quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Merval Pereira: Atrás da prova concreta

- O Globo

Antes de representar um atestado de inocência de Lula, as ressalvas quanto a ele feitas pelo juiz Moro na decretação da prisão do pecuarista José Carlos Bumlai significam que ainda não foi possível chegar a uma prova concreta que determine com firmeza o envolvimento de Lula nos fatos apurados, embora ele seja presença frequente nas colaborações premiadas e sujeito oculto nas tramas reveladas.

Mas, como se comenta nos bastidores da Operação Lava-Jato, “Lula é alguém em quem você não pode dar uma mordida na perna. Se sair, tem que ser para engolir”. Há uma norma entre os componentes da operação: só se acusa alguém quando há provas para condená-lo. No caso de Lula, há familiares que estão sendo investigados, pessoas no entorno envolvidas, como Bumlai, sendo provável que as coisas amadureçam em algum momento.

Diante de tudo que tem vindo a público, é bem possível que em algum momento alguém em Curitiba, ou em Brasília, ou na Operação Zelotes, chegue a essa prova concreta. Os investigadores da Lava-Jato estão encontrando mais dificuldades em achar indícios que levem à prisão políticos, que tomam mais precauções.

Uma constatação é que todo mundo deixou rastros, mas vários políticos não deixaram, por isso o grupo de Brasília está penando, tendo dificuldade muito grande para trabalhar, bem maior do que os procuradores em Curitiba. Por isso também a colaboração premiada é muito importante, mas nenhum dos políticos fez acordo até agora. Fala-se que o ex-deputado Pedro Corrêa estaria negociando, mas ainda não fechou.

Os políticos geralmente recebem em espécie, e há mais dificuldade para rastrear o dinheiro. A denúncia tem de ser feita na base de provas circunstanciais, encontros, telefonemas etc. O caso da Operação Passe Livre é típico, a começar pela associação com o passe livre que o pecuarista tinha no Planalto e por ele ter sido fotografado na portaria. Petistas como Paulo Okamotto tentam agora dizer que nunca houve tal permissão, e que Bumlai não era tão amigo assim de Lula.

Bumlai é acusado de ter tomado empréstimo de R$ 12 milhões no banco Schahin e repassado ao PT. Teria tido “a benção de Lula”, segundo João Vaccari ao dono do banco. O empréstimo teria sido perdoado pelo banco, que recebeu, em troca, contrato da Petrobras.

A história desse empréstimo já fora revelada por Marcos Valério em 2012, quando tentou tardia delação premiada no mensalão. Na sua versão, Bumlai teria repassado dinheiro a um empresário de Santo André, Ronan Pinto, para que ele não citasse petistas que estariam envolvidos na morte do então prefeito Celso Daniel, em 2002. “O destino final dos R$ 12 milhões ainda é controverso”, dizem os procuradores. A Receita, porém, diz o site O Antagonista, quebrou o sigilo bancário de Ronan e constatou que ele recebeu empréstimo de R$ 6 milhões na época, para comprar o jornal “Diário do Grande ABC”.

Os procuradores da Lava-Jato estão aguardando também dados do exterior. Quando o procurador-geral suíço veio ao Brasil, falou que haviam sido identificadas 300 contas brasileiras, mas até agora vieram menos de 20 delas, e as dificuldades se devem ao processo suíço de liberação de contas, demorado.

Todas essas questões emperram as investigações e angustiam os procuradores, que têm de enfrentar as diversas versões espalhadas para prejudicá-las. Querem evitar o que ocorreu na Operação Mãos Limpas na Itália, que teve grande apoio da população, mas o volume de acusações que nunca foram provadas foi suficiente, com o tempo, para tirar o apoio da opinião pública.

Em vez de terem aprovado reformas que evitariam a corrupção, na Itália acabou se assistindo a uma reação do sistema, dos próprios investigados, poderosos e influentes, e foram aprovadas leis para garantir a impunidade. Por isso os procuradores apresentaram as “10 medidas contra a corrupção”, que pretendem apresentar como projeto de iniciativa popular. Já tem quase 700 mil assinaturas, e precisa de 1,5 milhão.

A tensão não permite que deem passo em falso com figuras influentes, mas têm noção de que, se após fatos apurados, delações confirmando relatos distintos, indícios levantados, não tiverem como fazer denúncia contra Lula, será dar a ele atestado de inocência.

Lula sairá desse inferno astral com discurso de que foi investigado, perseguido, e nada contra ele foi encontrado. Os procuradores garantem, porém, que, na hora em que tiverem condições de oferecer acusação formal, oferecerão, sem constrangimentos políticos.

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