quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Opinião do dia: Eliane Cantanhêde

A presidente Dilma Rousseff termina o ano de 2015 como começou, arrogante, errática e metida numa crise monumental, agora tentando escapar do impeachment sob um fogo cruzado: de um lado, a sociedade e o setor produtivo exigindo responsabilidade e ajuste das contas públicas; de outro, a pressão do PT para dobrar a aposta do primeiro mandato e priorizar uma política econômica populista em detrimento do bom senso e do desenvolvimento sustentável.
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Eliane Cantanhêde, jornalista, ‘Fazendo o diabo, de novo’, O Estado de S. Paulo, 30.12. 2015

Planalto cede e regulamenta redução de dívida de Estados

- Folha de S. Paulo

BRASÍLIA, BELO HORIZONTE, CURITIBA e SÃO PAULO - Dois dias após nove governadores terem ido a Brasília pressionar o Palácio do Planalto por saídas para a crise, o governo federal publicou nesta quarta-feira (30) decreto que regulamenta a lei permitindo que os Estados e municípios endividados façam o refinanciamento sob novas regras, aprovadas no meio do ano pelo Congresso Nacional.

A reforma dos contratos pretende reduzir a dívida e, com isso, o pagamento que esses entes têm que fazer à União, dando um alívio ao caixa de cidades e Estados. O governo estima que 200 contratos poderão ser revistos.

Ao menos três Estados admitem que poderão aproveitar a mudança do indexador da dívida para contrair mais empréstimos. "Nós precisamos. É um espaço fiscal para tentarmos movimentar a economia, implementar programas sociais", diz o secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul, Giovani Feltes.

Hoje, o Estado ultrapassou o limite máximo de endividamento previsto em lei, que é de 200% da receita líquida: a dívida gaúcha soma 216%. São R$ 64 bilhões –e os débitos com a União representam quase 90% do montante.

Ao aderir ao programa do governo federal, segundo o superintendente do órgão responsável por gerir a dívida pública de Minas Gerais, Osmar Teixeira de Abreu, o Estado reduzirá imediatamente em R$ 5 bilhões o débito de R$ 77 bilhões com a União. O prazo de quitação desse valor cairá em cinco anos, de 2038 para 2033.

"A redução do estoque cria uma pequena margem na trajetória do endividamento, o que permite a ele, apurados esses números, a contrair novas operações de crédito", diz. "A possibilidade está aberta", diz nota da Secretaria da Fazenda de Minas.

O governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB), reforçou o coro dos que veem na mudança uma brecha para a possibilidade de novos empréstimos.

"Os novos indexadores vão melhorar a receita corrente líquida dos estados, e também dar mais capacidade de endividamento para os estados. As regras eram absurdas. As dívidas foram renegociadas em 1997, tempo de inflação muito alta, e, mesmo depois da queda da inflação, continuamos pagando com essas correções absurdas", afirmou, em nota.

No caso de São Paulo, a redução do índice que corrige a dívida dos Estados não trará alívio de caixa imediato, mas permitirá que o saldo devedor seja quitado quatro anos antes do previsto.

Isso acontece porque os termos do acordo pactuado entre o governo Mário Covas e Ministério da Fazenda, em 1997, estabelecem que o Estado comprometa 13% da receita líquida real para o pagamento da dívida até 2026.

"Só vai ter efeito sobre o estoque da dívida, que será quitada em 2033, não em 2037", disse o secretário estadual de Fazenda, Renato Villela.

Indexador
O novo indexador das dívidas passa a ser o IPCA, o índice oficial de inflação, mais juros de 4% ao ano ou a taxa básica de juros do Banco Central (Selic), o que for menor. Atualmente, os débitos são corrigidos pelo IGP-DI mais juros de 6% a 9%. Os Estados pagam um percentual fixo de 11% a 15% da receita por mês.

Os governantes reclamavam que os indexadores antigos estavam fazendo a dívida aumentar.

A estimativa é que o total das dívidas hoje esteja na casa dos R$ 400 bilhões. A mudança do indexador trará custos ao governo federal, não estimados pelo Ministério da Fazenda.

A demora em regulamentar a lei foi atribuída ao ex-ministro da pasta, Joaquim Levy. A estimativa da equipe dele era que a redução do pagamento das dívidas estaduais faria o governo federal perder R$ 1 bilhão em 2015.

Apesar da lei ter sido aprovada no meio de 2015, os Estados e municípios que quiserem aderir terão um tempo curto para realizar os procedimentos necessários.

Em nota, o Ministério da Fazenda informou que os devedores deverão obter, antes da celebração dos novos contratos "autorização legislativa, conferência e concordância prévia com os cálculos, observação das exigências contidas na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para essas operações e desistência de ações judiciais".

Segundo a nota, quem não reunir todas essas condições até dia 31 de janeiro não terá o contrato refinanciado.

Mudança nas dívidas dos estados

Como era
Dívidas corrigidas pelo IGP-DI + entre 6% e 9% ao ano

Como ficou
Taxa Selic ou IPCA (o que for menor) + 4% ao ano

A situação
A Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000, impôs limites ao endividamento dos governos estaduais e prefeituras

O problema
Nos últimos anos, variações de câmbio e outros fatores fizeram as dívidas crescerem mais rápido do que a capacidade de quitá-las

A solução
Dilma sancionou lei que muda o índice de correção dessas dívidas, mas adiou para 2016 a sua aplicação por temer perda de receita para a União

Crise financeira
Outro fator que pesa nas finanças dos Estados é o gasto com pessoal, cujos limites também foram fixados pela Lei de Responsabilidade Fiscal

Menos dívida, mais empréstimos

• Governadores comemoram redução de débitos e já miram na retomada de investimentos

Eduardo Bresciani, Maria Lima, Sérgio Roxo, Tiago Dantas - O Globo

-BRASÍLIA, RIO E SÃO PAULO - A nova fórmula para calcular a dívida dos estados e municípios com a União, regulamentada ontem pelo governo federal, foi comemorada por governadores que já veem a possibilidade de contrair novos empréstimos e retomar a agenda de investimentos, elevando, porém, o grau de endividamento das unidades da federação. O novo cálculo dos débitos, que terão estoques reduzidos e serão corrigidos por uma taxa de juros menor que a atual, era uma das demandas prioritárias dos gestores estaduais.

Agora, os governadores devem aumentar a pressão sobre a Secretaria do Tesouro, do Ministério da Fazenda, para a autorização de novos empréstimos.

— É muito positivo. Primeiro, porque o governo federal dá uma resposta rápida ao pleito. Isso cria um ambiente positivo para a continuidade do diálogo e melhora a dívida dos estados. Agora a liberação de credito é fundamental. No nosso caso, para investimento em infraestrutura. A prioridade é essa — disse o governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg (PSB), que organizou na segunda-feira um encontro com dez governadores para pressionar o governo federal por uma agenda que aliviasse o caixa dos estados.

— Os novos indexadores ajudam muito. Alivia muito a dívida, mas agora temos um longo dever de casa para fazer. Vai reduzir o estoque da dívida, mas não vai ter sobra de caixa para aplicar em outras áreas. O que vai ter é uma folga fiscal maior para novos empréstimos. Vamos ver quais linhas de crédito vão ter disponíveis nos bancos oficiais — afirmou o governador do Rio Luiz Fernando Pezão (PMDB), que complementou: — Quero reestruturar o estado, ver o que conseguimos de alongamento da dívida para a retomada dos investimentos em 2016. Vamos torcer para a economia crescer.

Segundo a Secretaria de Fazenda do Rio, análise preliminar dos técnicos verificou que a nova base de cálculo deve reduzir em dez anos o prazo de pagamento da dívida. Em 2015, o valor médio desembolsado por mês foi de R$ 430 milhões. A dívida do Rio com a União é de R$ 66,8 bilhões.

— É um gesto diante da necessidade de se ter caminhos de retomada do crescimento. Um dos caminhos mais rápidos é viabilizar investimento público, o que vale para o governo federal e também para os governos estaduais. Um dos jeitos de possibilitar um caminho para a retomada é esse, de dar um respiro para as finanças dos entes nacionais. O mérito de descentralizar é que você atinge mais rapidamente as pessoas. A questão do crédito é o passo seguinte — disse Flávio Dino (PC do B), governador do Maranhão.

Desde que as dívidas dos estados e municípios foram federalizadas, em 1998, eles só podem contrair novos empréstimos se tiverem autorização da Secretaria do Tesouro. No caso de empréstimos junto a organismos e bancos internacionais a União entra como avalista. Ao longo de 2015, o governo federal represou essas autorizações justamente para evitar o aumento do endividamento. Na reunião que teve com os governadores nesta semana, o novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, se comprometeu a apresentar um cronograma para a retomada destas autorizações. Mas já ressaltou que a liberação acontecerá paulatinamente.

Uma das principais interessadas na mudança do indexador, a prefeitura de São Paulo calcula que poderá reduzir em R$ 45 bilhões (de R$ 72 bilhões para R$ 27 bilhões) o valor de sua dívida com a União. O prefeito, Fernando Haddad, havia se empenhado diretamente na articulação com parlamentares para aprovar a lei. A alteração permitirá uma economia anual de R$ 1,9 bilhão para o município. A avaliação da prefeitura é que a troca do indexador vai evitar insolvência e permitirá retomada da capacidade de investimento em áreas como mobilidade urbana, saneamento, habitação, Saúde e Educação.

