segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Governo manobra para adiar julgamento de contas

• Ministros acusam relator de antecipar voto e pedem seu afastamento

Para oposição, Dilma age com truculência e autoritarismo para evitar processo de impeachment

A dois dias do julgamento das contas de 2014 da presidente Dilma no Tribunal de Contas da União, o governo pedirá hoje o afastamento do relator, ministro Augusto Nardes. A manobra, anunciada por três ministros de Dilma, pretende adiar a votação, pois o TCU deve rejeitar as contas, devido às “pedaladas fiscais”. Se o pedido for recusado no TCU, Dilma vai recorrer ao Supremo. Nardes rejeitou a alegação de que antecipou seu voto e, com isso, violou o regimento interno. A oposição acusou o governo de “truculência e autoritarismo”, por medo de que a rejeição das contas leve à abertura do processo de impeachment no Congresso.

Uma última cartada

• Governo manobra para afastar relator das contas de Dilma e adiar o julgamento no TCU; oposição reage

Vinicius Sassine - O Globo

- BRASÍLIA- Numa ofensiva avalizada por Dilma Rousseff, o governo tentará, a partir de hoje, destituir o ministro Augusto Nardes da relatoria do processo sobre as contas de 2014 da presidente. A iniciativa — a cargo dos ministros Luís Inácio Adams, da Advocacia Geral da União (AGU), e José Eduardo Cardozo, da Justiça — ocorre a apenas dois dias do julgamento no Tribunal de Contas da União (TCU), marcado para quarta-feira. Esta passou a ser a principal estratégia para tentar adiar o veredicto no tribunal, que deve votar pela rejeição das contas de Dilma. A oposição pretende usar o resultado do julgamento para embasar um pedido de impeachment da presidente.

Adams, Cardozo e o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, anunciaram ontem que o governo vai protocolar hoje no TCU uma arguição de suspeição de Nardes. O governo quer que a Corregedoria do tribunal abra um processo para apurar a conduta do relator, por ele já ter manifestado a intenção de votar pela rejeição das contas. A ideia é pedir a substituição do relator, o que precisa ser decidido pelo plenário do tribunal. À noite, Nardes repudiou as acusações do governo e negou que tenha antecipado seu voto.

Caso a análise no TCU não ocorra na própria quarta, o julgamento poderá ser adiado. Pouco antes do anúncio da nova estratégia, Adams se reuniu com Dilma no Palácio da Alvorada e a informou sobre os argumentos que seriam utilizados para pedir o afastamento de Nardes. A presidente concordou com a manobra dos ministros, que foi duramente criticada pela oposição.

Ação “truculenta e desrespeitosa”, diz Aécio
Em nota, o presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), disse que a ação do governo é “truculenta e desrespeitosa”, numa agressão à democracia. Para Aécio, o governo age como um time que, vendo que está perdendo de goleada a partida, pede para mudar o juiz:

“Chega a ser patética essa tentativa extrema de buscar desqualificar o Tribunal de Contas da União e os pareceres técnicos elaborados com rigor e isenção. Na verdade, essa ação truculenta e desrespeitosa do governo através do titular da AGU só consegue demonstrar de forma definitiva que faltam argumentos sérios para responder aos questionamentos feitos pelo TCU. E escancara o enorme receio de uma histórica derrota quando do julgamento das contas presidenciais”, disse Aécio. “É hora de mostrarmos definitivamente que no Brasil a lei deve ser cumprida por todos, em especial por quem deveria dar o exemplo: a presidente da República”.

Para o líder da Minoria na Câmara, deputado Bruno Araújo (PSDB-PE), o governo mostra “a pior face de seu autoritarismo e intolerância” ao exigir o afastamento de Nardes.

— A ação bolivariana ora em curso abre um precedente grave e representa um retrocesso nas relações entre as instituições da República. Estamos diante de uma sombria agressão à democracia — disse o parlamentar.

O líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio (SP), disse que a intenção do governo é constranger o tribunal, atrasar o julgamento das “pedaladas fiscais” para, com isso, tentar enfraquecer o processo de impeachment. Para ele, essa atitude do governo é uma afronta ao Legislativo, ao qual o TCU está vinculado.

“As pedaladas fiscais já estão configuradas em acórdão do TCU e são provas de que a presidente cometeu crime de responsabilidade, passível de impeachment. Com o julgamento das contas marcado para esta quarta-feira, bateu o desespero no governo, que vê o afastamento da presidente do cargo cada vez mais próximo. Por isso, quer constranger o TCU e atrasar o julgamento. Ao agir dessa forma, o governo faz sua confissão de culpa”, afirmou.

O líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado (GO), também criticou a truculência:

— O governo viu que vai perder de sete a zero e tenta criar um fato para confundir o cenário. Isso é uma ingerência indevida do governo. Essa atitude passa a ser tão truculenta quanto a pedalada fiscal — afirmou.

Para governo, relator descumpriu regimento
O entendimento no governo é que existe uma tentativa clara de associar o processo das contas presidenciais ao pedido de impeachment no Congresso. Ao pedir a suspeição, os ministros acreditam que podem conseguir o adiamento da votação no TCU. Uma das apostas é que não haverá tempo suficiente para a instrução do pedido antes do julgamento agendado para quarta.

Adams citou por diversas vezes ontem um encontro de Nardes com grupos que defendem o impeachment de Dilma. Cardozo fez críticas ao “corpo a corpo” da oposição junto a Nardes. O entendimento dos dois é de que Nardes antecipou suas posições antes mesmo de o governo apresentar as defesas e de a área técnica concluir os relatórios que embasam o voto do relator. O ministro do TCU sinaliza a rejeição das contas desde o início. Adams citou, como exemplo, uma entrevista em que Nardes disse que “fará história” ao propor a rejeição das contas.

O ministro da AGU lembrou que a Constituição Federal e o regimento interno do TCU equiparam ministros do tribunal a ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Assim, eles estão submetidos à Lei da Magistratura, inclusive no que diz respeito aos impedimentos.

A arguição de suspeição será encaminhada ao presidente do TCU, Aroldo Cedraz. Adams disse que, caso o plenário do TCU não concorde com o afastamento e substituição do relator, levará a questão à Justiça. A instância mais provável é o Supremo Tribunal Federal (STF).

— O ambiente de debate político criou um constrangimento ruim. O tribunal pode corrigir isso e afirmar sua autoridade como tribunal. O reconhecimento da suspeição é um instrumento de força institucional. Devemos ser julgados por juízes independentes, imparciais. Ninguém quer ser julgado por um juiz parcial — disse Adams.

— Até as questões preliminares serem decididas (a arguição de suspeição), não pode ter julgamento de mérito — defendeu Cardozo.

O parecer prévio distribuído por Nardes recomenda a rejeição das contas. O documento foi encaminhado na noite de quinta-feira aos demais ministros que vão julgar o balanço de 2014. “As contas não estão em condições de serem aprovadas, recomendando-se a sua rejeição pelo Congresso Nacional”, diz o parecer.

A posição de Nardes segue o relatório técnico do TCU sobre as contas de 2014, documento que embasa o voto do relator. Os auditores concluem pela existência de “irregularidades graves na gestão fiscal”, o que comprometeu o equilíbrio das contas públicas, segundo o documento. O parecer rejeitou a defesa da presidente para 12 dos 15 indícios de irregularidades listados, entre elas as “pedaladas fiscais”, manobra que envolveu R$ 40 bilhões entre 2009 e 2014.

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