terça-feira, 21 de abril de 2015

Opinião do dia – Denise Frossard

Partindo da definição do que é uma organização criminosa, que ela se espelha em uma empresa onde o objetivo é o lucro e ela tem vários atores que atuam em várias partes com esse fim comum, podemos dizer que se trata de uma organização. Até 2004, quando se descobriu o mensalão, nós só tínhamos organizações criminosas a partir dos bicheiros que foram declarados como uma organização criminosa por sentença, inclusive foi a primeira vez que o Judiciário se manifestou a esse respeito e verificou que ali havia uma organização criminosa nos moldes mafiosos, armada e etc. e tal. Qual foi minha surpresa negativa, e eu estava no Congresso nessa época, eu era deputada federal, quando na investigação do mensalão, e isso está gravado nos anais, eu disse que tínhamos ali uma organização criminosa. Eu vi nitidamente isso, com minha experiência de juíza criminal. E pior, a partir do Governo, a partir de uma estrutura partidária, tomando outros partidos e acabaram por obter um alcance de dinheiro público e privado, e não interessa para que fins, a questão é que e que era ilícito e dentro de uma estrutura completamente organizada, tinha o que arregimentava, o que pagava, o que distribuía. Então era nítido que se tratava de uma organização criminosa e surpreendentemente instalada dentro e a partir do próprio Governo.

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Denise Frossard, juíza aposentada, ex-deputada federal, em entrevista para revista Democracia Sempre (PPS/RJ), Abril/Maio,2015

Trinta anos sem Tancredo, o fiel da transição

Trinta anos sem Tancredo

Primeiro presidente civil eleito após o golpe de 64, Tancredo neves viveu um drama que paralisou o país durante cinco semanas, após ser internado de emergência na véspera da posse. no aniversário de sua morte, hoje, o globo publica artigos de analistas, sobre a importância do político mineiro, e de quem presenciou de perto sua agonia durante a internação. vice de Tancredo, José Sarney lembra como foi instado por Ulysses Guimarães a assumir o cargo, para garantir a transição democrática

Ator dos principais fatos históricos dos últimos 60 anos

Jorge Bastos Moreno – O Globo

Despedida. O caixão com o corpo de Tancredo deixa o Palácio do Planalto, seguido por um cortejo com Sarney e a viúva, Risoleta Neves, à frente: internado na véspera da posse, o presidente eleito morreu após 5 semanas que pararam o país

De todos os principais fatos da História do Brasil dos últimos 60 anos, Tancredo Neves só esteve ausente de dois: o do primeiro impeachment de um presidente da República e o da eleição do primeiro operário no cargo máximo da República. No da sua posse, que não houve, participou, literalmente, de corpo presente, como protagonista de um dos episódios de maior comoção popular da nossa História.

Aos 37 anos, como ministro da Justiça, Tancredo viu Getúlio Vargas agonizando nos seus braços e no da filha Alzira Vargas, numa cena descrita por ele a mim, em entrevista, com requintes cinematográficos:

- Getúlio morreu nos meus braços e de sua filha Alzira. Quando entramos no seu quarto, cenário da traumatizante tragédia, ainda o encontramos com vida, com o seu corpo pendente em parte para fora do leito. Estava agonizando. Do seu coração jorrava intenso jato de sangue. Acomodamo-lo na cama, quando ele lançou um olhar circunvagante à procura de alguém. Por fim, fixou em Alzira e expirou. Até hoje, não consigo me libertar da profunda emoção e do terrível impacto dessa inesquecível ocorrência.

Tancredo Neves, em outro importante episódio da História do país, para garantir a posse de João Goulart na Presidência da República, com a renúncia de Jânio Quadros, assumiu o cargo de primeiro-ministro do governo parlamentarista, criado às pressas para resolver a crise. Depois, com a eclosão do golpe militar, como líder do governo deposto, tentou impedir a decretação da vacância do cargo ocupado pelo próprio Jango. Como deputado federal, tentou impedir, também sem êxito, o fechamento, por duas vezes, do Congresso Nacional. Apesar de ameaçado várias vezes de perder o mandato, sobreviveu à ditadura e, junto com Ulysses Guimarães, escreveu a História do MDB/PMDB.

Como repórter, cobri várias missões políticas de Tancredo, principalmente a sua campanha pelo colégio eleitoral e a sua viagem ao exterior, como presidente eleito, sua agonia e morte.

Tive várias conversas com Tancredo sobre todos esses episódios. Muitas dessas conversas foram em formas de entrevistas ou matérias em "off". Agora, nos 30 anos de sua morte, decido tornar pública uma dessas conversas, publicada como matéria de texto corrido, em off , no "Jornal de Brasília", onde iniciei minha carreira profissional.

A conversa foi sobre a cassação de Juscelino Kubitschek:

A cassação de Juscelino surpreendeu a todos, parece que menos ao senhor. É verdade?

É a mais pura verdade. É uma história muito triste, pois, para explicar por que essa cassação não me surpreendeu, preciso revelar fatos que preferia mantê-los na mais absoluta discrição. No gestão do presidente Juscelino, (Carlos) Lacerda fez uma enorme campanha difamatória contra o governo junto às Forças Armadas. Preocupado com esses fatos, o presidente incumbiu-me a missão de desfazer essas intrigas junto à Escola Superior de Guerra.

E o senhor conseguiu realizar essa missão?

Tive esse êxito, mas graças ao seu diretor do centro de estudos, Humberto de Alencar Castelo Branco, de quem acabei ficando muito amigo, nessa ocasião.

Mas o senhor acabou não votando em Castelo para presidente, não é?

Mesmo se quisesse, estava moralmente impedido. Eu era líder do governo deposto. Voltando aos fatos, tempos depois saiu a aguardada lista de promoções do Exército. Havia boatos de que, influenciado pelo ministro da Guerra, marechal Lott, inimigo de Castelo, Juscelino não o promoveria e o mandaria para a reserva. Diante dessa ameaça, fui ao encontro do presidente e verifiquei que, de fato, o nome de Castelo não estava na lista.

E o que o senhor fez?

Perguntei-lhe o motivo, e o presidente não se fez de rogado: "O Lott me disse que Castelo é um golpista, mau-caráter e filho da puta!" Não me contive e, com todo o respeito, disse-lhe que estava sendo injusto com o militar, que o ajudara a desfazer as intrigas de Lacerda junto às Forças Armadas. Cheguei a dizer: "Presidente, o senhor tem uma dívida de gratidão com o Castelo, e essa gratidão tem que ser expressada agora com a sua promoção".

E qual foi a reação de Juscelino?

Ato contínuo, pediu ao ajudante-de-ordem para que este colocasse Castelo do outro lado da linha. E Juscelino já o recebeu saudando como titular do novo posto. Suspirei aliviado, achando que o episódio estava encerrado. Ledo engano, os desdobramentos viriam mais tarde.

Como assim?

Na noite desse mesmo dia, quando Castelo comemorava a promoção com amigos, um companheiro de farda estragou a festa: "Essa promoção foi conseguida às duras penas. Se não fosse o Tancredo, o presidente não a teria assinado".

Como esse militar ficou sabendo disso?

Só estavam três pessoas no gabinete presidencial: o próprio presidente, eu e o ajudante-de-ordem. Tire suas próprias conclusões.

E como ocorreram esses desdobramentos?

Vitorioso o movimento de 64, Castelo sendo indicado à Presidência, Juscelino e ele tiveram um encontro na casa de Joaquim Ramos, no Rio. Nessa ocasião, Juscelino já estava propenso a votar em Castelo, e ouviu deste a promessa de que não alteraria o processo eleitoral e que, ao final de um provisório mandato, promoveria a realização de eleições diretas. Embora até hoje ninguém confirme esse fato, Castelo teria insinuado apoio à candidatura de Juscelino à sua sucessão.

E Juscelino?

Parece que não esboçou a menor reação a essa possibilidade, mas garantiu seu apoio à eleição de Castelo. Esse contato fez com que ele, em nenhum momento, pensasse que viria a ser cassado por aquele a quem havia hipotecado apoio, juntamente com a maioria da bancada do PSD. Nem às vésperas da cassação.

E como ele ficou sabendo?

Foi surpreendido pelos acontecimentos, embora eu o tivesse avisado.

Como o senhor ficou sabendo?

Por uma deferência do próprio Castelo. Ele me chamou para avisar sobre a consumação daquele ato e me pediu que levasse essa triste notícia para Juscelino. Fui imediatamente ao sítio do presidente Juscelino em Luziânia, onde ele se encontrava reunido com um grupo de amigos, entre eles o poeta Augusto Frederico Schmidt, que praticamente quase me expulsou do local: "Estive ontem com Castelo, e ele me disse que sua mão secaria, mas que ele jamais assinaria a cassação de Juscelino". No dia seguinte, "A Voz do Brasil" confirmou a minha informação.

Por que então Castelo mudou de ideia?

Apesar de ele nunca ter me dito, sempre achei que a participação de Castelo não foi uma decisão da sua vontade, mas um ato que lhe foi imposto por injunções inevitáveis da revolução. E isso está muito claro na justificativa do ato dessa cassação.

E como entra o episódio da promoção nessa história?