Já o secretário da Fazenda do estado de São Paulo, Renato Villela, disse que a mudança não produzirá nenhum efeito de curto prazo sobre as finanças. Segundo ele, em 1997 o governo paulista negociou o pagamento à União de um valor fixo de 13% da receita. A vantagem, segundo ele, é que a dívida crescerá menos a cada ano. Com isso, o estado prevê pagar o que deve com quatro anos de antecedência. Em vez de 2037, deve fazer isso em 2033.

O Paraná, que passou por dificuldades financeiras ao longo do ano, calcula que terá uma economia anual de R$ 150 milhões com a mudança do indexador. O dinheiro extra deve ser usado para duplicar rodovias.

Dilma pode se beneficiar
Pezão, Rollemberg e Dino avaliam ainda que se a economia melhorar nos estados haverá também uma distensão no ambiente político, o que poderia ajudar a presidente Dilma Rousseff que enfrenta um processo de impeachment na Câmara dos Deputados e tem baixa popularidade.

— A melhoria do ambiente econômico melhora o político, e a do político melhora o econômico. Tudo que o Brasil precisa é de uma agenda propositiva. Os estados ganham e o país sai ganhando — afirmou Rollemberg. O governador do Rio compartilha da avaliação: — Isso vai melhorar os investimentos para todo mundo, não só para o Rio. Melhorando investimentos, melhora o crescimento. Se melhorar, consequentemente melhora o humor em relação à crise política e à situação da presidente Dilma também.

Reajuste para servidores federais
Ontem, o governo federal também enviou para o Congresso projetos de lei que preveem um aumento de 5,5% para a maioria dos servidores civis do Executivo em agosto de 2016. O aumento faz parte de uma negociação com as categorias e tem vigência de dois anos, que inclui outro reajuste de 5% em janeiro de 2017, resultando em uma alta total de 10,5% no período.

Tradicionalmente, o reajuste é dado pelo governo no mês de janeiro de cada ano, mas, para 2016, o aumento será atrasado para agosto por conta do ajuste fiscal. O anúncio dessa prorrogação foi feito em setembro, no pacote de corte de gastos para permitir um resultado superavitário em 2016, o que incluía ainda a suspensão de novos concursos.

Segundo nota do Ministério do Planejamento, as propostas resultam da negociação com entidades que representam 1,1 milhão de servidores, do total de 1,227 milhão de servidores civis do Executivo Federal. “Em um ano de dificuldades econômicas e fiscais, o saldo de acordos pode ser visto como positivo”, disse em nota o secretário Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Sérgio Mendonça.

Ainda seguem as negociações com servidores ligados a Receita Federal, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal (PFR), Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), médicos peritos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), analistas de infraestrutura, analistas de políticas sociais, peritos federais e diplomatas. (Colaboraram André de Souza, Marco Grillo, Bárbara Nascimento e Danilo Fariello).

Governo diz ter pago R$ 72,4 bi para quitar pedaladas fiscais

• Pagamento tem impacto na dívida pública e no resultado primário de 2015; governo não quer deixar brechas que possam ser usadas no processo de impeachment no Congresso

Lorenna Rodrigues, Bernardo Caram e João Villaverde - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Apesar de a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) prever a possibilidade de abatimento na meta fiscal de 2015 de R$ 57 bilhões das "pedaladas" fiscais, o governo decidiu pagar um total de R$ 72,4 bilhões, que inclui todo o passivo em atraso até este ano, e abater da meta R$ 55,8 bilhões. Isso porque, de acordo com o secretário interino do Tesouro Nacional, Otávio Ladeira, esse é o valor devido até 31/12/2014, que é o período em que a legislação permite o abatimento.

De acordo com nota do Ministério da Fazenda, os outros R$ 16,6 bilhões restantes serão absorvidos pelo "espaço fiscal existente", ou seja, entrará no resultado primário cuja meta para o ano é de um déficit de até R$ 51,8 bilhões.

"O pagamento de todas as obrigações neste exercício era medida necessária para fins de cumprimento da meta fiscal, uma vez que, a partir de determinação do TCU, houve mudança no momento em que se daria a apuração das estatísticas fiscais pelo Banco Central", afirma a nota.

A pasta afirma ainda que todas as obrigações da União com Bancos Públicos e fundos serão imediatamente contabilizadas como despesas primárias e passarão a integrar as estatísticas fiscais.

2016. Segundo Ladeira, os novos pagamentos devidos, em 2016, serão feitos de acordo com os prazos previstos nos contratos. "A periodicidade será aquela determinada nos contratos, pagaremos tempestivamente todas as despesas ", afirmou.

No caso do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), do BNDES, a Fazenda editou nesta semana portaria determinando que o pagamento seja feito seis meses depois de os valores terem sido lançados no balanço do banco.

Durante a entrevista coletiva, o secretário foi questionado sobre que valores dos R$ 72,4 bilhões pagos das pedaladas neste ano teriam sido destinados para o Bolsa Família, como disse a presidente Dilma Rousseff. Ladeira disse não saber responder.

Detalhamento. O Tesouro Nacional detalhou ainda os valores contabilizados de passivos relativos às chamadas "pedaladas fiscais" junto ao Banco do Brasil, BNDES, FGTS e Caixa.

Um total de R$ 12,2 bilhões contabilizados se referem ao passivo da União junto ao FGTS, sendo a totalidade correspondente a datas anteriores ao fim de 2014. Outros R$ 10,5 bilhões são relativos a adiantamentos concedidos pelo FGTS à União, com R$ 9 bilhões até 2014 e R$ 1,5 bilhão deste ano.

Para o BNDES, foram calculados R$ 30 bilhões relativos a valores devidos pelo Tesouro Nacional a título de equalização de taxa de juros. Desse total, R$ 21,4 bilhões vêm de até 2014 e R$ 8,6 bilhões de 2015.

Foram contabilizados ao Banco do Brasil R$ 18,2 bilhões por equalização de taxas da safra agrícola, além de título e créditos a receber. Do valor, R$ 12,1 bilhões correspondem ao período até o fim de 2014, que trata o TCU, e R$ 6,1 bilhões de 2015.

O Tesouro lembra também que o pagamento das pedaladas impacta o resultado primário do ano e as dívidas bruta e líquida, por meio do impacto nas operações compromissadas do Banco Central. Além disso, a emissão direta de R$ 1,5 bilhão para o Banco do Brasil aumenta o estoque da dívida pública federal.

'The Economist' prevê desastres econômico e político para o Brasil

• Revista britânica dedica capa e editorial ao País e afirma que 'escolhas duras' podem colocá-lo 'de volta nos trilhos', mas que Dilma não tem estômago para elas

Altamiro Silva Júnior - O Estado de S. Paulo

NOVA YORK - O Brasil deveria começar 2016, ano em que o País será o primeiro da América do Sul a sediar uma Olimpíada, com um humor "exuberante", mas enfrenta um "desastre econômico e político", afirma a revista britânica The Economist na principal reportagem em sua página na internet nesta quarta-feira, 30, ilustrada com uma foto da presidente Dilma Rousseff. A publicação acredita que o novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, pode conseguir realizar mais coisas na política econômica, por ter apoio do PT, mas vê dificuldades no avanço de reformas mais substanciais em meio às discussões sobre o impeachment.

"Apenas escolhas duras podem colocar o Brasil de volta aos trilhos. Mas Dilma Rousseff não parece agora ter estômago pela elas", afirma a Economist na longa reportagem sobre o país, que recebeu o título "A queda do Brasil". A expectativa era de que o Brasil estivesse na vanguarda do forte crescimento dos emergentes, mas ao invés disso tem que lidar com turbulências políticas e econômicas e "talvez com o retorno de uma inflação galopante".

O texto relata uma série de eventos que ocorreu este mês no país, incluindo a saída do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e a perda do grau de investimento pela agência de classificação de risco Fitch, a segunda a retirar a nota, este mês, após a Standard &Poor's, em setembro. "Ao mesmo tempo, a coalizão do governo do Brasil tem sido desacreditada por um gigantesco escândalo de corrupção em torno Petrobras", afirma o texto, destacando que Dilma enfrenta ainda a abertura de um processo de impeachment.

A Economist destaca que a previsão é que a economia brasileira encolha entre 2,5% e 3% em 2016, seguindo uma recessão em 2016. Mesmo a Rússia, afetada pela queda livre dos preços do petróleo e sanções dos Estados Unidos e Europa, "deve ir melhor" no ano que vem, destaca a reportagem.

Assim como outros grandes países emergentes, o Brasil vem sendo afetado pela queda mundial dos preços das commodities, afirma a publicação inglesa. Mas Dilma conseguiu tornar as coisas ainda piores, ao tomar medidas de estímulo à economia consideradas pela Economist como extravagantes e imprudentes, que incluem corte de impostos para o setor empresarial.

