quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Murillo de Aragão - Feliz ano velho

- O Estado de S. Paulo

Existem anos que demoram a acabar. Outros acabam ou começam cedo demais. 2015 é um ano que já acabou. Burocraticamente, os acontecimentos vão se suceder para que no dia 31 de dezembro se confirme o novo ano. Fora do calendário, 2016 já começou, impulsionado pelos temas e desdobramentos de 2014, pelas decisões e indecisões deste ano e pelo que ficará pendente.

Além de prematuro e longo, 2016 será um ano “millésime” da política, com uma grande safra de eventos. Tanto os que restam deste ano quanto os que serão incorporados nos meses subsequentes. Para o governo, fora a questão do impeachment, tudo o mais ficou para 2016.

No campo econômico, o governo jogou a toalha, com Orçamento deficitário e complacência para com o rebaixamento do rating do País. Transferiu para o ano que vem o ataque frontal ao déficit público e também as eventuais aprovações da CPMF e da Desvinculação de Receitas da União (DRU). Lutará, apenas, pelo Orçamento de 2016 e já se conformou com uma inflação acima da meta.

No campo político, gastou meses para corrigir as próprias trapalhadas. Reagiu sempre atrasado e de modo confuso diante do tamanho do problema, amplamente conhecido: a relação entre o Palácio e os aliados da base governista. Em 2015, na política, o governo foi o macaco na loja de louça e, de longe, o maior adversário de si próprio. Caçador de si mesmo. Jogando o tempo todo contra o seu patrimônio.

No campo administrativo, não “governou” em 2015. Mal comparando, parece o governo sírio, que está sitiado entre grupos que brigam com ele e entre si. É um governo em compasso de espera, focado na defesa do impeachment. Contando votos, enquanto quem, de fato, fica em compasso de espera é o País. Pouco faz e o que faz não é percebido. É o imobilismo em movimento. Um tronco velho ao sabor da correnteza. A chuva imóvel de Campos de Carvalho.

Por exemplo: soluções propostas para estabilizar a questão da Petrobrás e de seus fornecedores dormem nas gavetas do Planalto. A reformatação do Carf dormita no Planejamento, à espera de míseros R$ 800 mil para ser posta em prática. A repatriação de divisas, que estava bem encaminhada no Senado, pode ter ido para as calendas e, com isso, os recursos para financiar a transição para um novo modelo de ICMS.

O ano antecipado começa já, com um debate sobre impeachment que se vai acelerar gradativamente. E não deverá ser concluído este ano, salvo evento inesperado. A discussão em torno da DRU e da CPMF, que pode começar agora, não deve ser concluída. A atual configuração da base política não dá a mínima esperança de que as votações possam ocorrer rapidamente.

O afastamento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), talvez possa ser concluído este ano. Mas a sua agonia já começou sem data certa para acabar. Considerando sua tenacidade, tudo pode ficar para 2016. Afinal, mesmo estando no corner, Cunha tem poder suficiente para se defender e ampliar o incêndio político.

O ambiente de incerteza política e de paralisia do governo atinge em cheio as expectativas econômicas. O desempenho trágico da economia também transferiu para 2016 as decisões empresariais e as boas expectativas para 2017. Teremos um Natal morno, com baixa venda de presentes. Tudo embalado pela expectativa de que o desemprego chegue a dois dígitos e “imploda” de vez a paciência dos brasileiros. A falta de dinheiro fará a diferença, assim como a incerteza de sua recuperação no ano que vem. Para o empresariado, 2015 acabou. Para o trabalhador, 2015 tem de acabar rápido na esperança de tempos melhores.

Além dos problemas remanescentes e inconclusos de 2015, 2016 traz a sua própria safra de novidades, entre as quais se destacam as eleições municipais e a Olimpíada. Ambos serão eventos importantes, mas com impactos diferentes do esperado. Num ambiente de recessão econômica, a Olimpíada pode ser mais pálida. Os Jogos estão impactados pelas confusões da Operação Lava Jato, já que as obras para as competições se relacionam com empresas envolvidas no escândalo de corrupção da Petrobrás.

Na esfera eleitoral, os efeitos das investigações e a proibição de doações empresariais terão consequências revolucionárias. Sem as verbas empresariais as eleições serão bem mais pobres, o que se por um lado é bom, para reduzir o abuso do poder econômico, por outro não é nada bom que a corrida eleitoral seja patrocinada só pelo Tesouro. Teme-se, ainda, que o caixa 2 assuma maior relevância no processo.

No campo jurídico, 2016 promete ser ainda mais animado que agora. Dezenas de processos sobre políticos começarão a ser analisados no STF. Muitos caciques serão emparedados. Conforme o governo for se enfraquecendo cada vez mais, o Supremo deverá agir, também cada vez mais, com maior autonomia e menos preocupação com os “padrinhos”. Será um “barata voa” de proporções épicas. Tudo alimentado pela notável incapacidade do governo de fazer uma boa leitura do ambiente político e por sua rapidez de jabuti para responder aos sucessivos desafios que se apresentam.

Claramente, o governo vive uma curiosa síndrome, que é a de criar problemas a cada novo problema que aparece. Não há uma intervenção apaziguadora. Quando esta não é conflituosa, é ineficaz. Tanto por sua extraordinária limitação quanto pelo aprisionamento de sua agenda em torno do impeachment, agenda que deveria estar focada no ajuste fiscal e na retomada.

Muitos se perguntam se o governo se pode salvar. Como Campos de Carvalho diz num de seus textos, tudo pode acontecer. Inclusive Astrogildo – ou será Ruy Barbo? – ir a Paris sem nunca ter ido, como na obra-prima A Lua Vem da Ásia. O realismo fantástico da literatura latino-americana está impregnado na política nacional. Demolindo os limites dos calendários. Encurtando ou alongando os anos. Com o governo matando seu próprio tempo e a oposição discutindo se vai à praia ou se sobe a serra.
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Murillo de Aragão é consultor, advogado, cientista político, é mestre em ciência política e doutor em sociologia pela Unb

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