terça-feira, 3 de novembro de 2015

Vinicius Torres Freire- Ideias fúnebres no Brasil zumbi

- Folha de S. Paulo

1. "Conquistas sociais" de quase uma década vão se perder em um triênio de recessão, 2014-16, se diz. Se foi tão pouco e tão breve, eram "conquistas" e "sociais"?

2. Este curto século 21 foi de reparações diminutas dos danos da nossa guerra social sempiterna: Bolsas diversas, cotas, subsídios para a educação superior ruim, subsídios para novas "Cohabs". Etc.

3. O trabalho se manteve precário. Não se trata aqui dos bicos. Trata-se de um sistema social e econômico de produzir empregos de escasso sentido humano e produtivo. De precariedade sistêmica.

4. Dos 92 milhões de ocupados no país, 6 milhões são domésticos. Um em quinze. Ganham em média um terço do rendimento médio do restante dos trabalhos. Se estes já não são grande coisa, meça-se o tamanho do trabalho doméstico pelas reações selvagens à mera tentativa de equiparação legal aos demais.

5. Há 1,42 milhão de domésticos no Estado de São Paulo, também 1 em 15 trabalhadores. Ganham em média pouco mais de R$ 900, menos que o piso de porteiros ou ascensoristas.

Há uns 125 mil porteiros na cidade de São Paulo, dizem sindicatos; 30 mil ascensoristas; 30 mil zeladores. Há 15 mil cobradores de ônibus. No Estado, há cerca de 290 mil seguranças privados legalizados; cerca de 100 mil frentistas.

6. Algo deu muito errado para que se sujeitasse tamanha massa de pessoas a ganhar tão pouco por trabalhos tão pouco produtivos, pois. Que faltam educação e infraestrutura é obvio. Por que faltam é a pergunta complicada.

7. O número de domésticos voltou a aumentar em 2014.

8. Nestes anos de reparações diminutas da guerra social e do ativismo reformista simbólico, identitário ou similar, a esquerda e suas lideranças pouco ou nada trataram de educação popular e, menos ainda, de SUS.

9. O governo da esquerda entrou em colapso a partir de 2013. Junho de 2013 parece ter acelerado ainda mais a marcha forçada da inépcia e da falta de sentido da política econômica de comprar paliativos sociais e empregos incertos com aumento de dívida pública, que também financiava o outro lado do balcão, empresas grandes e oligopólios, com subsídios muito maiores, um resumo rápido da "Pax Luliana", a grande conciliação.

Junho de 2013, o tombo do prestígio do governo e as necessidades eleitoreiras a seguir levaram o erro catastrófico ao paroxismo. Mas "erro" é explicação simplória para esta caminhada à beira do abismo.

10. O ódio contribuiu para o impasse dilacerado a que chegamos. A intensidade do ódio não é fácil de explicar: as rendas de todos subiam, não houve imposição de perdas econômicas decisivas a grupo nenhum.

Sim, houve fricção de status, ameaça simbólica da ordem, para pincelar numa frase um assunto imenso. O ódio começou bem antes do ressentimento nas derrotas eleitorais e da exposição inédita de um sistema de fraude (corrupção imensa e estelionato eleitoral).

11. Por que foi assim (anos de analgésicos sociais, anabolizantes econômicos, corrupção essencial do sistema, pública e privada, reacionarismo parlamentar)? Que política produziu isso? Este impasse apático vai acabar apenas quando ou se a recessão produzir conflito generalizado?

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