"Gestores de crise do Brasil não têm o luxo de esperar por tempos melhores para começar a reforma", afirma a revista, destacando que a dívida bruta do país, que beira os 70% do Produto Interno Bruto (PIB), é alta para um país de renda média e tem tendência de crescer mais se nada for feito.

Ministério da Fazenda. Para a The Economist, Barbosa, embora tenha participado do "desastroso" primeiro mandato de Dilma, pode ser capaz de realizar mais coisas na economia. "Ele tem apoio político dentro do PT. Também tem poder de barganha, porque Dilma não pode se permitir perder outro ministro da Fazenda", afirma a reportagem. Um dos primeiros testes do novo ministro será a capacidade de convencer o relutante Congresso a aprovar a CPMF, destaca a publicação.

Apesar das vantagens Barbosa tem, a Economist afirma que é "difícil se sentir otimista com as perspectivas de reforma" no Brasil neste momento. As discussões sobre o impeachment devem dominar a agenda política por meses e o PT não tem apetite por "austeridade" na política econômica, conclui a reportagem.

Dívida pública federal cresce e ultrapassa os 65% do PIB

• Dados consolidados das contas do governo confirmam déficit recorde

Bárbara Nascimento - O Globo

-BRASÍLIA- Um dos principais indicadores observados pelas agências de classificação de risco para avaliar a saúde fiscal do país, a dívida bruta brasileira tem avançado e batido recordes, mês a mês. Em 2015, a proporção desse indicador em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) saltou de 58,12% em janeiro para 65,12% em novembro, e o estoque total da dívida chegou a R$ 3,84 trilhões, segundo dados divulgados ontem pelo Banco Central (BC). Os valores, tanto absoluto quanto em proporção do PIB, são os maiores já registrados desde que o BC alterou a metodologia de cálculo, em 2007. Para o ano, a expectativa é que a dívida alcance 66,9%, considerando os parâmetros previstos no Orçamento aprovado para 2015.

No geral, as contas do governo têm acumulado resultados historicamente ruins. O setor público consolidado — formado por União, estados, municípios e estatais — registrou em novembro o pior déficit primário (receitas menos despesas, sem contar os juros da dívida) para o mês, em 14 anos, um resultado negativo de R$ 19,567 bilhões. No acumulado do ano, o rombo também foi o pior da série histórica, iniciada em dezembro de 2001: R$ 39,520 bilhões ou 0,73% do PIB. Esses números reforçam o resultado do governo central (Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) divulgado na véspera, que mostrou em novembro o maior déficit da história, um rombo de R$ 21,2 bilhões, o triplo do registrado em igual mês de 2014.

Estados e municípios no azul
As estatais também fecharam novembro no vermelho, com um resultado negativo de R$ 249 milhões, após superávit de R$ 11 milhões em outubro. A exceção são os estados e municípios, que têm conseguido fazer uma poupança nos últimos meses e economizaram R$ 2,35 bilhões no mês passado.

Quando o país tem déficit primário nas contas, significa que o governo gastou mais do que arrecadou e não conseguiu economizar nada para pagar os juros da dívida. As despesas com juros atingiram, em novembro, R$ 23,490 bilhões. A sucessão de déficits aumentam o endividamento do país. Com as contas públicas deterioradas, os índices de inflação e a taxa de juros que corrigem os títulos do governo cada vez maiores e as altas despesas com swap cambial para conter a alta do dólar, a previsão é que a trajetória da dívida bruta continue aumentando. Para 2016, a expectativa (levando em conta a Lei de Diretrizes Orçamentárias) do BC é de que esse indicador chegue a 70,7%.

— Em 2016, as pedaladas (atrasos nos repasses a bancos públicos para melhorar artificialmente as contas do governo) estarão pagas, mas os outros fatores não vão mudar. A inflação não está cedendo na maneira como o governo gostaria. Na medida em que você aumenta os juros para controlar a inflação, isso aumenta a pressão sobre a dívida — pondera Fábio Klein, especialista em finanças públicas da Tendências Consultoria.

O chefe do departamento econômico do BC, Tulio Maciel, atribui os resultados ruins à baixa atividade econômica e à frustração nas receitas estimadas pela União. Além disso, aponta o impacto das desonerações, o menor volume de receitas extraordinárias, com parcelamentos, por exemplo, e de dividendos na comparação com 2014.

— (O resultado) decorre, como já temos observado ao longo do ano, de uma redução acentuada nas receitas do período, explicada em grande parte pela própria atividade econômica. Estamos encerrando o ano com uma retração significativa do PIB e isso se reflete sobre a arrecadação — explica Maciel.

Impacto das pedaladas
O pagamento de R$ 57 bilhões referentes às pedaladas fiscais deve impactar ainda mais o resultado primário e a trajetória da dívida. A expectativa é de que o rombo nas contas públicas neste ano seja de R$ 119,9 bilhões. Independentemente da decisão da União de arcar ou não com as pedaladas todas este ano, o Banco Central informou que o passivo constará na contabilidade como despesa primária. Ou seja, de toda forma impactará o resultado primário de 2015.


Índice de reajuste do aluguel atinge 10,54%

• Crise, porém, favorece negociação entre proprietários e inquilinos para evitar repasse integral do IGP-M

Ronaldo D’Ercole, Lucianne Carneiro - O Globo

-SÃO PAULO E RIO -O Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M) desacelerou em dezembro e teve variação de 0,49%, abaixo do 1,52% de novembro. Mesmo assim, o indicador, que é a principal referência para os reajustes de contratos de aluguel de imóveis no país, fechou o ano com alta acumulada de 10,54%, seu maior nível desde 2010, quando havia subido 11,32%.

A variação do IGP-M neste ano foi quase três vezes superior à alta do índice em 2014, que foi de 3,69%. Depois de acumular alta de 8,35% nos 12 meses encerrados em outubro, o índice bateu em 10,09% em outubro, chegando a 10,69% no mês passado.

Apesar da volta do indexador dos aluguéis ao patamar dos dois dígitos, a boa notícia para os inquilinos é que, com a recessão econômica e a queda na renda, combinada com a retração dos negócios no mercado imobiliário, os proprietários têm se mostrado mais flexíveis nas negociações dos reajustes dos aluguéis.

O resultado foi a queda de preços médios tanto da locação quanto do valor de compra na maioria das regiões do Rio de Janeiro. Segundo o vice-presidente do Sindicato de Habitação (Secovi-Rio), Leonardo Schneider, a oferta de imóveis para locação na cidade do Rio subiu de 50% a 60% em um ano. Com isso, fica mais difícil para o proprietário repassar a inflação pelo IGP-M.

— Nem todos os proprietários vão conseguir aplicar o reajuste de 10,54%. Há mais imóveis vazios e, para o locador, não é interessante ficar com o imóvel vazio. Por isso, o melhor é flexibilizar e negociar o aumento — diz ele.

Para se ter uma ideia, o valor do metro quadrado de locação de imóveis residenciais na cidade caiu em 16 dos 18 bairros pesquisados pelo Secovi Rio em novembro deste ano, frente ao mesmo período de 2014. As únicas exceções foram os preços dos aluguéis em Bangu e no Méier.

A taxa de queda chegou a dois dígitos em oito dessas regiões. A maior variação ocorreu em Ipanema, que registrou redução de 14,99%, seguida por Ilha do Governador, com 11,76%.

Especialista vê limite em redução de aluguel
O preço de venda dos imóveis também recua na maioria dos bairros pesquisados: 11 das 18 regiões. Nesse caso, no entanto, as taxas são menores. A maior queda ocorreu em Jacarepaguá, de 4,92%, seguida por Leblon, de 4,43%. A maior taxa de crescimento foi na Ilha do Governador, de 3,91%.

Edson Kitamura, gerente do Departamento Econômico do Secovi São Paulo, avalia que a alta de 10,54% do IGP-M continuará pressionando os reajustes dos aluguéis residenciais, mas a conjuntura econômica ruim ainda joga a favor dos inquilinos na negociação com os proprietários.

Pesquisa mensal do Secovi-SP mostra que desde junho os valores dos aluguéis novos contratados em São Paulo estão em queda em relação aos preços de 12 meses anteriores. Em novembro, por exemplo, a retração atingiu 2,1%.

— O IGP-M acumulado em 12 meses até novembro era de 10,69%, e deu uma abaixadinha, agora, para 10,54%. Mas ainda está muito alto e, por isso, há muita negociação entre as partes. E a pesquisa de novembro mostra isso: apesar do IGP-M estar no pico, houve redução de preços nos aluguéis — diz Kitamura.

Para o gerente do Secovi-SP, contudo, não dá para prever até quando os proprietários continuarão aceitando diminuir os aluguéis.

— Vai ter um momento em que os locadores não vão mais negociar. Mas na atual situação o quadro é bem favorável para o consumidor em geral — diz ele, observando que o índice que mede a velocidade de locação de imóveis em São Paulo, que está entre 17 e 43 dias, não varia há alguns meses.

Merval Pereira: Mais manobras

- O Globo

O governo faz neste final de ano dois movimentos que visam reduzir a pressão política adversa proveniente do processo de impeachment, que deve dominar o debate político no regresso do recesso parlamentar e do Judiciário, em fevereiro.

