quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Realidade frustra projeções há 5 anos

Por Catherine Vieira e Flavia Lima – Valor Econômico

SÃO PAULO - O histórico mostra que a média das previsões dos analistas de fato nunca foi lá muito certeira. Mas desde o primeiro governo Dilma Rousseff observa-se um padrão pouco animador: ao fim de cada ano a realidade, tanto para a inflação quanto para atividade econômica, se revelou pior do que antecipavam os economistas no início de cada período.

Em 2015, ano que já começou com tom bastante pessimista, a dinâmica promete se repetir e já antecipa um início de 2016 com projeções consideravelmente negativas. Se os economistas consultados pelo Boletim Focus do Banco Central estiverem certos, a recessão em dois anos pode superar os 5% e a inflação encostaria em 17%. Um cenário que não se vê desde a virada de 2002 para 2003, devido às expectativas em torno da eleição de Lula. No caso da atividade, a comparação é ainda pior: não se vê uma recessão dessa magnitude desde 1930.

A questão que se coloca agora é se o padrão em 2016 vai repetir o que se verifica desde 2011 (ver quadro) - com os indicadores econômicos se mostrando ainda pior do que o antecipado - ou se voltará ao que se observava no período anterior, em que se alternavam frustrações das projeções para pior num ano, o que contaminava negativamente as expectativas, mas levava a realidade no ano seguinte a surpreender positivamente.

A má notícia é que não há quem se arrisque a endossar essa última possibilidade. Até mesmo os poucos economistas que resistiam a projetar o pior quadro até agosto ou setembro deste ano jogaram de vez a toalha e pularam para a ponta mais pessimista das projeções depois que o governo enviou ao Congresso o Orçamento deficitário para 2016 e perdeu em seguida o grau de investimento pela Standard & Poor's (S&P).

"Tinha algum grau de confiança para este ano de que o macro seria arrumado, de forma que chegaríamos no fim do ano com a sensação de que o pior já passou e seria mais fácil avançar na agenda estrutural", diz a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif. O "divisor de águas" para a mudança de opinião foi o Orçamento com déficit em 2016 e a consequente perda do grau de investimento pela S&P, marcada pela falta de convicção do governo acerca do ajuste.

"Quando isso aconteceu eu virei a chave para outro cenário", afirma. No novo horizonte traçado por Zeina, é difícil ver o que virá pela frente e neste contexto, 2016, pode, sim, seguir o padrão dos últimos anos: "A inflação esperada começa com 7% e sabe-se lá como termina". Para horizontes maiores, ressalta ela, a incerteza é grande e o potencial de retração para o ano que vem, diz, "não é brincadeira", igual ou até maior que este ano.

Carlos Kawall, economista-chefe do Banco Safra, afirma que começou 2015 achando que a saída da crise seria mais lenta, mas que ela não seria tão profunda quanto em crises anteriores. Hoje, estima que o desajuste é profundo e a saída será muito mais demorada do que se imaginava, com recuperação apenas em 2017. Kawall começou o ano esperando alta de 0,3% para o PIB em 2015 e avanço de 1% em 2016, mas revisou as projeções para um quadro de queda de 3,4% e de 1,9%, respectivamente. Já a inflação medida pelo IPCA começou o ano estimada em 7,2% para 2015 e agora encosta em 10%; para 2016, saltou de 5,8% para 7,2%.

Além de um cenário de curto prazo mais negativo, Kawall vê chances reais de 2016 se revelar pior do que quadro que vem sendo desenhado pelos economistas. "Ao contrário do que se diz, os economistas do mercado tem sido sistematicamente mais otimistas do que a realidade".

Era exatamente dessa maneira que se portava o Bank of America Merrill Lynch (BofA). Até meados do ano, o chefe de economia e estratégia do banco, David Beker, tinha uma visão que ele mesmo chamava de "mais construtiva" sobre a economia. Em julho, ou seja, antes de o governo reduzir as projeções de superávit primário para este ano, Beker se alinhava ao mercado ao esperar queda de 1,8% para o PIB deste ano, mas mantinha alta de 0,7% do PIB em 2016 - enquanto o Focus já apontava alta mais modesta, de 0,3% e alguns já apostavam em queda superior a 1%.

Após a perda do grau de investimento, Beker revisou suas projeções para o PIB para queda de 3,3% neste ano e de 1,4% em 2016. E em outubro deixou de vez a postura mais comedida para se colocar na ponta mais pessimista do mercado: a expectativa é de um 2016 pior do que 2015, com contração de 3,5% do PIB no ano que vem.

Outro que não duvida dessa possibilidade é José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator. Para ele, o fundo do poço para a economia - "se a gente entender isso como o nível mais baixo de PIB" - será atingido apenas no primeiro trimestre de 2017, em março.

Gonçalves espera queda de 3,3% para o PIB neste ano e de 2,1% para o ano que vem. Questionado se diante de um 2015 tão desafiador, o mercado não poderia importar um pessimismo exagerado para 2016, ele é taxativo: "Não dá para ser mais otimista para 2016 porque as razões que levam à queda do PIB neste ano permanecem".

Dentre essas razões, Gonçalves aponta pelo menos dois fatores que não estavam na conta no início de 2015 e devem continuar com desempenhos negativos: a forte contração do consumo e uma piora "brutal" do investimento. Levada pelo impacto da Lava Jato, queda dos investimentos da Petrobras, recuo dos desembolsos do BNDES e um programa de concessão que não deve sair do papel, a formação bruta de capital fixo (FBCF, a medida do que é investido na economia), deve recuar inéditos 17% em 2015, seguidos por outra retração de 11% em 2016.

Zeina, da XP, ressalta que a raiz da armadilha de recessão e inflação alta é a questão fiscal e que a sociedade vai ter que passar por um "teste de maturidade" e fazer escolhas. "Se não fizer ajuste fiscal, então teremos inflação alta e ficaremos sem crescer", diz.

Zeina conta que a todo momento se depara com clientes estrangeiros perguntando quando a economia brasileira vai estabilizar. A resposta é sempre, "não sei". Para sair disso, diz ela, o país precisa com urgência de uma agenda que contemple a realidade das contas públicas. "Por que se mexe no Fies, mas a universidade pública é intocável?", diz. "A política precisa dar essa resposta".

Um tanto mais otimista, Kawall, do Safra, já vê uma conscientização maior de que não é mais possível adiar essa agenda. "É possível dizer que está se construindo um consenso político em torno de propostas para agenda estrutural e essa é a saída para a crise", diz. (Colaborou Tainara Machado)


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