sábado, 28 de novembro de 2015

Míriam Leitão: Além da imaginação

- O Globo

País chega ao fim do ano vivendo um enredo que supera a ficção na política e na economia. A decisão de congelar R$ 10 bilhões, parar a máquina pública, fazer o shutdown da administração é tardia e insuficiente porque o rombo do país é 10 vezes maior. O governo deveria ter tomado providências há mais tempo para aprovar uma meta fiscal realista. Mas deixou para o fim do ano e aí aconteceu o terremoto de quarta-feira que paralisou o Congresso Nacional.

O país chega ao último mês do ano em situação lastimável, em grande parte por culpa de quem nos governa. Tudo o que pesa sobre esta administração é resultado dos seus atos passados e das escolhas que fez. O governo Dilma se transformou em um morto-vivo que pesa sobre o país. Ele ainda tem três anos pela frente e nenhuma perspectiva de melhora.

O governo desgovernou na largada deste segundo mandato. O espanto que nos acompanhou durante todo o ano chegou ao auge na quarta-feira, com a prisão do líder do governo no Senado. A sessão histórica da Casa foi um retrato da tensão institucional. O país acompanhou cada minuto da sessão que começou com tudo preparado para ser uma votação secreta que relaxaria a prisão preventiva e terminou sendo aberta e mantendo o senador preso.

A ficção não seria tão caprichosa. Pareceria inverossímil para um roteirista de série ter tantos investigados no mesmo processo naquele plenário, inclusive um ex-presidente da República que já sofrera impeachment. Nem colocaria na presidência daquela sessão um dos investigados. E o senador Renan Calheiros equilibrou-se entre seu desejo explícito de votação secreta e relaxamento da prisão e a maioria que foi se formando, no balanço das horas, pela votação aberta e manutenção da prisão.

Durante a maior parte do ano a base parlamentar ficou à deriva, tendo apenas alguns momentos de aglutinação. A presidente Dilma mostrou toda a sua incapacidade de liderar os políticos da coalizão. O líder do Senado era um dos poucos pontos de apoio. Sua prisão deixou o governo diante do fato de que perdeu o último prazo para a aprovação da meta fiscal de 2015 e isso cria um impasse institucional. O governo entrou em segundo desrespeito às leis orçamentárias. A primeira foi com as pedaladas de 2014 e agora com o descumprimento do prazo de aprovar a autorização para ter um déficit de R$ 120 bilhões.

No primeiro mandato, a presidente Dilma gastou demais, concedeu subsídios a empresários, erodiu as finanças públicas e manipulou as estatísticas fiscais através das pedaladas que levaram o TCU a recomendar a rejeição das contas de 2014. Como isso virou um risco político ao seu mandato, a presidente precisa quitar as dívidas com os bancos estatais e evitar, a qualquer custo, ficar novamente em conflito com a lei orçamentária. Se o risco era tão alto, por que a presidente não fez esforços mais cedo e mais enérgicos pela aprovação? Foi assim que se chegou ao último mês do primeiro ano deste mandato: com a administração podendo fechar para balanço.

O primeiro governo Dilma começou com a fantasia de que ela faria uma faxina ética. Depois das demissões de sete ministros, a presidente desistiu do projeto limpeza. Tudo voltou a acontecer como sempre ocorrera nos governos petistas, mesmo após o julgamento dos acusados do Mensalão ter dado o sinal de que poderosos podem ir para a cadeia.

O mais revelador da impressionante conversa gravada por Bernardo Cerveró é a confirmação de como se conspira, dentro dos poderes da República, contra a Operação Lava-Jato. O planejamento da fuga de Nestor Cerveró e a tentativa de interferir nas investigações, suprimindo partes da delação premiada do ex-diretor da Petrobras, foram os fatos que os levaram à prisão. Mas o que ainda ecoa é o momento em que Delcídio Amaral revela que teria falado com ministros do STF e que, se recebesse o habeas corpus, outros também conseguiriam. E assim se desmontaria a operação em andamento. A prisão do senador foi tão forte que saiu do foco a prisão do amigo do expresidente Lula, José Carlos Bumlai.

Se tudo isso fosse ficção, algum crítico diria que é exagero. E nós, que no Brasil vivemos, concordamos: os acontecimentos deste ano, que ainda não terminou, estão além da imaginação.

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