma aprovação de apenas um dígito, e em queda, é difícil encontrar apoio político irreversível, mesmo dentro do PT, teoricamente o seu partido, mas que vive uma situação paradoxal: sua melhor chance de manter o poder é Lula, que se desmoraliza cada dia mais com as investigações das empreiteiras da Lava-Jato.

Para que o ex-presidente tenha chances mínimas de ser competitivo, no entanto, o governo de Dilma precisa dar certo, ou ele tem que se afastar dela a tal ponto que convença o eleitor comum de que não tem nada a ver com o que aconteceu.

Mas o governo Dilma não tem chance de recuperar o fôlego sem apoio político, que ela tenta recuperar. Houve, é verdade, um movimento coordenado de combate à palavra de ordem da convenção do PSDB, classificada de "golpismo" em uníssono por lideranças do PT no Congresso.

E o vice-presidente, potencial beneficiário de uma cassação do mandato de Dilma devido às irregularidades de suas contas detectadas pelo TCU, saiu em sua defesa. O certo é que não haverá nenhum movimento exitoso de impeachment na Câmara sem que o PMDB esteja de acordo, a não ser a decisão do TSE, que independe de aprovação do Congresso, mas que mesmo assim pode ser contestada por meio de recursos ao Supremo Tribunal Federal, como já ocorreu em processos de cassação de governadores.

Há uma tentativa de reação das centrais sindicais e dos movimentos sociais em favor do governo, mas o momento econômico não é propício a defesas definitivas do governo. Tanto que o próprio PT e os sindicatos também criticam o aumento dos juros e o ajuste fiscal atribuído a Levy.

Em contrapartida, a manifestação contra o governo marcada para 16 de agosto poderá, se repetir a dimensão política daquelas já ocorridas, ser certamente fator decisivo para a tomada de posição do Congresso e do PMDB.

Bernardo Mello Franco - Dilma está atrasada

- Folha de S. Paulo

"Eu não vou, eu não vou. O meu recado é claro. Eu não vou cair". As duras declarações de Dilma Rousseff à Folha revelam que a presidente finalmente entendeu que está com a cabeça a prêmio. Não está claro, no entanto, se ela terá tempo e força suficientes para reagir à ofensiva que ameaça derrubá-la.

Dilma está atrasada. Enquanto passeava de bicicleta por Brasília, os adversários se aproximaram perigosamente do palácio. O PMDB, que sustenta a coalizão governista, voltou a sabotá-la. O PSDB, que lidera a oposição oficial, passou a falar abertamente em encurtar seu mandato.

A situação tomou contornos dramáticos na última semana. O vice Michel Temer ameaçou devolver a coordenação política, e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ensaiou abandonar o cargo. O Planalto conseguiu desarmar as duas bombas, mas não apresentou um plano objetivo para tirar a presidente do buraco.

Dilma começou a esboçá-lo nesta segunda, em duas reuniões para mobilizar a tropa. Entretanto, o gesto para romper o isolamento pode vir tarde demais. O PMDB segue as ordens dos incendiários Renan Calheiros e Eduardo Cunha, que conspiram abertamente contra a presidente. O PSD de Gilberto Kassab tem ajudado a derrotar o governo em temas importantes, como a maioridade penal.
Acuada, Dilma parece apostar apenas na própria biografia para se defender. Na entrevista a Maria Cristina Frias, Valdo Cruz e Natuza Nery, voltou a citar sua capacidade de resistência, testada nas prisões da ditadura. "As pessoas caem quando estão dispostas a cair. Não estou", disse. "Não tem base para eu cair. E venha tentar, venha tentar", desafiou.

Para aliados próximos, só a vontade pessoal não salvará a presidente. Nesta segunda, ela foi estimulada a atuar nos bastidores para evitar a rejeição de suas contas no TCU e no Tribunal Superior Eleitoral. Peemedebistas e tucanos tentam influenciar as duas cortes há semanas para tentar apeá-la do poder.

Luiz Carlos Azedo - Chame o Lula!

- Correio Braziliense

• O povo assiste “bestificado” à alta da inflação, ao desemprego e ao escândalo da Petrobras. Mas há uma grande manifestação “Fora, Dilma!” convocada pelas redes sociais

A presidente Dilma Rousseff convocou ontem uma reunião de líderes e presidentes de partidos da base aliada para uma demonstração de que não existe uma crise política, muito menos a sua iminente deposição por uma conspiração envolvendo líderes da base aliada e da oposição, como foi amplamente especulado no fim de semana.

Pela manhã, reuniu a coordenação de governo e escalou o vice-presidente Michel Temer para dar uma inédita entrevista coletiva no Palácio do Planalto, cuja principal afirmação foi a seguinte: “Não temos crise política, porque significaria o fato de o governo não ter apoio do Congresso Nacional. (…) Vocês veem que temos tido apoio do Congresso”, disse. “Brincadeira!”, diria o falecido Bussunda.

