sábado, 26 de dezembro de 2015

A inflação de Barbosa e Dilma – Editorial / O Estado de S. Paulo

O grande vilão da inflação continua sendo o governo, com suas contas desarrumadas e sem perspectiva clara de recuperação, segundo o diagnóstico repetido com ênfase crescente pelos técnicos do Banco Central (BC). A incerteza quanto à velocidade e à forma do ajuste é uma das causas principais do crescente desarranjo no sistema de preços, de acordo com o novo Relatório Trimestral de Inflação. Esse documento é uma ampla análise do quadro econômico nacional e do cenário externo.

As dúvidas sobre as contas oficiais são também um importante fator de risco para os próximos meses, juntamente com a insegurança gerada pela crise política. Esta crise, rotulada eufemisticamente como “eventos não econômicos”, aparece 3 vezes nas 7 páginas de apresentação e reaparece ao longo do texto de 109 páginas. Lendo esse documento, o novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, poderá ter uma visão realista de seus desafios mais urgentes.

Como seus colegas do mercado, os economistas do BC foram piorando ao longo do ano suas projeções para a economia brasileira. Ainda no Planejamento, o recém-nomeado ministro da Fazenda contribuiu para a deterioração das expectativas e também da imagem do Brasil no mercado internacional. Contra seu colega Joaquim Levy, ele se juntou à presidente Dilma Rousseff em duas manobras desastradas para baixar a meta fiscal de 2016.

Sem apontar culpados, o relatório do BC menciona o rebaixamento do crédito do Brasil ao nível especulativo, em dezembro, “por uma segunda agência de avaliação de risco”, a Fitch. A primeira, a Standard & Poor’s, havia retirado o grau de investimento em setembro, depois da apresentação de uma proposta orçamentária com previsão de déficit primário (resultado sem os juros).

As novas projeções do BC, preparadas com informações conhecidas até o dia 18, ficaram muito parecidas com as do mercado. A contração prevista para o Produto Interno Bruto (PIB) em 2015 foi revista de 2,7% para 3,6%. A recessão deve continuar em 2016 e a produção será 1,9% menor que a deste ano. As estimativas do mercado, coletadas na pesquisa Focus, indicavam até aquela data um recuo do PIB de 3,7% no ano e de 2,8% em 2016.

Também nas estimativas de inflação o pessoal do BC ficou próximo dos colegas do setor financeiro e das consultorias. A inflação indicada no cálculo oficial chegou a 10,8% para 2015, 6,2% para 2016 e 4,8% para 2017. Os números da pesquisa Focus, na mesma data, foram 10,8%, 6,3% e 4,9%.

As projeções do BC e do mercado apontam inflação ainda acima da meta, 4,5%, no fim de 2017. A autoridade monetária já abandonou há alguns meses a perspectiva de levar a inflação à meta em 2016. A promessa, agora, é alcançar esse resultado um ano mais tarde.

Se as projeções estiverem corretas, um pouco mais de esforço permitirá atingir o ponto desejado, mas o panorama de curto prazo continua muito feio. Mantém-se a perspectiva de um novo aumento dos juros básicos em janeiro, na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), formado por diretores do BC. No mercado já se estimam juros de 14,75% no fim do ano, 0,5 ponto acima da taxa atual.

Com juros mais altos, o governo terá maior dificuldade para conter a expansão da dívida pública. A dívida bruta do governo geral, isto é, da União, dos Estados e dos municípios, chegou em outubro a 66,1% do PIB, muito acima dos níveis observados na maior parte dos países emergentes, e avança rapidamente para 70%. Mas o Copom reafirma a promessa de agir para levar a inflação à meta, nos próximos dois anos, “independentemente do contorno das demais políticas”.

A presidente pode ser tentada a intervir na política de juros, como em 2011, com risco de provocar um desastre, como naquela ocasião. Mas, se iniciar um ajuste fiscal confiável, ajudará a conter a inflação e dará ao BC a chance de moderar sua política. Para isso, a presidente deverá, pelo menos uma vez, ter aprendido a lição.

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