domingo, 27 de setembro de 2015

Eliane Cantanhêde - A volta dos que não foram

- O Estado de S. Paulo

Em meio a tantas crises, o Brasil vive algo como a volta dos que não foram. Se Marina Silva respira aliviada e o tucano Aécio Neves diz que agradece todos os dias ao seu anjo da guarda por ter se livrado do desastre, tenta-se adivinhar o que se passa pela cabeça do vice-presidente Michel Temer.

Todo político, em todo lugar do mundo, delicia-se com os holofotes, só pensa em vencer e tem um objetivo na vida: o poder. Uns até para melhorar sua cidade, seu estado, seu país, o mundo. Outros disputam o poder pelo poder. Outros tantos querem mesmo é garfar algum. Em qualquer caso, o alvo maior de um político é a Presidência da República.

Isso, evidentemente, é ainda mais forte nos vice-presidentes, em especial se as coisas vão de mal a pior para os titulares e eles se veem ali na boca de assumir o mandato, colocar a faixa e posar para a foto oficial. Mas nem sempre esse passo rampa acima prenuncia o melhor dos mundos. Hoje, parece o pior dos mundos.

Pelo relato de amigos, Michel Temer até se posiciona para “não fugir às responsabilidades”, mas está longe de parecer desesperado para sentar na cadeira de Dilma Rousseff e esfregando as mãos de excitação para virar presidente. Dizem, inclusive, que vez ou outra bate a insônia e até um certo pânico: “E se?”

A previsão é de recessão por dois anos consecutivos, pela primeira vez desde 1930 e da “Grande Depressão” de 1929. A indústria vai ladeira abaixo, a inflação passa dos 9%, os juros são de 14,25%, o dólar atingiu o recorde de R$ 4,25 e o desemprego só cresce. Você gostaria de presidir um país quando o mercado formal de trabalho cortou quase 1 milhão de vagas em 12 meses e o corte de agosto é o pior para o mês desde 1995? Temer gostaria?

Os movimentos sociais ligados ao PT se mostram cada vez mais desconfortáveis e o próprio PT virou biruta de aeroporto, com o líder do partido na Câmara defendendo a queda dos três ministros mais fortes, os da Fazenda, Casa Civil e Justiça. Ou seja, o líder petista articula o desmanche do governo. Se já é assim com o governo do PT, como seria numa transição com Temer? Sem falar que Lula está ferido, mas continua vivíssimo.

Temer, assim, está numa posição semelhante à de Aécio, a de quase chegar lá, mas dizer que é melhor não chegar (ou não ter chegado). Assim como o PT fez história e chegou aos píncaros da glória fazendo oposição sistemática a todo e qualquer governo, Aécio descobriu as delícias de se livrar das obrigações do Executivo, criticar dia e noite o governo dos outros e ainda ter tempo para a família.

O mesmo vale para a senadora Ana Amélia, que perdeu o governo do Rio Grande do Sul e assiste de camarote, ou do plenário, às agruras do “vitorioso” José Ivo Sartori com a falta de dinheiro para tudo, as greves e os processos na Justiça. Como vale para Jofran Frejat, adversário de Rodrigo Rollemberg, que assumiu um DF destroçado pelo antecessor Agnelo Queiroz e anuncia aumento de impostos, passagens de ônibus e metrô, até do zoológico. Um inferno.

Pois é, os vitoriosos sentem-se derrotados, os derrotados sentem-se no mínimo aliviados. E Temer balança. Mas aqui vai o anticlímax: quem conhece a política e sabe o quando o poder inebria aposta que, com inferno ou sem inferno, com crise ou sem crise, Aécio e Marina adorariam ter sido eleitos, Ana Amélia e Frejat adorariam assumir o Rio Grande do Sul e o DF e os governadores Tarso Genro e Agnelo dariam a vida para serem reeleitos. É da índole do político.

Não depende de Temer, depende da história, da Justiça, do “baixo clero” do PMDB, do Congresso e de um fator fundamental da política, o “imponderável”, mas as articulações correm soltas e o fato é que, se necessário, o vice está prontíssimo para assumir. A insônia e a angústia dele ninguém vê, mas o programa de TV do PMDB todo mundo viu. Alguma dúvida?

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