quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Maria Cristina Fernandes - A república sem Eduardo Cunha

• A chantagem virou método e a desfaçatez, o rito

- Valor Econômico

A permanência por tempo indeterminado do presidente da Câmara dos deputados no cargo prorroga a chantagem como método e a desfaçatez como rito da política.

É uma prorrogação de muitos gols para o modo de fazer política que o deputado Eduardo Cunha, com o beneplácito do governo, tornou regra no Legislativo. Um dos principais artilheiros está instalado na Comissão de Constituição e Justiça, a mais importante da Câmara.

Nenhum projeto começa a tramitar sem que a comissão diga se o que está lá rima com a Constituição. Cinco de seus ex-presidentes se tornariam ministros da Justiça (Agamenon Magalhães, Milton Campos, Célio Borja, Nelson Jobim e Aloysio Nunes Ferreira). Seus descaminhos mais recentes contribuíram para que o Judiciário se assenhorasse da cota do Legislativo no concerto dos poderes.

No início da legislatura, o presidente da Câmara negociou o Conselho de Ética mas não abriu mão da CCJ, o que revela confiança tanto na impunidade quanto na tramitação legislativa como fonte de seu poder.

Instalou na comissão um dileto aliado, Arthur Lira. Deputado de segundo mandato, Lira coabita o Congresso e o PP alagoano com o pai, o senador Benedito, que impediu a volta de Heloisa Helena (Psol) a Brasília numa eleição em que teve mais votos até que o ex-governador Teotônio Vilela (PSDB), seu aliado.

Arthur e Benedito Lira fazem dobradinha também na operação Lava-Jato. Em relatório encaminhado ao ministro do Supremo, Teori Zavascki, no mês passado, a Polícia Federal identifica a dupla como substituta do deputado José Janene, morto em 2010, na coordenação do esquema de propinas da Petrobras.

Depois da primeira tentativa de votação dos vetos presidenciais, a família Lira levou a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), autarquia subordinada ao Ministério das Cidades e responsável pela implantação do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) em quatro capitais (Belo Horizonte, Recife, Fortaleza, Maceió e Natal).

A nova barricada é a admissibilidade da DRU. O projeto prorroga e aumenta de 20% para 30% o volume a ser desvinculado das receitas da União. Se a CCJ continuar a barrá-la, a licença para remanejar esses recursos, que termina em dezembro e depende de quórum constitucional, não terá como ser renovada.

A negociação da DRU entrou no intricado mercado de porteiras fechadas. Além da presidência da CBTU, a família de aliados de Eduardo Cunha também gostaria de nomear o conselho diretor da autarquia, hoje nas mãos do ministro Gilberto Kassab (PSD).

A rede de prepostos do presidente da Câmara em postos-chave evidencia um ajuste fiscal que, a exemplo do resto da república, também está ancorado na Lava-Jato. Outra das medidas com a qual o ministério da Fazenda conta para diminuir o rombo do Orçamento, a repatriação de capitais, está nas mãos de mais uma estrela da tropa de choque de Eduardo Cunha.

No auge do seu poder como o senhor do impeachment, o deputado exigiu que o governo transferisse o projeto do Senado para a Câmara. O governo cedeu e o presidente da Câmara entregou o projeto para o deputado Manoel Jr. Depois de ser descartado na reforma ministerial para a pasta da Saúde, o parlamentar do PMDB paraibano concluiu o substitutivo ao projeto com alívio às multas e porteira escancarada para que condenados em segunda instância possam participar da repatriação. Como os bancos são os avalistas da idoneidade da transação, já se previa ontem que nenhum deles se arriscará a entrar na operação se as regras forem aquelas estabelecidas pelo aliado de Cunha.

A trinca de serviços prestados à nação esta semana pela legislatura presidida por Eduardo Cunha se completa com a Comissão Mista do Orçamento. O PP, partido que colabora com mais filiados para a lista do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, também tem a relatoria do Orçamento. Seu titular, o deputado Ricardo Barros, foi eleito por 114.396 eleitores, a maioria dos quais de Maringá (PR), cidade que administrou e é o berço natal do juiz Sérgio Moro, mas legisla para o que denomina de 'mercado'.

O ajuste fiscal virou uma obsessão nacional, mas o relator do Orçamento, sem mandato da entidade da qual se oferece como porta-voz, assim explicou suas motivações para o corte do Bolsa Família: "Minha preocupação é apresentar um orçamento em que o mercado acredite". Tivesse de fato o mandato de investidores, o relator não teria rifado a CPMF de suas projeções para o Orçamento.

Para continuar a comandar os prepostos que instalou nos postos-chave da Câmara e não cair nas mãos do conterrâneo de Ricardo Barros, Eduardo Cunha tem se valido do cargo para não dar início ao processo de sua cassação no Conselho de Ética. Toda representação feita na Casa deve ser numerada pela mesa diretora. Só assim passa a tramitar. Pois a representação de 46 parlamentares de sete partidos protocolada há uma semana no conselho até hoje não foi oficialmente registrada pela presidência da Câmara. O regimento prevê que a Casa o faça em até três sessões ordinárias. Pois o presidente da Câmara tem optado por sessões extraordinárias para congelar o prazo de sua degola.

O processo de cassação é longo e, dificilmente, Eduardo Cunha, a julgar pelos últimos processos que tramitaram no conselho, seria cassado este ano. Já corre na Casa, no entanto, a possibilidade de uma representação no Ministério Público contra o presidente da Câmara por obstrução ao processo que pode vir a resultar em sua cassação.

É pequena a chance de um processo como este prosperar com a mesma diligência impressa pelo ministro Teori Zavascki às liminares contra o rito do impeachment. Mas o 'Natal sem Dilma' colocou a criatividade na ordem do dia. Foi num 15 de novembro de dois anos atrás que o ministro Joaquim Barbosa resolveu homenagear o Brasil com a prisão dos 16 primeiros réus do mensalão. Uma república sem Eduardo Cunha é mais do que uma efeméride. Seria como a primeira parcela do 13º para uma nação que ainda tem muitas contas a acertar.

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