quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Com rombo no cenário, governo é pressionado por greves de servidores

• Enquanto categorias exigem reajustes, população sofre com paralisações

“Estou sem dinheiro, e me disseram que só vou poder receber a aposentadoria quando terminar a greve” Ivanildo Machado da Costa Aposentado

Cássio Bruno, Carolina Brígido, Juliana Castro, Leticia Fernandes e Sérgio Roxo - O Globo

- RIO, BRASÍLIA e SÃO PAULO- Em um momento no qual a União tem pouca margem de manobra em suas contas e o relator- geral do Orçamento de 2016, deputado Ricardo Barros ( PPPR), defende a discussão de um eventual congelamento de reajustes do funcionalismo público, os servidores federais ameaçam intensificar os embates com o Palácio do Planalto. E a crescente pressão contra o governo se traduz em desconforto para a população: filas se formam, em vão, diante de agências do INSS de portas fechadas, unidades de ensino permanecem sem aulas e pilhas de processos estão paradas no Judiciário.

Mais de 20 categorias se mobilizam para uma marcha em Brasília na próxima quarta- feira. Além disso, servidores de algumas áreas que vinham funcionando normalmente até esta semana aprovaram a realização de greves por tempo indeterminado, o que deixa a presidente Dilma Rousseff, já confrontada pelo cenário político, ainda mais pressionada.

O governo federal ofereceu aos servidores um reajuste de 21,3%, que seria alcançado ao fim de quatro anos ( a correção salarial começaria em 2016 e terminaria em 2019). Sindicatos rejeitaram, alegando que não há como fazer qualquer previsão sobre o cenário econômico ao longo do período. Entre algumas categorias, a expectativa é que seja apresentada uma outra proposta, com um prazo de dois anos, no máximo, para o pagamento do percentual sugerido.

Para Sandro de Oliveira Cesar, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social, o governo deveria negociar um reajuste anual:

— O governo não tem conseguido acertar a meta da inflação. Quem garante que vai acertar o reajuste?

Desolação em agência do INSS
A agência do INSS da Avenida Presidente Vargas, no Centro, como muitas outras Brasil afora, estava com as portas fechadas ontem. Com os servidores do instituto em greve desde julho, as orientações para quem precisava de informações eram dadas na calçada, de forma improvisada, por uma funcionária. Sem atendimento, muitas pessoas voltaram para casa sem acesso a serviços como perícia médica e abertura de processos de aposentadoria, pensão e auxíliodoença. Segundo a única servidora que prestava esclarecimentos, alguns pedidos já protocolados só deverão ser analisados a partir de fevereiro do ano que vem.

Dos 25 funcionários da agência do INSS da Avenida Presidente Vargas, apenas cinco foram ontem para o trabalho. Ali, eram prestados cem atendimentos por dia, mas, atualmente, a média caiu para cinco, com prioridade para grávidas e casos de emergência. Procurada pelo GLOBO, a gerente do posto não quis dar entrevista.

— Estou sem dinheiro, e me disseram que só vou poder trocar a senha de minha conta para receber a aposentadoria quando terminar a greve. Não sei o que fazer — reclamou Ivanaldo Machado da Costa, de 70 anos, um morador de Parada de Lucas que, antes de chegar à agência do Centro, tentou, em vão, atendimento em outros três postos.

O médico Jorge Gomes, de 57 anos, tenta, desde julho, começar a receber aposentadoria. Seu pedido caiu em exigência e, com a greve, ele não consegue finalizar o processo.

— Já me disseram que preciso esperar a greve acabar para entregar a documentação pendente. Temos de cruzar os braços e ficar aguardando uma solução ou ir às ruas para exigir ao governo alguma providência? O país tem que andar — reclamou Gomes.

Atualmente, estão em greve servidores do INSS, trabalhadores do Judiciário, auditores da Receita Federal, professores de universidades, funcionários e docentes de colégios, entre outros. Sem avanço nas negociações, a paralisação em alguns desses setores deve ser ampliada. É o caso do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica, que tem a expectativa de aumentar o número de unidades fechadas — hoje são 249, de um total de 350 — a partir de segunda- feira.

— Não queremos pagar a conta do ajuste fiscal. Essa conta não é nossa — afirmou Augusto Miceno, que faz parte do comando de greve do sindicato.

Paulo Barela, integrante da executiva nacional da central sindical Conlutas, prevê que as greves no funcionalismo federal vão se intensificar no próximo ano.

— A tendência é que a gente radicalize esses processos. Vamos viver um cenário de muitos enfrentamentos. A previsão orçamentária para o reajuste proposto não vai cobrir nem um terço da perda acumulada.

Miguel Torres, presidente da Força Sindical, concorda com as perspectiva de intensificação das greves:

— Com certeza, haverá mais greves. O trabalhador não pode pagar pela irresponsabilidade do governo nos gastos públicos.

Veto acirra os ânimos
Um dos casos mais delicados para o governo é o dos servidores do Poder Judiciário, em greve há três meses na maioria das regiões. A reivindicação principal da categoria é um reajuste salarial de 53% a 78,56% ( de acordo com a função), aprovado pelo Senado no dia 30 de junho, mas vetado por Dilma quase um mês depois. Em busca de uma saída, o presidente do Supremo Tribunal Federal ( STF), ministro Ricardo Lewandowski, enviou ao Congresso uma outra proposta, de 41,47%, também rechaçada.

Entre os servidores federais que aprovaram indicativo de greve estão categorias capazes de paralisar serviços importantes, caso dos Correios. E servidores do Banco Central de dez estados fizeram ontem uma paralisação de 24 horas. Além de exigirem aumento salarial, eles protestam contra a possibilidade de o governo tirar o status de ministro do presidente do BC.

Três ministros do STF defenderam ontem o corte do ponto de servidores grevistas. Para Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Gilmar Mendes, é permitido fazer greve no serviço púbico, mas dias parados devem ser descontados. Eles afirmaram que o poder público não pode pagar por um serviço que não foi prestado. As opiniões foram manifestadas no julgamento de um processo interrompido por pedido de vista. Não há previsão de quando a ação chegará ao plenário.

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