domingo, 1 de março de 2015

Opinião do dia – Aécio Neves

A presidente da República parece ter um prazer mórbido em desautorizar seus ministros, como se isso aumentasse a sua autoridade.

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Aécio Neves, senador (MG) e presidente nacional do PSDB

Empreiteiras recebiam a mais até por chuva

Cláusula da chuva faz dinheiro cair do céu

• Acordo para revisar contratos beneficiava empreiteiras; no Comperj, obra 50% mais cara

• Desde 2002, houve pelo menos 157 alterações em contratos feitas por pressão de entidade que representa empreiteiras investigadas na Operação Lava-Jato

Thiago Herdy e Renato Onofre – O Globo

SÃO PAULO - Por influência de empreiteiras, a Petrobras fez ao menos 157 revisões de contratos desde 2002, adotando, entre outras, cláusulas que obrigavam indenizações em casos de chuva. A regra causou prejuízos milionários, como no Comperj, onde o consórcio formado por Andrade Gutierrez, Odebrecht e Queiroz Galvão, investigadas na Lava-Jato, receberam R$ 404 milhões a mais. A cláusula ainda foi usada na Refinaria Abreu e Lima. O pagamento de propina a agentes públicos não era o único mecanismo de atuação do cartel investigado pela Operação Lava-Jato. Documentos obtidos pelo GLOBO mostram que o grupo conseguiu interferir diretamente em procedimentos internos da Petrobras, causando prejuízos milionários à estatal por meio da Associação Brasileira de Engenharia Industrial (Abemi), entidade que teve como presidente o líder do "Clube das empreiteiras", Ricardo Pessoa, entre 2004 e 2008. Em grupo de trabalho com participação da Petrobras, a associação produziu, desde 2002, pelo menos 157 procedimentos e comunicados com revisão de regras de contratação. Hoje, os próprios funcionários da Petrobras admitem que boa parte foi lesiva à estatal.

Comunicado produzido por Abemi e Petrobras, em dezembro de 2007, instituiu, por exemplo, procedimento para pagamento de indenização por chuvas ou descarga elétrica, fazendo com que a estatal assumisse automaticamente o risco do empreendimento. Dentre os novos procedimentos, um deles chamou a atenção por fazer com que as chuvas fizessem aumentar o valor de uma obra em até 50%. No contrato de terraplanagem assinado no Comperj com o consórcio formado por Andrade Gutierrez, Odebrecht e Queiroz Galvão, a obra, planejada por R$ 819 milhões, terminou 16 meses depois ao custo de R$ 1,223 bilhão — a diferença de R$ 404 milhões se deu justamente por conta de quatro aditivos relacionados às chuvas. As cláusulas passaram a valer para todas as empreiteiras com contratos com a Petrobras e também foram usadas, pelo menos, nas obras da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. A nova regra foi defendida pelo então gerente da estatal, Pedro Barusco, e levada à Diretoria Executiva da Petrobras por Renato Duque.

Em depoimento ao Ministério Público Federal, Barusco relatou pagamentos de propinas nessa obra do Comperj que podem ter chegado a R$ 34,3 milhões, se considerados o contrato principal e aditivos. Esse valor teria sido pago a Paulo Roberto Costa e ao PT, mas o ex-gerente não soube detalhar como isso teria sido efetivado.

Custo adicional
Para determinar o valor a ser desembolsado pela estatal em função de chuvas, a referência era uma tabela da Abemi com custos médios diários de paralisação. Os pagamentos ocorriam tanto em função de precipitações já ocorridas quanto em função de estimativas para os meses seguintes. Quando o contrato da obra foi assinado, em março de 2008, já estavam previstos R$ 130 milhões para indenização por paralisações.

"Embora geralmente, conforme previsão nos contratos, cada uma das partes fique responsável pelos próprios prejuízos decorrentes de caso fortuito, é possível que umas das partes se responsabilize pela integralidade dos custos", escreveu o departamento jurídico da estatal em parecer em defesa do uso da tabela Abemi de chuvas na obra do Comperj.

Em depoimento à Justiça Federal no Paraná no início deste mês, o gerente de Segurança Empresarial da Petrobras, Pedro Aramis, criticou a regra instituída:

— O volume de chuvas histórico de uma região já deveria fazer parte do contrato de uma obra, sem qualquer custo adicional — diz o dirigente, para quem a implantação da tabela Abemi representou maiores custos à estatal: — A Petrobras passou a indenizar por chuvas que ela não indenizava antes.

Mestre em Direito civil, diretor executivo do Instituto de Direito Privado (IDP) e atualmente vinculado à Universidade Mackenzie, Diogo Leonardo Machado de Melo diz que cláusulas de chuva são admissíveis em contratos de grandes obras. Mas devem ser baseadas em estudos de pluviometria da área e nunca ultrapassar 20% do valor total da obra.

— Apenas em casos como os de calamidade pública, que fogem da previsão de qualquer governo ou empresa, pagamentos acima de 20% são admissíveis. Mas a empresa contratada tem que provar que algo absurdo aconteceu, em um processo administrativo. Um bom gestor deve pedir a realização de perícia, o pagamento não é automático. A Petrobras não poderia abrir os cofres e aceitar a excepcionalidade como regra — afirma o especialista.

Em dezembro do ano passado, o exgerente jurídico da área de Abastecimento da Petrobras Fernando de Castro Sá afirmou em depoimento à Polícia Federal que a interferência da Abemi nas premissas de contratação da estatal coincidiu com a atuação do cartel de empreiteiras denunciado pelo MPF. Segundo ele, a partir daí, as regras reunidas desde 1999 no manual de procedimentos contratuais foram "rasgadas".

— A minuta que tinha que ser elaborada pelo jurídico e aprovada pela diretoria passou a ter que contar com o crivo da Abemi — diz o dirigente, que atribui ao ex-diretor de Serviços, Renato Duque, a atuação mais relevante em nome dos interesses da Abemi dentro da estatal.

Castro Sá afirma ter se "assustado" quando a estatal passou a revisar a minuta contratual padrão e exigir que seu setor submetesse os documentos para "análise da Abemi" antes das reuniões do grupo de trabalho. Ao alertar colegas sobre a irregularidade, ele afirma ter sido reprimido em reunião por Renato Duque:

— Eu e a Venina (Fonseca, ex-gerente de Abastecimento) levamos uma escovada do diretor Duque. (Ele dizia) que a gente estava atrapalhando, não sabia como as empreiteiras trabalhavam, e que se não fosse do jeito que faziam, não ia se conseguir contratar.

Grupo sem autonomia, diz nota
Por meio de nota, a Abemi informou que o grupo de trabalho com a Petrobras era "técnico e normativo", mas sem autonomia ou autorização "para ir além de propor sugestões". "O objetivo do GT sempre se concentrou em buscar a melhoria das condições de execução dos empreendimentos", afirmou a entidade, para quem os procedimentos discutidos tratavam "principalmente de segurança, saúde e meio ambiente". A associação destacou ter dado sempre "publicidade ao conteúdo de todos os trabalhos desenvolvidos, inclusive perante a Petrobras, para um universo de mais de 100 empresas" e disse "defender a livre concorrência".

O GLOBO perguntou à Petrobras qual era a média histórica e qual foi a média de chuvas entre 2008 e 2010 na região do Comperj, mas a estatal não respondeu. A assessoria informou que soluções apresentadas após discussão com a Abemi não eram obrigatórias e passavam por análise "jurídica e técnica". Segundo a estatal, as soluções teriam "se mostrado benéficas na implantação de projetos". Andrade Gutierrez, Odebrecht e Queiroz Galvão negaram irregularidades na execução do contrato de terraplanagem do Comperj. A Andrade Gutierrez, líder no consórcio, disse que os contratos com a Petrobras teriam ocorrido "dentro dos processos legais de contratação" e que apenas "o cliente poderia se pronunciar" sobre detalhes da obra. As três empresas negaram ter pagado propina. (Colaborou: Mariana Sanches)

Dilma diz que fala de Levy sobre desoneração da folha foi 'infeliz'

• Segundo o ministro da Fazenda, a 'brincadeira' da desoneração custa R$ 25 bilhões por ano para os cofres públicos

Rafael Moraes Moura – O Estado S. Paulo

TARARIRAS, URUGUAI - Um dia depois de o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, dizer que a desoneração da folha de pagamento foi "grosseira", a presidente Dilma Rousseff disse neste sábado que Levy foi "infeliz" na declaração e que a desoneração da folha é "importantíssima e continua sendo".

Levy anunciou nessa sexta um pacote de aumento de impostos e redução de benefícios a empresas. Ontem o ministro fez críticas ao programa de desoneração. "A troca entre a folha e o faturamento não era muito vantajosa", disse. Segundo ele, a "brincadeira" custou R$ 25 bilhões aos cofres públicos.

"Se não fosse importante, já teríamos eliminado e simplesmente abandonado. Acho que o ministro foi infeliz no uso do adjetivo", comentou Dilma a jornalistas, pouco antes de participar da inauguração do Parque Eólico Artilleros, em Tarariras, no Uruguai.

