quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Míriam Leitão - Pedalada nova

- O Globo

Enquanto ocorre a batalha político- jurídica em torno do impeachment, na economia outra briga é travada sobre uma questão: está ou não havendo pedalada fiscal no atual mandato? A equipe econômica sustenta já ter acertado o passado e mudado o futuro. O Ministério Público de Contas afirma que o governo tem dívidas do presente e também do passado.

OMP de Contas mandou ofícios com indagações de saldos e fluxos das contas do governo com bancos públicos. Em resposta, o governo mandou relatórios que chegaram no final de setembro e no último dia 2 de outubro. Segundo o procurador Júlio Marcelo de Oliveira, o governo está devendo R$ 13,5 bilhões ao Banco do Brasil e R$ 24,5 bilhões ao BNDES por operações antigas de equalização de juros. Além disso, deve R$ 2,2 bilhões à Caixa Econômica Federal de tarifas não pagas por serviços prestados.

O governo tem a seguinte narrativa: foi baixada uma portaria que estabelecia que o custo do diferencial de juros dos empréstimos do BNDES seria pago em dois anos. A nova equipe chegou, pagou os atrasados e baixou nova portaria reduzindo o prazo para seis meses. Mas existem os empréstimos que foram concedidos na vigência da velha portaria e que ainda não venceram e está sub judice. Se isso tem que ser pago antes do vencimento ou não. O governo diz que acertou o fluxo e deixou o estoque sobre o qual ainda tem prazo para pagar.

O procurador tem outros números e outra história. Diz que o governo pagou apenas o diferencial de juros de 2010 e 2011. Deve 2012, 2013, 2014 e o primeiro semestre de 2015. Neste primeiro semestre, acumulou- se uma dívida de R$ 3,5 bilhões. Ao todo, a dívida seria de R$ 24,5 bilhões:

— E não há nada sub judice. Existe uma regra, o governo não cumpre, e depois faz um recurso ao TCU. Em seguida, por ter feito esse recurso, o governo alega que está sub judice. Essa prática acabou de ser condenada.

O procurador diz que, aos bancos privados com os quais opera, o governo paga a diferença entre o custo de captação e de empréstimos em um mês.

Em relação ao Plano Safra, a dívida com o Banco do Brasil fechou 2014 em R$ 10,9 bilhões e em 2015 já chegou a R$ 13,5 bilhões. Cresceu durante este ano. O governo diz que está pagando dívidas antigas com o Banco do Brasil, mas o procurador diz que foi quitado apenas R$ 1 bilhão.

Em relação à Caixa, a boa notícia é que a conta de suprimento, usada para pagar os benefícios dos programas sociais, não tem mais déficit expressivo. Porém, o governo deixou acumular uma enorme conta de tarifas pelos serviços prestados, que simplesmente não pagou. Hoje já é de R$ 2,2 bilhões.

A equipe econômica do atual mandato deveria dar uma resposta mais clara e convincente. Deveria também evitar incorrer nos mesmos erros da antiga equipe, que terá que responder por seus atos. A continuação pode gerar problemas para quem recebeu a herança ruim do primeiro mandato.

Além desses atrasos, o governo também baixou decretos de abertura de créditos adicionais sem autorização legislativa, repetindo o que fez em 2015 e foi considerado irregular pelo Tribunal de Contas da União.

Enquanto a área econômica tenta explicar como está corrigindo o passado, o governo se enamora da tese equivocada de que tudo foi feito para pagar Bolsa Família. Ontem, foi a vez de o ex- presidente Lula repetir a versão que não tem a mais remota base na realidade. Se isso fosse verdade, se tivesse faltado dinheiro para o Bolsa Família, por que mesmo o governo teria aumentado tanto o que gastou com outros programas, como o Fies, cujo gasto dobrou de um ano para o outro?

Ainda que tivesse faltado dinheiro para o Bolsa Família, certamente o caminho não seria desrespeitar a lei, mas sim encontrar a forma, dentro da lei, para manter o programa.


A situação está complicada na área política, mas na economia fica também cada vez mais enrolada. De um lado, a equipe econômica tem que defender o que tem feito agora, se quiser convencer de que está no rumo certo; de outro, a troca- troca de justificativa para o erro só aumenta a certeza de que o governo Dilma no primeiro mandato fez uma gestão temerária das finanças públicas. E ainda não se livrou desse passado.

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