No campo político, ao mesmo tempo em que tenta remontar sua base política para garantir a maioria na Câmara, o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, admite candidamente que erros cometidos pelo governo Dilma em 2013 e 2014 contribuíram para a grave crise que o país enfrenta.

No campo financeiro, o governo prepara-se para pagar ainda neste ano, que insiste em não terminar, as pedaladas fiscais condenadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

Os atrasos nos repasses do Tesouro para o pagamento de programas sociais e subsídios criaram uma dívida de R$ 57 bilhões com os bancos públicos, e elevarão o déficit primário a R$ 119,9 bilhões, equivalente a 2% do PIB. Na definição de um ministro do TCU, “estão explodindo o déficit nas contas públicas neste ano para ver se melhoram o resultado que irão apresentar em 2016”.

No seu arremedo de mea culpa, o ministro Jaques Wagner enumera “os erros”: desoneração exagerada e programas de financiamento num volume muito maior do que a gente aguentava. Vê-se que o governo muda sua versão para justificar as pedaladas fiscais, pois já ficou provado que não foram os programas sociais os maiores beneficiados pela leniência governamental com as contas públicas, mas subsídios para grandes empresas, por meio do Programa de Sustentação do Investimento (PSI) do BNDES, e empréstimos para empresas do agronegócio através do Banco do Brasil.

Na verdade, o governo quebrou o país em busca da reeleição da presidente Dilma, e agora tenta minimizar os crimes cometidos contra a Lei de Responsabilidade Fiscal transformando-os em meras questões contábeis.

Mas as sanções para os governantes que desrespeitam a LRF existem, inclusive os crimes de responsabilidade de que Dilma é acusada, justamente para que governos não se utilizem do orçamento público para, num abuso de poder econômico — outra razão para o impeachment ou anulação da eleição presidencial —, manter-se no poder.

O economista Paulo Rabello de Castro, presidente da RC Consultores e coordenador do Movimento Brasil Eficiente, classifica o relatório do senador pedetista Acir Gurgacz aprovando “com ressalvas” as contas fiscais do governo federal de 2014, objeto de prévia reprovação unânime no plenário do TCU, como “a pá de cal” no conjunto da obra dos nossos governantes neste “annus horribilis” “digno de ser lembrado para nunca ser repetido”.

Um balanço de fim de ano, “que mais parece com o fim do mundo”, traz uma esperança dentro do desespero, segundo o economista. “A radicalização do mal em 2015, torna mais próximo o momento da virada”, diz ele, que acredita que “cresce o repúdio à aprovação ‘com ressalvas’ de qualquer comportamento incorreto, seja do governo ou da sociedade”.

Para ele, será uma exigência da sociedade “o fim da tolerância com rombos fiscais gigantes, como os 10% do PIB de déficit público em 2015, cujos 500 bilhões em juros, correspondendo a 20 copas do mundo jogadas no lixo num único ano, virarão dívida com assinatura de Dilma para os pobres pagarem com mais impostos em 2016”.

Com “todas as fichas caindo ao mesmo tempo na percepção dos brasileiros”, o próximo ano pode vir a ser melhor do que foi este, “embora sendo pior na ótica do poder de compra, das vendas, dos investimentos e da forte corrosão inflacionária”. Isso porque, para o economista, “novas forças políticas tenderão a se aglutinar em torno de mensagens novas e descomprometidas do mar de malandragens em que se transformou a política nacional”.

Uma nova maneira de se conduzir as questões públicas no Brasil pode prevalecer, com a intensificação das perdas levando a sociedade “ao ponto da virada”. Para Paulo Rabello, “este é o melhor cenário disponível para nós neste fim de ano. O resto é abismo e dissolução, que nos cumpre evitar a qualquer custo”.

Matias Spektor: Que projeto nacional?

- Folha de S. Paulo

Uma enxurrada de artigos de opinião clama esses dias por um "projeto nacional" capaz de tirar o país da lamaceira. Algo assim como uma grande estratégia para dar coerência à gestão da coisa pública em casa e ainda restaurar a posição do país fora das fronteiras.

A ideia de "projeto nacional" é recorrente na história brasileira. Ela foi usada pelo modernismo da década de 1920, pelo desenvolvimentismo dos anos 1950 e pelo autoritarismo industrializante do regime militar de Médici e Geisel.

A demanda por reprise que se vê agora é compreensível porque um "projeto nacional" funciona como guia útil para quem governa.

No entanto, é bom lembrar que um "projeto nacional" raramente é gestado como carta de intenções de olho no futuro. Na prática, quando um projeto desses toma forma, se trata de construção a serviço de um governo já estabelecido que, exercendo o poder com êxito, pretende consolidá-lo.

Mais do que expressar um suposto consenso suprapartidário, um "projeto nacional" serve aos propósitos de um grupo bem-sucedido.

De Gaulle utilizou o mote do "projeto nacional" como alavanca para forçar terceiros países a levarem uma França enfraquecida pela guerra a sério e, no processo, obter ascendência sobre seus opositores em casa. Na Índia independente do domínio britânico, Nehru usou o mote para mobilizar apoio popular à fundação de um novo sistema político capaz de dar-lhe hegemonia em todo o país.

Em nossa experiência recente, o mais próximo que tivemos a esse tipo de dinâmica foi o lulismo de meados da década de 2000.

Em casa, aquele governo uniu política monetária anti-inflacionária, redistribuição de renda sem rupturas, pragmatismo sem ideologia na hora de costurar alianças e a elevação do combate à pobreza ao topo da hierarquia de prioridades do Planalto.

O lado externo da moeda foi marcado pela premissa segundo a qual o Brasil se tornara peça necessária nos grandes temas de governança global.

A integração sul-americana seria inerentemente positiva para os interesses brasileiros e as coalizões com grandes países em desenvolvimento, uma abertura para um mundo mais justo e equitativo. O conjunto da obra ajudava a fazer do presidente um estadista.

Comentaristas tucanos denunciaram a empreitada como "hiperativa", "exibicionista" e "pretenciosa". A crise financeira de 2008 e a "nova matriz econômica" puseram fim à ideia de concepção estratégica.

É ilusão acreditar que há condições hoje para um novo "projeto nacional", seja entre as forças governistas ou as de oposição. Algo assim terá de esperar nosso próximo ciclo de poder.

Moreira Franco*: Quando quer, o Brasil faz

- O Estado de S. Paulo

A crise brasileira é, essencialmente, uma crise de confiança. Industriais, comerciantes, agricultores, investidores, consumidores e o povo em geral não acreditam que o governo, os partidos e o Congresso Nacional sejam capazes de dar resposta aos graves problemas do País. A população sente-se desamparada por quem deveria justamente liderar o processo de mudanças: os políticos. E é forçoso dizer, por um dever de honestidade, que os brasileiros têm razão. Nossa cultura de fazer política está esgotada e, caso não se renove, ensejará uma deterioração crescente das condições já precárias da economia nacional. É preciso brigar menos, cooperar mais. Menos ambição, mais Brasil.

O desafio que os partidos de situação e oposição têm à frente é um só: não adiar mais a agenda de mudanças na economia, todas elas públicas e notórias. Nossa primeira tarefa é imprimir uma imagem do futuro em que estejam presentes o crescimento econômico, inflação sob controle, equilíbrio fiscal e segurança jurídica.

Temos a pluralidade como patrimônio nacional e a busca de entendimento como capital político, já utilizado no passado. O PMDB cumpre de novo o seu papel. Legenda cheia de contradições, bem de acordo com a tradição política brasileira, é capaz, no entanto, de construir pontes nos momentos em que mais se precisa dele, como foi na resistência à ditadura, na redemocratização e na Assembleia Nacional Constituinte.

O nosso recente documento Uma Ponte para o Futuro resgata fundamentos do Plano Real e da Carta ao Povo Brasileiro, lançada em junho de 2002 pelo então candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva. Graças ao primeiro, criamos uma moeda estável, graças ao segundo, experimentamos avanços sociais inéditos. Tanto um quanto outro privilegiaram o equilíbrio fiscal e criaram o ambiente desejado para o desenvolvimento. Até que, por alguma leniência ou falta de clareza política, se sacrificaram conquistas e se perdeu o norte.

O que essa Ponte para o Futuro – batizada com justiça de Plano Temer pelo partido – faz é resgatar o apreço dos planos anteriores pelo equilíbrio das contas do governo. A estabilidade da economia não tem dono. É uma necessidade, um bem comum. É regra que paira acima de carimbos ideológicos, não é progressista nem conservadora. Tanto na casa do social-democrata quanto na do liberal, gastos descontrolados trarão igualmente o caos.

O PMDB, com seus 50 anos de história, propõe-se a reconstruir caminhos que nos levem novamente à outra margem, da qual descuidadamente voltamos. Essa ponte é oportuna porque faz o convite político ao diálogo e à travessia. Não sendo eleitoral, não é oportunista e, portanto, tem a legitimidade de reivindicar a atenção de todos para a urgência de tomarmos solidariamente o caminho de volta.