"O ministro e todos os setores estão comprometidos com a melhoria das condições fiscais do País. A desoneração da folha de pagamento é uma realidade e nós garantimos que haja um reajuste nas condições", declarou Dilma, há pouco. De acordo com a presidente, a desoneração da folha não é "simplesmente um instrumento de ajuste fiscal". "É um instrumento que vai permanecer. Agora, em certas conjunturas, temos de reajustá-los, ou para cima, ou para baixo", apontou.

Questionada pelo Broadcast se o ajuste fiscal seria um reconhecimento do erros de gestão do primeiro mandato, Dilma respondeu: "Meu querido, quando a realidade muda, a gente muda". Citou o exemplo da tarifa da energia elétrica, que vai subir em média, 23%, a partir da próxima segunda-feira. "A tarifa da energia decorre da chuva. Quando aumenta a chuva, diminui a tarifa, porque entra a energia hidrelétrica. Quando diminui a chuva, diminui a hidrelétrica e aí tem de contratar a térmica, e térmica é mais cara", disse a presidente.

Crise. Na avaliação da presidente, o Brasil vai sair da crise "mais forte". "O Brasil tem fundamentos sólidos. Passamos dificuldades conjunturais e isso garantirá que o Brasil saia em outro patamar, podendo continuar a crescer, garantindo empregos que nós criamos e garantindo renda que nós conquistamos".

Barbosa e o salário mínimo. Esta não é a primeira vez que Dilma se irrita com a declaração de um membro da equipe econômica. No início do ano, a presidente fez o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, recuar da declaração de que o governo iria propor outra regra de reajuste do salário mínimo. A presidente chegou a interromper a folga na Bahia após a posse para o segundo mandato e pediu, por telefone, que Barbosa corrigisse a informação.

Após a bronca, o ministro mandou sua assessoria divulgar uma nota afirmando que "a proposta de valorização do salário mínimo, a partir de 2016, seguirá a regra de reajuste atualmente vigente", que calcula o valor por uma fórmula que corresponde à inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do ano anterior somada ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB)de dois anos atrás.

Dilma critica Levy e diz que sua declaração foi "infeliz"

• Para presidente, desoneração da folha continua sendo "importantíssima"

• Depois da bronca, ministro admitiu que foi "coloquial demais" em entrevista sobre mudanças no benefício

Mariana Carneiro, Natuza Nery, Renata Agostini – Folha de S. Paulo

URUGUAI, SÃO PAULO, BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff classificou de "infeliz" a declaração do ministro da Fazenda sobre a desoneração da folha de pagamentos.

Ao anunciar as mudanças no benefício na sexta-feira (27), Joaquim Levy havia dito que o mecanismo, implantado e ampliado ao longo do primeiro mandato de Dilma, era "muito grosseiro" e não criava ou protegia empregos.

Questionada neste sábado (28), em viagem ao Uruguai, a presidente condenou a atitude do ministro. "Eu acredito que a desoneração da folha foi importantíssima e continua sendo. Se não fosse importante, nós tínhamos eliminado e simplesmente abandonado. Acho que o ministro foi infeliz no uso do adjetivo", disse.

Dilma ainda tentou amenizar a reprimenda ao dizer que o ministro está comprometido com a "melhoria das condições fiscais do país". É a primeira vez que Levy, escalado para conduzir o ajuste fiscal na economia, é criticado publicamente por Dilma.

Na sexta, assessores presidenciais já afirmavam nos bastidores que o ministro contrariara a orientação de não apontar erros passados.

Os comentários de Levy foram feitos durante a divulgação do segundo pacote de medidas de austeridade de sua gestão, iniciada em janeiro. A pasta anunciou a redução do benefício fiscal sobre a folha de pagamentos e corte na alíquota do Reintegra, que concede créditos tributários aos exportadores. Ambos os programas foram criados pelo governo Dilma.

Após a crítica da presidente, o ministro reconheceu a integrantes de sua equipe que foi "coloquial demais" e "infeliz" em algumas expressões, segundo relato obtido pela Folha. Esta é pelo menos a quarta vez, em menos de dois meses de mandato, que Levy tenta reparar uma declaração (veja quadro).

Na avaliação de interlocutores, Levy ainda se porta como um executivo da iniciativa privada e está tendo dificuldades de conciliar a tarefa espinhosa de ajustar as contas públicas com o discurso político da continuidade.

Por vezes, ele mesmo se assusta com a repercussão e se diz "mal interpretado".

Interlocutores lembram, contudo, que a crítica feita agora a Levy é pontual e o tratamento é distinto ao dado, por exemplo, ao ministro do Planejamento, Nelson Barbosa. Após levar uma bronca da presidente, Barbosa teve de voltar atrás da declaração sobre alterações nas regras de reajuste do salário mínimo.

Dilma diz que ministro Levy foi 'infeliz' ao criticar desoneração da folha de pagamentos

• Para a presidente, medida adotada na gestão de Guido Mantega foi e é 'importantíssima' para o país. Levy admitiu a assessores que foi coloquial demais

Janaína Figueiredo – O Globo

COLONIA DEL SACRAMENTO, URUGUAI e BRASÍLIA — A presidente Dilma Rousseff comentou neste sábado as declarações do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que classificou de grosseira política de desoneração da folha de pagamento das empresas e que a "brincadeira" custa R$ 25 bilhões por ano ao país. Segundo a presidente, o ministro foi infeliz no uso do adjetivo:

— Acredito que a desoneração foi importantíssima e continua sendo. Se ela não fosse importante, tínhamos eliminado e simplesmente abandonado. Acho que o ministro foi infeliz no uso do adjetivo. Agora, o fato é que tanto o ministro como todos os setores estão comprometidos com a melhora das condições fiscais do Brasil.

Na sexta-feira, o ministro da Fazenda classificou de ineficiente o programa de desonerações, com a seguinte declaração:

"Você aplicou um negócio que era muito grosseiro. Essa brncadeira nos custa R$ 25 bilhões por ano, e estudos mostram que não tem criado e nem protegido empregos".

Dilma ressaltou que a desoneração da folha é, hoje, uma realidade, e não é pura e simplesmente um instrumento de ajuste fiscal:

— É uma realidade, e nós garantiremos que haja um reajuste nas condições. É um instrumento que vai permanecer, mas em certas circunstâncias deve ser reajustado. E agora foi pra cima. Quando a realidade muda, a gente muda.

A presidente esteve, neste sábado, em Colonia del Sacramento, a 150 quilômetros de Montevidéu, onde inaugurou, ao lado do presidente José Pepe Mujica, o Parque Eólico Artilleros, construído pelos dois países por meio de parceria entre as empresas Eletrobras e UTE/Uruguai. De acordo com o governo uruguaio, o empreendimento custou US$ 100 milhões e será capaz de gerar cerca de 65 megawatts de energia. Parte dos investimentos foi financiada pelo Banco de Desenvolvimento da América Latina. Dilma afirmou que o projeto vai beneficiar os dois países e defendeu que o continente tenha um sistema elétrico de qualidade.

Após a inauguração do parque eólico, Dilma participou, na residência presidencial de Anchorena, de um almoço ao lado de Mujica, a quem fez grandes elogios, afirmando ser um grande líder para os uruguaios e todo o povo americano, e um presidente que tem como realidade utopias compartilhadas. Questionada se seria uma utopia o Brasil superar a crise, Dilma respondeu:

— Pode ter certeza que o Brasil vai sair desta crise. Vai sair ainda mais forte. Até poque o brasil tem fundamentos sólidos. Nós passamos por dificuldades conjunturais, e isso garantirá que o país sairá com outro patamar, garantindo empregos e a renda que conquistamos.

No final da tarde, a presidente brasileira embarcou para Montevidéu, ao lado de Mujica. Na capital uruguaia, Dilma assistirá, neste domingo, à posse do presidente eleito no fim do ano passado para governar o Uruguai. Tabaré Vázquez sucederá a Mujica no terceiro mandato consecutivo da Frente Ampla, que ajudou a aprovar projetos de lei como a legalização do aborto, do casamento de pessoas do mesmo sexo e do consumo, da produção e venda de maconha.

Neste domingo, a presidente Dilma desembarcará no Rio de Janeiro, onde participa, a partir das 16h, de dois eventos em comemoração aos 450 anos da cidade: a inauguração do Túnel Rio 450 e a cerimônia oficial promovida pela prefeitura carioca.

Levy admite ter sido 'infeliz'
Repreendido pela presidente Dilma, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, já admitia a pessoas próximas, na noite de sexta-feira, ter sido infeliz na escolha de algumas expressões durante a coletiva de imprensa em que anunciou as medidas de ajuste que anularam na prática a desoneração da folha de pagamento para as empresas. Na entrevista, ele classificou de “grosseira” a desoneração e afirmou que “essa brincadeira nos custa R$ 25 bilhões por ano”. A presidente Dilma Rousseff disse, neste sábado, no Uruguai que Levy foi infeliz ao usar o adjetivo.