Nada me tira da cabeça o sentimento de que o marechal só me comunicou a cassação de Juscelino por conta da minha intervenção na sua promoção e pela atitude de Juscelino de não ter atendido seu próprio ministro da Guerra, que não queria essa promoção.

O Castelo, nem indiretamente, comentou esse episódio com o senhor?

Nunca! Estive com ele, inclusive, dias antes do trágico acidente que o vitimou, conversamos sobre vários assuntos, mas nada sobre essa promoção.

Calvário e glória - José Sarney

- O Globo

21 de abril de 1985
Era o fim do longo martírio de Tancredo Neves. Ouvia-se, no silêncio do tempo, o choro da nação inteira, que acompanhara os 38 dias de suplício que ele atravessara, desde aquela noite de 14 de março, chamada por José Augusto Ribeiro, na sua notável biografia de Tancredo Neves, de "A noite do destino".

15 de março de 1985
À 1h10m da madrugada, faltando nove horas para sua posse no Congresso, o doutor Pinheiro da Rocha começa a abrir o abdômen de Tancredo Neves. Ele tinha aceito ser operado pela iminência de morte, cianótico, com tremores, febre, taquicardia que chegara a 170 batidas por minuto. Quando o cirurgião abre a cavidade abdominal desaparece o diagnóstico: não era apendicite supurada. Comemora-se na sala de operação.

Pinheiro da Rocha acha um tumor benigno, "um leiomioma pedunculado necrosado em abcesso, a cerca de 50 cm da válvula ilíaca". Remove-se o tumor. É uma operação difícil. Quinze vezes tenta o anestesista introduzir uma sonda gástrica. A pressão e os batimentos cardíacos de Tancredo oscilam. Sofre muito. Tem uma paralisia respiratória: "dispneia intensa e progressiva, grande agitação para respirar". Faz um edema pulmonar agudo, começa a entrar em choque. Os doutores Rocha e Renault, chamados, voltam correndo. Falavam à imprensa que a operação fora um sucesso. Os anestesistas lutam desesperadamente para recuperá-lo. Ele ressuscita. Irmã Ester, irmã de Tancredo, diz a Dornelles: "Tancredo morre."

Hoje se sabem detalhes de tudo. Naquela noite e madrugada, ninguém sabia de nada, a não ser que tudo correra bem.

14 de Março de 1985
Ninguém está preparado para essa cilada da História. Brasília é só festa pela volta da democracia, luzes e alegria. A realidade imita a ficção. Chego às 22h30m ao Hospital de Base, onde Tancredo já está internado. Lá encontro Ulysses. Tenho os olhos marejados. Rasga-me a alma o sofrimento de Tancredo. Ulysses me desperta ríspido: "Sarney, não é hora de sentimentalismos. Nossa luta não pode morrer na praia. Temos de tomar decisões. Você assume amanhã, como manda a Constituição, na interinidade do Tancredo." "Não, Ulysses, assume você. Só assumo com Tancredo." "Você não pode acrescentar problemas aos que estamos vivendo. É a democracia que temos de salvar." Saímos ao corredor. Grande aglomeração. Não se discute a tragédia de Tancredo. Discute-se o Poder. Ulysses articula a parte política. A área militar contrária à abertura tenta mobilizar-se.

Figueiredo não aceita que eu assuma. Walter Pires ensaia voltar ao Ministério do Exército, e Leitão de Abreu - cujo papel até hoje é minimizado - é o equilíbrio, o bom senso que evita o desastre.

O Supremo Tribunal Federal reúne-se secretamente para decidir quem assume e resolve, contra os votos dos ministros Sydney Sanches e Galloti, que deve ser o vice eleito.

A História do Brasil está em erupção naquela noite de medos entre perplexidades e improvisações. A Mesa do Congresso decide pela minha posse. Há resistências. Eu, em estado de comoção e depressão, estou em casa e de nada sei. Leônidas e Fragelli, às 3h da manhã, me dizem ao telefone: "Boa noite, presidente." "Não quero assumir." Leônidas: "Não temos mais espaços para erros. Boa noite, presidente." O golpe ronda. A desorientação também.

Sabe Deus o que me esperava. Mas realizei a transição e nasceu a Constituição de 88, criamos uma sociedade democrática e venci 12 mil greves. A democracia não morreu em minhas mãos.

Dia 21 de abril de 1985, há 30 anos
Incor, 22h24m. Em torno do leito de Tancredo mártir, dona Risoleta, Tancredo Augusto e esposa, Inez Maria, Maria do Carmo, Aécio, Andrea, Angela e Irmã Ester. A máquina da vida começa a desmontar-se. Sua alma liberta-se do corpo e segura na mão de Deus. Cinco minutos depois, Mauro Sales avisa-me. Choro compungido e dobro os joelhos em oração. Vejo a certeza de todas as incertezas. Afonso Arinos proclama: "Muitos deram a vida pelo Brasil, Tancredo deu a morte."

Do seu sofrimento surgiram estes 30 anos de paz e de consolidação da democracia no país. É Tancredo a inspiração destas três décadas. Na eternidade junta-se a Tiradentes.

O governo que não foi - Ricardo Noblat

• Ulysses e Tancredo tocavam de ouvido e garantiram Sarney com vice

- O Globo

Em um dia qualquer de julho de 1984, no seu apartamento do Bloco D, Quadra 709 Sul, em Brasília, o senador Marco Maciel (PE), um dos líderes da dissidência do PDS, partido da ditadura militar instalada no país há mais de 20 anos, recebia amigos e companheiros de aventura que haviam decidido apoiar a candidatura a presidente da República de Tancredo Neves, 74 anos de idade, então governador de Minas Gerais.

A reunião no apartamento de Maciel serviria para sacramentar a candidatura a vice na chapa de Tancredo do senador José Sarney (MA), 54 anos, que renunciara, fazia pouco tempo, à presidência do partido da ditadura. Estavam ali, entre outros, os senadores Jorge Bornhausen (PDS-SC), Guilherme Palmeira (PMDB-AL) e Affonso Camargo (PMDB-PR). A campainha do apartamento soou e Everardo Maciel, economista amigo do anfitrião, foi abrir a porta.

O cheiro do fumo de cachimbo denunciou a entrada do senador Pedro Simon (PMDB-RS). Saudado pelos demais, Simon, que era muito ligado a Ulysses, derramou-se numa poltrona, cruzou os braços atrás da cabeça e anunciou em voz alta: "Temos problemas. É que no Rio Grande do Sul, achamos que Sarney é corrupto". Nem bem ele terminou de falar, Sarney levantou-se e gritou: "Renuncio, indignado, à minha candidatura".

O sempre calmo Maciel, dessa vez aflito, socorreu Sarney: "Minha solidariedade, minha solidariedade". Os demais senadores fizeram o mesmo. Espantado ou se fingindo que estava, Simon perguntou: "Fiz alguma coisa errada?" O estrago que ele fez só foi consertado depois de mais três ou quatro horas de reunião, e de se apelar por telefone a Tancredo e a Ulysses Guimarães, presidente do PMDB, que estavam na cidade. Sarney foi embora da reunião como vice de Tancredo.

Ulysses e Tancredo tocavam de ouvido. E, por sabedoria, às vezes desafinavam. Ulysses e Sarney, jamais. Atravessaram brigando o governo de Sarney. A todo o momento, Ulysses provocava Sarney para testá-lo. Até que ponto Sarney seria fiel à herança de Tancredo? Ou ele acabaria por traí-la quando se sentisse mais forte no cargo? No primeiro ano de governo, Sarney arranjou-se com os ministros escalados por Tancredo. No segundo ano, com os seus.

Um dos primeiros ministros a sair foi Francisco Dornelles, da Fazenda, sobrinho de Tancredo e homem da confiança dele. Tancredo dizia: "Meu primeiro decreto terá um único artigo dizendo assim: "É proibido gastar"". Queria dizer com isso que faria um governo austero, preocupado com o equilíbrio das contas públicas. Embora não fosse economista, Tancredo gostava de economia.

Por fraqueza política, forçado pelo PMDB de Ulysses a mostrar serviço, Sarney substituiu no Ministério da Fazenda o ortodoxo Dornelles pelo heterodoxo Dílson Funaro. E aí aconteceram fatos que jamais ocorreriam com Tancredo. O Plano Cruzado, por exemplo, que congelou preços e salários. Ele fez de Sarney um deus reverenciado pela maioria dos brasileiros, e deu ao PMDB sua maior vitória nas eleições de 1986 para os governos estaduais.

O Plano Cruzado 2, que arquivou o congelamento, foi um desastre que empurrou a popularidade de Sarney para baixo e a inflação para cima. Sarney, mais tarde, deixaria o governo com uma inflação mensal (eu disse: mensal) de 80%. Este ano, a inflação anual (eu disse: anual) ficará em torno dos 8%. A esquerda delirou quando Sarney decretou a moratória da dívida externa. Deu errado. Não tinha como dar certo. Tancredo deve ter-se revirado em seu túmulo.

Uma coisa que Tancredo faria, Sarney fez: a legalização dos partidos comunistas. Acuado por Ulysses, Sarney concordou com a instalação da Assembleia Nacional Constituinte para remover "o entulho autoritário", o conjunto de leis promulgadas pela ditadura. Não haveria hipótese de Tancredo bancar uma Constituinte "livre e soberana". No máximo, encaminharia ao Congresso uma proposta conservadora de reforma da Constituição.

