terça-feira, 3 de novembro de 2015

Míriam Leitão - Tarifaço e falta de rumo

- O Globo

Este ano está sendo difícil na área de energia. Ele está terminando com queda do consumo, residencial e industrial, e com reservatórios em nível bem baixo. O consumidor vem pagando um tarifaço e não há qualquer inovação importante no modelo energético. A hidrelétrica de Belo Monte está quase pronta e não cumpriu condicionantes, o que cria mais um impasse com o Ibama.

Oano é do tarifaço que ainda não terminou. No Rio, a Light pediu mais 22,83% de aumento, como este jornal informou. Os dados mostram que os reajustes deste ano superam 50% em várias cidades. Em Curitiba o acumulado de janeiro a setembro chega a 70%. Em São Paulo, 69%. Este foi o peso da falsa redução do preço de 2012. Aquela decisão elevou o consumo em 2012 e 2013, exatamente quando estava começando um período de perda de água nos reservatórios. O sinal foi oposto ao que deveria ter acontecido. Incentivou-se o consumo quando a energia estava ficando mais cara para as distribuidoras.

O risco de falhas no abastecimento ficou menor pelo pior dos motivos: a demanda caiu pela recessão que abateu a produção e, consequentemente, o consumo industrial. Na área residencial, a disparada dos preços também fez as pessoas diminuírem o consumo. O ganho não foi resultado de novos hábitos nem de investimento em eficiência energética.

O mais impressionante no nó elétrico é o fato de que a presidente é uma ex-ministra das Minas e Energia, e se dizia que esta era a sua expertise. Dilma é uma economista, especializada em energia. Foi reprovada nas duas áreas. A economia está com recessão, inflação beirando os dois dígitos, e um colapso fiscal. Na energia, o quadro é desastroso.

Belo Monte ficará como o exemplo a não ser seguido. Deixou um rastro de destruição com aumento do desmatamento, disparada da violência em Altamira, tribos indígenas divididas e condicionantes não cumpridas. Será um absurdo se a Licença de Operação for concedida sem que seja cumprido aquilo que está em contrato e foi embutido no preço. Por enquanto a licença não foi concedida, mas é bom lembrar duas coisas: o Ibama foi enfraquecido nos últimos anos, e no início do empreendimento dois presidentes foram demitidos para que a Licença Prévia fosse concedida, contrariando o parecer técnico.

O repórter Cesar Menezes, da TV Globo, fez uma série de reportagens para o Bom Dia Brasil em que mostrou carregamento ilegal de madeira, a sede do Ibama na região totalmente sem equipamento e desmotivada para enfrentar o que sempre acontece quando se faz um empreendimento deste tipo, que é o aumento do desmatamento. Durante o período de construção da usina, o desmatamento cresceu 40% além do que estava previsto para acontecer na região, pelo Imazon. Ou seja, tudo aconteceu como em outras velhas obras no Brasil, sem os cuidados básicos para mitigar o impacto.

O especialista David Zylbersztajn acha que hoje os processos adequados nesta área deveriam levar em conta três vetores principais: “diversidade, descentralização e integração de fontes”. O Brasil tem um projeto de energia que nega as tendências atuais.

O país deveria estar investindo agora em geração distribuída, que tem a vantagem da descentralização. Cada shopping, prédio, casa pode virar um centro produtor de energia, em geral fotovoltaica, que seria integrado à rede.

A China já tem 6 mil Megawatts de geração distribuída, mesma tecnologia que garantiu à Califórnia atravessar um longo período de seca. O país tem que ter mais geração solar, muito mais incentivo à energia fotovoltaica, porque não faz sentido o pequeno espaço que essa fonte tem num país ensolarado como o Brasil. A Alemanha, desprovida de vantagem solar, tem 38 mil Megawatts de energia fotovoltaica, o equivalente a mais de duas vezes e meia a energia gerada em Itaipu. É o maior país do mundo nesta fonte de energia, mas deve ser ultrapassado em breve pela China. A energia eólica já começa a constar da matriz, mas pode crescer muito mais porque com ela se consegue compensar os períodos de baixo nível de água nos reservatórios.

O ano de 2015 ficará com a marca do mais violento tarifaço que já houve na energia, com as empresas do setor ainda em dificuldades financeiras. O modelo energético permanece mal resolvido no Brasil.

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