quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Elio Gaspari: De Getulio.Vargas@edu para Lula@org

• Deixe sua sucessora em paz, uma regência do Instituto Lula é coisa inédita, a destruição dela será também a sua

- O Globo

Senhor presidente:

Faz tempo que eu organizo um churrasco para os presidentes do Brasil que estão por aqui. Depois da carne, jogamos pingue-pongue. Fizemos o último encontro há uma semana, e resolvi escrever-lhe porque falou-se muito do senhor. Vosmicê não é popular entre nós. Simpatia, o senhor tem a do Itamar Franco e do Floriano Peixoto. O Médici não pode ouvir seu nome. Eu procuro entender seus pontos de vista, mas sua gabolice dá-me nos nervos.

O tema de nossa conversa foi sua relação com a senhora Rousseff, e estamos todos de acordo: o senhor está jogando uma cartada inédita, ruim para o país e para ambos.

À mesa éramos 25. Em graus variáveis, todos desentenderam-se com seus sucessores. Uns, nunca os toleraram, como Kubitschek com Jânio. Outros, tendo-os ungido, como vosmicê, desencantaram-se e arrependeram-se. Confidencio-lhe que o Ernesto Geisel mal cumprimenta o general Figueiredo. Eu dou-me bem com todos, até com Geisel, que cercou meu palácio em 1945.

Por maiores e até mesmo injustos que tenham sido os desencontros, nenhum de nós tentou sequestrar o governo do seu sucessor. Mesmo quando procuramos interferir, preservamos a discrição. O Itamar lembrou que disse poucas e boas do Fernando Henrique Cardoso, mas sua força extinguira-se. Não é esse o seu caso. A presidente precisa do seu apoio, e a destruição dela será a sua. Intuo que o senhor precisa mais dela do que ela do senhor.

Resta outro argumento, o do recato. O senhor tirou o nome da presidente da sua cartola, como fizeram o Médici com o Geisel e o Geisel com o Figueiredo. Se arrependimento matasse, ambos teriam chegado aqui muito antes. Por recato, diziam horrores dos seus escolhidos, mas mantinham as queixas num círculo fechado.

O senhor está rompendo essa etiqueta. Quer mudar a política de sua herdeira, chegando ao ponto de indicar um ministro da Fazenda que, sem ter sido convidado por ela, sugere condições inaceitáveis até mesmo para um síndico de edifício.

O Washington Luiz, que sabe História, diz que vosmicê quer instalar uma regência no seu Instituto Lula mantendo a titular no Palácio do Planalto. Coisa inédita. Isso só foi tentado uma vez, com um presidente fisicamente incapacitado. O marechal Costa e Silva lembrou que, depois de ter sofrido uma isquemia cerebral, estava mudo e paralítico, mas os generais empossaram uma Junta Militar dizendo que ela era provisória. Esse gauchão sempre repete que deveriam ter empossado o vice-presidente. Foi dele a ideia de não chamar os membros de juntas militares para nossos churrascos.

O senhor diz com frequência que se pode pedir tudo a um governante, menos a própria humilhação. Meu caso foi extremo, mas, quando tomei a decisão de sair da vida, reagia à humilhação que os militares amotinados queriam impor-me. Em 1945, já deposto, recebi dois oficiais, fumei meu charuto e saí de cabeça erguida. Em 1954, armou-se uma situação em que sairia escorraçado. Escorracei-os entrando para a História e escorraçados meus inimigos estão até hoje, obrigados a conviver com suas infâmias.

Do seu patrício,
Getúlio Vargas.
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Elio Gaspari é jornalista

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