Nada de turbulências, repetia Tancredo. Paz e democracia. Mário Henrique Simonsen, ministro da Fazenda de Ernesto Geisel, o penúltimo presidente da ditadura de 64, costumava alertar: "Cuidado! Não se metam com emendas à Constituição porque elas não concedem o direito de veto ao presidente". A Constituição parida pela Constituinte reduziu o mandato original de seis anos de Sarney para cinco. Poderia ter sido pior.

O PMDB ameaçou aprovar o mandato de quatro anos. Sarney avisou aos partidos por meio do seu ministro da Justiça, Paulo Brossard, que se assim fosse renunciaria ao mandato. Não bastou. Ele então usou os ministros militares para assustar os constituintes. O risco de um golpe bastou. Sarney governou por cinco anos. Nada ganhou a mais com isso. Desceu a rampa do Palácio do Planalto acenando com um lenço branco para as poucas pessoas reunidas ali por perto.

'Não há pátria onde falta democracia', nos ensinou - Aécio Neves

- O Globo

Há 30 anos, sob o trauma e a tristeza da doença e morte de Tancredo Neves, o Brasil se despedia de uma longa temporada nas trevas da ditadura para iniciar a sua caminhada rumo à redemocratização. A agonia de Tancredo, que estava destinado a ser o primeiro civil a tomar posse como presidente após os governos militares, marcou profundamente aquele tempo de esperança.

Ao longo das três últimas décadas, o país se modernizou, avançou na consolidação de suas instituições, realizou eleições livres periódicas, cultivou a liberdade de imprensa e aprimorou a garantia dos direitos civis. A partir do controle da inflação e do Plano Real, promoveu programas para enfrentar problemas sociais históricos e desenhou uma nação emergente de enorme potencial. Lamentavelmente, muitas dessas conquistas encontram-se hoje na berlinda, ameaçadas pela inépcia, a corrupção e a miopia política de um governo que, imerso em erros colossais, agoniza em praça pública.

No momento de tensões acirradas, no qual o governo mostra-se perplexo e sem rumo, a figura de Tancredo se agiganta como um símbolo da verdadeira política protagonista da vida nacional. Não foram poucas e nem pequenas as crises vividas por Tancredo ao longo de sua trajetória pública. Em todas, ele agiu sem trair os princípios e valores nos quais cunhou uma biografia de retidão, integridade e coerência. De forma exemplar, ele mostrou que conciliação e firmeza não eram posturas antagônicas, muito ao contrário.

A sua capacidade de construir pontes de diálogo, com atuação reconhecida nos bastidores, se escudava, no entanto, em algo insubstituível para um político da sua estirpe: a leitura atenta das ruas e do sentimento popular. Exatamente o que está ausente hoje nas tramas palacianas, cegas ao clamor popular. Na crença de que o povo deve ser eternamente grato às benesses que teriam sido promovidas pelo PT nos últimos 12 anos, o partido governista se descolou da realidade. Perdeu a conexão com essa mesma rua que as suas primeiras lideranças percorreram nos embates pela construção da democracia. Agora, preferem separar o país entre elite e pobres, inventando um discurso rasteiro que acirra preconceitos, ódios e intolerâncias.

Quanto mais se assiste ao esforço desatinado deste grupo para se manter no poder, custe o que custar ao país, mais ressoam como dissonantes e atuais as palavras que Tancredo deixou escritas no discurso preparado para a posse de 15 de março de 1985: "Não chegamos ao poder com o propósito de submeter a nação a um projeto, mas com o de lutar para que ela reassuma, pela soberania do povo, o pleno controle sobre o Estado. A isso chamamos democracia". À democracia sonhada pelo líder inconteste devemos respeito e reverência. Cumpre aperfeiçoá-la, jamais agredi-la.

O compromisso com os valores democráticos deve ser renovado continuamente, especialmente nos momentos mais críticos. Vivemos um período delicado, de apreensão e desencanto, no qual as lideranças governistas tentam construir uma realidade fantasiosa, ainda assim incapaz de encobrir a profundidade e alcance da crise a que fomos submetidos. O exercício da democracia não admite inverdades e omissões. "Não há pátria onde falta democracia", já nos ensinara Tancredo.

O discurso do poder é sempre frágil quando se distancia do debate público e da exposição e compartilhamento transparente de ideias. Sustentadas na mentira e na leitura equivocada da realidade, as palavras perdem o seu significado. Tornam-se o retrato triste da escassez da coragem e da humildade, atributos sempre louváveis em tempos adversos.

Mais que nunca, o país anseia por credibilidade. Não há incompatibilidade entre um necessário ajuste fiscal e a manutenção do compromisso social, mas fazê-lo exige uma governança responsável e corajosa. Exige transparência, palavra a ser resgatada na arena pública. Transparência combina com democracia. Combina com o Brasil que nasceu quando reconquistamos a cidadania, tão duramente atingida no período militar.

A democracia é um patrimônio da sociedade brasileira, inegociável. Ainda que imperfeita, é a única garantia de que todas as vozes podem e devem ser ouvidas. A nação tem motivos de sobra para se orgulhar de tudo o que foi feito desde que iniciamos o ciclo histórico de retomada plena do Estado de Direito. E, em nome da nossa memória histórica e afetiva, é justo que, no momento em que celebramos os 30 anos de reencontro do país com a democracia, nos recordemos de todos aqueles bravos brasileiros e saudemos aquele que entregou a sua vida a esta causa.

Tancredo, o corpo político - Merval Pereira

- O Globo

A tese de que Tancredo Neves, assim como Getúlio Vargas, fez política com seu próprio corpo, defendida pelo ex-porta-voz Antonio Brito utilizando-se dos dotes de jornalista e político, dá bem a dimensão do sacrifício desse homem, que sempre pautou sua atuação política pela defesa dos princípios democráticos.

Getúlio saiu da vida para entrar na História com a reação radical e dramática do tiro no peito contra os adversários. Tancredo, temendo que sua ausência, mesmo temporária, prejudicasse a transição do regime militar para o que chamou de Nova República, forçou o corpo até seu limite máximo, não conseguiu assumir a Presidência da República, mas garantiu a transição para um governo civil utilizando-se do colégio eleitoral, um instrumento da ditadura para eleger o presidente da República de maneira indireta e controlada.

Sua morte produziu uma das mais belas páginas de nossa História recente, com o povo nas ruas lamentando o governo que poderia ter sido e não foi. Difícil dizer se Tancredo seria o grande presidente de que o país necessitava, ou se seu projeto de governo daria certo. O certo é que ele reunia todas as condições para ser bem-sucedido.

Conciliador, nunca deixou de assumir atitudes firmes, quando precisava. Segundo ele, um político "não pode cometer temeridades, mas tem o dever de correr riscos". E ele correu: na reunião ministerial do Palácio do Catete, pouco antes do suicídio de Vargas, defendeu a resistência. Discursou nos enterros tanto de Getúlio quanto de Jango; acompanhou Juscelino quando o ex-presidente, cassado, teve que depor em quartéis do Exército.

Criou o PP para marcar o caráter conciliador de sua política, mas retornou ao PMDB quando o governo militar ditou novas regras eleitorais que prejudicavam a oposição dividida. Foi o único do PSD a não votar em Castelo Branco para presidente, ele que o havia promovido a general a pedido de uma parente quando era primeiro-ministro, e por isso não foi cassado após o golpe militar.

Não é razoável comparar homens notáveis em seu tempo com os de outros tempos e costumes, mas é inegável que fazem falta hoje os tancredos, os ulysses, os thales, os petrônios, que tinham a noção da História e atuavam na política de olho nela, do ponto de vista pessoal mas, sobretudo, do próprio país.

A Nova República veio aos trancos e barrancos até aqui. Não há mais o perigo do golpe militar que Tancredo Neves temia tanto que se descuidou do corpo. Os poucos que pedem a volta dos militares nas manifestações de rua são desimportantes no atual cenário. Passamos pelo período mais longo de democracia de nossa História recente, e as disputas políticas se travam dentro das regras democráticas, ficando os golpes restritos à retórica política.

Já relatei um exemplo pessoal da sua argúcia política, da sutileza com que travava a luta política, e vale a pena relembrar o caso.

Dias após o atentado do Riocentro, ocorrido em 1º de maio de 1981, eu, que escrevia a coluna da página 2 do GLOBO "Política Hoje Amanhã", passava a semana em Brasília e, no dia 4, peguei o voo pela manhã, tendo como companhia o senador Tancredo Neves, que vinha de um encontro com o então governador do Rio, Chagas Freitas.

Fomos conversando sobre a gravidade dos acontecimentos até que, como quem não quer nada, Tancredo comentou: "Homem corajoso esse Chagas. O relatório oficial da polícia confirma que havia mais duas bombas no Puma".

Dito isso, mudou o rumo da conversa com a autoridade de quem não queria se aprofundar no assunto.

