domingo, 15 de novembro de 2015

O que restou de Dilma – Editorial / O Estado de S. Paulo

Sem ter mais a que se agarrar, tragada pela crise derivada de sua própria incompetência e que lhe ceifou a popularidade e a autoridade, a presidente Dilma Rousseff limita-se agora a dar sobrevida ao mito segundo o qual seu governo, mesmo em meio à penúria, continuará a cuidar “de quem mais precisa”, isto é, “aqueles que menos têm”, conforme declarou na terça-feira passada.

Segundo a petista, os programas sociais serão preservados dos cortes orçamentários pois “mudam a vida das pessoas no Brasil”. “A gente corta aquilo que a gente vê que deve ser cortado, que pode ser cortado, e mais na frente a gente recupera. Mas tem coisa que você não pode cortar, porque, se cortar, você prejudica as pessoas”, explicou a presidente. Como tudo neste desgoverno em que a administração de Dilma se transformou, tal compromisso encerra uma série de imposturas.

Em primeiro lugar, Dilma já está permitindo cortes justamente nos programas sociais que, segundo ela, são intocáveis. O Minha Casa, Minha Vida, por exemplo, está sendo “ajustado à disponibilidade orçamentária”, segundo explicou no mês passado o ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini. O eufemismo de Berzoini mal esconde a tesourada: dos R$ 26 bilhões anunciados como cortes no Orçamento de 2016, nada menos que R$ 4,4 bilhões se referem ao programa habitacional.

Neste ano, dos R$ 19,9 bilhões previstos para o Minha Casa, Minha Vida, apenas R$ 3,2 bilhões haviam sido executados até agosto. O Orçamento de 2016 prevê R$ 15,5 bilhões, mas tudo indica que haverá mais cortes. Essa conjuntura em nada se parece com a de 2014, ano da campanha que reelegeu Dilma, quando o Minha Casa, Minha Vida consumiu todos os recursos previstos – quase R$ 17 bilhões.

Outro programa tido como essencial por Dilma, o Pronatec, voltado para o ensino técnico, executou menos de 45% dos R$ 4 bilhões projetados para este ano, reduzindo em 60% o número de vagas em relação ao ano passado. Em 2016, o programa de ensino técnico sofrerá corte profundo e terá R$ 1,6 bilhão para gastar.

Além disso, o mais emblemático dos programas petistas, o Bolsa Família, também está penando. A presidente garante que não haverá cortes, mas desde julho o governo não repassa a Estados e municípios os recursos necessários para a manutenção do programa, conforme informou O Globo. O Orçamento separou R$ 535 milhões para a gestão do Bolsa Família – que é feita pelos municípios e inclui o cadastro de beneficiários e o acompanhamento escolar e médico, para confirmar se as contrapartidas estão sendo cumpridas –, mas apenas R$ 263,8 milhões foram repassados até agora. Assim, são os municípios, também em situação financeira precária, que são obrigados a custear essa estrutura, enquanto o governo federal não cumpre sua parte, mas posa de benfeitor dos pobres.

Assim, resta demonstrada a farsa segundo a qual o governo, graças à vocação petista para ajudar “aqueles que menos têm”, não fez e não fará cortes na área social. Mas o problema principal nem é esse – afinal, se tal contingenciamento é inevitável para ajudar a recuperar a economia, que seja feito sem mais delongas. O problema de fundo é que programas como o Bolsa Família deveriam ser provisórios, mas vão se tornando permanentes e com cada vez mais beneficiários, pois os petistas foram incapazes, após mais de dez anos no poder, de criar as condições necessárias para que os beneficiários deixassem de depender da ajuda do Estado e conseguissem viver de seu próprio esforço.

Ao prometer manter o Bolsa Família custe o que custar, Dilma não apenas briga com a realidade orçamentária, como confessa o completo fracasso das utopias petistas.

Esse fracasso fica ainda mais acentuado graças ao amadorismo com que a economia do País foi conduzida nos últimos anos. A crise atual traz muitas dúvidas sobre o futuro, mas uma grande certeza: os mais prejudicados por ela serão os pobres, justamente aqueles de quem Dilma e o PT prometeram cuidar.

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