O item inicial dessa agenda de encontro é promover um ajuste fiscal verdadeiro e de longo alcance, regulado e perenizado por lei. Sem ele continuaremos agarrados à política de juros muito altos, à carga tributária elevada e de baixo retorno para a sociedade, à dívida pública crescente e cara, à pressão cambial, à retração do investimento privado e à inflação em alta. Ao contrário das ladainhas políticas, somente o equilíbrio fiscal permanente poderá salvar as conquistas sociais e permitir o crescimento econômico.

Ilustra bem a situação atual de descontrole o desequilíbrio crônico e crescente da Previdência Social, com déficit este ano superior a R$ 88 bilhões e R$ 125 bilhões previstos para 2016. Enquanto a maioria dos países estabeleceu a idade mínima de aposentadoria e a vem ajustando para 65 a 69 anos, de acordo com o crescimento da expectativa de vida da população, o Brasil foge do problema. O aposentado brasileiro tem em média 57,5 anos. Nesse ritmo, a falência do sistema é certa.

Já se foi o tempo em que se podia cobrir o aumento das despesas públicas com o aumento de impostos. De 1985 a 2013 a carga tributária cresceu 50%, mas não houve melhoria dos serviços prestados pelo Estado. Além da baixa eficiência da máquina pública, a opção cômoda pelo bolso do contribuinte estrangula a economia brasileira e insufla o déficit nominal, que foi de 6% do PIB em 2014 e chega a inacreditáveis 9% em 2015.

A despesa pública cresce acima da renda nacional, justificada fundamentalmente pelas necessidades de custeio da máquina administrativa, e eleva a dívida pública a quase 70% do PIB, em contínua trajetória ascendente. Ao mesmo tempo, o sobrepeso dos impostos, como fonte exclusiva de receita, e a complexidade do regime tributário nos fizeram despencar 18 posições no Relatório de Competitividade 2015 do Fórum Econômico Mundial. A queda livre do Brasil no gráfico de atratividade dos países significa menos investimentos, menos empregos e oportunidades.

As vinculações orçamentárias e despesas obrigatórias, por sua vez, engessam 89% das receitas orçamentárias e retiram do governo e da sociedade a capacidade de fazer escolhas quando tudo o que se deseja não cabe no Orçamento e vai produzir déficit e endividamento. O Estado pode e deve aumentar seus recursos eliminando desperdícios, encerrando programas que não produzem resultados e reduzindo drasticamente as oportunidades de corrupção.

A economia brasileira está em crise, mas não está perdida. Se o que nos paralisa é o desequilíbrio do Estado, é responsabilidade do sistema político concentrar-se no interesse público. É assim, e somente assim, que mudaremos as expectativas sobre o futuro. Resolver isso depende de nós, os políticos, no exercício da política em sua grandeza. A Nação quer e merece a responsabilidade de todos neste grave e ameaçador momento à paz social que a duras penas conquistamos. Nesta hora é preciso ser sincero e dizer a verdade à sociedade, sem fantasiar a realidade.

O Brasil exige isso.
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*Moreira Franco é presidente da Fundação Ulysses Guimarães

Carlos Alberto Sardenberg: Cadê a Constituição?

• Os 45 milhões de brasileiros que pagam planos e seguros privados estão gritando que o SUS é um falso universal

- O Globo

Pela Constituição, todo brasileiro tem o sagrado direito de ser atendido de graça nos hospitais, ambulatórios e emergências do SUS, Sistema Único de Saúde, quaisquer que sejam: sua doença, crônica ou aguda, simples ou grave; sua idade; sua renda; sua situação social e econômica (empregado, desempregado, patrão, rico ou pobre); e seu status civil (em liberdade, preso, em dia ou não com as Receitas).

Diz a Constituição ainda que é dever sagrado do Estado atender a esse direito universal.
A realidade e o simples bom senso dizem que não existe a menor possibilidade de se cumprir essa letra da Constituição. Nunca haverá dinheiro para isso. Nem o Estado será capaz de montar um sistema eficiente desse tamanho e alcance.

A solução, praticada em um sem número de países, exige uma seleção e uma lista. A seleção em quatro níveis: pessoas que serão sempre atendidas no SUS; as que serão atendidas prioritariamente; aquelas que serão recebidas no SUS apenas se tiver vaga sobrando; e, finalmente, as pessoas que não têm esse direito, a menos que paguem a preços de mercado.

A regra, claro, deve ir do mais pobre ao mais rico.

A lista será de medicamentos e procedimentos. Uma primeira grande divisão: o que será de graça e o que será pago. Não faz sentido o Estado ficar sem dinheiro para vacinas enquanto paga uma cirurgia cardíaca no Hospital Johns Hopkins, isso por ordem judicial.
Essas sentenças se baseiam na regra tão exaltada: a saúde é direito de todos e dever do Estado. Alguns interpretam que o governo só tem a obrigação de prestar esse atendimento no SUS. Mas muitos juízes entendem que, se o tratamento não está disponível no Sistema Único, deve ser prestado onde for possível, tudo por conta do Erário.

De todo modo, é evidente que se precisa alterar a Constituição para fazer a lista do pago e do gratuito.

Isso vale para os medicamentos: os básicos são de graça; os intermediários terão um preço subsidiado; os demais, preço de mercado. A lista, claro, deve ser específica e alterada regularmente.

Há ainda uma outra lista, mais geral. É preciso especificar quais procedimentos o SUS faz e quais não vai fazer. E assim chegamos ao ponto mais dramático desta história. Em diversos países com bom sistema de proteção social, existe a seguinte regra: pacientes idosos, com, por exemplo, um AVC grave, de baixo prognóstico, não vão para UTI. Leitores me desculpem, mas o argumento é clássico: a relação custo/benefício é desfavorável.

Sim, posso ouvir a indignação. Dirão que esse comentário prova a brutalidade do sistema de seleção e listas. E a vantagem moral do atendimento universal.

Falso, inteiramente falso. A seleção é praticada diariamente. Comecem pelo coitado do plantonista no pronto-socorro, em geral um residente. A sala de espera está lotada e só tem uma vaga na UTI. Quem vai? Não são raros os casos de jovens médicos que entram em crise psicológica ao terem que decidir entre quem vai viver e quem vai morrer —pois essa é a decisão nua e crua.

Seriam desumanos se não sofressem com isso. Mas é mais desumano ainda colocar essa responsabilidade médica e ética nas mãos de rapazes e moças na casa dos 25 anos.
Seleção e listas elaboradas com critérios médicos, sociais e econômicos seriam infinitamente mais justas e eficientes.

Outra seleção, especialmente pelo interior do país, é feita por compadrio e política. Por que muitos políticos gostam de nomear diretores de hospitais, um cargo tão difícil? Porque gastam dinheiro e podem escolher os que serão atendidos na frente. Parentes e amigos do pessoal que controla os hospitais também furam a fila.

E há uma última e definitiva seleção, essa ocorrida na crise do Rio. Hospitais simplesmente fecham as portas, não entra ninguém. As farmácias declaram que não têm mais remédios — e pronto. Cadê a Constituição? Resumo geral: a Constituição promete o que o Estado não pode entregar. É preciso mudar a Carta para que os governos possam atender bem aqueles que precisam e não podem pagar. E abrir espaço, amplo espaço e facilidades, para a chamada saúde complementar — a privada, aquela dos planos e seguros de saúde e dos hospitais particulares — que se tornou mais que essencial.

Os governos Lula e Dilma têm imposto regras e limitações a essa saúde complementar, muito além do que seria uma regulação correta. Também é mais que um desvio antiprivatizante. É uma reação tipo consciência culpada. Os 45 milhões de brasileiros que pagam planos e seguros privados estão gritando que o SUS é um falso universal. Estão mostrando a incapacidade dos governos de colocá-lo de pé.

Em vez de tentar reorganizar o SUS, com uma reforma na Constituição, admitindo as limitações, essa gente resolve pressionar o sistema privado. Nem conserta um e ainda estraga o outro.

A última: governadores estão querendo cobrar dos planos de saúde quando o SUS atende segurados. É inconstitucional: todo brasileiro, tenha ou não seguro privado, tem de ser atendido no SUS. Os que têm seguro pagam duas vezes: os impostos para o SUS, as mensalidades para o plano. Se este tiver que pagar ao SUS, obviamente terá o custo aumentado e precisará cobrar de seus clientes — que estarão pagando uma terceira vez.
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Carlos Alberto Sardenberg é jornalista

Rogério Gentile: 2016 aflitivo

- Folha de S. Paulo

O governo Dilma termina o ano com a saúde muito debilitada, mas respirando sem a ajuda de aparelhos. A presidente conseguiu uma leve melhora na sua popularidade (de 8% de ótimo/bom em agosto no Datafolha para 12% em dezembro) e o clima pró-impeachment arrefeceu desde que, com habilidade inusual, Dilma carimbou no processo a figura de Eduardo Cunha.

Na batalha da comunicação, o impeachment deixou de ser um pedido formulado pelo fundador do PT e militante dos direitos humanos Hélio Bicudo para figurar como um "golpe" impetrado pelo "dragão da maldade" peemedebista.