— Usei demais de coloquialismo — comentou o ministro com assessores, em uma avaliação após a entrevista, onde admitiu que as frases foram ruins.

Em conversa com assessores, Levy disse acreditar que as medidas anunciadas “não são para revogar o passado e sim para construir o futuro”.

Há uma expectativa de que o Ministério da Fazenda divulgue uma nota sobre as declarações do ministro, mas ainda não há confirmação.

Críticas públicas da presidente Dilma a seus ministros e assessores não são novidade, nem mesmo na equipe econômica. No começo de janeiro, com apenas um dia no cargo, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, levou uma bronca da presidente e por ordem de Dilma divulgou nota em que afirmava que “a proposta de valorização do salário mínimo, a partir de 2016, seguirá a regra de reajuste atualmente vigente”.

Naquele dia, depois de ler os jornais na praia, na base naval de Aratu, na Bahia, onde descansava, a presidente ficou bastante irritada com a repercussão das declarações de Barbosa do dia anterior sobre a mudança na regra de reajuste do salário mínimo e mandou o ministro divulgar uma nota desmentindo as afirmações.

Pressionada, presidente fala mais e amplia sua exposição

• Em 10 dias, Dilma apareceu mais do que nos 50 dias anteriores neste ano

• Ela segue sugestão do ex-presidente Lula, que também a aconselhou a ser mais agressiva nos pronunciamentos

João Carlos Magalhães – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Pressionada pela deterioração da economia, pela perda do controle político do Congresso e pelo derretimento de sua popularidade, a presidente Dilma Rousseff aumentou sua exposição para tentar reagir à crise em que o governo está mergulhado.

Excepcionalmente calada e sumida até o fim do Carnaval, Dilma apareceu e falou mais em 10 dias do que nos 50 anteriores deste segundo mandato. A alteração na agenda segue conselho dado pelo ex-presidente Lula.

De 20 de fevereiro a 1º de março, Dilma duplicou o número de viagens a trabalho, concedeu ao menos quatro entrevistas (ato inédito até então em 2015) e aumentou o ritmo de discursos.

Nesse período, construiu agendas positivas em cinco viagens e participou de inaugurações na Bahia e no Rio Grande do Sul. Neste domingo, também deve estar na posse do presidente eleito uruguaio Tabaré Vázquez. Depois, tem eventos no Rio.

Em nenhuma delas foi hostilizada, como ocorreu em Campo Grande (MS) no início de fevereiro.

Em suas falas, também após conselho de Lula, adotou um tom mais agressivo.

No dia 20, por exemplo, disse que, se a corrupção na Petrobras tivesse sido punida na gestão do tucano Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o esquema hoje desvendado pela Operação Lava Jato não teria se alastrado.

Depois, no dia 25, disse que a queda da nota de crédito da estatal era fruto da "falta de conhecimento" sobre a capacidade da empresa.

A agenda subitamente cheia e as palavras mais duras contrastam com o isolamento experimentado pela presidente durante esse começo de ano, que atraiu críticas de opositores e aliados.

Para os primeiros, o sumiço da presidente indicava sua incapacidade de lidar com a crise. Para os segundos, a atitude de Dilma, em vez de minorar as dificuldades, as alimentava.

Graças à mudança de atitude, 2015, até então o ano em que Dilma menos havia falado desde sua chegada ao Planalto, se aproxima do ano passado em termos de falas da presidente.

Somados, foram 12 discursos e entrevistas até a conclusão desta edição.

É um pouco menos do que 2014, quando essa soma alcançou, até o dia 1º de março, 14 (a pior até então).

Simultaneamente, apesar de manter contas em redes sociais atualizadas com bastante frequência, outros canais de comunicação de Dilma, como o "Café com a Presidenta", estão inativos desde junho de 2014.

Petistas e tucanos veem crise política após episódio

• Há quem já peça a demissão do ministro. Oposição defende Levy

Júnia Gama - O Globo

BRASÍLIA- A reprovação da presidente Dilma às declarações do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, a respeito da desoneração na folha de pagamento promovida na gestão de Guido Mantega, repercutiu no meio político. Alguns petistas, que criticavam reser vadamente as ações de Levy, agora já se manifestam publicamente pela demissão do ministro. No PSDB, o sentimento é de que a crise se aprofunde com a discordância entre Dilma e Levy.

O líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), criticou as declarações de Levy, mas diz que não há motivo para crise.

— Não é recomendável que um ministro faça críticas ao antecessor, mas isso não é razão para qualquer tipo de crise — disse Costa. — É um bom ministro, está fazendo um bom trabalho. Como ele mesmo diria, foi só uma "escorregadinha" — ironizou.

A deputada federal Luizianne Lins ( PT- CE), porém, diz que Levy deve "respeitar a presidente Dilma e deixar o cargo".

— Ao contrário do que diz o ministro, foi a "brincadeira" que ajudou o Brasil a atingir os menores patamares de desemprego da história.

O líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB), dá razão ao ministro da Fazenda:

— É um ministro que veio para dar ao governo o que não tem, o mínimo de credibilidade. Essa crise entre os dois (Dilma e Levy) quebra esse objetivo.

O presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), afirmou que Dilma tenta criar a impressão de que as "maldades" são culpa de Levy, e não dela.

— A presidente da República parece ter um prazer mórbido em desautorizar seus ministros, como se isso aumentasse a sua autoridade.

Tensão domina Congresso às vésperas da lista de Janot

Beatriz Bulla, Daniel Carvalho e Talita Fernandes - O Estado de S. Paulo

Os dias que antecedem a apresentação dos inquéritos contra políticos citados no esquema de corrupção da Petrobras foram de trabalho por parte dos acusadores, a Procuradoria-Geral da República, e tensão dos parlamentares, no Congresso Nacional. Neste fim de semana, procuradores da República que elaboraram as peças contra autoridades citadas na Lava Jato se dedicam a reler todo material, elaborado com base nas delações do doleiro Alberto Youssef e do ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa.

Os oito procuradores que integram o grupo de trabalho coordenado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, tentam concluir o trabalho para que o material chegue ao Supremo Tribunal Federal - no caso de parlamentares - e ao Superior Tribunal de Justiça - no caso de governadores - até quarta-feira. Checam todas as peças para que não haja nenhuma incoerência entre os casos, já que todos estão interligados.

O procedimento habitual do procurador-geral da República é de avisar políticos investigados antes de solicitar as investigações ao Supremo, para que os parlamentares não sejam "intimados" por notícias veiculadas na imprensa. Contudo, ainda não se sabe se o procurador adotará o mesmo hábito nos casos relativos à Lava Jato.

Mas essa mera possibilidade despertou no meio político nesta semana um sentimento batizado por alguns de "tensão pré-Janot". O motivo é que dezenas de nomes de parlamentares apareceram nos depoimentos dos delatores, entre eles os dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Renan Calheiros (PMDB-AL), que negam as acusações.

Conforme revelou a reportagem em dezembro, só na lista de Costa são ao menos 28 políticos mencionados. Assim, o clima nos últimos dias foi de apreensão nos corredores do Congresso. No café dentro do plenário da Câmara e do Senado, tradicional área em que os parlamentares se reúnem durante as sessões, todos especulavam quem apareceria na lista de Janot e, em um movimento inverso ao corriqueiro, abordavam jornalistas na expectativa de conseguir a confirmação dos nomes antecipadamente. "Sabe algum nome?", "Sabe dizer se alguém já foi procurado?", perguntavam aos repórteres.

Para aliviar a tensão, alguns faziam piada com a previsão de telefonemas, cartas ou e-mails da Procuradoria-Geral antecipando alguma a notícia. "Oficial de Justiça vai ter que entrar aqui com segurança", brincou um deputado. "Essa história de telefonar não vai dar certo porque vão começar a passar trote e aí vai ter muito cara enfartando", disse outro.

A lista também é esperada para definir os rumos da CPI criada na Câmara para apurar o esquema de corrupção na Petrobras.

A ansiedade pela lista também adentrou o Palácio do Planalto, mas em um grau menor

Endividada, OAS paralisa obras em berço petista

• Prefeito de São Bernardo alega falta de repasse federal

Germano Oliveira – O Globo

SÃO BERNARDO DO CAMPO - Com dívida de R$ 7,7 bilhões e na lista das principais empreiteiras investigadas pela Operação Lava-Jato, a OAS está transformando o município paulista de São Bernardo do Campo, administrado pelo PT, num canteiro de obras paradas. Responsável por 90% das obras da cidade, berço petista, a empreiteira parou de executar a construção do piscinão do projeto Drenar, em torno do Paço Municipal, a drenagem dos principais córregos de bairros da periferia, as obras do Corredor Leste-Oeste e de conjuntos habitacionais.

O prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho, reconhece que algumas obras, que fazem parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), estão paralisadas por falta de repasses de dinheiro do governo federal. Para ele, "a normalização desses repasses está diretamente ligada à aprovação do Orçamento pelo Congresso".