Segundo Temer, tanto a Câmara quanto o Senado aprovaram as medidas provisórias que compõem o ajuste fiscal, proposto pelo Executivo para reduzir gastos e reequilibrar as contas da União. “Eu faço distinção do interior da palavra crise, que é usada muito genericamente, quando tem crise econômica, crise política. O que não se quer é crise institucional”, disse o vice-presidente.

Nada disso impediu que, nos bastidores do Congresso, circulasse a estória de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estaria se preparando para assumir a Casa Civil e Temer, a pasta da Justiça, no lugar do petista José Eduardo Cardozo. Boatos são cada vez mais frequentes em Brasília.

Políticos do primeiro time costumam ser ardilosos, estrategistas, dissimulados e frios. Michel Temer encabeça a lista de caciques do PMDB com esse perfil. Não costuma cair com o barulho das balas, nem dá ponto sem nó. Hoje, é o principal fiador do que ainda resta de governabilidade para Dilma Rousseff.

Não foi muito diferente o comportamento de outros vices que assumiram a Presidência, como Café Filho (PSP), após o suicídio de Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954, e Itamar Franco, com a renúncia de Fernando Collor de Mello, em 2 de outubro de 1992, antes de o Congresso aprovar seu impeachment. Em ambos os casos, houve muito povo na rua.

Duas táticas
Por enquanto, apesar das manifestações de junho de 2013 e de 15 de março deste ano, o povo assiste “bestificado” à alta da inflação, ao desemprego e ao escândalo da Petrobras. Mas há uma grande manifestação “Fora, Dilma!” convocada pelas redes sociais para 16 de agosto, que pode ser engrossada pelos partidos de oposição. E existe, de fato, uma ampla articulação política para que o vice Michel Temer assuma o poder, no lugar de Dilma Rousseff, que já conta com a simpatia de setores importantes do empresariado e do Congresso.

Os líderes do PMDB tentam convencer Temer de que não há outra alternativa, porque a petista não teria mais condições políticas de liderar o país. Argumentam que a presidente chegou a um ponto sem retorno em termos de desaprovação popular e perda de credibilidade. O impeachment de Dilma pelo Congresso dependeria da rejeição de suas contas de 2014 pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e de uma condenação das “pedaladas fiscais” no atual mandato, o que configuraria crime de responsabilidade.

A oposição ganhou força porque o PT se opõe cada vez mais ao ajuste do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e o PMDB resolveu mitigar as medidas do arrocho fiscal. Com isso, a situação da economia se agravou. Além disso, as investigações da Lava-Jato atingiram o Palácio do Planalto, abalando ainda mais a imagem da presidente da República. Não há, porém, unanimidade quanto ao impeachment.

O PSDB aposta na impugnação da eleição de Dilma Rousseff por abuso de poder econômico e financiamento ilegal de campanha, uma vez que as contas de campanha de Dilma Rousseff ainda não foram aprovadas e serão julgadas brevemente, em meio às denúncias de que teria recebido dinheiro sujo da corrupção na Petrobras. Nesse caso, novas eleições teriam que ser convocadas, no prazo de 60 dias, com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), assumindo o governo provisoriamente.

Essa proposta é criticada por setores do establishment, que temem as incertezas de uma eleição disputada a toque de caixa por Aécio Neves (PSDB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Marina Silva (Rede). Preferem que Temer assuma e forme um governo de salvação nacional, sem os petistas, para enfrentar a crise e conduzir o país até as eleições presidenciais de 2018.

Diante dessas articulações, a presidente Dilma Rousseff resolveu reforçar a articulação política com os ministros Gilberto Kassab (Cidades), do PSD; Aldo Rebelo (Ciência e Tecnologia), do PCdoB; e Jaques Wagner (Defesa), do PT; além do líder do governo no Senado, o senador Delcídio Amaral (PT). Só falta mesmo convocar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que também ficaria blindado em relação ao juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, o ferrabrás da Operação Lava-Jato.

Nelson Rojas de Carvalho - Antologia das crises presidenciais

- Valor Econômico

• Brasil caminha na contramão do continente

Como sabem politólogos e constitucionalistas, ao contrário da dinâmica dos sistemas parlamentares, onde os governos se fazem e refazem ao sabor do alinhamento das forças legislativas do dia, no presidencialismo confere-se ao chefe do executivo a certeza de mandato fixo; mandato forte, suavizado pelo mecanismo do controle mútuo entre os poderes. Muito embora os chefes de governo em nosso continente gozem dessa certeza constitucional, a dinâmica política na América do Sul com frequência tem tornado letra morta o que consiste em cláusula central dos regimes presidencialistas.

