sexta-feira, 27 de novembro de 2015

César Felício: A dominância política

• Se Dilma e Lula ficam sob ameaça, Cunha perde

- Valor Econômico

Por um momento, o transe político em Brasília pareceu perder o fôlego diante da recessão econômica, o que paradoxalmente estava garantindo que a presidente Dilma Rousseff ganhasse margem para concluir o seu mandato sangrando, mas viva, até 2018.

Por este roteiro, o tempo conspirava a favor da presidente, uma vez que o mundo político entraria em compasso de espera, travado pelo labirinto que se ergueu em volta de Eduardo Cunha. Os que tramam o impeachment precisariam esperar a maturação da crise econômica no desespero popular.

A batalha decisiva seria travada em algum momento entre março e abril. O outono, pelas projeções econômicas, seria o instante em que o crescimento do desemprego e da inflação poderia emparedar Dilma e alimentar sua derrocada.

Caso Dilma vencesse o outono com a guerra do impeachment sob controle, seria beneficiada por dois fenômenos potencialmente paralisantes sobre conspirações: os Jogos Olímpicos do Rio e, praticamente em sequência, as eleições municipais que tendem a esvaziar Brasília.

Com a sucessão de acontecimentos vertiginosos decorrentes da Operação Lava-Jato que marcaram esta semana, o cronograma da crise de 2016 foi afetado e já não se divisa mais a fase da dominância econômica sobre o cenário político. Delcídio e Bumlai na cadeia impedem que as expectativas econômicas se formem sem levar em consideração o noticiário policial.

As primeiras consequências de se ter um líder do governo preso já puderam ser vistas nesta quarta-feira, em que o Congresso Nacional teve que adiar o início da votação sobre a revisão da meta do resultado primário. Sem esta votação até o fim do ano, Dilma pode ser incursa em um eventual crime de responsabilidade que embase outro pedido de impeachment.

O epicentro da crise que fez com que o futuro político de Cunha se estreitasse pode se espalhar para o coração do Senado. É difícil medir o alcance que a delação premiada de Nestor Cerveró, a ser homologada, terá sobre a situação do presidente da Casa, Renan Calheiros. Embora seja certo que Dilma não pode ser incriminada por atos cometidos anteriormente ao início de seu mandato, as acusações do ex-diretor procurando comprometê-la com a compra de Pasadena tendem a aprofundar o seu desgaste. No mínimo, deixaria a presidente com dificuldade de repetir uma de suas frases-mestras em entrevistas: "Eu não fiz nada".

Mais explosiva ainda parecem ser as consequências que as recentes prisões poderão ter sobre as pretensões de Luiz Inácio Lula da Silva. No caso de Bumlai, trata-se de um amigo particular do ex-presidente. Em relação a Delcídio, alguém que foi nada menos que o presidente da CPI do Mensalão de 2005, e nesta posição, eventualmente pode ter tido conhecimento de fatos que ainda não vieram à tona.

Uma pequena amostra pôde ser vista há apenas seis meses. Em maio, a revista "Veja" publicou uma matéria em que Delcídio confirma que recebeu Marcos Valério para uma reunião, em que o operador do esquema apurado pela CPI se queixou de passar por problemas financeiros.

O extermínio político de Delcídio deixa um cenário de desolação extrema para o governo no Senado. Na bolsa de apostas de seus possíveis sucessores na liderança do governo estão parlamentares que sequer se aproximam do trânsito que Delcídio, um ex-tucano e ex-pemedebista, tinha junto a todo o universo político e ao empresariado. Toda pauta do governo na Casa que é o anteparo dos desmandos da tropa de Cunha na Câmara fica ameaçada de cair por terra. Se já tinha o desafio de reconstituir sua base entre os deputados, agora Dilma terá que remontar sua estrutura entre os senadores.

Não é por outro motivo que o senador do DEM e presidenciável em 2018 Ronaldo Caiado procurou relançar ainda na noite de quarta a tese de novas eleições.

É uma proposta que ainda está muito longe de qualquer vestígio de concretude, mas sua simples menção sinaliza que a ampulheta virou novamente.

O ambiente político de agora é semelhante ao do fim do primeiro trimestre, quando fracassou a articulação dilmista para montar um eixo envolvendo o PT não lulista e um centro político comandado por Gilberto Kassab e a família Ferreira Gomes. Pela terceira vez no ano, Dilma estará convidada a se reinventar.

Neste contexto, a ação da equipe econômica volta a estar condicionada de modo violento às limitações políticas. Não será uma troca de ministro da Fazenda que irá mudar o espírito do Congresso.

A governabilidade deixou de existir, pelo menos no sentido amplo da palavra, que é o de pautar o debate nacional, e é duvidoso que seja restaurada em caso de ascensão de Michel Temer. Na hipótese de chegar ao poder em um processo de impeachment, o vice terá uma legitimidade política a ser construída, já que sobre si pesam ameaças que por enquanto estão circunscritas à Justiça Eleitoral.

Há quem sonhe com um governo Temer estruturado em uma base governista semelhante a que sustentou Fernando Henrique nos anos 90, em que o vetor decisivo seria o PMDB, e não o PSDB, como foi no passado. O ativo que Temer teria seria sua disposição em não se apresentar como candidato em 2018.

Parece muito pouco, como indica a declaração de Caiado feita minutos depois do Senado confirmar a decisão do STF de encarcerar o líder do governo na Casa. Um processo de impeachment sumário no Brasil não seria uma turbulência que se encerra em si mesma. A primeira tarefa de Temer como presidente seria lutar para não cair.

Se no caso de Dilma e Lula as prisões decorrentes da Lava-Jato são preocupantes, para Eduardo Cunha podem ser o dado definitivo para selar sua sorte. De longe, o presidente da Câmara é a parte mais vulnerável da equação. Toda a crise política atual indica que o futuro presidente da Câmara, a ser eleito cinco dias depois de um afastamento de Cunha, teria imenso poder para arbitrar o conflito político, dada as limitações que existem em relação a Temer e Renan.

Cunha está cambaleando desde a sua desastrosa intervenção no Conselho de Ética, na última semana. Antes um condutor de um processo de impeachment, Cunha poderá no máximo vetar a ascensão de um desafeto em seu lugar. Não tem mais como ungir um eleito.

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