As ligações de Marinho com a OAS são estreitas. Ele recebeu doações da construtora para suas campanhas de 2008 (R$ 260 mil) e 2012 (R$ 50 mil).

Custo de conjunto habitacional foi reajustado em 185%

• Obras de piscinão e drenagem para acabar com enchentes se arrastam desde 2013

As obras no município paulista começaram a ser paralisadas no final do ano passado, após a prisão dos principais executivos da OAS pela Operação Lava-Jato, incluindo o presidente da empreiteira, Léo Pinheiro, em novembro de 2012. A OAS é a empresa que terminou a obra do prédio iniciado pela Bancoop, no Guarujá, onde o ex-presidente Lula comprou um apartamento. Depois de a cooperativa deixar o empreendimento, a empresa, inclusive, foi responsável pelos reparos finais no imóvel de Lula.

Em São Bernardo, a obra mais importante que a OAS vinha tocando é a do projeto Drenar, para acabar com as enchentes na região. Segundo a prefeitura, o ritmo das obras é afetado pela falta de repasse das verbas do governo federal, mas ninguém admite que estejam totalmente paralisadas. O GLOBO esteve no local e não registrou operários trabalhando. Tapumes fecham o entorno do local.

O vereador Julio Fuzari, presidente do PPS de São Bernardo, diz que a OAS chegou a demitir 400 funcionários em dezembro, por não estar recebendo da prefeitura, paralisando totalmente as obras do projeto Drenar em janeiro. A prefeitura diz que "a velocidade de cada obra está condicionada ao repasse de recursos" e que "não há relação direta entre ritmo de obra e a operação Lava-Jato".

Para a prefeitura, a obra do piscinão vai acabar com os problemas históricos das enchentes no Paço Municipal. O piscinão terá profundidade de cerca de 20 metros, o equivalente a um prédio de sete andares, e vai ocupar uma área aproximada de dois campos de futebol, com capacidade para reter 220 milhões de litros de água da chuva. O piscinão está orçado em R$ 296,9 milhões, com verbas do Ministério das Cidades.

Mas todo o projeto Drenar — feito pela OAS e orçado em R$ 600 milhões —, para a drenagem da água do Paço e de córregos na periferia, como Sacarantan, Silvina, Ipiranga, Capuava, Ribeirão dos Meninos e Pindorama, estão com obras paradas.

Os trabalhos começaram no final de 2013, mas pararam no final do ano passado também por causa da interrupção de repasses do governo federal, em função da falta de aprovação do Orçamento da União.

Pedido de CPI na Câmara
Além do projeto Drenar e a canalização de córregos, a OAS faz outras importantes obras na cidade, como o corredor LesteOeste, orçado em R$ 419 milhões, dos quais R$ 247 milhões são do PAC e R$ 165 milhões da Caixa Econômica Federal. As obras também estão desaceleradas. A OAS ergue ainda vários condomínios habitacionais.

— A OAS faz 90% das obras de São Bernardo do Campo. Acreditamos que as concorrências sejam dirigidas para a OAS ganhar tudo na cidade. De 2009 a 2012, a OAS faturou R$ 1,032 bilhão em obras em São Bernardo. Por isso, estamos pedindo a criação de uma CPI na Câmara Municipal para investigar essa relação da prefeitura petista com a OAS — disse o vereador Fuzari.

A oposição, no entanto, ainda não conseguiu abrir CPIs contra o prefeito Luiz Marinho. Dos 28 vereadores da cidade, 20 fazem parte da base aliada e apenas oito estão na oposição. Para a abertura de qualquer CPI, é necessário ter assinaturas de no mínimo dez vereadores.

— Se não conseguirmos abrir uma CPI que investigue a relação da OAS com Luiz Marinho, vamos encaminhar os documentos que temos para o Ministério Público Estadual, pedindo a abertura de uma Ação Civil Pública — garante o vereador Fuzari.

Segundo a oposição, a OAS fez várias obras suspeitas de superfaturamento, como a construção de 564 de apartamentos nos bairros Jardim Silvino e no Jardim Esmeralda, em 2009. As obras, orçadas em R$ 85 milhões, sofreram aditamento de 185%, quando a lei só permite até 25%, segundo Fuzari. As obras terminaram custando R$ 327 milhões. A prefeitura nega superfaturamento. A OAS não se manifestou até o fechamento da edição.

Em crise, Petrobras ajuda a afundar PIB, emprego e arrecadação

• Empresa responde por 5% da economia. Em impostos, soma mais que ajuste fiscal

Cássia Almeida, Rennan Setti – O Globo

A crise na Petrobras escancarou a dependência que a economia brasileira tem da maior empresa do país em receita, em áreas como emprego, renda, balança comercial, contas públicas e no Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país). Segundo as previsões, o Brasil terá recessão este ano, e a Petrobras tem impacto relevante nessa queda na economia brasileira. Pelos cálculos da economista Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria, só a redução esperada de 30% nos investimentos da Petrobras, que somaram R$ 104 bilhões em 2013, faria o PIB cair 1,2%. Juntando as 23 empreiteiras envolvidas na operação Lava-Jato, esse impacto negativo sobe para 1,9%.

Com faturamento de R$ 300 bilhões, a Petrobras responde, sozinha, por 5% do PIB estimado de 2014, de R$ 5,1 trilhões.

O pagamento de impostos da estatal soma R$ 74 bilhões. O valor é maior que o esforço fiscal prometido pelo governo federal, de R$ 65 bilhões. Cerca de 8,1% da folha de pagamento da indústria estão nas mãos da petroleira. São 356.537 empregados diretos e terceirizados. A crise na empresa já apareceu nesse indicador. Houve queda de 17% nesse contingente de 2013 para 2014.

A empresa já perdeu o grau de investimento pela Moody"s. uma das três principais agências de risco. E há receio que a crise na indústria contamine as percepções de risco do país. Na Bolsa, o valor de mercado da Petrobras caiu 60% desde o auge, em setembro de 2014. Os números mostram que a estatal em crise leva o país junto.

Procuradores reagem a crítica de chefe da AGU sobre acordos

• Em nota, associações acusam Adams de assumir papel a que nem os advogados das empreiteiras se propuseram

• Em entrevista, advogado-geral da União havia dito que procuradores usam ameaça de fechar firmas para obter delações

- Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Em mais um capítulo do embate entre o Ministério Público e a Advocacia-Geral da União, associações de procuradores da República reagiram à crítica feita pelo ministro Luís Inácio Adams sobre a atuação da força-tarefa da Operação Lava Jato.

Em nota, divulgada na sexta-feira (27), a Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR) e a Associação Nacional do Ministério Público de Contas (Ampcon) repudiaram acusação do ministro de que os procuradores tentam utilizar os acordos de leniência como instrumento de ameaça para obter confissões.

"Ao externar essas imaginações, fica óbvio que o ministro assume um protagonismo a que nem mesmo os advogados privados das empreiteiras e dos presos na operação se propuseram", criticaram as entidades.

Na nota, as entidades dos procuradores federais ressaltaram que, desde o início das apurações, o Ministério Público Federal foi procurado por investigados e presos e "esclareceu e fixou condições que observam estritamente o que exige a lei".

"As ameaças antevistas são outras: as que buscam violar a Lei Anticorrupção, sem reparação integral do dano, em prejuízo à União", disseram. "A ANPR e a Ampcon reafirmam a total confiança nos procuradores da República que se dedicam à Operação Lava Jato", acrescentaram.

Na quarta-feira (25), procuradores federais que atuam na Operação Lava Jato se reuniram com ministros do TCU (Tribunal de Contas da União) para defender que os acordos de leniência com empresas investigadas sejam feitos pelo Ministério Público Federal, e não pela CGU (Controladoria Geral da União).

O argumento é de que o órgão do governo federal não tem acesso a informações sigilosas já obtidas no rastro da Operação Lava Jato e, assim, poderia aceitar dados que não são novos.

No dia seguinte, em entrevista publicada pelo jornal "O Estado de S. Paulo", o ministro avaliou como um "absurdo" que o Ministério Público, com um discurso avaliado por ele como "político" e "ideológico", queira interferir na condução de investigação que cabe à CGU.

Procurado pela Folha, o ministro avaliou as críticas feitas pelas associações como "impróprias" e considerou que a intenção de procuradores federais de bloquear previamente a realização de acordos de leniência é um forma de pressão.

"A minha crítica, e eu a mantenho, é a de eles quererem avançar em competência que é de outros órgãos", observou o ministro.

Ele ressaltou que, em nenhum momento, fez críticas à Operação Lava Jato.

Demora por escolha ao STF gera críticas

• Corte tem vaga aberta desde a saída de Joaquim Barbosa, há 7 meses; presidente não tem prazo para preenchê-la

• Ex-ministros engrossam coro de Celso de Mello e Marco Aurélio; com dez juízes, tribunal está sujeito a empates

Catia Seabra – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Ex-ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) engrossam o coro de críticas à demora da presidente Dilma Rousseff na escolha do 11º integrante da corte. A vaga está desocupada há mais de sete meses, desde que o ex-ministro Joaquim Barbosa se aposentou.

