quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Mercado antecipa perda do grau de investimento – Editorial / Valor Econômico

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, puxou as orelhas do mercado financeiro reunido recentemente no congresso da BM&FBovespa, em Campos de Jordão, pelo que chamou de "bingo do investment grade", as apostas em torno de quando as agências podem rebaixar o risco de crédito do país. No entanto, o governo não tem dado motivos para uma atitude diferente. Nos últimos dez dias, novos sinais de deterioração da política fiscal amplificaram o receio de rebaixamento do risco de crédito do Brasil e de perda do grau de investimento.

Primeiro foi a decisão do Tesouro de elevar o teto da dívida mobiliária federal deste ano para R$ 2,8 trilhões pois o limite anterior, de R$ 2,6 trilhões, já foi superado. Os resultados fiscais de julho foram péssimos, levando o déficit primário acumulado em 12 meses a R$ 51 bilhões, ou 0,89% do Produto Interno Bruto (PIB). A revisão do orçamento de 2016, que passa agora a prever um déficit de R$ 30,5 bilhões, equivalente a cerca de 0,5% PIB, em comparação com o superávit de 2% perseguido anteriormente, é a mais recente notícia negativa. Sem apoio político, o governo não pode contar com o aumento da carga tributária ou com o corte significativo de gastos das despesas denominadas obrigatórias.

Os resultados fiscais ruins alimentam o receio de aumento da dívida bruta, um dos indicadores mais observados pelas agências de rating. Calcula-se que o governo deveria produzir superávits primários de 2,5% a 3% do PIB para estabilizar a dívida bruta. Mas isso não acontece há algum tempo e a dívida continua a subir, está em 64,6% do PIB e o próprio governo prevê que chegará a 65,7% no fim do ano. Nessa toada, pode chegar aos 70% do PIB antes de 2018, como era esperado - um patamar considerado o estopim para as agências de avaliação de risco de crédito rebaixarem o Brasil.

Neste ano, a Moody's rebaixou o rating do Brasil para mais perto do território especulativo, com perspectiva estável, após decisão similar anunciada antes das eleições da Standard & Poor's, que tem uma perspectiva negativa para o Brasil. A Fitch Ratings ainda classifica o Brasil dois degraus acima do nível especulativo, com perspectiva negativa.

A preocupação do mercado financeiro com a perspectiva de perda do grau de investimento fica evidente no prêmio dos Credit Default Swap (CDS), instrumentos de cobertura de risco dos títulos da dívida brasileira. O prêmio dos CDS brasileiros de cinco anos superaram os 350 pontos-base, o maior desde 2009. Países com rating igual ao do Brasil pagam pouco menos da metade. Mesmo no caso de países sem grau de investimento, a cotação dos CDS é inferior, em média de 235 pontos.

Estudo feito pelo ex-presidente do Banco Central (BC), Affonso Celso Pastore, mostra que a deterioração do CDS brasileiro foi gradual. No início da década, até 2012, o CDS de 10 anos do Brasil era cotado quase à mesma taxa do título do México, que também tem grau de investimento e avaliação mais positiva das agências de rating. A partir de 2013, quando ganharam visibilidade as manobras fiscais com a contabilidade criativa e pedaladas, com impacto sensível na dívida bruta, a cotação do CDS brasileiro foi se descolando do mexicano e se aproximando do título da Turquia, que não tem grau de investimento. A partir deste ano, no entanto, até o título turco ficou para trás.

O movimento do CDS guarda relação com o do câmbio porque a percepção de maior risco leva à saída de capital dos investidores que procuram se antecipar ao rebaixamento do rating. Foi o que revelaram os resultados mais recentes das contas externas. Há investidores institucionais que simplesmente não podem investir em países sem grau de investimento. Os dados do Banco Central mostraram que, em julho, houve uma saída líquida de US$ 4,1 bilhões em investimento estrangeiro em carteira, principalmente da renda fixa. O investimento estrangeiro em carteira no Brasil está acumulado em US$ 23,1 bilhões no ano, com queda de 32% em comparação com igual período de 2014. Há reflexos também no investimento estrangeiro no país, que soma US$ 36,9 bilhões no ano até julho, com queda de 33%, embora esse movimento tenha também influência da desaceleração da economia e das investigações de corrupção relacionadas à Operação Lava-Jato.

O mercado financeiro dá sinais de já ter colocado no preço dos ativos a perda do grau de investimento do Brasil. Não é torcida, porque nesse tipo de aposta ninguém sai ganhando.

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