quarta-feira, 14 de outubro de 2015

STF judicializa discussão sobre impeachment

Por Raphael Di Cunto, Maíra Magro e Fábio Murakawa - Valor Econômico

BRASÍLIA - O governo federal ganhou novo fôlego para tentar barrar, na Câmara dos Deputados, o andamento de processos de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Três liminares do Supremo Tribunal Federal (STF) suspenderam ontem o rito definido pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para o trâmite destes procedimentos. A suspensão vale até que o plenário da Corte avalie o caso, o que deve ocorrer só em novembro.

As decisões atrapalham o calendário planejado pela oposição, que pretendia instalar ainda este mês a comissão especial para dar o parecer ao pedido dos juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Júnior pelo afastamento de Dilma, e dão início a uma guerra nos tribunais para impedir a saída. Os oposicionistas temem que o recesso parlamentar e as eleições municipais esfriem a pressão se o impeachment não ocorrer este ano.

As suspensões foram decididas pelos ministros do STF Teori Zavascki e Rosa Weber, em resposta a ações movidas por quatro deputados governistas. Os parlamentares pediam a suspensão da tramitação de pedidos de impeachment com base nos ritos que Cunha estabeleceu ao responder a Questão de Ordem 105, apresentada pela oposição.

O argumento é que o tema só pode ser tratado por lei especial, e não por decisão individual do presidente da Câmara. Para os deputados, os processos de impeachment devem se ater ao que diz a Lei 1.079, de 1950, que define os crimes de responsabilidade do presidente da República e sua forma de julgamento.

Zavascki concordou que cabe à lei especial, aprovada pelo Congresso, definir o processamento desses crimes. O ministro suspendeu o rito definido "por decisão individual do presidente da Câmara" ao analisar mandado de segurança do deputado Wadih Damous (PT-RJ e classificou o procedimento de Cunha como "inusitado". A ministra Rosa Weber decidiu o mesmo, em duas liminares - uma delas em mandado de segurança proposto pelo deputado Rubens Pereira Júnior (PCdoB-MA) e, a segunda, em reclamação dos deputados petistas Paulo Teixeira (SP) e Paulo Pimenta (RS).

Rosa Weber também impediu Cunha de "receber, analisar ou decidir qualquer denúncia ou recurso contra decisão de indeferimento de denúncia de crime de responsabilidade [...] com base naquilo que é inovado na questão de ordem".

Na prática, Cunha não fica impedido de avaliar a abertura de procedimentos de impeachment, mas sim de aplicar o roteiro definido em resposta à questão de ordem da oposição. Um dos principais pontos envolve a possibilidade de recurso ao plenário da Câmara caso o presidente da Casa rejeite um pedido de impeachment.

Baseado no rito definido pelo ex-presidente da Câmara Michel Temer (PMDB) em 1999, Cunha havia decidido que o plenário poderia alterar sua decisão de rejeitar um pedido de impeachment por maioria simples (metade dos votos mais um). O governo argumenta que é preciso quórum maior, de 342 deputados. As liminares suspendem a esta decisão sobre o quórum e, na prática, impedem o uso do recurso, que era a estratégia inicial da oposição, até a decisão de mérito.

Outra novidade prevista no rito de Cunha é a possibilidade de aditar pedidos de impeachment, como a oposição pretendia fazer ao requerimento de Hélio Bicudo para incluir supostos crimes fiscais cometidos em 2015 e, assim, permitir a abertura da investigação. Como o aditamento não tem previsão em lei, o PT entende que esse pedido ficou inviabilizado e a oposição preferiu não discutir e apresentar uma nova peça.

Oposição, governistas e Cunha divergiram ontem quanto à amplitude da decisão do STF. Para Flávio Caetano, coordenador jurídico da campanha de Dilma em 2014, as decisões suspendem "toda e qualquer tramitação dos processos em curso."

Já Cunha disse que as liminares não interferem em sua prerrogativa de deferir ou indeferir os pedidos de impeachment - após as decisões do STF, ele indeferiu ontem mais cinco pedidos. O presidente da Câmara ressaltou que é preciso aguardar o julgamento do mérito das ações e disse que ainda não decidiu se aguardará a decisão final para avaliar o pedido de Bicudo.

Cunha defende que a decisão sobre receber ou não os pedidos de impeachment, assim como determinar a criação de comissão especial, é tema "constitucional", que por isso não estaria suspensa pelo STF. "Desse jeito vão revogar até o impeachment do Fernando Collor, que teve grande parte da tramitação decidida pelo Supremo", declarou.

Mas, para travar novos pedidos de impeachment, o PT deve se valer de lacunas legais para iniciar uma nova batalha no Judiciário. Advogados do partido apontam que a Lei 1.079 não diz, por exemplo, que cabe ao presidente da Câmara receber e dar início aos processos de impeachment. A norma também é vaga quanto ao formato da comissão especial responsável por analisar o impeachment antes do plenário. Assim, todo e qualquer ato do presidente da Câmara poderá ser contestado no Supremo.

Com as três liminares do Supremo, os procedimentos ficam suspensos até a análise de mérito das ações. O STF deu dez dias para Cunha apresentar informações nos processos - ele disse que já responderá hoje. Depois, o Ministério Público terá outros dez dias para se manifestar.

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