quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Queda era tragédia anunciada, afirma ex-presidente do BC

• Ex-presidente do Banco Central diz que outras agências de avaliação de risco devem acompanhar mudança feita pela S&;P

Rebaixamento da nota do país é tragédia anunciada

• Ex-presidente do Banco Central diz que outras agências de avaliação de risco devem acompanhar mudança feita pela S&P

Giuliana Vallone  - Folha de S. Paulo 

SÃO PAULO - O rebaixamento da nota de classificação de risco do Brasil pela agência Standard & Poor's não é surpresa para o mercado, mas vai prejudicar a saída da economia do quadro recessivo. A opinião é do ex-presidente do Banco Central, Carlos Langoni.

"Para sair da recessão, o país teria de contar com a retomada dos investimentos, principalmente em infraestrutura, e grande partes desses recursos viria do exterior", afirmou.

Leia os principais trechos da entrevista:

Folha - É uma surpresa a perda do grau de investimento?

Carlos Langoni - Eu acho que não há fator surpresa, essa é uma tragédia econômica anunciada. Nós sabemos que um dos critérios principais das agências de classificação de risco, principalmente após a crise econômica de 2009 e os problemas vistos em Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha e Itália, é o endividamento do setor público.

E o que temos aqui é o governo anunciando deficit primário neste ano e no próximo e, além disso, as previsões de crescimento sendo constantemente revisadas para baixo. Com isso, a relação da dívida líquida sobre o PIB [Produto Interno Bruto] vai continuar crescendo, e ainda temos inflação alta, crescimento muito baixo. Nesse quadro, o rebaixamento era inevitável.

Quais serão os primeiros desdobramentos do grau especulativo?

O primeiro problema é que isso torna mais difícil a saída do quadro de recessão em que a economia se encontra –e que já seria complicada por causa da situação política.

Para fazê-lo, o país teria de contar com a retomada dos investimentos, principalmente em infraestrutura, e grande partes desses recursos viria do exterior. A poupança doméstica é bastante limitada e, portanto, a participação do capital estrangeiro era fundamental. O rebaixamento limita ainda mais o acesso a ele.

Os investidores já antecipavam a mudança na classificação? Ou a saída de recursos virá agora?

Embora não haja surpresa, o mercado nunca antecipa com muita precisão eventos importantes como esse. Ainda que tenha havido muita antecipação do rebaixamento, indicadores como câmbio e juros, devem sofrer deterioração no curto prazo.

A perda já estava precificada, portanto?

Pode ser que a pressão [sobre o mercado] seja menos intensa do que seria se não houvesse sinais de que isso aconteceria, mas a correção é inevitável. Até porque muitos fundos soberanos e institucionais não vão poder mais fazer investimentos no Brasil, precisarão interrompê-lo até por causa de regras internas.

Além de rebaixar o país, a S&P colocou a nota em perspectiva negativa. Pode haver novo rebaixamento adiante?

A perspectiva negativa é o fator surpresa da notícia. Ela dá um sinal claro de que é preciso agir. Se há um lado positivo do rebaixamento, é aumentar a pressão sobre o governo para que se tome iniciativa de conter o deficit, que não é mais só cíclico, mas estrutural. Também é preciso que o Congresso se mobilize.

Não bastam mais medidas episódicas e eventuais, é preciso lidar com as questões estruturais do nosso deficit, despesas não discricionárias, enfrentar a questão da Previdência. Vínhamos adiando o nosso encontro com a nossa realidade e agora chegou o momento.

As outras principais agências, Moody's e Fitch, devem acompanhar a S&P e também rebaixar o Brasil?

Parece bem provável que as outras agências acompanhem. A não ser que vejamos uma medida muito sólida e consistente do governo em relação à situação fiscal.

Ter uma proposta orçamentária sem projeção de deficit seria uma medida sólida?

Sim. Não se pode aceitar, numa economia sofisticada como a brasileira, a formalização e aprovação de um Orçamento deficitário. Não adianta justificar usando o argumento da transparência. Tivemos problemas sérios nos últimos anos, que vêm se acumulando, mas tem de ser enfrentados.

A crise da Grécia mostrou que, quanto mais você adia o ajuste, maior é o custo econômico e social. Se o governo anuncia ainda neste mês uma medida, como aumento da carga tributária, a elevação da Cide [Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico], ou até medidas que não precisem do Congresso, isso ajuda a demonstrar que não aceitará passivamente o deficit. É o início de um processo de reconstrução.

Quanto tempo pode levar para que o Brasil recupere o grau de investimento?

É importante chamar a atenção para o fato de que esse não é um processo simples. Recuperar a credibilidade do país, a sustentabilidade da política fiscal nos próximos três, quatro anos, não é tarefa fácil. Grau de investimento se perde rápido, mas se recupera de forma demorada.

A questão da previsibilidade é fundamental para a agência de risco. O governo anunciou uma meta de superavit primário, revisou depois de seis meses e depois apresentou Orçamento com deficit. Ou seja, perdeu completamente qualquer previsibilidade.

O que vai ser definitivo para voltar ao clube dos bons pagadores é ter uma nova arquitetura fiscal, bem sólida, ancorada em medidas legislativas, reformas mais profundas.

Isso sim vai dar confiança de que não haverá mais medida inesperada no meio do processo orçamentário.

O rebaixamento pode amenizar a crise política?

A experiência histórica mostra que o pragmatismo acaba vencendo as diferenças políticas e ideológicas.

O assunto é muito grave, estamos passando por um processo que tem custos econômicos sociais palpáveis: o processo recessivo está prejudicando o mercado de trabalho e interrompendo a mobilidade social.

É preciso que o Executivo e o Congresso trabalhem com um conjunto de medidas que tire o país dessa situação perigosa.

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