Para eles, a morosidade da presidente fere um princípio segundo o qual o número de titulares dos tribunais deve ser ímpar para evitar empates nas decisões judiciais.

"O atraso é uma desconsideração da presidente Dilma Rousseff com o STF. Nunca vi isso", afirma o ex-ministro Carlos Velloso, que chega a propor uma emenda constitucional que fixe prazo para o preenchimento de cargos vagos em tribunais.

Na quinta-feira (26), os ministros Celso de Mello e Marco Aurélio acusaram a presidente Dilma de "omissão".

Marco Aurélio chegou a classificar a demora de "nefasta" para a dinâmica do Supremo. A avaliação ocorreu durante um julgamento que terminou em empate, de quatro votos contra quatro --dois ministros estavam ausentes.

"Essa omissão irrazoável e abusiva da presidente da República [...] está interferindo na qualidade dos julgamentos", disse Celso de Mello, o mais antigo membro do STF.

Marco Aurélio, o segundo em antiguidade, endossou: "Veja como é nefasto atrasar-se a indicação de quem deve ocupar a cadeira", disse.

Ex-ministro do STF e também do governo Dilma, Nelson Jobim afirma que a demora prejudica até a definição do novo titular do tribunal.

"Se a presidente não resolve logo quem será o próximo ministro do Supremo, aparece um monte de nome e então se dá a confusão", avalia.

Segundo Carlos Ayres Britto, também aposentado da corte, "há uma razão de ser do número ser ímpar".

"A demora do preenchimento compromete os julgamentos. Fere a pureza de um princípio democrático, o da 'majoritariedade'", afirma. "O princípio democrático resulta abatido de uma só cajadada", completa.

A substituição do próprio Ayres Britto também demorou. O nome de seu substituto, Luís Roberto Barroso, foi anunciado em maio de 2013, seis meses depois da aposentadoria de Ayres Britto.

A aposentadoria de Joaquim Barbosa foi oficializada no fim de julho de 2014. Desde então, o STF funciona com um integrante a menos.

Apesar das críticas, Dilma só deve indicar o novo ministro após a instalação da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, que precisa avalizar o nome. O PMDB deve indicar o presidente da comissão nesta semana, o que destrava a instalação.

Governo planeja pacote para socorrer empreiteiras suspeitas

• Intensificação de liberação de verbas federais e acordos com controladoria integram estratégia do Planalto

Andreza Matais, Débora Bergamasco e Murilo Rodrigues Alves - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Numa tentativa de socorrer empreiteiras acusadas de envolvimento no esquema de corrupção na Petrobrás, o governo tomará uma série de iniciativas com potencial para acalmar os empresários presos na Operação Lava Jato. O esforço passa por liberar empréstimos de bancos públicos e verbas orçamentárias, além de acelerar acordos de leniência via Controladoria-Geral da União, seguindo discurso da presidente Dilma Rousseff de que empresas não podem ser punidas, mas, sim, seus malfeitores.

Uma das primeiras iniciativas será financeira. O governo começou a liberar recursos orçamentários para pagar obras já finalizadas pelas empreiteiras da Lava Jato. Para a Odebrecht, o governo pagou R$ 37,1 milhões no dia 23 de janeiro. A Queiroz Galvão, também acusada de participar do “clube da propina”, recebeu R$ 124,25 milhões entre janeiro e fevereiro. A Engevix, que tem seu vice-presidente preso na superintendência da Polícia Federal em Curitiba, outros R$ 2,2 milhões. Os valores constam do Siafi, sistema de registro de pagamentos do governo federal, e foram levantados pela liderança do DEM no Senado a pedido do Estado.

A sobrevida às empresas, na estratégia do governo, será garantida, ainda, com a liberação de empréstimos do BNDES e do Banco do Brasil já solicitados pelas empresas da Lava Jato, mas que estão paralisados desde o ano passado. São os chamados “empréstimos-ponte”, usados para solucionar problemas urgentes de caixa das empresas. O novo presidente da Petrobrás, Aldemir Bendine, também foi escalado para garantir a retomada dos pagamentos dos contratos com a petroleira.

Valores. Quando ainda ocupava a presidência do BB, Bendine se reuniu com outros bancos para calcular a dívida das empreiteiras investigadas com bancos públicos e privados. Estima-se um rombo de R$ 130 bilhões. O número teria sido comunicado ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e a procuradores da Lava Jato. O BB e a Febraban disseram que não comentariam sobre a reunião. A assessoria de Janot negou o encontro com Bendine. O cálculo foi feito porque o governo se preocupou com o impacto da operação no sistema financeiro nacional. O medo era de que os bancos tivessem que arcar com os calotes caso as empresas fossem declaradas inidôneas. Isso impediria que pudessem ser contratadas pelo setor público.

A Lava Jato atingiu dezenas de empreiteiras. Onze empresários da UTC/Constran, Camargo Corrêa, OAS, Mendes Junior, Engevix e Galvão Engenharia estão presos desde 14 de novembro na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba.

Leniência. A insistência do governo para que a CGU faça o acordo de leniência com as empresas da Lava Jato em lugar do Ministério Público Federal também agrada às empresas. O acordo é proposto pelas empresas, mas caberá à CGU aceitar ou não as condições impostas.

No fim do ano passado, a CGU tentou fazer um acordo com a SBM Offshore, empresa holandesa acusada de pagar propina em troca de contratos com a Petrobrás. Não houve acordo porque a controladoria defendeu que a multa fosse na casa do bilhão, valor equivalente ao prejuízo calculado pela então presidente da Petrobrás, Graça Foster. A SBM queria pagar R$ 400 milhões.

O ministro da Advocacia-Geral da União, Luís Inácio Adams, defende que o valor da multa seja “real”. “Qual o valor a ser ressarcido? O Ministério Público estipula o deles, mas é real? A Petrobrás vai fazer o dela. Como a empresa vai ressarcir? Temos que achar uma base comum”, afirma. Além da negociação sobre a multa, o acordo de leniência pela CGU evita que as empreiteiras sejam impedidas pela Justiça de receber incentivos, subsídios e empréstimos da administração pública.

Declaração da presidente Dilma Rousseff em defesa das empresas também teria tido o efeito de tranquilizar os investigados. “Iremos tratar as empresas tentando, principalmente, considerar que é necessário criar emprego e gerar renda”, disse ela há pouco mais de uma semana.

Fernando Henrique Cardoso* - A miséria da política

• Será que a lógica do marquetismo eleitoral continuará a guiar os passos da presidente e de seu partido? A situação nacional requer grandeza

- O Estado de S. Paulo / O Globo

Otimista por temperamento, com os necessários freios que o realismo impõe, raramente me deixo abater pelo desalento. Confesso que hoje, no entanto, quase desanimei: que dizer, que recado dar diante (valham-me os clássicos) de tanto horror perante os céus?

Na procura de alento, pensei em escrever sobre situações de outros países. Passei o carnaval em Cuba, país que visitava pela terceira vez. A primeira, na década de 1980, quando era senador - fui jurado num Prêmio Casa de las Américas. Voltei à ilha como presidente da República. Vi menos do povo e dos costumes do que na vez anterior: o circuito oficial é bom para conhecer outras realidades, não as da sociedade. Agora visitei Cuba como cidadão comum, sem seguranças nem salamaleques oficiais. Fui para descansar e para admirar Havana, antes que o novo momento econômico de relações com os Estado Unidos a modifique muito.

Não fui, portanto, para avaliar a situação política (nem sequer possível em sete dias) ou para me espantar com o já sabido, de bom e de mau, que lá existe. Não caberia, portanto, regressar e fazer críticas ao que não olhei com maior profundidade. Os únicos contatos mais formais que tive foram com Roberto Retamar (poeta e diretor da referida Casa de las Américas), com o jornalista Ciro Bianchi e com o conhecido romancista Leonardo Padura. Seu livro El Hombre que Amaba a los Perros - sobre a perseguição a Trotski em seu exílio da União Soviética - é uma admirável novela histórica. Rigorosa nos detalhes, aguda nas críticas, pode ser lida como um livro policial, especialidade do autor, que, no caso, reconstitui as desventuras do líder revolucionário e o monstruoso assassinato feito a mando de Stalin.

Jantei com os três cubanos e suas companheiras. Por que ressalto o fato, de resto trivial? Porque, embora ocupando posições distintas no espectro político da ilha, mantiveram uma conversa cordial sobre os temas políticos e sociais que iam surgindo. A diversidade de posições políticas não tornava o diálogo impossível. Eles próprios não se classificavam, suponho, em termos de "nós" e "eles", os bons e os maus. Por outra parte, ainda que o cotidiano dos cubanos seja de restrições econômicas que limitam as possibilidades de bem-estar, em todos os populares com quem conversei senti esperanças de que no futuro estarão melhor: o fim eventual do embargo, o fluxo de turistas, a liberdade maior de ir e vir, as remessas aumentadas de dinheiro dos cubanos da diáspora, tudo isso criou um horizonte mais desanuviado.