A informação era simplesmente bombástica, sem trocadilho: se no Puma dirigido pelo capitão Wilson Machado havia outras bombas, ficava demonstrado que ele e o sargento Guilherme Pereira do Rosário eram os responsáveis pelo atentado, e não vítimas, como a versão oficial alegava.

Telefonei para a redação do GLOBO no Rio dando a notícia para Milton Coelho da Graça, que era o editor-chefe, e ele, empolgado, me disse que fosse para o Congresso tentar tirar mais informações de Tancredo.

No seu gabinete no Senado, Tancredo estava cercado de pessoas, pois o ambiente político estava bastante conturbado.

Consegui puxá-lo para um canto e pedi mais informações "sobre as duas bombas encontradas no Puma".

Tancredo me olhou sério, colocou sua mão em meu ombro e perguntou, como se nunca houvéssemos conversado sobre o assunto: "Você também ouviu falar disso, meu filho?"

Democracia em luto - 30 anos da agonia de Tancredo e do Brasil

• Em 21 de abril de 1985, o País perdia o primeiro presidente civil após 21 anos de ditadura militar

Carlos Eduardo Entini - O Estado de S. Paulo

Um País ansioso para ver o primeiro presidente civil depois de 21 anos de ditadura militar não poderia ter imaginado o pior. Na noite anterior à sua posse, 14 de março de 1985, Tancredo Neves, presidente eleito indiretamente pelo Colégio Eleitoral, não pôde assumir porque foi internado às pressas para tratar de apendicite aguda no Hospital de Base de Brasília. Em seu lugar foi empossado o vice-presidente José Sarney. Durante 38 dias o Brasil acompanhou a agonia de Tancredo Neves. Foram sete cirurgias e uma traqueostomia até sua morte em 21 de abril de 1985.

Do quadro simples de uma apendicite foi revelado, posteriormente, pelo médico chefe da equipe que acompanhou o caso, Henrique Walter Pinotti, que o presidente já chegara ao Hospital de Base com processo infeccioso e que o problema foi agravado por uma infecção hospitalar. Durante os dias que antecederam sua morte, o País viveu entre períodos de alívio e angústia, a maioria deles ditados pelo boletins médicos lidos pelo então porta-voz e secretário de Imprensa do governo, Antônio Brito.

Nos primeiros dias de internação, ninguém poderia imaginar que o quadro se agravaria. As primeiras notícias eram de Tancredo andando pelo quarto, indicando a recuperação. Em 25 de março, após a segunda cirurgia, Pinotti chegou a afirmar que, "se o presidente Tancredo Neves quiser, ele pode assumir já nesta sexta-feira". No mesmo dia, Tancredo fez uma foto com sua mulher, Risoleta.

Mas foi justamente naquele dia que o quadro se agravou. Tancredo sofreu hemorragia e foi levado de Brasília para o Instituto do Coração do Hospital das Clínicas, em São Paulo. Durante o período de internação no IC, as ruas próximas do maior complexo hospitalar da América Latina se transformaram no principal lugar de peregrinação do País. A parte interna do hospital se tornou a sala de espera da República, com a presença de governadores, senadores, deputados, religiosos e outras figuras públicas. Do lado de fora, populares ficavam dia e noite esperando notícias sobre o quadro de saúde do presidente acompanhados pelo batalhão de jornalistas. A agonia de Tancredo e do País se agravou em 12 de abril, quando ele era mantido vivo por aparelhos.

A última esperança foi a chegada do médico americano especialista em doenças respiratórias agudas. Warren Myron Zappol. Seu diagnóstico, em 20 de abril, de certa forma, foi o fim da agonia do País: Tancredo Neves era um paciente terminal.

Doença e morte fizeram de Tancredo um líder popular no fim da ditadura - Clóvis Rossi

• Presidente morto antes da posse adotaria política econômica mais conservadora que Sarney

- Folha de S. Paulo

Só um gênio do realismo mágico, como o escritor Gabriel Garcia Márquez, seria capaz de contar a história da presidência de Tancredo Neves, a que não houve.

Parece pura ficção o fato de que Tancredo, que se gabava de nunca ter tido nem um miserável resfriado, fosse obrigado a baixar ao hospital horas antes de sua posse, para dele sair para outro hospital e, deste, para o cemitério, faz hoje exatos 30 anos.

Aliás, a primeira cirurgia do presidente eleito foi em um cenário de Macondo, a cidade-símbolo do realismo mágico de Garcia Márquez: o hospital ficou lotado, inclusive a sala de cirurgia, de políticos que não deveriam estar presentes.

E os médicos mentiram na primeira nota oficial, ao informar que Tancredo sofrera uma crise de diverticulite, quando, conforme "furo" desta Folha, o presidente tinha um leiomioma, um tumor.

Terminava assim a história do primeiro presidente civil após 21 anos de ditadura. E, como se fosse pouco, Tancredo foi substituído por José Sarney, que, até meses antes, presidia o partido (a Arena) que dera sustentação ao regime militar, aquele que Tancredo deveria sepultar.

Para dar cores ainda mais fortes de realismo mágico, há o fato de que Sarney acabou adotando, em um certo momento, políticas mais à esquerda do que as que o próprio Tancredo faria.

O presidente eleito era um conservador, do que dá prova não só a sua biografia, mas o fato de ter escolhido Francisco Domelles para comandar a economia.

Se já fosse corrente à época, Domelles seria chamado de neoliberal, por ser mais preocupado com o saneamento das contas públicas e com a inflação do que com a questão social.

Não tinha o perfil mais à esquerda dos economistas do PMDB de Tancredo.

Foi a estes, no entanto, que Sarney, ex-Arena, acabou recorrendo, depois de indicar o empresário Dilson Funaro para substituir Domelles.

Rompia, com isso, de uma vez por todas, com o esquema de Tancredo, depois de ter mantido todos os ministros indicados pelo que deveria ter sido presidente.

Nem Tancredo nem Sarney eram políticos de grande popularidade.

Foi a doença, em circunstâncias tão extraordinárias, que fez do presidente eleito mas não empossado um ícone popular.

Sua agonia e seu enterro foram momentos de uma comoção nacional como só se havia visto, antes, no enterro de Juscelino Kubitschek, mineiro como Tancredo, do antigo PSD como Tancredo, mas de uma ousadia muito maior.

Já Sarney ganhou uma aura —de curta duração, é verdade— de herói popular por ter promovido o Plano Cruzado, congelamento de preços que derrubou instantaneamente a inflação, o persistente dragão que carbonizou o prestígio do regime militar.

Por tudo o que se sabe dos planos de Tancredo, ele jamais ousaria adotar um plano tão heterodoxo.
Há até dúvidas se teria de fato convocado uma Assembléia Constituinte, bandeira de seu PMDB e dos outros partidos de oposição ao regime militar.

Mas é inquestionável que Tancredo de Almeida Neves conduziu com notável habilidade, paciência e capacidade de articulação política, a transição para o regime democrático. Pena que não pôde estar presente ao momento histórico que a cristalizaria e que seria a sua posse, a que não houve.

O fato igualmente inquestionável é que se abriu, naquele ano de 1985, o mais longo período de plena e total vigência das liberdades públicas na história do Brasil.

Falar de impeachment é 'impensável', diz Temer

Impeachment é ‘impensável’ e afetaria ‘tranquilidade institucional’, diz Temer

• Em Portugal, vice-presidente afirmou ainda que relações com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, são 'as melhores possíveis'

Rebeca Kritsch – O Estado de S. Paulo

LISBOA - O vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB), disse nesta segunda-feira, 20, em Lisboa que é "impensável" discutir o impeachment da presidente Dilma Rousseff. "Eu acho impensável, porque nós temos que ter tranquilidade institucional no nosso País", disse o peemedebista. "Não podemos abalar as nossas instituições democráticas falando desse assunto. Volto a dizer: é matéria impensável."

Temer fez as declarações após encerrar o Seminário Empresarial Brasil-Portugal, em que participaram empresários dos dois países. A fala do vice-presidente ocorre em meio à articulação dos partidos da oposição, que se uniram em torno do movimento de impeachment da presidente Dilma, buscando justificativas jurídicas para viabilizar o processo na Câmara dos Deputados.

O vice-presidente disse ainda que suas relações com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), são "as melhores possíveis" e que o correligionário fez uma declaração "extremamente útil" quando disse não cabe a hipótese de impedimento da presidenta da República.

No domingo, ao participar do 14º Fórum de Comandatuba (BA), maior evento empresarial do País, Cunha afirmou que não aceitaria pedido de abertura de processo de impeachment com base em fatos ocorridos no mandato anterior de Dilma.

"Isto (aceitar o pedido de impeachment) é uma tarefa, digamos assim, do PMDB", afirmou Temer. "O PMDB está nessa posição e o Eduardo Cunha está retratando precisamente esta posição."

Além dos líderes peemedebistas, o próprio ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), na contramão da iniciativa dos partidos da oposição de atuar conjuntamente no movimento pela tentativa de destituição da presidente Dilma Rousseff (PT), se manifestou contra o impeachment nesse domingo. "Impeachment não pode ser tese. Quem diz se houve uma razão objetiva é a Justiça e a polícia. Os partidos não podem se antecipar a tudo isso, não faz sentido. É precipitação", afirmou o ex-presidente tucano no Fórum de Comandatuba.