Mas a calmaria é circunstancial. Eduardo Cunha não deverá se sustentar muito tempo no cargo. Sem o bode expiatório, o processo de impeachment deverá retomar o curso normal, a não ser que a presidente consiga reconstruir sua base política no Congresso -tarefa que tenta, desde a segunda posse, sem sucesso.

O problema é que Dilma não pode contar hoje com as duas principais armas que um governante costuma dispor para aglutinar forças. A despeito da ligeira melhora em sua imagem, a presidente está longe de ser uma boa companhia para quem necessita de voto nas eleições de 2016.

Ao mesmo tempo, em meio à grave crise econômica, seu governo não tem como oferecer obras e verbas para estimular a acomodação política parlamentar. O máximo que poderá fazer é prestar socorro a governadores que, a exemplo do que foi feito pelo do Rio, disponibilizarem votos para sua causa maior (a sobrevivência) no Congresso. Mas, como se viu na reunião do ministro da Fazenda com 10 governadores, os problemas são enormes e prementes, enquanto o cobertor é obviamente curto.

Para embaralhar ainda mais o quadro, há a Operação Lava Jato, que exerce incessante ameaça sobre o governo e seus aliados, assim como sobre o entorno de Michel Temer.

O ano de 2016 tende a ser tão ou mais aflitivo que 2015.

Luiz Carlos Azedo: A fulanização do PSDB

• A reeleição interessava a todos os governadores eleitos e prefeitos, mas teve duas consequências terríveis, uma para o PSDB, e outra para a política em geral

- Correio Braziliense

Quando Fernando Henrique Cardoso deixou o Ministério da Fazenda para ser candidato à sucessão do presidente Itamar Franco, no embalo do sucesso do Plano Real, o PSDB ainda não era um partido nacional, nem o futuro presidente da República era o líder principal da legenda. Esse papel era exercido pelo então senador Mário Covas (SP). E o líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva, este sim, o líder mais carismático da política nacional, encabeçava com folga a corrida eleitoral.

Covas, que havia sido derrotado em 1989, optou por disputar o governo de São Paulo e Fernando Henrique virou candidato a presidente. Alguns tucanos consideravam a missão um sacrifício. Havia, inclusive, setores que defenderam o apoio do PSDB ao petista, mas que refluíram diante do sucesso do Plano Real. O PT, por sua parte, havia se recusado a participar do governo Itamar e Lula ainda bateu de frente contra o real, que acabou se tornando fator decisivo da eleição.

O PSDB era um partido com forte presença em São Paulo, Paraná, Minas e Ceará, mas pequena influência nos estados do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia, Sergipe e Pará. Tinha, porém, um projeto nacional, focado na defesa da democracia, na descentralização política e administrativa, no combate ao patrimonialismo, na distribuição de renda e educação de qualidade, além de uma reforma política que fortalecesse os partidos e implantasse o parlamentarismo.

Já no primeiro turno das eleições, Fernando Henrique atropelou o candidato do PT e abriu caminho para a vitória dos candidatos do PSDB nos estados. O partido emergiu das urnas como uma força política hegemônica. Tasso Jereissati no Ceará, Eduardo Azeredo em Minas, Almir Gabriel no Pará, Marcelo Alencar no Rio de Janeiro, Mário Covas em São Paulo e Albano Franco em Sergipe foram fiadores da política de ajuste fiscal, das reformas administrativa, patrimonial e previdenciária e do combate à inflação que pautaram o governo FHC.

O país parecia ter um rumo claro, verbalizado com competência por um presidente respeitado no mundo intelectual e no meio político, o que levou as elites do país e as forças políticas da coalizão de governo a apoiarem a reeleição. Foi aí que começou a desandar o projeto nacional do PSDB. Afora o desgaste causado pelo debate sobre a reeleição em si, o governo sucumbiu à tentação de manter o real valorizado artificialmente na campanha eleitoral. O presidente reeleito acabou obrigado a fazer um ajuste após as eleições. A brutal desvalorização da moeda, na crise cambial de 1999, imediatamente foi taxada de “estelionato eleitoral” pelo ex-ministro Delfim Neto.

A reeleição interessava a todos os governadores eleitos e prefeitos, mas teve duas consequências terríveis, uma para o PSDB, e outra para a política em geral. A primeira foi “fulanizar"o projeto tucano, como se não houvesse outra liderança capaz de sucedê-lo na presidência e derrotar Lula. Tanto o governador de São Paulo, que seria o candidato natural, como o ex-ministro José Serra, eram considerados “desenvolvimentistas” pelo mercado e, por isso, não pareciam ser confiáveis. A segunda foi empurrar a fila pra trás, o que acontece em todos os partidos até hoje, dificultando a renovação política e a alternância de poder.

Candidato à sucessão de FHC, José Serra fez uma campanha em 2002 descolado do governo, cujas realizações não foram defendidas como deveriam durante as eleições. A principal delas, as privatizações, acabou sendo um divisor de águas na eleição. Desta vez, depois de morrer três vezes na beira da praia, Lula foi vitorioso.

No poder, Lula manteve a política de combate à inflação — câmbio flutuante, meta de inflação e superavit fiscal — e ampliou a escala da “focalização” dos gastos sociais nas camadas mais pobres da população para 13 milhões de famílias. Com o bordão “nunca antes nesse país”, “desconstruiu” o legado do PSDB no governo, o que resultou nas derrotas tucanas de 2006, com Geraldo Alckmin, e de 2010, com José Serra, outra vez.

Candidatos
O PSDB reencontrou o discurso com Aécio Neves, que tentou resgatar o legado de Fernando Henrique Cardoso, no rastro da mudança de rumo econômico do governo Dilma, o que resultou no desastre atual. O tucano bateu na trave, sobretudo por causa do desempenho eleitoral em Minas Gerais. Mesmo assim, hoje, lidera todas as pesquisas de opinião sobre as eleições de 2018.

O problema é que o PSDB ainda não tem uma agenda nova para o país e sofre as consequências da “fulanização”. Serra, hoje senador, aposta no impeachment de Dilma Rousseff e numa aliança com o vice-presidente Michel Temer para viabilizar sua candidatura, mesmo que no PMDB. Aécio pleiteia na Justiça Eleitoral a cassação de Dilma e Temer por crime eleitoral, aposta na convocação de novas eleições já em 2016. E Geraldo Alckmin, no comando do governo paulista, perscruta o horizonte e se finge de morto, de olho nas eleições de 2018, quanto estará terminando seu mandato.

Em tempo: Feliz ano-novo pra todos, que venha 2016!

Míriam Leitão: Eventos fortes

- O Globo

Apesar de tudo, não foi um ano perdido. O que foi o ano de 2015 você já sabe mas custa dizer. As piores previsões foram superadas, os erros, sobre os quais tantos alertaram, cobraram a conta, o governo Dilma continuou atrapalhado. Contudo, a Polícia Federal, o Ministério Público, o TCU, o juiz Sérgio Moro nos deram provas de que a democracia se fortalece. Em Paris, o mundo reunido teve um minuto de sensatez e fechou o acordo do Clima.

Foi um ano pesado. Houve fatos que nos deram a sensação de que o destino exagerava. O país falava em lama metafórica, quando a lama real foi despejada pela mineradora Samarco sobre o Rio Doce. Morreram pessoas, o meio ambiente foi violentado, e ainda tivemos que saber das falhas da segurança da empresa, da falta de fiscalização do governo, das tentativas da Vale de provar que o problema não era dela, e das autoridades regulatórias que diziam que a lama era inofensiva. Agora, a Agência Nacional de Águas (ANA) nos diz, em laudo, o que sabíamos: que as perdas são incalculáveis, que as sequelas ficarão por anos e que o “Rio Doce, em seus 650 quilômetros atingidos pela lama, foi ferido de morte”.

A dor das famílias que tiveram filhos com microcefalia por causa do vírus transmitido pelo mosquito da dengue é o pior de um ano difícil. Também não é fruto da má sorte, é resultado do descuido em relação ao mosquito que o país viu proliferar, numa saúde cada vez mais em colapso.

Na economia, os mais pessimistas não previam um ano assim, com inflação perto de 11%, recessão em 3,6% e um déficit de R$ 120 bilhões. As perspectivas foram piorando com o passar dos meses. O que tornou este ano difícil poderia ter sido evitado se o rumo tivesse sido corrigido. Até o ministro chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, admitiu que o rombo de 2015 havia sido feito nos dois anos anteriores. A conta, no final, paga ontem pelo Tesouro, último dia útil do ano, foi gigante. Somando-se o que foi pago, as pedaladas e as correções, o resultado é de R$ 72,4 bilhões.

Outros erros do governo caíram diretamente no nosso bolso. O preço da energia deu um salto para compensar o período em que foi reduzido por demagogia. Para esconder o problema em 2014, ano eleitoral, o governo determinou que as empresas pegassem empréstimos bancários para cobrir seu déficit, e a Aneel aceitou que a dívida e os juros fossem cobrados na conta de luz.

Foi mais um ano de ouvir as mentiras oficiais. A recessão econômica é culpa da crise internacional; a inflação foi provocada por fatores climáticos; as pedaladas foram feitas para pagar programas sociais. Foram muitas, fiquemos por aqui.

