sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Míriam Leitão - Os fatos e a ata

- O Globo

A ata do Copom divulgada ontem mostra um Banco Central à deriva, que se esconde atrás do palavrório usado nestas comunicações para não encarar os fatos: uma inflação próxima de dois dígitos e um naufrágio fiscal. Estes são os fatos que não cabem na ata. O BC ainda registra a meta de superávit primário de 0,15% este ano que até o asfalto da Esplanada sabe que não será atingida.

O combate à inflação depende hoje mais da política fiscal. As contas se afundam no vermelho, e o Banco Central, impotente, assiste a tudo escrevendo frases assim: “Considera-se como indicador fiscal o superávit primário estrutural que deriva das trajetórias de superávit primário de 0,15% do PIB em 2015 e de 0,70% do PIB em 2016. Cabe destacar, ainda, que em determinado período, o impulso fiscal equivale à variação do superavit estrutural em relação ao observado no período anterior”.

Entendeu? Não é para ser entendido que o Banco Central escreve. Ele quer que decifrem vírgulas e encontrem significados em ausências, achando que assim cumpre seu papel a cada mês e meio. Não está cumprindo. Afinal a inflação já estourou o teto da meta há muito tempo e encosta em dois dígitos. As projeções para o IPCA este ano aumentam a cada semana e as do ano que vem também. Pelo manual teria que subir os juros. Mas, prostrado, o BC não sabe o que fazer diante dos seus dilemas: se subir os juros aumenta o rombo fiscal, aprofunda a recessão e não necessariamente terá efeito sobre a inflação.

Por isso ele joga a toalha, tirando um pedacinho do comunicado que vinha sendo repetido nas últimas atas, que era o compromisso de atingir a meta no final de 2016. Já se sabe que não será atingida mais. Fica para melhor oportunidade. Mas o que impressiona é o BC registrar frases assim: “O Copom reitera que o cenário central para a inflação leva em conta a materialização das trajetórias anunciadas para as variáveis fiscais”; “O comitê pondera que, no horizonte relevante para a política monetária, o balanço do setor público tende a se deslocar para a zona de neutralidade e não descarta a hipótese de migração para a zona de contenção”. No mundo das pessoas normais, essas palavras não querem dizer nada, ou, se fizermos esforços, ele está dizendo que acredita ainda nas metas fiscais, e que as contas públicas vão se equilibrar.

A inflação subiu principalmente pela alta das tarifas. Os preços administrados, lembra o BC, poderão fechar o ano em 16,9%. Na última reunião, ele previa 15,2%. A autoridade monetária está sempre atrasada em relação aos fatos e só faz confirmar o que todos já sabem, depois dos fatos. A gasolina está com alta de 15%; o gás de bujão, 20%; e a energia, 51,2%. O tarifaço do setor de energia produziu um enorme estrago na inflação. Para atuar, o BC teria que derrubar ainda mais a economia para que os índices caíssem pela recessão. Já haverá esse efeito, mas a autoridade monetária teme bater ainda mais numa economia já fragilizada. Diante da situação, o BC apenas olha o quadro, escreve uma ata cheia das frases misteriosas de sempre, e toma por certo metas que já se sabe que não serão cumpridas, já que elas não foram ainda oficialmente alteradas.

Não há muito o que o Banco Central possa fazer agora. Mas não deixa de ser patético ele estar falando em superávit de 0,15% do PIB na semana em que se discute a nova meta, que será um déficit entre R$ 50 bilhões a R$ 100 bilhões. Da mesma forma, os resultados para o ano que vem continuam sob dúvida porque nada do que foi enviado como parte do ajuste para se chegar ao 0,7% de superávit foi ainda aprovado.

Ontem mesmo, logo depois que saiu a ata, o próprio BC divulgou mais um resultado negativo do setor público, o de setembro, com o déficit primário de R$ 7,3 bi. Em 12 meses, o rombo nominal, o gasto primário mais o pagamento de juros, chegou a 9,32% do PIB. A quinta-feira teve mais resultados ruins. Pela manhã, a Fundação Getúlio Vargas havia divulgado os dados do IGP-M de outubro, que fechou em 1,89%. E para completar um dia difícil, a Pnad mostrou o desemprego em alta para 8,7%, no trimestre encerrado em agosto. Diante desse cenário, o BC tem a dizer que continuará se escondendo atrás de palavras rebuscadas e vazias.

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