Sabatina. Questionado se o PMDB está unido em relação à aprovação do jurista Luiz Edson Fachin para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal, Temer disse que ele "é um jurista da melhor qualidade" e que "o Senado estará sensibilizado exatamente para as qualificações jurídicas" de Fachin. Em entrevista publicada pelo Estado nesta segunda, o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE), disse não poder garantir previamente a aprovação do nome do jurista na sabatina.

Manifestações. Temer falou ainda sobre as manifestações no País. "O povo, quando vai às ruas, pede melhorias", disse. "O que nós temos de fazer, abertos ao alerta feito pelo povo, é exatamente atender a esses pleitos."

Pela manhã, o vice-presidente foi recebido em audiência pelo Presidente de Portugal, Aníbal Cavaco Silva. A agenda de Temer também inclui um encontro com o Primeiro-Ministro Pedro Passos Coelho, ainda hoje, e uma reunião com o vice-Primeiro-Ministro, Paulo Portas. De Portugal, Temer segue para a Espanha, amanhã, 21, à noite.

Para tucano, 'crime praticado expõe presidente a processo'

• Líder do PSDB no Senado defende endurecimento de discurso contra Dilma com base em parecer do TCU sobre pedaladas

Irany Tereza e Ricardo Brito - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Mais resistente à defesa do impeachment da presidente Dilma Rousseff que os deputados tucanos, a bancada do PSDB no Senado começa a adotar discurso mais duro contra o governo, postura vocalizada pelo líder do partido, Cássio Cunha Lima (PB). Para ele, a decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) de classificar de crime de responsabilidade fiscal as "pedaladas fiscais" do Tesouro, mesmo sem menção ao nome da presidente, é suficiente para pedir o afastamento de Dilma.

"É o crime de responsabilidade que leva ao impeachment. O crime foi praticado e a presidente está, portanto, exposta a um processo de impeachment" disse Cunha Lima, que discorda do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, para quem o impeachment seria "precipitação".

O líder tucano, que em 2008 perdeu o mandato de governador, diz falar com conhecimento de causa. "Fui cassado por um delito eleitoral nas chamadas condutas vedadas e infinitamente menos grave do que está acontecendo em relação às acusações que a presidente Dilma responde."

Por que o sr. considera o impeachment uma possibilidade real? O que mudou?

Para que o impeachment aconteça, precisa de um cenário político e uma realidade jurídica. O cenário político está construído desde março, com as manifestações, com as mentiras colocadas na campanha. Faltava um elemento jurídico, que foi dado pelo Tribunal de Contas da União com a decisão sobre a contabilidade criativa, a pedalada fiscal, que nada mais é do que crime de responsabilidade. E é o crime de responsabilidade que leva ao impeachment. Não há mais o que discutir. O crime foi praticado e a presidente está, portanto, exposta a um processo de impeachment.

O advogado-geral da União, Luís Adams, diz que o sistema de pagamentos era usado desde 2001, no governo FHC. Isso não derruba o argumento de crime?

Não. Traz à tona o argumento de crime continuado. Em vez de ser argumento de defesa, é agravante na situação. Não sei se no governo Fernando Henrique teve, mas se teve, a ilegalidade está praticada. Mas Fernando Henrique não é mais presidente. Ninguém pode "impeachar" um mandato que já foi cumprido.

A postura do PSDB vai mudar?

Acredito que sim. No âmbito da minha liderança no Senado, da liderança da Câmara e da liderança do Congresso, o partido vai intensificar esse enfrentamento em defesa da sociedade e dos brasileiros. Há outro processo que merece atenção: a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, a AIME, que tramita na Justiça Eleitoral, e o próprio TCU já atestou que houve ilegalidade na utilização dos Correios na campanha da presidente. Ali caracteriza abuso de autoridade e de poder político, com punição de cassação do mandato e realização de novas eleições. Seria uma solução menos traumática do que o impeachment, porque se chama novas eleições. E com um detalhe, a possibilidade de o próprio Lula disputar a eleição.

E Aécio Neves também?

Aécio e os outros que queiram. Nada mais consertador para o Brasil a Justiça Eleitoral cumprir a lei num julgamento isento, determinar novas eleições, zerar o processo e termos a chance de construir um futuro melhor. Temos conosco o DEM, o PPS, o Solidariedade e qualquer outro partido brasileiro que queira somar o esforço do PSDB para mudar o Brasil. Eu tive o mandato de governador cassado por muito menos: um jornalista escreveu no jornal estatal A União cinco artigos favoráveis ao governo. Outra razão foi um programa social muito parecido com o Bolsa Família. Por muito menos eu perdi o mandato de governador, então eu falo...

Com autoridade...

Falo com conhecimento de causa. Não fui cassado por improbidade, corrupção, nada. Fui cassado por um delito eleitoral nas chamadas condutas vedadas e infinitamente menos grave do que está acontecendo em relação às acusações que a presidente Dilma responde.

Serra segue FHC e diz que não há motivo para impeachment de Dilma

• Não há irregularidades que deem razão a impeachment, diz José Serra

Pedro Burgos – Folha de S. Paulo

CAMBRIDGE (EUA) - Em palestra na Universidade de Harvard (EUA), o senador José Serra (PSDB-SP) disse que "impeachment não é programa de governo de ninguém" e defendeu que a oposição precisa ter responsabilidade.

"Impeachment é quando se constata uma irregularidade que, do ponto de vista legal, pode dar razão a interromper um mandato. E eu acho que essa questão ainda não está posta", disse o senador neste sábado (18).

A fala de Serra contraria o presidente do PSDB, Aécio Neves, que disse na última quinta (16) que a sigla pedirá o impedimento da presidente Dilma Rousseff caso se comprove a participação dela nas chamadas "pedaladas fiscais" –manobras feitas pelo Tesouro com dinheiro de bancos públicos para reduzir artificialmente o deficit do governo em 2013 e 2014.

Segundo Serra, o clima para o impeachment se deve ao desejo de "três quartos da população" que está insatisfeita.

"É óbvio que a crise é toda responsabilidade do governo. Não é a ação da oposição, nem do Ministério Público, nem do Congresso", afirmou.

O tucano defendeu que a oposição tem que se mobilizar em fazer denúncias, críticas e propostas. "Não dá para fazer de conta que o Brasil está sem problemas de médio e longo prazo."

As afirmações se alinham com as do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que no fim de semana afirmou que o pedido de impeachment depende de fatos objetivos e que seria "precipitação" abrir um processo neste momento.

À esquerda do PT
Bastante à vontade, Serra deu conferência de uma hora e meia, na qual disse ser "mais à esquerda que o PT", que classificou de "reacionário, um partido de corporações".

O senador condenou aspectos do ajuste fiscal proposto pelo ministro Joaquim Levy (Fazenda), que tem "um mundo de contradições", já que, na opinião do tucano, "piora a curto prazo tudo o que pretendia resolver."

"O ajuste fiscal é desajustado. Aprofunda a inflação, pela correção dos preços administrados defasados", afirmou.

"Desacelera a economia, perde a receita, aumenta o déficit. Aumenta juros, portanto aumenta a despesa. Só o aumento de juros que Dilma fez depois de eleita custa 27 bilhões de reais por ano. Isso é metade do resultado primário que se quer obter."

O senador reclamou à plateia de 300 pessoas, formada principalmente por estudantes brasileiros, que não se debate assuntos sérios no Brasil, "nem no Congresso".

Ele defendeu que a retomada do crescimento se daria com investimentos em infraestrutura, abertura para o comércio exterior "para aproveitar o câmbio favorável" e a "reconstituição do sistema de petróleo".

Planalto recebe com alívio falas de FHC e Cunha contra impeachment

Debate sobre impeachment reaviva diferenças no PSDB

Cátia Seabra – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O debate sobre a conveniência de um pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff reavivou antigas diferenças na cúpula do PSDB e fez os principais líderes do partido discordarem publicamente sobre a melhor estratégia para os tucanos.

No sábado (18), o senador José Serra (PSDB-SP) cobrou responsabilidade dos partidos de oposição e afirmou que "impeachment não é programa de governo de ninguém".

"Impeachment é quando se constata uma irregularidade que, do ponto de vista legal, pode dar razão a interromper um mandato. Acho que essa questão ainda não está posta", disse, durante palestra na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.

No dia seguinte, domingo (19), foi a vez de o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso reafirmar sua posição contrária ao pedido de impeachment, classificando o debate em curso como precipitado.

"Como um partido pode pedir impeachment antes de ter um fato concreto? Não pode", disse FHC, que participou de um seminário ao lado de outros ex-presidentes latino-americanos no Fórum de Comandatuba, no Sul da Bahia.

Serra e Fernando Henrique foram em direção oposta à do presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG). Na quinta (16), Aécio afirmou que o partido pedirá o impeachment se ficar comprovada a participação de Dilma nas chamadas "pedaladas fiscais", manobras feitas com recursos dos bancos públicos para arrumar as contas do governo.

Como presidente do PSDB, Aécio detém o controle da máquina partidária, mas seu grupo político não comanda governos estaduais. Após 12 anos no poder em Minas Gerais, os tucanos perderam o governo do Estado para o PT nas eleições do ano passado.