É certo que nem em todos os contatos mais recentes que tive com pessoas de nossa região senti o mesmo ânimo. Antes de viajar recebi ligação telefônica da mãe de Leopoldo López, oposicionista venezuelano que cumpriu um ano de cadeia no dia 18 de fevereiro. Ponderada e firme, a senhora me pediu que os brasileiros façamos algo para evitar a continuidade do arbítrio. Ainda mantém esperanças de que, ademais dos protestos no Congresso e na mídia, alguém do governo entenda nosso papel histórico e grite pela liberdade e pela democracia.

Na semana passada foi a vez de Henrique Capriles me telefonar para pedir solidariedade diante de novos atos de arbítrio e truculência em seu país: o prefeito Antonio Ledezma, eleito para o governo do Distrito Metropolitano de Caracas pelo voto popular, havia sido preso dias antes em pleno exercício de suas funções. Não bastasse, em seguida houve a invasão de vários diretórios de um partido oposicionista. Note-se, como me disse Capriles, que Ledezma não é um político exaltado, que faz propostas tresloucadas: ele, como muitos, deseja apenas manter viva a chama democrática e mudar pela pressão popular, não pelas armas, o nefasto governo de Nicolás Maduro. Esperamos todos que o desrespeito aos direitos humanos provoque reações de repúdio ao que acontece na Venezuela.

Até mesmo os colombianos, depois de meio século de luta armada, vão construindo veredas para a pacificação. As Farc e o governo vêm há meses, lenta, penosa, mas esperançadamente, abrindo frestas por onde possa passar um futuro melhor. Amanhã, segunda-feira, 2 de março, o presidente Juan Manuel Santos e outras personalidades, entre as quais Felipe González, estarão reunidos em Madri num encontro promovido por El País (ao qual não comparecerei por motivos de força maior) para reafirmar a fé na paz colombiana.

Enquanto isso, nós que estamos longe de sofrer as restrições econômicas que maltratam o povo cubano ou os arbítrios de poder que machucam os venezuelanos, eles também submetidos à escassez de muitos produtos e serviços, nos afogamos em copo d'água.

Por que isso, diante de uma situação infinitamente menos complexa? Por que Lula, em lugar de se erguer ao patamar que a História requer, insiste em esbravejar, como fez ao final de fevereiro, dizendo que colocará nas ruas as hostes do MST (pior, ele falou nos "exércitos"...) para defender o que ninguém ataca, a democracia, e - incrível - para salvar a Petrobrás de uma privatização que tucano algum deseja? Por que a presidente Dilma se deu ao ridículo de fazer declarações atribuindo a mim a culpa do petrolão? Não sabem ambos que quem está arruinando a Petrobrás (espero que passageiramente) é o PT, que no afã de manter o poder criou tubulações entre os cofres da estatal e sua tesouraria? Será que a lógica do marquetismo eleitoral continuará a guiar os passos da presidente e de seu partido? Não percebem que a situação nacional requer novos consensos, que não significam adesão ao governo, mas viabilidade para o Brasil não perder suas oportunidades históricas?

Confesso que tenho dúvidas se o sentimento nacional, o interesse popular serão suficientes para dar maior têmpera e grandeza a tais líderes, mesmo diante das circunstâncias potencialmente dramáticas de que nos aproximamos. Num momento que exigiria grandeza, o que se vê é a miséria da política.

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*Fernando Henrique Cardoso é sociólogo e foi presidente da República

Luiz Werneck Vianna* - Dois meses que duraram séculos


  • A solidão política pós-eleição traz de volta o espantalho do impeachment

- O Estado de S. Paulo

No tempo curto de dois meses, um abismo separa o que foi o primeiro governo Dilma deste que tarda em começar, ainda prisioneiro de práticas e concepções das quais não será fácil desembaraçar-se. Na política, como nos transatlânticos, mudanças inesperadas de rota são de operação complexa e demandam convicções firmes dos seus timoneiros. Eles devem, se desejarem evitar movimentos de amotinados, ser capazes de apresentar suas razões e demonstrar autenticidade e determinação na opção pela mudança de rumos.

Pois é de tal grave natureza uma das ameaças que rondam o mandato presidencial, qual seja o de perder o apoio do seu partido, do sindicalismo da CUT, de movimentos sociais, inclusive dos difusos como os que somente se fazem visíveis nas redes da internet, adversos à política que adotou em favor do ajuste fiscal, contrariando o que alardeou em alto e bom som no curso da campanha presidencial. A categoria dos intelectuais, a esta altura, parece irrecuperável, apesar das cambalhotas dialéticas com que alguns se eximem da crítica e da autocrítica.

Decerto que tais riscos têm sua origem em escolhas feitas pela presidente, ao insistir, em sua campanha eleitoral, em caminhos já exauridos pela macroeconomia de sua lavra e do seu ministro da Fazenda. Verdade que um eventual reconhecimento prévio de um diagnóstico desse tipo, que não era estranho ao círculo do poder (Lula incluído) - evidente na opção, feita nas primeiras horas após a vitória eleitoral, pela descontinuidade da sua política econômica com a indicação de um nome antípoda à sua tribo doutrinária para a pasta da Fazenda -, ter-lhe-ia custado a reeleição.

Assim, se no terreno da economia foi a mudança de cenário o que importou para a guinada de rumos em favor do ajuste fiscal, brusca mudança de rota a marcar a passagem do primeiro mandato presidencial para o segundo, no caso da política esse marcador tem origem nas ações da própria presidente.

De um lado, por ter recusado manter-se alinhada às práticas tradicionais em seu partido, que tanto serviram a ela e ao seu antecessor, suportadas, no fundamental, pelo eixo PT-PMDB, ao apresentar uma candidatura de um quadro do seu partido, na disputa pela presidência da Câmara dos Deputados, contra o peemedebista Eduardo Cunha, um franco favorito, segundo avaliação então corrente. Como se sabe, sua derrota eleitoral destravou uma inédita rebelião parlamentar contra a interferência do Executivo no Poder Legislativo.

De outro, ao compor seu governo com quadros vinculados a alas minoritárias do seu próprio partido, a presidente contrariou suas lideranças mais influentes, e a solidão política que se estabeleceu em torno dela tem trazido de volta o velho espantalho do impeachment, sempre a rondar presidentes sem apoio congressual e em orfandade partidária. Em breves dois meses, seu mandato assemelha-se ao de presidentes malsucedidos que aguardam, com amargura, a hora da passagem do bastão de comando a seu sucessor.

Agora, passado o carnaval, diante desse horizonte aziago que está aberto diante de nós, a rota inevitável é a de enfrentar mar alto em águas turbulentas, em que o timoneiro precisa estar atento a todos os sinais, e não apenas aos que lhe vêm dos seus impulsos e convicções íntimas. Boa será a reforma política que vier do Parlamento e que venha a ser referendada, onde couber, pela cidadania. Esse pode ser um começo para uma navegação menos arriscada.

Se há previsões fundamentadas de mau tempo, em particular com os desdobramentos dos escândalos da Petrobrás, ainda em fase de apuração por parte do Ministério Público e do Poder Judiciário, de desenlace imprevisível quando os malfeitos e os responsáveis por eles vierem a público com a formalização de um processo criminal, não se podem ignorar os bons augúrios que nos vêm tanto da afirmação da autonomia do Legislativo, que nos faltava - fato de importância capital nas Repúblicas democráticas -, como a do Judiciário, a esta altura solidamente escorada pela intensa vida corporativa das inúmeras associações de magistrados.

Não há motivos, pois, para surtos paranoicos quanto ao destino da nossa democracia política, embora seja certo que os próximos quatro anos nos reservem turbulências e nova disposição nas peças sobre o tabuleiro político. Os primeiros movimentos nessa direção já se iniciaram com a elevação do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, um estranho no ninho do PT, às funções de primeiro-ministro, a quem se encarregou de liderar as negociações com lideranças parlamentares a fim de aprovar o ajuste fiscal no Legislativo, operação já iniciada com as bênçãos do PMDB. Na sequência, devem ceder as resistências do Executivo a Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, que já deu fortes demonstrações de expertise no jogo da política parlamentar e parece imune a ações de cooptação pelo governo.

Outro elemento de imprevisibilidade que nos ronda são as ruas, aqui uma protagonista nos idos de 2013 e, por toda parte, uma nova e incontornável presença na vida política e social neste início de século. No Brasil, até no carnaval paulistano. Elas deverão retornar, mas com outra demografia e outros temas, diversos dos daqueles estudantes e da agenda tópica de políticas públicas de dois anos atrás. Já estão nelas os sem-teto e o sindicalismo operário, como na ocupação da Ponte Rio-Niterói por parte dos petroleiros, entre tantas manifestações recentes de metalúrgicos paulistas, e, agora, perigosamente, os caminhoneiros. A agenda desses recém-chegados às ruas, com uma economia retraída, não recomenda ao boxeador ficar agarrado às cordas. Ele precisa se reinventar, abandonando o tipo de jogo que o está levando à derrota, e reiniciar a luta, mesmo que com um estilo com o qual não esteja habituado. Se quiser evitar o risco de beijar a lona.

