domingo, 22 de novembro de 2015

Vinicius Torres Freire: Lembrança de Paris

- Folha de S. Paulo

Levou quase uma semana para aparecerem as primeiras notícias mais extensas sobre o "impacto econômico" dos atentados terroristas em Paris. Mesmo assim, se tratava mais de comércio. De costume, não aparece muita notícia de economia na mídia francesa.

Por vezes, fica-se com a impressão que é quase de mau gosto tratar do assunto, talvez um problema de "politesse". Thomas Piketty, o economista da desigualdade, costuma dizer que os franceses não dão muita bola para economistas, o que lhe parece boa coisa –tratar mais do assunto em termos políticos, sociais ou sindicais.

Não que a economia francesa esteja bem das pernas. Não está, embora para 99% da humanidade seja melhor ser infeliz em Paris. As conversas que pegam mais por aqui são:

1) Como foi possível que tanta gente com ficha suja de terrorista passeasse pela Europa sem que se desse conta;

2) Qual o risco de se viver tanto tempo sob um estado de exceção moderado, o estado de emergência, que dá liberdades para as batidas da polícia, para o governo decretar prisão domiciliar, toque de recolher, dissolver associações.

Obviamente, todo mundo acha que algo precisa ser feito a fim de dar um jeito nos massacres. Mas o debate já está demarcado, esquerda versus direita, com as posições previsíveis no que diz respeito ao balanço entre mais liberdade ou mais segurança.

Para um brasileiro, a conversa pode parecer exagerada, a primeira vista. Há, por exemplo, certa comoção com a ideia de que policiais possam usar armas de fogo no horário de folga (vários, aliás, trabalham sem armas de fogo). No Brasil, na semana dos atentados, discutíamos quantas centenas a polícia matou em São Paulo, se de folga ou em serviço, para nem dizer que Geraldo Alckmin mandou a tropa para cima das crianças que ocupam escolas.

Há, óbvio, risco político e legal nessas batidas e investigações policiais sem autorização expressa da Justiça. O estado de exceção que preocupa franceses é a rotina dos pobres brasileiros porém. Pessoas das favelas vivem sob toque de recolher de traficante, milícia, veem a polícia invadir suas casas, sofrem revistas vexatórias etc.

Não, aqui não é a terra da pureza democrática e da santidade republicana. Mas violências várias contra a vida e os direitos não saem de graça.

Aliás, a polícia não é tratada como um corpo estranho no país, está na conversa política, tem sindicatos. No Brasil, apenas se critica a polícia, sem que se pergunte como vivem, o que aprendem nas suas escolas profissionais, da violência a que estão expostos, da tensão do risco permanente de deixar órfãos por causa de capricho de gente selvagem e armada para a guerra.

Por falar em arma de guerra, parece quase pose o espanto dos franceses com a apreensão de meia dúzia de fuzis, descobertos nas batidas maciças destes dias de "guerra contra o terror".

Isto é, tal choque parece um tanto risível para um brasileiro –prova, pois, da nossa quase indiferença em relação a barbáries. A gente assiste batalhas de traficantes e policiais no telejornal da noite; no jornal da tarde, não raro sabemos daquelas apreensões de arsenais que deixam no chinelo o poder de fogo dos terroristas daqui.

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