Aécio, que perdeu para Dilma a última eleição presidencial, teme que o tempo dilua o capital político que ele conquistou na disputa e com isso lhe tire o comando do PSDB nas eleições partidárias previstas para 2018.

Aliados calculam que Aécio seria, neste momento, o maior beneficiário de um processo de impeachment, já que a corrida à Presidência terminou há menos de seis meses.

Mas interlocutores de FHC dizem que o ex-presidente discorda dessa tese. Para Fernando Henrique, nada indica que o PSDB seria o beneficiário do afastamento de Dilma.

Na opinião de FHC, o PMDB é que sairia fortalecido se houvesse impeachment. E, com os peemedebistas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, antecessor e padrinho político de Dilma.

Tucanos acham que atualmente Lula tem mais apoio no PMDB do que em seu próprio partido, o PT. E ressaltam que o PMDB estará à frente do país em caso de impeachment. O vice-presidente Michel Temer é do partido, que também preside as duas casas do Congresso Nacional.

Para aliados do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, é melhor esperar. O impeachment hoje prejudicaria o projeto político de Alckmin, que sonha com uma nova candidatura à Presidência.

Os tucanos lembram que o Estado de São Paulo foi palco das maiores manifestações realizadas contra o PT neste ano, o que fortalece Alckmin. E afirmam que a estratégia do governador é ganhar tempo para conquistar o controle do partido. A cada dia que passa, dizem, o poder de Aécio definha em Minas Geral e Alckmin ganha força em São Paulo.

"Um pedido de impeachment requer uma situação extrema", afirma o ex-governador Alberto Goldman (PSDB-SP). "O PSDB tem o dever de propor o impeachment caso os requisitos forem atendidos. Apelo popular já existe", diz o vice-presidente do partido, senador Álvaro Dias (PR).

Dividido, PSDB se reúne para unificar o discurso

• Em ato marcado para sexta-feira, partido vai debater posição sobre impeachment

Maria Lima – O Globo

BRASÍLIA - Dividido entre aqueles que cobram uma ação concreta rumo a um possível impeachment da presidente Dilma Rousseff e aqueles que se posicionam contra essa ideia, o PSDB deve fazer na próxima sexta-feira um encontro para afinar o discurso de seus filiados. O evento está marcado para ocorrer em Brasília e integrará a Primeira Oficina de Planejamento Estratégico do partido.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que já disse considerar precipitado qualquer movimento rumo ao impedimento da presidente, participará da abertura do encontro. Alinhado com ele, estão o governador Beto Richa (PR) e os senadores José Serra (SP) e Tasso Jereissati (CE).

O encerramento do encontro ficará por conta do senador Aécio Neves, que, na última quarta-feira, pressionado pelos movimentos que organizaram as manifestações contra o governo Dilma, se posicionou a favor de um pedido de impeachment.

Derrotado na eleição do ano passado, Aécio tende a continuar se equilibrando entre o compromisso que assumiu com as lideranças das manifestações e a garantia de que não tomará nenhuma atitude em prol do impedimento da presidente Dilma sem ter uma argumentação jurídica clara para sua existência.

Deputados e senadores ouvidos pelo GLOBO destacam que a fala de Fernando Henrique, contrário ao impeachment, tem um caráter "litúrgico", mas não deverá mudar a posição das bancadas do Senado e da Câmara. Nelas, a ideia é defendida pelos líderes Cássio Cunha Lima (PB) e Carlos Sampaio (SP).

- Esse assunto será inevitável (na reunião). Estamos atrás do respaldo jurídico, pois o impeachment demanda esse tipo de apreciação - disse Sampaio.

- Fernando Henrique é litúrgico. Respeitamos, mas (ele) não muda a posição das bancadas - completou o líder da Minoria na Câmara, o deputado Bruno Araújo (PE), que defende que o pedido de impeachment seja apreciado pelo plenário, se o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (RJ), mandar arquivá-lo.

Parecer de Reale Júnior
Cássio Cunha Lima acha, por sua vez, que dentro de até 20 dias o jurista Miguel Reale Júnior terá o parecer jurídico encomendado pelo PSDB sobre as várias alternativas para embasar um eventual pedido de impedimento.

- São várias opiniões no partido. Mas há a prevalência da tese de que temos o dever de propor (o impeachment) se as condições jurídicas existirem. - disse o senador Álvaro Dias (PR).

PT pressionou para que Dilma não vetasse aumento do fundo partidário

Painel / Folha de S. Paulo

Rifa partidária A pressão para que Dilma Rousseff sancionasse o Orçamento de 2015 sem vetar a emenda que triplicou o valor de repasses para o fundo partidário veio principalmente do PT. O partido –que teve seu tesoureiro preso e teme ter as contas bloqueadas em ações na Justiça Eleitoral e outras decorrentes da Operação Lava Jato– não poderá contar mais com doações de empresas por decisão do diretório nacional. Juntamente com o PMDB, a sigla será a mais beneficiada pelo aumento da verba.

Bicho pega Parte do governo avaliava que, com o veto, Dilma mostraria que está em sintonia com o clamor de uma parcela da população que a reprova e, ao mesmo tempo, demonstra profunda rejeição aos partidos.

Bicho come Prevaleceu, no entanto, a avaliação de que seria pior se a presidente precisasse editar uma medida provisória para restabelecer o fundo partidário, que ficaria zerado com o veto.

Sob pressão, Dilma sanciona fundo partidário sem veto

• Para PMDB, valor três vezes maior pode prejudicar o ajuste fiscal

Júnia Gama – O Globo

BRASÍLIA - Apesar do corte de gastos em nome do ajuste fiscal atingir diversas áreas estratégicas do governo, a presidente Dilma Rousseff, pressionada pelo PT, sancionou ontem, sem vetos, dentro do Orçamento Geral da União a verba do fundo partidário - três vezes maior neste ano. Parte do recurso, de R$ 867,56 milhões, deve, no entanto, ser contingenciada. As definições sobre isso ocorrerão após análise do comportamento da arrecadação e das votações sobre o plano de ajuste fiscal do governo federal no Congresso.

Na semana passada, o PT decidiu proibir que seus diretórios recebam doações de empresas, como resposta ao escândalo de corrupção investigado na Operação Lava-Jato. A resolução tem que ser referendada no congresso do PT, em junho, na Bahia. Para que a proibição se sustente, a legenda conta com a ampliação do fundo partidário, sancionada ontem.

- Entendemos que a democracia tem um custo. A opinião do PT, ela (Dilma) já conhece. Nesses termos (sem veto), o congresso do PT deve ratificar essa decisão de proibir doação empresarial - disse o líder do PT na Câmara, deputado Sibá Machado (AC).

O aumento da verba para o fundo foi incluído pelo relator do Orçamento, senador Romero Jucá (PMDB-RR), sob o argumento de que valeria como um teste para a tese do financiamento público de campanhas eleitorais, defendida pelo PT em sua proposta de reforma política. Mas, o próprio PMDB - que é favorável às doações de empresas - passou a pedir publicamente que Dilma vetasse a ampliação e que mantivesse os valores de 2014: R$ 289,56 milhões. Os peemedebistas alegavam que os recursos triplicados para o fundo poderiam prejudicar o ajuste fiscal defendido pelo governo.

Esse reajuste é fundamental para que o partido possa manter sua estrutura com o fim das doações de empresas. De acordo com a última prestação de contas anual entregue pelo PT ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a de 2013, o então tesoureiro do partido, João Vaccari Neto - preso na Lava-Jato -, arrecadou com empresas cerca de R$ 79,8 milhões. Trata-se de 47% dos R$ 170,7 milhões que o partido obteve no total. O restante das receitas dividiram-se entre o fundo partidário (R$ 58,3 milhões) e contribuições de filiados (R$ 32,6 milhões).

Com o novo fundo partidário, triplicado, conseguirá compensar a contribuição das empresas. No ano passado, o PT foi o partido que mais recebeu recursos do fundo, com mais de R$ 59,6 milhões, sem descontar as multas. O PMDB ficou em segundo lugar, com quase R$ 42,6 milhões, e o PSDB, em terceiro, com cerca de R$ 40,3 milhões. Se mantida a mesma proporção, o PT terá direito a R$ 180 milhões.

- A sobrevivência dos partidos brasileiros, depois da Lava-Jato, vai depender do fundo partidário. A presidente sabe disso, porque todos os partidos são afetados. Manter a proibição de doação de empresas para o PT depende desse veto não ocorrer - disse um dirigente petista.

Dilma aprova aumento da verba pública para partidos

• Proposta do Congresso triplica fundo partidário, elevado para R$ 868 mi

• Apesar do momento de ajuste, pesou mais a ideia de que um veto à iniciativa do Legislativo desagradaria a base

Valdo Cruz, Bruno Boghossian e Vera Magalhães – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff sancionou o Orçamento Geral da União de 2015 sem vetar a proposta que triplicou os recursos destinados ao fundo partidário, uma das principais fontes de receita dos partidos políticos, hoje com dificuldades de financiamento por causa da Operação Lava Jato.

Em seu projeto original, o governo destinava R$ 289,5 milhões para o fundo, mas o valor foi elevado para R$ 867,5 milhões pelo relator do Orçamento no Congresso, senador Romero Jucá (PMDB-RR).

