sábado, 3 de outubro de 2015

Míriam Leitão - Reforma e comércio

- O Globo

Reforma virou uma barganha política por proteção. O que faz a presidente cavar mais fundo no fosso onde já está? O que a faz organizar, sob a tutela do ex-presidente Lula, uma reforma ministerial na qual costura uma ligação com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, no momento em que ele está se desintegrando? O maior divórcio da presidente hoje é com a opinião pública, e ela é que a sustenta, e não meia dúzia de mal afamados.

A reforma foi pensada originalmente como uma resposta a quem importa, os cidadãos, que sustentam um Estado pesado, perdulário e deficitário. O objetivo inicial era enfrentar a bizarrice de um governo de 39 ministérios com inúmeras superposições e redundâncias. O que se teria ao final desse processo seria um governo mais enxuto, eficiente e com sinergias entre áreas antes balcanizadas. Essa era a ideia que ela executou em parte. O problema é que o critério de nomeação foi como evitar o impeachment, e isso transformou a reforma num comércio. A presidente Dilma disse, em frase hoje clássica, que se pode fazer “o diabo para ganhar a eleição”. Aparentemente, ela permanece na companhia da tal criatura. Tanto que na campanha disse ser um “escândalo” acabar com os ministérios que extinguiu ontem.

Dizia-se nos bons tempos do PMDB que ele era uma federação de partidos. Hoje é um agrupamento de falanges. A presidente foi a uma dessas facções buscar o servidor de um líder cujo mandato está seriamente ameaçado. Ela está abraçando um afogado, para dizer o mínimo. Triste fim para quem no início do governo foi apresentada como comandante em chefe da faxina ética. Da maneira como foi feita, a reforma não é parte da natural reorganização de forças da coalizão, como a presidente definiu, mas mais um lamentável episódio da troca de favores.

Era para ser uma refundação do governo, e deveria começar com um verdadeiro meaculpa, e não esse condicional que a presidente Dilma tem soltado: “se houve erros”, ela disse. Ora, ora. Deveria ser capaz a esta altura de admitir os erros seriais que nos levaram a essa situação. Na mudança de ontem, ela anunciou alguns ajuntamentos para dizer que fez a reforma administrativa que encomendou ao Planejamento, mas seu real objetivo foi entregar algumas capitanias aos seus novos donos em troca de proteção.

No fragmentado sistema político brasileiro, a presidente, como líder da coalizão, precisa administrar as forças que a apoiam para aumentar as chances de realização do seu projeto de governo. Este é o modelo mesmo. O que a presidente não entendeu ainda é que sua primeira lealdade tem que ser com o país, portanto, a arte está em liderar uma coalizão fragmentada e escolher os mais preparados para bem governar. A rejeição popular que enfrenta é que enfraquece sua base de sustentação. Ela faz movimento contrário ao que deveria fazer quando nomea pessoas estrangeiras aos temas que comandará, e algumas delas têm intimidade com práticas que estão sendo condenadas nos tribunais.

O país vive uma conjuntura dramática. As crises gêmeas se alimentam como dois tornados que ao se unirem se tornam uma força muito maior. Na economia, a inflação, o desemprego, recessão, crise de confiança, disparada do dólar, descontrole fiscal. Na política, os presidentes das duas Casas legislativas, terceiro e quarto na linha sucessória, estão sendo investigados pelo Ministério Público. O Congresso, com tais lideranças, tem ameaçado o país com medidas que elevam os gastos públicos, aumentando a conta a ser paga por toda a sociedade. Nesse quadro, a presidente decide cavar mais fundo comprovando que ela não sabe como tirar o país da crise em que o colocou.

O que quer exatamente a presidente do Brasil? Seus truques que enganaram milhões ruíram, sua popularidade se transformou em alta rejeição, seu modelo econômico apresentado como nova ciência criou armadilhas que engolem o segundo mandato. Seu partido continua girando na órbita do ex-presidente Lula e não hesitará em rifá-la se for o interesse da primeira estrela. Sombras cercam seu mandato pelo lado das mentiras contábeis e pelas dúvidas razoáveis sobre o dinheiro que financiou sua campanha. Diante da lamentável cena nacional, ela chama seus tutores e reabre a barganha para garantir a permanência no cargo.

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