De fato, nas últimas três décadas, em sete países sul-americanos, nada menos do que 12 presidentes tiveram seus mandatos interrompidos: os argentinos Raul Alfonsín (1989) e Fernando de la Rúa (2001), o brasileiro Collor de Mello (1992), o venezuelano Carlos Andrés Perez (1993), os equatorianos Abdalá Bucarám (1997), Jamil Mahuad (2000) e Lucio Gutierrez (2005), os paraguaios Raúl Cubas (1999) e Fernando Lugo (2012), o peruano Alberto Fujimori (2000) e os boliviano Sánchez de Lozada (2003) e Carlos Mesa (2005). Se as interrupções de mandato representam pontos traumáticos de inflexão política associados à dinâmica interna de cada país, é possível, no entanto, identificarmos conexões plausíveis entre eventos só na aparência tão díspares.

Como há anos destacou o analista político argentino Rosendo Fraga, as crises políticas que ocorreram na América do Sul entre 1989 e 1997 apresentaram três ingredientes em comum: a interrupção dos mandatos de presidentes eleitos ocorreu com o intervalo médio de dois anos, os chefes de governo lograram atravessar pelo menos metade de seus mandatos e, mais importante, os conflitos se equacionaram por intermédio de mecanismos institucionais - pela entrega antecipada do poder, no caso de Alfonsín, ou pela destituição, nos casos de Collor, Perez e Bucarám. Vale lembrar aqui que essa primeira onda de turbulências no continente recém-democratizado antes de haver sido interpretada como crise, foi lida como uma série de testes a que se viram submetidas às instituições, testes pelos quais teriam passado com louvor: o impeachment de Collor foi então festejado internacionalmente como prova inequívoca do vigor da democracia no Brasil, leitura que se estendeu - em menor medida - ao processo contra Perez e à remoção de Bucarám.

Ora, as crises ocorridas na América do Sul, entre 1999 e 2005 apresentaram traços marcadamente diferenciados daqueles observados na etapa anterior: a interrupção dos mandatos presidenciais se processou com o intervalo médio de menos de um ano, os chefes de governo se viram destituídos do poder antes mesmo de cumprirem a metade dos seus mandatos e, mais grave, os conflitos deixaram de se equacionar pelos canais institucionais; os desfechos foram caóticos, com golpes (Mahuad) ou renúncias presidenciais em ambiente de violência, ingovernabilidade e sublevação das ruas (Cubas, Fujimori, De la Rua e Sánchez de Lozada). Essa segunda etapa de crises do presidencialismo no continente - quando mecanismos institucionais como o legislativo ou o sistema de partidos se mostraram insuficientes para a canalização e equacionamento de conflitos - se acompanhou de descrença na legitimidade das instituições na região. De acordo com pesquisas então realizadas pelo instituto Latinobarômetro, em 2003 não mais de 54% dos sul-americanos apoiavam a democracia.

No que poderia ser identificado como terceiro capítulo do presidencialismo no continente, os chefes de governo eleitos na última década na América do Sul, com a exceção de Fernando Lugo no Paraguai, lograram chegar ao fim de seus respectivos mandatos, em consonância com ditame central dos sistemas presidencialistas: a garantia de mandato fixo ao chefe de governo, independentemente de seu desempenho. Não há como negar que a estabilidade política observada no período coincidiu com um ciclo de crescimento econômico inédito no continente, crescimento que se acompanhou tanto da diminuição dos níveis de pobreza como do apoio crescente às instituições democráticas. Importa aqui assinalarmos que muito embora alterações ocorridas no cenário econômico internacional no último triênio, com o arrefecimento do preço das commodities, tenham reposicionado a taxa de crescimento do continente no seu patamar histórico, nem por isso a América do Sul se aproximou de um quadro recessivo ou de situação de crise político-institucional.

Tanto na economia, como na política o Brasil caminha assim na contramão do continente. A retração econômica e, sobretudo, a grave crise de governabilidade que marcam a conjuntura recolocaram no centro da agenda alternativa política que parecia destinada aos arquivos históricos: o impedimento do chefe do executivo. Limitada inicialmente a um nicho radicalizado e minoritário da oposição e a segmentos extremados de direita, a tese do impeachment hoje ganha terreno não só na sociedade, mas, sobretudo, entre os atores políticos: aglutina o conjunto das oposições e se infiltra na base de sustentação do governo, mais precisamente nas fileiras do PMDB. Como tem ocorrido nos últimos meses, tudo leva a crer que também nesse episódio a posição do PMDB indicará o rumo dos acontecimentos: a eventual renúncia de Michel Temer à coordenação política do governo será lida inevitavelmente como adesão do partido à opção pelo encurtamento do mandato da presidente - alternativa que ganhará então densidade. Caberá nesse caso lembrar que em regimes presidencialistas, na posse caneta, é de competência exclusiva do presidente um último ato: a renúncia ao cargo. Ato que, como sabemos, é seguido de consequências pouco previsíveis para a vida e para os atores políticos.

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Nelson Rojas de Carvalho: é professor da UFRRJ, pesquisador do Observatório das Metrópoles/Ippur/UFRJ