quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Depreciação do real traz nova onda de pressão inflacionária – Editorial / Valor Econômico

A inflação não dará uma trégua tão cedo, indicam os índices de preços no atacado, que começaram a exibir taxas mais elevadas em agosto e setembro - com promessas de repasses futuros ao varejo. Haverá uma nova onda de acomodação à desvalorização cambial de 11,16% no mês passado, como registrou o aumento de 3,03% nos preços à indústria geral, coletados pelo IBGE. Mas há muita pressão sobre os preços em geral, não só originados na corrida do câmbio, e os índices de varejo e atacado estão chegando juntos muito perto dos dois dígitos na variação em 12 meses. A queda rápida do nível de atividades, a diminuição de renda, a contração do crédito e os efeitos defasados da elevação dos juros deverão conter esses movimentos no início de 2016.

A combinação de pressões é aziaga, porque os ensaios de repasse cambial são acompanhados por pressões domésticas nos preços dos alimentos (não todas provocadas pelo enfraquecimento do real), dos transportes públicos, planos de saúde, despesas com serviços pessoais e recreação, todas correndo acima dos 9% em 12 meses encerrados em setembro. Os reajustes dos preços monitorados, por seu lado, ainda prosseguem: de setembro de 2014 a setembro deste ano subiram 16,95%, empurrados pela espetacular alta de 50% no preço da energia residencial. O IPCA 15 do mês de outubro acumula 8,49% no ano, quase um ponto acima do IPCA cheio do mês anterior - 9,77% em doze meses -, sinalizando aumento nada desprezível da inflação em outubro.

Preços no atacado e varejo com ritmos alinhados de alta é um sinal de que alguns custos em alta da indústria tentam se transmitir para os consumidores finais com algum sucesso. Com fraca atividade, a indústria está passando para frente a alta dos insumos importados. O caso é mais evidente na indústria extrativa, que têm boa parte dos preços internacionalizados, mas vale para a indústria de transformação, cujos preços recebidos subiram 10,41% em doze meses.

Alimentos estão encabeçando o aumento dos preços nos índices de atacado e varejo. A variação cambial se alia a fatores domésticos para justificá-la. Os preços pagos à indústria do setor aumentaram 13,15% em 12 meses, segundo o IPP. Entre os reajustes se destacam os da carne bovina, cuja alta de preços no mercado externo leva produção para fora do país ao mesmo tempo em que há menor oferta de gado para o abate. Os preços internacionais reagiram e levantaram os preços domésticos do açúcar, cuja produção em parte foi deslocada para o etanol onde as perspectivas de remuneração melhoraram com o reajuste dos combustíveis.

A série em doze meses do IPP capta melhor os setores cujos preços foram claramente abalados pelo câmbio: papel e celulose (30,35%), madeira (20,25%) e outros equipamentos de transporte, exceto veículos (45,33%). A pressão por repasses, segundo grandes categorias da economia do IPP, vêm principalmente de bens de capital (12,49% no ano) e de bens intermediários (8,45%), enquanto que para bens de consumo duráveis e não duráveis os aumentos estão na casa dos 5,5% e abaixo da média da indústria, de 7,8%.

Forte depreciação da moeda deslocou para cima a expectativa de preços, sem que o elevado nível dos preços dos serviços cedesse claramente. Há meses se espera que isso ocorra e inflação alta, aumento do desemprego e dissídios salariais que mal cobrem o custo de vida levarão ainda um tempo para domá-los.

O Banco Central crê que a passagem do câmbio aos preços domésticos é hoje mais suave do que já foi. Pode ser. O problema é que os solavancos cambiais agiram sobre uma inflação que já desbordava o teto da meta. Os juros subiram, mas não podem subir mais porque a economia desacelerou demais. As estimativas correntes são de uma recessão prolongada por no mínimo dois anos, algo só visto na década de 1930. Após vários anos ruins, a indústria de transformação deverá ter uma queda de 8,5% a 9% em 2015, estima o Ibre/FGV.

Há sinais, com o agravamento da recessão, de que freios aos repasses estão agindo. Um deles, o mais claro, é o aumento de estoques, que se dissemina por toda a indústria. Segundo a sondagem da indústria feita pelo Ibre, subiu de 22% para 24,5% a proporção das empresas que consideram seus estoques excessivos. Não por acaso, o setor que mais acumula mercadorias à espera de compradores é o setor de bens de capital, que no IPP lidera a alta dos preços pagos ao produtor. Se a tônica for essa, os preços desabarão em algum momento.

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