Mas este também foi o ano em que o Tribunal de Contas da União (TCU) fez um relatório comprovando que o governo fizera truques para esconder a real situação fiscal e manobras para contornar os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal. Foi popularizada na palavra “pedalada” a informação de que o governo não pode postergar pagamentos, nem pegar empréstimos em bancos públicos. O TCU prestou um inestimável serviço ao recomendar a rejeição das contas de 2014 da presidente Dilma.

De Curitiba vieram as melhores notícias da saúde da nossa democracia. Os investigadores e os procuradores trabalharam intensamente; o juiz Sérgio Moro não se intimidou com a dimensão da tarefa. Foram para a prisão alguns dos mais importantes empresários brasileiros. A economia brasileira não será mais a mesma depois de 2015, por mais que o governo tente esquentar o forno de pizza, com a MP dos acordos de leniência. Em Brasília, a Procuradoria da República e o Supremo trabalharam na mesma linha, o que levou à prisão até do líder do governo no Senado.

Em Paris foi conseguido o que pareceu impossível tantas vezes. Há duas décadas o mundo tentava, sem sucesso, um acordo para deter o aquecimento global. Em 2015, numa Paris ferida pelo terrorismo, os representantes de quase 200 países fecharam o acordo que vai guiar o mundo nos próximos anos.

Os eventos de 2015 foram fortes, para o bem ou para o mal. Há danos irreparáveis e há o que será possível superar. Há fatos perturbadores e há esperança. Apesar das dores, este não é um ano perdido. Para o Brasil, a Lava-Jato pode ser, se aproveitarmos a oportunidade, a semente do recomeço. Feliz ano-novo.

O fim de um erro de bilhões – Editorial / O Estado de S. Paulo

Sem choro nem vela o governo decidiu enterrar, desta vez para valer, um dos maiores e mais custosos fiascos da economia petista, o Programa de Sustentação do Investimento (PSI), lançado em 2009 como resposta à crise iniciada no ano anterior. Naquele ano o Brasil já havia começado a sair da recessão. O programa deveria proporcionar um estímulo adicional à compra de máquinas e equipamentos e impulsionar a recém-começada recuperação econômica. Em cerca de um ano deveria terminar. Mas várias vezes foi renovado, juntamente com outros benefícios tão custosos quanto ineficazes. Assim, até 2015 o Tesouro transferiu cerca de R$ 455 bilhões ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para aplicação a juros subsidiados. Esses financiamentos foram bom negócio para algumas empresas, mas o resultado geral, depois de sete anos, é uma economia alquebrada, com baixo potencial de crescimento e sufocada por um governo inchado e com as contas em frangalhos.

Para manter o PSI o Tesouro teve de se endividar e de pagar juros maiores que aqueles cobrados pelas transferências. Além disso, deveria pagar ao BNDES a diferença entre os juros dos financiamentos e o custo de captação do dinheiro. Por um decreto de 2012 o governo se concedeu dois anos – a partir da apuração do valor devido – para liquidar o débito com o banco. Foi essa uma das pedaladas fiscais apontadas pelo Tribunal de Contas da União. No fim do primeiro semestre o Tesouro devia R$ 27,2 bilhões ao BNDES. Há poucos dias o governo decidiu pagar R$ 15,1 bilhões.
Anunciada há meses pelo ministro Joaquim Levy, a decisão de extinguir o PSI foi confirmada por seu sucessor no Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa. Na terça-feira, o BNDES informou o aumento de sua participação nos créditos do Finame – de 70% para 80% do valor das máquinas e equipamentos, no caso das micro, pequenas e médias empresas; e de 50% para 70%, nos empréstimos para companhias grandes.

Com o Tesouro em péssimas condições, muito dificilmente o governo poderia evitar o encerramento do programa, apesar da resistência da presidente Dilma Rousseff à redução de gastos. Mesmo com esse e outros cortes, continua muito incerto o resultado fiscal prometido para 2016, um superávit primário – sem a conta de juros, portanto – equivalente a 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB). O projeto de Orçamento contém previsão de receita de um tributo inexistente, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), dependente, ainda, de recriação por lei.

Mas o desastre fiscal apenas contribuiu para uma decisão necessária há muitos anos. Nada, a partir de 2010, poderia justificar a continuação de medidas tipicamente conjunturais, como o PSI e outros incentivos destinados a estimular a recuperação da economia. Além disso, os fatos mostraram com muita clareza a ineficácia da política de incentivos da tal matriz econômica implantada pelo governo.
No terceiro trimestre deste ano, o investimento em máquinas, equipamentos e construções ficou em 18,1% do PIB, uma taxa muito longe daquela observada em outros emergentes – em geral superior a 25%. Entre o terceiro trimestre de 2010 e o terceiro de 2013 a proporção ficou pouco acima de 21% e caiu seguidamente a partir daí. Faltaram tanto os investimentos públicos quanto os privados. A produção e a demanda de bens de capital comprovam o fracasso.

Essa produção diminuiu 16,5% em 2009, cresceu 21,3% em 2010, aumentou 5% em 2011, encolheu 11,2% em 2012, expandiu-se 12,2% em 2013 e recuou 9,3% em 2014. Nos 12 meses até novembro deste ano o indicador caiu espetaculares 24,5%. A importação de bens de capital também encolheu nos últimos dois anos, em mais uma confirmação do fracasso da estratégia petista. Favorecer alguns setores é inútil para gerar crescimento, quando o governo esbanja irresponsabilidade e a insegurança aumenta dia a dia. O fim do PSI é parte do réquiem para a matriz econômica do PT.

O ano em que se confirmou o fim do modelo lulopetista – Editorial / O Globo

Historiadores não seguem o calendário gregoriano. Por método, dividem os fatos em ciclos, por sobre a convenção de se limitar o ano a 12 meses. Getúlio, na primeira encarnação, por exemplo, perdurou sete anos, de 1930 até o golpe do Estado Novo, e por aí segue.

Hoje, concluem-se os primeiros 12 meses do segundo mandato de Dilma. São, portanto, cinco anos de Dilma no poder, e também 13 de PT no Palácio do Planalto, todos com Dilma em postos proeminentes: ministra de Minas e Energia, chefe da Casa Civil, presidente da República. Com o detalhe de ter presidido o Conselho de Administração da Petrobras de 2003 até disputar as eleições presidenciais de 2010.

Dilma é o fio condutor pelo qual o lulopetismo põe em prática o projeto dos sonhos: dirigista, concentrador de rendas da sociedade no Estado, este aparelhado pelo partido, a fim de redistribuir o dinheiro do contribuinte para fazer o “bem” ao pobres e aos empresários escolhidos para ser futuros “campeões nacionais”.

Portanto, a seriíssima crise na qual Dilma 1 embalou o Brasil precisa ser colocada numa contexto amplo. Esses 12 meses de 2015 são apenas a menor parcela de um experimento catastrófico. Ele foi sinalizado a partir do final do primeiro mandato de Lula, quando, afastado José Dirceu da Casa Civil, Dilma, a substituta, rejeitou, por “rudimentar”, a proposta que lhe foi apresentada pelos ministros da Fazenda e Planejamento, Antonio Palocci e Paulo Bernardo, para impedir que as despesas públicas crescessem mais que o PIB. A ideia, correta, sensata, livraria o país desta que deve ser a mais grave crise desde a provocada pela Grande Depressão americana, em 1929/30. Consta que Lula, sempre ardiloso, ordenou a Dilma matar na origem aquela proposta, contrária ao ideário do “Estado forte”.

Já a crise mundial iniciada em 2008, com a explosão da bolha imobiliária-financeira americana, serviu de pretexto para o início de implementação do “novo marco macroeconômico”, ainda com Lula no poder, sob inspiração da ministra Dilma, coadjuvada por Guido Mantega, na Fazenda. Que ela manteria no primeiro mandato, juntando-se aos dois o secretário do Tesouro Arno Augustin, o mago da “contabilidade criativa”, das pedaladas e outros truques. Gastos sem controle, descuido com a inflação, manipulação do câmbio e de preços administrados se constituem a fórmula básica que destruiu a Venezuela chavista e desestabilizou a Argentina kirchnerista, aparecendo aos brasileiros mais distraídos apenas neste ano. Antes sufocada por razões eleitoreiras, a crise desabrochou: inflação em dois dígitos, déficits fiscais cavalares, recessão grave e desemprego em alta rebaixam a nota de risco do país para nível especulativo e elevam a cotação de papéis que servem como seguro contra uma quebra do Brasil, os CDS (Credit Default Swaps). (gráficos)

Entra-se na fase final do ciclo da política econômica lulopetista. Haverá pelo menos mais um capítulo, com o economista Nelson Barbosa, transferido do Planejamento para a Fazenda, no lugar de Joaquim Levy. Barbosa, próximo ao PT, fará o que a economista Dilma quiser. Também por isso é dito que 2015 não acaba hoje. E ainda não é possível saber até onde irá.