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*Luiz Werneck Vianna é cientista social - PUC-RJ

Elio Gaspari - A Camargo Corrêa pode virar uma Siemens

• Colaboração da Camargo Corrêa com a Viúva pode significar um novo tempo

- O Globo

A decisão do presidente e de um dos vice-presidentes da Camargo Corrêa de colaborar com a Viúva pode significar o início de um novo tempo nas relações de grandes empresas com o Estado. Se a empresa aderir, poderá se transformar numa Siemens.

Nada garante que isso vá acontecer, mas a multinacional alemã foi do inferno ao paraíso em poucos anos. Com 400 mil empregados em 190 países, ela corria o risco de ser declarada inidônea nos Estados Unidos e na Alemanha. Resolveu corrigir-se. Reconheceu que distribuiu US$ 1,4 bilhões em 65 países e abriu uma investigação interna. Foram analisados 127 milhões de documentos e descobertos novos malfeitos. A Siemens contratou Theo Waigel, ex-ministro da Economia da Alemanha, para uma posição de superombudsman. Ele visitou 20 países, reuniu-se com cerca de 1.500 pessoas e ficou com pouco tempo para outras atividades. De seu trabalho resultou que a empresa tem um novo lema: "A Siemens só faz negócios limpos". A faxina foi geral. No primeiro ano, o ombudsman fez mais de cem recomendações, todas aceitas. No segundo, 40. No terceiro, apenas dez. Criou uma sistema de controle de denúncias. Para garanti-lo, apresentavam-se falsas reclamações, para ver se elas são varridas para baixo do tapete.

A tortura e o doutor Wadih Damous
Têm sido muitas as linhas de defesa do pessoal metido nas petrorroubalheiras; uma delas revela o tamanho do cartel de mistificações que se pretende construir. Os presos de Curitiba estariam sendo submetidos a um tratamento humilhante e, o que é pior, a uma tortura. Muita gente boa gosta desse argumento. Nas palavras do doutor Wadih Damous, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil:

"Delação premiada não é pau de arara, mas é tortura".

Não é. Primeiro porque a tortura é crime e a colaboração com a Viúva é um instrumento legal. Aceitandose a essência retórica do doutor, prender uma pessoa para obter dela uma confissão seria uma forma de torturá-la. Nessa transposição, até o barulho da televisão do vizinho pode ser uma tortura. O uso da palavra com essa conotação adjetiva faria sentido na Suécia. No Brasil, país governado por uma senhora que na juventude passou pela experiência da tortura a prestidigitação é ofensiva.

Uma observação de Dilma Rousseff a respeito da sua experiência deveria levar o doutor Damous a refletir:

"A pior coisa que tem na tortura é esperar. Esperar para apanhar".

Palmatórias, socos, pau de arara são sofrimentos terríveis, porém episódicos. Terminado o suplício, o preso volta para a cela e lá ele tem que esperar que o chamem de volta, "esperar para apanhar".

Os presos de Curitiba estão encarcerados e vivem numa situação de constrangimento legal. Chegaram a essa situação porque são acusados, com provas, de terem delinquido. Os que estão colaborando com a Viúva reconhecem isso.

São dois os tipos de pessoas que se incomodam com a colaboração dos acusados. Um grupo, pequeno, é composto por cidadãos que para isso são remunerados. Eles defendem as empreiteiras, todas as suas obras e todas as suas pompas. Outro grupo, bem maior, defende o comissariado petista. Numa trapaça da história, nele estão pessoas que sabem perfeitamente o que é tortura.

Fritura
A doutora Dilma encarregou o ministro Joaquim Levy de negociar com a agência Moody"s para que a nota de crédito da Petrobras não fosse rebaixada. Ele tentou durante o carnaval, quando esteve em Nova York e novamente na segunda-feira passada. Deu água.

Negociações como essa são comuns. Às vezes dão certo, às vezes fracassam. Valem pelo segredo em que são mantidas, seja qual for o desfecho. Se Levy fosse bem-sucedido, o sigilo evitaria que a Moody"s parecesse ter sido pressionada.

Rebaixada a Petrobras, o governo (mas não a Fazenda) revelou a gestão malsucedida. Pode ter sido pura incompetência, ou um lance de fritura de Levy.

Perigo
Se fossem poucos os problemas do comissariado, apareceu um novo. A possibilidade de que surjam novos fatos documentados sobre as petrorroubalheiras, vindos dos Estados Unidos, onde pelo menos duas agências investigam a Petrobras.

Se isso acontecer, é certo que renascerá a tese dos "inimigos externos". Será falsa, o governo americano zela pela saúde de seu mercado de ações, onde papéis da empresa são negociados na Bolsa.

Funcionários da Securities and Exchange Commission já estiveram no Brasil.

Em Pindorama, essa função é da Comissão de Valores Mobiliários, com quem diretores da Petrobras fizeram pelo menos sete acordos. Como diria o comissário Luís Inácio Adams, essa é um "especificidade" do Brasil.

Sugestão
CPI da Petrobras poderia funcionar em Curitiba.

Lá, ela ficaria mais perto das duas pontas da questão: o juiz Sérgio Moro e a carceragem.

Cota do PMDB
Na roda de fogo para segurar a votação da PEC da Bengala, chegou a um comissário do Planalto uma estranha proposta.

Aprovada, a emenda bloquearia a nomeação de cinco ministros do Supremo Tribunal Federal que irão para as vagas dos titulares que completarão 70 anos durante o mandato da doutora. O PMDB seguraria a PEC se ganhasse uma cota, influenciando a escolha de dois dos novos ministros.

O Juiz do Porsche
juiz Flávio Roberto de Souza foi afastado do caso de Eike Batista.

O Ministério Público bem que poderia sugerir uma medida que desse alegria à cidade. Deveriam obrigá-lo a circular durante uma semana, pela orla, no Porsche do ex-bilionário.

Se bater em cachorro pode levar uma pessoa a correr o risco de ter que limpar canis a pedido do MP, isso não seria absurdo.

Urucubaca
O repórter Lauro Jardim informa: O doutor Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, tinha seu conforto garantido pelo bloqueio de um elevador do prédio da empresa sempre que fosse usá-lo.

Durante 11 anos ele dirigiu a poderosa subsidiária da Petrobras e caiu na rede das petrorroubalheiras. Ele pode até ser um santo, mas chamou uma urucubaca.

É dura a vida de magnata que bloqueia elevador. Eike Batista está no chão. Edemar Cid Ferreira, Angelo Calmon de Sá e Theodoro Quartim Barbosa quebraram seus bancos, e Richard Fuld destruiu a Lehman Brothers. Paulo Skaf, valeu-se do mesmo privilégio como presidente da Fiesp apenas por algum tempo. Tomou uma surra na última eleição para o governo de São Paulo.

Vinicius Torres Freire - A alma penada de Dilma Rousseff

• O que deve sentir ou pensar a presidente ao ver o enterro de indigente de seus planos econômicos?

- Folha de S. Paulo

"Um negócio que era muito grosseiro;" "brincadeira que nos custa R$ 25 bilhões por ano". Foi com esse discurso de réquiem que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, enterrou o defunto que fora um dos planos mais estimados da primeira encarnação da presidente Dilma Rousseff: a redução de impostos que empresas pagam ao INSS.

O que a presidente sente ou pensa quando assiste à morte ingló- ria e ao enterro infame do seu programa econômico? O que diz a seus botões, durante a noite escura da alma, na solidão esplêndida do Alvorada?

Ela acredita nas fantasias mal escritas de seus discursos, que atribui a ruína que provocou a conjurações dos azares da economia do mundo?

Acredita, tal como algumas seitas de seus adeptos restantes, que foi vítima de conjurações de elites, "mídia" ou outro demônio? Vítima dessas elites a quem o governo paga e pagará juros aberrantes pela dívida que fez a fim de financiar uma fantasia caricata e transitória de progresso social, em vez de ao menos tentar cobrar-lhes mais impostos?

As elites, que tanto amaram o dinheiro de seu governo enquanto durou, que recebiam grana grossa para financiar a criação de oligopólios, ainda engolem meio trilhão de reais a juro quase zero, o "nacional-empresismo", outro programa que morre pelas mãos de tesoura de Levy.

Parece agora claro que Dilma não compreendia as consequências das encrencas enormes que criava, tal como endividar demais e levar à pindaíba o Tesouro Nacional e a Petrobras, para ficar nas mais rudimentares e estarrecedoras. Parecia mesmo convicta da eficácia de aplicar ao país uma versão decrépita, colegial e amadora do que imagina ter sido o desenvolvimentismo original, em si mesmo um "equívoco bem-sucedido", responsável por vários dos nossos horrores, como desigualdade, cidades monstruosas, ignorância de massa e elitismo disfarçado de "nacional e popular".

A presidente teria agora dúvidas? Ou balança a cabeça e tenta afastar a lembrança da lambança, tal como fazemos quando mentimos para nós mesmos a respeito dos nossos pecados? A julgar por biografias, histórias e exemplos vivos de poderosos vistos mais de perto, é provável que as perguntas sejam tão ingênuas quanto as ideias de Dilma.