O fundo partidário é um montante de dinheiro público distribuído para a manutenção das legendas. Cada sigla define como utilizará a verba. Muitas aplicam em campanhas eleitorais, somado a doações privadas.

Em um momento de ajuste fiscal para reequilibrar as contas públicas, o caminho natural seria o veto da proposta de aumento do fundo.

Mas a recomendação que mais pesou foi a política: manter o novo valor para não desagradar a base aliada da presidente no Congresso.

Além disso, tecnicamente só era possível vetar toda verba destinada ao fundo, e não apenas o montante extra. Segundo um assessor, isso iria gerar uma "guerra" com a base aliada e comprometeria a votação do ajuste fiscal.

Os presidentes dos partidos governistas chegaram a enviar uma carta a Dilma solicitando a sanção da verba.

Todos os partidos trabalham com o cenário de forte redução de doações de empresas após a Lava Jato. Empreiteiras já informaram a dirigentes que não devem doar recursos na eleição municipal do próximo ano.

Autor da emenda que triplicou o fundo partidário, Romero Jucá justifica a medida como uma "necessidade dos partidos" e "início da discussão do financiamento público das campanhas".

Se o financiamento eleitoral for exclusivamente público, como defende o PT (sem apoio do PMDB), seriam necessários de R$ 5 bilhões a R$ 7 bilhões para bancar as campanhas, calcula Jucá.

Há alguns dias, o PT --um dos mais atingidos pela Lava Jato-- anunciou que não aceitará mais doações de empresas privadas. A decisão é provisória. Terá de ser referendada pelo congresso da sigla, marcado para junho.

Nos últimos anos, o partido liderou todos os rankings de arrecadação de dinheiro junto a empresários. Também foi o que mais recebeu das empresas investigadas na Lava Jato em 2014, seguido de perto por PSDB e PMDB.

A questão do financiamento eleitoral é objeto de polêmica no STF (Supremo Tribunal Federal). Há mais de um ano, o ministro Gilmar Mendes interrompeu um julgamento sobre o tema.

Contrário à proibição de doações privadas, ele pediu vistas do caso quando o placar já estava 6 a 1 a favor do veto. Alegando que se trata de uma questão que deve ser decidida no Congresso, não devolveu mais o processo para conclusão da votação.

Corte provisório
Após a sanção do Orçamento Geral da União, que será enviada ao Congresso nesta quarta (22), Dilma definirá com sua equipe econômica o tamanho do bloqueio de verbas para garantir o cumprimento da meta de superávit primário de 2015.

Provisoriamente, o governo editará um decreto mantendo o corte temporário de 33% em cada ministério, que ficará em vigor até a definição final, prevista para maio.

Um assessor da presidente diz que o corte será "forte" e "expressivo" para reequilibrar as contas e ajudar o Banco Central no combate à inflação, permitindo, inclusive, que os juros comecem a cair ainda neste ano.

A equipe do ministro Joaquim Levy (Fazenda) defende um corte na casa de R$ 80 bilhões para atingir a economia de 1,2% do PIB (Produto Interno Bruto) para pagamento de juros da dívida pública.

Outra ala do governo defende um valor menor, perto de R$ 70 bilhões. Ministros políticos querem bloqueio de R$ 60 bilhões, sob o argumento de que um contingenciamento de R$ 80 bilhões levaria a uma paralisia do governo.

Dívida da Petrobrás com os bancos públicos deve chegar a R$ 79 bi

• Conta subiu com os empréstimos de R$ 6,5 bilhões do Banco do Brasil e da Caixa anunciados na sexta-feira

Vinicius Neder - O Estado de S. Paulo

RIO - Com a nova rodada de empréstimos anunciados na última sexta-feira, os recursos de bancos públicos comprometidos com a Petrobrás poderá chegar a R$ 79 bilhões. Segundo estimativa da agência de classificação de risco Moody’s, esse valor encerrou 2014 em US$ 27 bilhões, ou R$ 72,5 bilhões pelo câmbio da época. O total subirá com os R$ 6,5 bilhões conseguidos pela estatal com Banco do Brasil (BB) e Caixa. O Bradesco emprestou outros R$ 3 bilhões, como a Petrobrás informou no final da semana passada, após a Bolsa fechar.

O montante comprometido considera o valor de exposição – o quanto um banco ainda tem a receber de um cliente, ou seja, o valor total contratado no financiamento, descontando o que já foi pago. Esse indicador é o que importa para a saúde financeira dos bancos e o risco de perdas com inadimplência.

Em novembro, a consultoria PricewaterhouseCoopers recusou-se a auditar o balanço financeiro do terceiro trimestre de 2014 da Petrobrás e, desde então, a companhia não tem dados auditados.

Mesmo com os atrasos no balanço, os bancos toparam assumir o risco dos empréstimos à estatal.

Para João Augusto Salles, analista especializado no setor bancário da consultoria Lopes Filho, “causa estranheza” no mercado os empréstimos serem aprovados antes da divulgação do balanço da Petrobrás – a companhia prometeu apresentar nesta quarta-feira, 22, os dados de 2014 com aval de auditoria independente.

“Foi uma decisão política”, comentou Salles, para quem os bancos poderiam ter esperado para aprovar os financiamentos após a divulgação do balanço, principal fonte de dados para os bancos analisarem riscos e decidirem emprestar. “A coisa deveria ser feita de forma mais técnica”, completou.

Uma fonte ligada aos bancos públicos ouvida pelo Estado informou que pelo menos uma das operações estava em negociação “há meses”. “Esse tipo de negociação sempre começa três ou quatro meses antes, com uma série de bancos concorrendo”, disse, sob condição de anonimato, destacando que coube à Petrobrás divulgar os novos empréstimos antes da apresentação do balanço.

Do ponto de vista do risco de crédito, segundo Salles, a possibilidade de um calote não é o maior problema de emprestar para a Petrobrás.

Lava Jato. Apesar das dificuldades (por causa da Operação Lava Jato, da queda na cotação internacional do petróleo e da alta do dólar), a estatal é boa geradora de caixa e, em último caso, antes de dar calote, pode ser socorrida pelo Tesouro Nacional. Outro analista especializado no setor bancário concorda com a análise.

Esse profissional, que não quis ter o nome divulgado, destacou, por sua vez, que os técnicos dos bancos recebem balancetes mensais dos clientes que pedem crédito e, por isso, têm informações mais atualizadas do que os balanços trimestrais, olhados pelos analistas de mercado que avaliam as companhias para recomendar – ou não – o investimento em ações.

Cruzando estimativas da Moody’s e de analistas do banco UBS, os R$ 72,5 bilhões comprometidos com a Petrobrás pelos bancos públicos seriam divididos em R$ 41,7 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), R$ 19,5 bilhões do BB e R$ 11,3 bilhões da Caixa, como revelou em março o Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado. Com os empréstimos de sexta-feira, os valores subiriam para R$ 24 bilhões (BB) e R$ 13,3 bilhões (Caixa).

Procurados, o Bradesco e a Caixa não comentaram as concessões dos empréstimos. O BB informou, por meio da assessoria de imprensa, que a operação de sexta-feira “atende a todos os requisitos da política de crédito do banco e está adequada aos limites definidos para a empresa e para o setor”.

"O procedimento pode impactar as contas da presidente Dilma", Augusto Nardes

• Entrevista: Augusto Nardes / Ministro do TCU

- Zero Hora (RS)

A presidente pode ser responsabilizada pelas pedaladas fiscais?

Dilma pode ser responsabilizada desde que fique constatado aquilo que encontramos até agora. Temos de dar a oportunidade do contraditório, verificar se aquilo que o tribunal levantou está confirmado. Solicitei prazo de 30 dias pelo fato de que o procedimento pode impactar as contas da presidente Dilma. Sou relator do orçamento. Poderei utilizar essas informações.

Quando o senhor apresenta o relatório?

Vou relatar em junho. Gostaria que esta resposta chegasse o mais rápido possível. São 17 autoridades que devem responder pela contabilidade criativa, as pedaladas. Não somente a questão da Caixa, mas também em relação a outros procedimentos que ocorreram no ano passado.

O senhor se refere aos problemas na Previdência?

Já comuniquei a presidente em uma conversa informal, e também chamamos o ministro da Fazenda. Não foram contabilizados R$ 2,3 trilhões na Previdência, que tinham que constar na prestação de contas do governo. Isso também pode ser colocado como uma criatividade, ou seja, uma contabilidade criativa.

A AGU argumenta é que o atraso nos repasses para os bancos ocorria desde 2001 e que o TCU nunca se manifestou. Isso ocorreu?

O tribunal foi evoluindo com a contabilidade de nível internacional. Constatando a irregularidade, tem de sanear.

O erro praticado em um governo justifica a manutenção da prática?

Um erro não justifica o outro. Mas, como somos um colegiado, não posso me manifestar de forma antecipada.

As questões fiscais podem servir de base para o pedido de impeachment?

Cabe ao Congresso analisar, e não ao tribunal.