Mario Quintana: Esperança

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E — ó delicioso voo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança…
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA…

Thais Macedo:Se é pra fazer, faz direito

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Opinião do dia: Dora Kramer

"Nesse cenário, os ministros da Justiça e da Casa Civil apresentam suas alegações finais na forma de entrevistas declarando que o perigo do impeachment passou e que a crise política serenou. Qualquer semelhança com o sujeito que despenca do 20.º andar e na altura do 12.º avisa que “até aqui tudo bem” não é mera coincidência."
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Dora Kramer, jornalista, 'Feliz ano velho', O Estado de S. Paulo, 30.12.15


Ministro atribui rombo fiscal a erros do governo

• Jaques Wagner culpa ‘desoneração exagerada’ e outras medidas

• Salário mínimo subirá 11,6%, para R$ 880, com custo de R$ 30 bilhões para a Previdência

O petista Jaques Wagner, ministro da Casa Civil, admitiu que erros cometidos pelo governo Dilma em 2013 e 2014 contribuíram para a grave crise que o país enfrenta. O ano de 2015 “foi tão duro” por causa deles, disse Wagner, citando a “desoneração exagerada” e “programas de financiamento num volume muito maior do que a gente aguentava”. O governo anunciou aumento de 11,67% para o salário mínimo, que passará a R$ 880 em 1º de janeiro.

Wagner aponta erros

• Ministro diz que país não suportou volume de desonerações e financiamentos feitos por Dilma

Biaggio Talento - O Globo

- SALVADOR - O ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, admitiu ontem que parte dos problemas econômicos enfrentados pelo país foi provocada por medidas adotadas no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. O Banco Central previu na semana passada que a inflação neste ano deverá ficar em 10,8%, acima do teto da meta e maior taxa desde 2002. O governo estima ainda uma queda de 3,1% no Produto Interno Bruto (PIB) em 2015. Já o índice de desemprego registrado em novembro, aferido pelo IBGE em seis regiões metropolitanas, ficou em 7,5%, contra 4,8% do mesmo mês do ano passado. As contas do governo central, formado por Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central também passam por um momento complicado: desde o início do ano, o déficit acumulado é de R$ 54,33 bilhões, o maior valor da série histórica, iniciada em 1997.

Segundo Wagner, a diminuição na arrecadação de impostos, resultado da retração econômica, e “erros” cometidos em anos anteriores são as razões da crise.

— Nós (governo) perdemos receitas, além de erros que foram cometidos em 2013, 2014, como desoneração (tributária) exagerada, programas de financiamento que foram feitos num volume muito maior do que a gente aguentava e que, portanto, quando a gente abriu a porta de 2015, você estava com uma situação fiscal... Por isso que o ano foi tão duro — avaliou, em entrevista à Rádio Metrópole, de Salvador.

Esta foi a primeira vez que um integrante do governo explicitou claramente os erros na condução da política econômica no primeiro mandato de Dilma. Em setembro, em vídeo divulgado nas redes sociais no Dia da Independência, Dilma disse que, se erros haviam sido cometidos, iria superá-los. 

No início de outubro, quando anunciou a reforma ministerial, a presidente voltou a tratar do assunto na condicional: “Sabemos que, se erramos, precisamos consertar os erros e, se acertamos, precisamos avançar nos acertos e seguir em frente.” Em agosto, o então ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, já havia citado, de forma genérica, possíveis erros: “Vivemos um momento politizado, com erros que cometemos, e se comete quando se governa.

” Remédio de Levy “virou veneno”
Na entrevista à rádio baiana, Wagner considerou correta a troca de Joaquim Levy por Nelson Barbosa no Ministério da Fazenda. Segundo ele, houve rigor excessivo nas medidas aplicadas por Levy no período em que ficou à frente da pasta.

— Ele (Levy) estava num processo de desgaste na relação com o governo e o Congresso. É uma pessoa de boa fé, que conhece o riscado, mas veio com uma linha muito dura, sem diálogo, e as coisas não funcionam assim. Acho que a dose que o Levy aplicou (na economia), no lugar de ser remédio, virou veneno — criticou.

Para Wagner, Barbosa é “mais formulador e aberto ao diálogo” que Levy:

— Nessas horas de dificuldade, é preciso gastar tempo explicando para as pessoas o que você vai fazer. Acho que ele (Barbosa) tem uma visão mais geral da economia. O Levy tinha uma visão muito específica do livro-caixa, do cofre, então ele estava obcecado por aquilo ali. Não acho que (a troca) é seis por meia dúzia.

Wagner revelou que em reunião anteontem, da qual participaram, além dele próprio e Barbosa, os ministros Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo) e Valdir Simão (Planejamento), Dilma destacou a necessidade de separar recursos para combater a seca no Nordeste. Para o ministro, é um exemplo de que o Tesouro precisa gastar, mas sem fazer “farra”.

— Já cortamos esse ano mais de R$ 130 bilhões, entre programas e despesas. Mas chega um ponto em que, se você cortar mais, vai matar o paciente. Tem seca no nordeste, tem enchente no sul, tem zika vírus com microcefalia, tem que gastar dinheiro para combater o mosquito. Isso tudo é dinheiro, o que vou fazer? Vou dizer para o cara: “amigo, você está com microcefalia, mas meu ajuste fiscal diz que não posso lhe dar dinheiro, morra”. Não pode ser assim — destacou.

Para o ministro, o que o governo deve buscar é “um ponto de equilíbrio entre uma rota de crescimento e a manutenção da responsabilidade fiscal”.

— Tem muita gente refletindo, mas sem maluquice, sem porra louquice de “vou gastar”. Não posso fazer um negócio de matar de fome todo mundo. Eu acredito que estamos buscando esse ponto de equilíbrio, da rota de retomada do desenvolvimento. Não vai ser um desenvolvimento de crescer muito, mas de voltar a crescer, para ter expectativa, confiança de empresários e trabalhadores. É tentar retomar esse ambiente. Não é simples, não vou vender facilidade, mas estamos trabalhando para isso — disse Wagner.

Impopularidade pode ser corrigida
O ministro também atribuiu a baixa popularidade de Dilma às turbulências econômicas. A pesquisa mais recente do Datafolha aponta um índice de aprovação da presidente de 12%, um aumento de quatro pontos percentuais em relação ao levantamento anterior.

— Não vou ficar me enganando. Tenho consciência de que participo de um governo que não está num bom momento de popularidade. Sei das dificuldades, em consequência da economia, da gestão da política, por que passa o governo. Mas impopularidade não é crime, é problema, é defeito. É algo que pode ser sanado se você tomar as medidas, melhorar a economia e a gestão da política — afirmou.

Pagamento de pedalada é manobra, diz oposição

• Para opositores, decisão do governo de zerar débitos não anula pedido de impeachment; detalhe do pagamento das pedaladas fiscais serão anunciados nesta quarta

Carla Araújo e Daniel Carvalho - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O governo deve anunciar nesta quarta-feira, 30, os detalhes do pagamento de todas as pedaladas fiscais mantidas junto ao BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e FGTS. Ao todo, essas dívidas somam R$ 57 bilhões. Para os opositores, da presidente Dilma Rousseff, no entanto, o fim dos débitos não anula o pedido de impeachment contra ela.

Segundo o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o fundamento para aceitar o pedido de afastamento da petista são decretos editados em 2015 que teriam descumprido a lei orçamentária.

“Ignoramos 2014, não aceitamos a tese que você retroaja no mandato anterior. O ato irregular foi cometido, os decretos”, disse Cunha, ao fazer referência às medidas adotadas por Dilma sem autorização do Congresso. “Não é pagamento das pedaladas em 2011 e 2014, que você muda essa realidade do decreto ter sido emitido em desacordo com a lei orçamentária”, afirmou ontem.

A decisão de zerar as pedaladas foi tomada por Dilma na segunda-feira com o objetivo de “limpar o terreno para 2016” e enfraquecer a tese do impeachment, cujo processo será analisado pelo Congresso a partir de fevereiro. No processo, as pedaladas são apontadas como um crime de responsabilidade fiscal. “A verdade é que esses empréstimos, pela maneira como foram feitos, são ilegais. A forma que o governo quer quitar esses empréstimos também é questionável e o que nós temos é uma grande preocupação”, disse o deputado Caio Narcio (PSDB-MG).

“No apagar das luzes, Dilma quer jogar para debaixo do tapete o rombo bilionário nas contas públicas. Zerando as pedaladas, o governo acredita que o impeachment morre em 2015. Talvez não tenha percebido que as consequências da irresponsabilidade fiscal ainda serão sentidas pelos brasileiros durante alguns anos”, afirmou o líder da oposição na Câmara, Bruno Araújo (PSDB-PE).

Rito. Para Cunha, o governo está incomodado com o processo, “tanto é que está tentando pagar as pedaladas”. “Sabe que errou”, disse. O presidente da Câmara afirmou que o processo de impeachment deve recomeçar em fevereiro, antes mesmo da publicação do acórdão (decisão) do Supremo Tribunal de Federal. Ele apresentará embargos de declaração para esclarecer dúvidas em relação ao rito do procedimento. Cunha argumentou haver jurisprudência suficiente para sustentar a apresentação de recursos antes da publicação do acórdão. Ele acredita que o processo será concluído na Câmara até março.