Um político que chegou ao ápice do poder é quase tão oco quanto o tronco comido por cupins das árvores que desabam nas ventanias de São Paulo. Nesse quase vácuo há menos resistência para torcer seja lá o que tenha restado de ideias ou convicção. Até líderes maiores e melhores foram assim. Roosevelt tomou posse com um programa, começou a governar com outro e ainda mudou de ideia, com o que fez fama e história.

A alma de Dilma decerto não explica este quadriênio de perversões brasileiras, embora a presidente tenha se valido das oportunidades do governo imperial do país como poucos, encarnando a caricatura da Rainha de Copas. Mas o que explica ao menos o movimento dos seus humores? Dilma ora parece se debater furiosa dentro de uma bolha isolada mesmo das versões da realidade menos antipáticas a sua figura e a seu governo. Seria a fúria de alguém inquieta e ansiosa para voltar a sua vida passada, Dilma 1? Ou de uma alma penada sem rumo?

Eliane Cantanhêde - Crise do fim do mundo

- O Estado de S. Paulo

O 15 de março vem aí, com péssimas condições de tempo e temperatura, o governo fazendo barbeiragens e a oposição instigando as manifestações, mas desautorizando o "Fora, Dilma". E ironizando o "Foi o FHC".

Na economia, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, acerta ao entregar um superávit de R$ 21 bilhões em janeiro, mas erra feio ao criticar e chamar de "brincadeira" as desonerações feitas pela chefe Dilma Rousseff no primeiro mandato. Não se cutuca a onça com vara curta.

E... o aumento de até 150% nos impostos da indústria vem numa hora de pânico do setor produtivo e não é nada promissor para crescimento, inflação e empregos, que já começam a tremelicar.

Na política, as ameaças ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Entraram na casa dele e isso virou justificativa para seu encontro com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, um mês depois, justamente às vésperas do anúncio da lista de políticos do PT e do PMDB na Lava Jato. Pior: em 48 horas, o procurador desiste da denúncia de políticos e segue pelo desvio de abrir inquérito.

Leia-se: jogar tudo para as calendas.

Janot pode estar enveredando pelo pior dos caminhos: aquele que estanca um basta na corrupção sistêmica, dá na impunidade dos responsáveis pela maior roubalheira descoberta na República e, atenção, pode respingar na sua própria biografia.

Já o ministro da Justiça se encontra com o advogado da UTC, por acaso, ali na porta ao lado do seu gabinete, diz "Oi!, como está você?" e vira as costas. Também recebe a turma da Odebrecht e registra em ata que vai ver direitinho como foi o pedido de dados na Suíça, o que pode resultar em anulação de provas contra as empreiteiras. Depois se reúne com o procurador à noite, numa semana decisiva, para discutir um arrombamento desses que ocorrem às centenas, ou milhares, por dia.

Enquanto a política econômica dá um cavalo de pau, as versões do governo para sua ação na Lava Jato parecem sem pé nem cabeça e a sociedade se move, as investigações do esquemão na Petrobrás avançam. Só não se sabe para onde.

Já eram esperadas as delações premiadas de dois executivos da Camargo Corrêa, o presidente, Dalton Avancini, e o vice, Eduardo Leite (em choque com a própria companhia), que devem reforçar a tese de cartel contra a de esquema político para eternizar o PT no poder.

É o que o governo quer, mas não o que interessa à Odebrecht, onde habitam os maiores amigos de Lula e Dilma no setor. A empresa é a única que não tem nenhum executivo na cadeia e ficou fora da lista que vai pagar multa de R$ 4,5 bilhões, porque seus meandros de financiamento de campanha são muito mais complexos, não se encaixam nas investigações. Mas, se prevalecer a confissão conjunta de "cartel", ela entra na dança.

É mais um choque de interesses, mas o foco continua sendo no grande personagem das investigações: Ricardo Pessoa, o homem bomba da UTC. Tudo depende agora do fator emocional. Digamos que é uma questão de tempo.

Tem-se, assim, que a economia está como está, os ajustes são amargos num momento já de tanta amargura, o PMDB acaba de ir à TV se descolando do governo, cresce a sensação de que o procurador-geral está nas mãos de Dilma e Cardozo e o desfecho da Lava Jato é incerto, depois de tantas revelações escabrosas.

Pois é... e o 15 de março vem aí. Fernando Henrique Cardoso reuniu seus generais na sexta e o recado é: manifestações, sim; incitar o impeachment, não. Lula também reuniu sua tropa e avisou: se necessário, põe nas ruas a "tropa do Stédile" (ou seja, MST e movimentos sociais).

O que talvez os dos dois lados não estejam entendendo é que, desta vez, não se trata de PT versus PSDB. O momento é grave, a situação é complexa e a dinâmica é a de junho de 2013. As manifestações não são de partidos, de governo ou de oposição. São principalmente contra Dilma, mas contra todos eles.

Demétrio Magnoli - A hora e a história

• A história não é a hora. Dilma vai passar, cedo ou tarde. Ela não vale o preço da redução do Brasil a um Paraguai

- Folha de S. Paulo – 28/2/2015

O governo Dilma 2 acabou antes de começar. Batida pelo turbilhão da crise que ela mesma engendrou, a presidente perdeu, de fato, o poder, que é exercido por dois primeiros-ministros informais: Joaquim Levy comanda a economia; Eduardo Cunha controla as rédeas da política. Na oposição, entre setores da base aliada e, sobretudo, nas ruas, a palavra impeachment elevou-se, de murmúrio, à condição de grito ainda abafado. É melhor pensar de novo, para não transformar o Brasil num imenso Paraguai.

Nos sistemas parlamentares, um voto de desconfiança do Parlamento derruba o gabinete, provocando eleições antecipadas. No presidencialismo paraguaio, regras vagas de impeachment conferem aos congressistas a prerrogativa de depor um chefe de Estado que não enfrenta acusações criminais. Um parecer de Ives Gandra Martins sustenta a hipótese de impedimento presidencial por improbidade administrativa, mesmo sem dolo. Na prática, equivale a sugerir que Dilma poderia ser apeada com a facilidade com que se abreviou o mandato de Fernando Lugo. A adesão a essa tese faria o Brasil retroceder do estatuto de moderna democracia de massas ao de uma democracia oligárquica latino-americana.

Não são golpistas os cidadãos que fazem circular o grito abafado. Dilma Rousseff tornou-se um fardo pesado demais. Lula deu o beijo da morte no segundo mandato da presidente ao lançar sua candidatura para 2018 antes ainda da posse. No ato farsesco de "defesa da Petrobras", o criador da criatura emitiu sinais evidentes de que, em nome de sua campanha plurianual, prepara-se para assumir o papel um tanto ridículo de crítico do governo. Diante de uma presidente envolta na mortalha da solidão, os partidos oposicionistas parecem aguardar uma decisão das ruas. Fariam melhor oferecendo um rumo político para a indignação popular.

Antes de tudo, seria preciso dizer que, na nossa democracia, a hipótese de impeachment só se aplica quando há culpa e dolo. O complemento honesto da sentença é a explicação de que, salvo novas, dramáticas, informações da Lava Jato, inexiste uma base política e jurídica sólida para abrir um processo de impedimento da presidente. Contudo, só isso não basta, pois o país não suportará mais quatro anos de "dilmismo", essa mistura exótica de arrogância ideológica, incompetência e inoperância.

"Governe para todos --ou renuncie!". No atual estágio de deterioração de seu governo, a saída realista para Dilma é extrair as consequências do fracasso, desligando-se do lulopetismo e convidando a parcela responsável do Congresso a compor um governo transitório de união nacional. O Brasil precisa enfrentar a crise econômica, definir a moldura de regras para um novo ciclo de investimentos, restaurar a credibilidade da Petrobras, resgatar a administração pública das quadrilhas político-empresariais que a sequestraram. É um programa e tanto, mas também a plataforma de um consenso possível.

"Governe para todos --ou renuncie!". O repto é um exercício de pedagogia política, não uma aventura no reino encantado da ingenuidade. As probabilidades de Dilma romper com o lulopetismo são menores que as de despoluição da baía da Guanabara até a Olimpíada. Isso, porém, não forma uma justificativa suficiente para flertar com o atalho do impeachment. Se a presidente, cega e surda, prefere persistir no erro, resta apontar-lhe, e a seu vice, a alternativa da renúncia, o que abriria as portas à antecipação das eleições.

Dilma diz que a culpa é de FHC. Lula diz que é da imprensa, enquanto reúne-se com o cartel das empreiteiras. A inflação fará o ajuste fiscal. Por aqui, os camisas negras usam camisas vermelhas. A justa indignação da hora faz do impeachment uma solução sedutora. Mas a história não é a hora. Dilma vai passar, cedo ou tarde. Ela não vale o preço da redução do Brasil a um Paraguai.

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Demétrio Magnoli é sociólogo