Merval Pereira - Coisas e loisas

- O Globo

Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, como já dizia José Genoino. As tais "pedaladas fiscais" de que o governo está sendo acusado nem "pedaladas" são, e se fossem nada haveria de errado. No jargão dos economistas, "pedalada" define postergação de pagamentos, e qualquer governo, ou empresa, que consiga, através de negociação, adiar um pagamento para reforçar seu caixa estará cometendo um ato elogiável.

O que aconteceu nesse caso, como define o economista José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), é que, em linguagem popular, o governo pedalou a bicicleta de outro sem ter pedido licença.

José Roberto Afonso foi um dos autores da Lei de Responsabilidade Fiscal, e é com essa autoridade que garante: nada parecido foi feito no governo de Fernando Henrique, e nem mesmo nos de Lula. O crime está caracterizado pelo fato de que, segundo auditores do Tribunal de Contas da União (TCU), entre 2013 e 2014 o governo Dilma atrasou "sistematicamente" o repasse de recursos a Caixa, Banco do Brasil e BNDES para pagamento de Bolsa Família, auxílio desemprego, equalização da Safra Agrícola e Programa de Sustentação do Investimento (PSI).

Sem o dinheiro do Tesouro, os bancos estatais passaram a fazer os pagamentos com recursos próprios. A prova é que o BNDES enviou ofício ao BC avisando que o Tesouro deveria pagar juros por esse dinheiro até o momento do repasse oficial do Tesouro. Por orientação da Advocacia-Geral da União, o pagamento de juros foi negado, pois caracterizaria o empréstimo, que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Mas o fato de não ter pagado juros não tira o caráter de empréstimo do que foi feito. A diferença então é esta: "pedalada" adia o pagamento em negociação com o credor; empréstimo é quando o pagamento é feito na data correta por outra fonte de receita.

O artigo 36, caput, da lei complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a famosa Lei de Responsabilidade Fiscal, é taxativo: "É proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo".

Tal operação constitui crime de responsabilidade, nos termos do artigo 11, inciso 3, da lei 1.079, de 14 de abril de 1950: "Art. 11. São crimes de responsabilidade contra a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos: 3) contrair empréstimo, emitir moeda corrente ou apólices, ou efetuar operação de crédito sem autorização legal".

O governo bate na tecla de que tecnicamente não houve empréstimo, mas, por via transversa - o que é mais grave, já que se trata de ardil para burlar a lei -, obteve-se o que ela proíbe. Isso não quer dizer, no entanto, que o crime atinja necessariamente Dilma, dando margem a pedido de impeachment.

Mesmo que se saiba que nada era feito no seu 1º governo sem que ela autorizasse diretamente. A equipe econômica do ministro Guido Mantega não tinha a autonomia que a de Joaquim Levy tem - que também não é completa. Boa definição do que sejam os limites de Levy está na sua declaração de que a dívida pública do Brasil é administrável.

Na mais recente reunião ministerial, o ministro Joaquim Levy, a determinada altura de sua exposição, disse que a dívida pública era alta. Foi interrompido pela presidente Dilma, que o desautorizou na frente dos demais ministros: "Não é alta, não, Levy". Mostrando que está aprendendo a ter jogo de cintura, o ministro da Fazenda não reagiu de imediato, mas aproveitou outro momento da palestra para voltar ao assunto e dizer: "A dívida pública, que, como disse anteriormente, não é alta...". Tirou gargalhadas da própria presidente e seguiu em frente.

Voltando ao impeachment, é preciso, como diz o ex-presidente Fernando Henrique, deixar que o processo do TCU siga seu caminho até o final, para ver quem serão os acusados pelo crime de responsabilidade. Caso a cadeia de comando chegue a Dilma, e não pare, por exemplo, no presidente do BC ou do BB e da Caixa, ainda assim é preciso esperar a atitude do Ministério Público, que será acionado pelo TCU.

É um longo processo, que precisa ser acompanhado pela oposição, mas que não está em ponto de maturidade para gerar qualquer consequência política mais grave além do desgaste permanente do governo.

Bernardo Mello Franco - O PSDB precisa ouvir FHC

- Folha de S. Paulo

O PSDB acertou ao reabilitar seu maior líder, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, na campanha do ano passado. Agora precisa voltar a ouvi-lo para não desmerecer o capital acumulado com a votação de Aécio Neves.

No domingo, FHC foi consultado sobre a nova ideia fixa de parlamentares tucanos: tirar Dilma Rousseff do poder antes de 31 de dezembro de 2018, quando termina o mandato que ela conquistou nas urnas.

A resposta veio sem meias palavras. "Como um partido pode pedir impeachment antes de ter um fato concreto? Não pode", disse FHC.

"Impeachment não pode ser tese. Ou houve razão objetiva ou não houve. Quem diz se houve é a Justiça, o Tribunal de Contas, a polícia. Você não pode se antecipar a isso, transformar o seu eventual desejo de pôr um outro governo em algo fora das regras da democracia. Isso é precipitação. Os partidos têm que esperar", concluiu o ex-presidente.

As declarações expressam o óbvio, mas vão na contramão do discurso ensaiado na semana passada por deputados e senadores tucanos.

Eles se reuniram com manifestantes que dizem liderar as ruas e pregam o "Fora, Dilma". Os ativistas nunca receberam um voto, mas controlam as páginas do Facebook que convocam protestos contra o governo. Com essa autoridade, puseram a faca no pescoço dos políticos, que prometeram anunciar apoio ao impeachment depois do feriadão.

"Na quarta-feira, nós teremos um embasamento para que esse sentimento que é das ruas, e claramente é nosso, possa ser respaldado", disse o deputado Carlos Sampaio, líder do PSDB. Ele já havia declarado que atuaria como "auxiliar direto" dos movimentos pró-impeachment.

Ao lembrar que o partido precisa ter responsabilidade com as instituições, e não com a gritaria da internet, FHC despejou um balde de água fria sobre a "novidade" que Sampaio e seus colegas pretendiam apresentar na volta a Brasília.

José Casado - Virou pó

• Meia dúzia de empresas já sumiu na poeira das investigações sobre a corrupção na Petrobras. As dívidas não pagas aumentaram em US$ 5 bilhões na última quinzena

- O Globo

Pouca gente percebeu, mas meia dúzia de grupos empresariais sumiu na poeira das investigações sobre corrupção na Petrobras, nos últimos seis meses.

Sexta-feira foi a vez da empreiteira Schahin Cury. Juntou-se à tribo que, desde setembro, pede refúgio sob o manto judicial para evitar falência. É uma das regras do jogo.

Schahin foi a segunda nos últimos 15 dias. OAS saiu na frente. Juntas, somam US$ 5 bilhões em dívidas não pagas. Galvão Engenharia, Inepar, Alumini e Jaraguá levaram mais US$ 1,5 bilhão à massa pendente.

O tamanho da dívida pendurada pode aumentar, caso outras empresas filiadas — em operação e até agora mantidas à margem dos tribunais — não resistam à ofensiva de credores alérgicos às longas filas no guichês das tesourarias, organizadas pela Justiça.

Os inquéritos sobre corrupção na Petrobras, as dificuldades de caixa da estatal e o reforço das casas bancárias na prevenção contra lavagem de dinheiro tornaram asfixiante o ambiente em alguns segmentos empresariais.

Executivos presos, o principal cliente com as finanças abaladas e diretores de bancos que só respondem “não”, mudaram o perfil dos setores de infraestrutura, óleo e gás — onde a necessidade de capital é medida em escala “biliométrica”.

Diante da escassez de dinheiro, o governo diz ter achado uma oportunidade econômica: convidar empresas estrangeiras para entrar nesses mercados, de forma direta ou em parceria com grupos locais, privados e estatais.

Pode ser uma abertura saudável. Contém uma aposta de risco político: até o mês passado, o histórico dos governos Lula e Dilma se caracterizava pelo capitalismo de laços, com privilégios do BNDES aos eleitos como “campeões da indústria” ou “produtores de conteúdo nacional”.

Numa conjuntura de ativos nacionais baratos, essa questão política até pode ser minimizada nas decisões sobre investimentos no Brasil.

Sobra outro aspecto relevante, a segurança para quem investe.

Empresas dos EUA e Europa estão submetidas a regulamentos mais rígidos sobre clareza de suas contas. Eles justificam, em parte, temores como os da Pricewaterhouse em relação às contas ocultas da Petrobras — sancionadas nos balanços auditados dos últimos dez anos.

Na outra ponta, aumentou a margem de insegurança sobre as chances de recuperação do capital investido. É ilustrativo o caso do fundo americano Aurellius e do banco português Caixa Geral contra o grupo OAS.

Dias antes de recorrer à proteção judicial, a OAS realizou alterações societárias que no entendimento de seus credores estrangeiros resultaram em suposta fraude.

A OAS nega ter feito diluição patrimonial para ocultar US$ 1 bilhão em ativos que respaldavam as dívidas não pagas.

Com o perceptível aumento da taxa de risco para investidores americanos e europeus em infraestrutura, óleo e gás no Brasil, resta a China para o papel de âncora do projeto governamental de abertura ao capital externo.

As regras de Pequim são incomparavelmente mais flexíveis, a começar pelas normas de auditoria e de movimentação financeira.

Aprender chinês talvez seja a melhor aposta, hoje, para quem deseja fazer negócios da China.