sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Presidente defende superávit para manter Levy

Num dia de intensas especulações e após o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, cancelar viagem à Turquia para a reunião do G- 20, a presidente Dilma entrou em ação para tentar assegurar a permanência dele no governo. O ministro foi convocado para reunião da qual participaram também Nelson Barbosa ( Planejamento) e Aloizio Mercadante ( Casa Civil), com os quais ele tem se desentendido. Como Levy cobra apoio à sua política econômica, Dilma determinou que todos passassem a defender o superávit, apesar de ter enviado ao Congresso proposta de Orçamento com déficit de R$ 30,5 bilhões. Ao fim da reunião, Mercadante anunciou que Levy fica. Mas, segundo interlocutores, o ministro condiciona sua permanência ao cumprimento da promessa de Dilma.

Dilma cede a Levy, que diz que fica

• Presidente ordena equipe econômica a perseguir meta de crescimento de 0,7% do PIB

Simone Iglesias, Fernanda Krakovics, Martha Beck, Bárbara Nascimento, Catarina Alencastro, Washington Luiz e Cristiane Jungblut - O Globo

- BRASÍLIA- Diante do enfraquecimento do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, no governo e de crescentes rumores de que ele poderia deixar o cargo em breve, a presidente Dilma Rousseff decidiu agir. O chamou para uma reunião com os ministros do Planejamento, Nelson Barbosa, e da Casa Civil, Aloizio Mercadante — apontados como os principais rivais de Levy dentro do governo —, e determinou que todos afinassem o discurso em relação à política fiscal, aderindo à tese da Fazenda. No encontro, Dilma se comprometeu com algumas cobranças de Levy: resolver o déficit da proposta orçamentária de 2016 e perseguir a meta de superávit primário de 0,7% do PIB para o ano que vem, que havia sido definida em julho. Apesar disso, por enquanto, a proposta com déficit de R$ 30,5 bilhões entregue segunda- feira ao Congresso fica como está. Levy optou pelo silêncio ao fim da reunião. De acordo com interlocutores do Planalto, ele quer ver as promessas da presidente se converterem em ações concretas.

Levy vinha se queixando do isolamento e da perda de poder nas decisões para o que chamou de “turma do Planalto”, que, segundo interlocutores, seria composta por Mercadante, Barbosa, Miguel Rossetto ( Secretaria Geral da Presidência) e o braço- direito de Dilma, Gilles Azevedo.
Segundo fontes do Planalto, Levy perdeu a batalha porque queria cortar em programas sociais e não apresentar déficit. A aliados, Levy desabafou, antes do anúncio.

— A turma não deixou. Seja o que Deus quiser — disse Levy.

Na quarta- feira à noite, um dia antes de promover a reunião no Planalto, Dilma procurou o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, para conversar sobre a visão que o mercado tem sobre a condução da política econômica. Trabuco é “padrinho” da escolha de Levy para a Fazenda. A presidente ouviu do executivo que o governo precisa mostrar que “não jogou a toalha” em relação à realização de superávit primário para as contas públicas.

Na conversa, Trabuco, que chegou a ser convidado no fim do ano passado para assumir o Ministério da Fazenda, disse a Dilma que é preciso afinar o discurso do governo e deixar clara a necessidade de as contas ficarem no azul. O presidente do Bradesco também ressaltou a importância de resolver o déficit na proposta orçamentária de 2016, tanto com elevação de receitas quanto com corte de despesas.

— Não dá só para aumentar impostos — disse o presidente do Bradesco.

Freio de arrumação
Apesar da permanência de Levy, a avaliação de integrantes do governo é que a situação incômoda vivida por ele não acaba e nem levará a uma unificação de posições da equipe econômica. A reunião com Dilma, Barbosa e Mercadante serviu para dar um freio de arrumação nas relações. Houve entendimento para que Levy não fique isolado politicamente. Só que isso não resultará em uma mudança na visão econômica dos ministros mais alinhados com o “desenvolvimentismo” cultuado por Dilma.

— Levy tem uma visão da economia que não é hegemônica no governo. Ele apresenta suas propostas, mas ao serem discutidas dentro do governo, há as ponderações da área social, dos ministérios ligados aos movimentos sindicais, além da posição desenvolvimentista que a presidente tem — comentou um ministro que pediu reserva ao GLOBO.

Enquanto ainda ocorria a reunião, no Planalto, coube ao ministro Edinho Silva ( Comunicação Social) acabar com as especulações de que Levy estava de saída.

— O ministro Levy fica porque ele nunca saiu. Ele sempre esteve forte e valorizado pelo conjunto do governo. É um ministro extremamente importante e comprometido, não só com a construção deste governo, mas com o país. É natural que ministros defendam suas posições e que haja debate dentro do governo. Mas quem define em última instância é a presidente Dilma — disse Edinho.

Vacina” para saída futura
Internamente, a avaliação é que Levy sinalizou sua saída para demarcar posição contrária às decisões tomadas pelo governo.

— Ele está pavimentando um discurso para uma saída mais à frente — avaliou um auxiliar da presidente.

Um ministro resumiu a movimentação de Levy a uma “vacina” para quando sua permanência se tornar insustentável. Levy tem dito a interlocutores que só tem condições de permanecer no governo se puder implementar a política para a qual foi convidado a assumir a Fazenda: reequilibrar as contas públicas.

Ele alega não ter como se manter sob tiroteio, com ações contrárias de “uma política econômica de outro e não dele”. Essa é uma referência a Nelson Barbosa, que o derrotou ao recusar cortar mais as despesas e enviou ao Congresso um orçamento com déficit. Ontem pela manhã, Barbosa adotou tom mais próximo de Levy:

— Hoje temos um déficit primário. Nós precisamos convergir para 2% para manter a estabilidade fiscal em condições normais de taxa de juros e taxas de crescimento.

No início da tarde de ontem surgiu a informação de que ele não embarcaria para a Turquia, onde participaria de reunião do G- 20. Ao deixar a Fazenda para a reunião com Dilma, Levy não perdeu o humor. Perguntado se estava saindo, respondeu:

— Saindo para o Palácio do Planalto.

E quando os jornalistas perguntaram se ele ficaria “no cargo”, ele respondeu:

— Estou no carro — brincou, já fechando a porta.

Após a reunião, Mercadante falou em nome do governo e assegurou que Levy ficaria:

— Evidente que fica. Ele tem compromisso com o Brasil, com esse projeto. Sabe a importância do trabalho que tem para a 7 ª economia do mundo como ministro da Fazenda.

Segundo Mercadante, os boatos sobre a queda de Levy se deviam a uma aliança entre os “mal- informados” e os “mal- intencionados”. Os últimos, sugeriu, querem ganhar dinheiro com a turbulência que essa notícia gera no mercado.

Cumprindo as ordens de Dilma, Mercadante assumiu o discurso de Levy, defendendo a necessidade de cortar mais nas despesas obrigatórias, que somam R$ 1 trilhão. E citou a Previdência, que consome 55% dos gastos do governo.

— Há total unidade da equipe em relação a que nós precisamos continuar o esforço de cortar gastos, especialmente as despesas obrigatórias, melhorar a gestão, a eficiência do gasto público, enxugar a estrutura administrativa do Estado e, de outro lado, melhorar a receita.

Após o dia de turbulências, Levy decidiu embarcar à noite para a cúpula do G- 20. Ao deixar o ministério, de mochila nas costas e sorrindo, assegurou a permanência dizendo que estava a caminho da Turquia:

— Vou lá trabalhar agora.

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