sexta-feira, 11 de setembro de 2015

César Felício - Brasil, pátria educadora

• Dilma vai tentar provar que é possível sangrar por três anos

- Valor Econômico

Calibrar a negação da realidade com a administração das expectativas da população é uma tarefa básica de todo governante em início de um mandato, ao tomar posse. Em um ambiente de competição democrática, mascaram-se os fatos durante a campanha eleitoral. É preciso alertar aos circunstantes que haverá uma correção de rumos ao se começar os trabalhos de um governo, sem admitir a fraude do ano anterior.

No instante em que se cruza de forma definitiva uma fronteira, depois da qual o governo de turno estabelece a sua marca na história, convém revisitar a carta de intenções.

No caso de Dilma, boa parte de suas vicissitudes na opinião pública se deve ao seu erro de dose. A presidente carregou na mão para se reeleger e deu uma pedalada política ao não ser clara sobre o ajuste que já estava em curso no momento em que fez a proclamação solene: "gostaria de anunciar agora o novo lema do meu governo: ele é simples, é direto e é mobilizador. Reflete com clareza qual será nossa grande prioridade e sinaliza para qual setor deve convergir o esforço de todas as áreas do governo. Nosso lema será: BRASIL, PATRIA EDUCADORA!" Assim mesmo, com letras maiúsculas, de acordo com a versão disponível no site do Palácio do Planalto.

O contingenciamento na área da educação anunciado ainda em maio e os corte pela metade nas metas do Pronatec até 2018 e das dotações para o programa "Ciência sem Fronteiras", duas iniciativas expressamente mencionadas no discurso de posse, colocam uma sombra sobre a consistência da visão estratégica do governo como um todo.

Ao mencionar um ajuste fiscal, frisou no discurso de 1º de janeiro que não estava disposta a fazer qualquer sacrifício para um ajuste nas contas públicas, mas fazê-lo com o menor sacrifício possível para a população e derrotar "a falsa tese que afirma existir um conflito entre a estabilidade econômica e o crescimento do investimento social". Oito meses depois, se torna mais evidente a dificuldade presidencial em dar o sinal de alerta. Ficava tácita, em sua dubiedade, a divisão existente dentro da própria equipe do governo.

Não houve o alerta contra o "fantástico caso da jabuticaba", mencionado na entrevista da presidente publicada ontem no Valor. Dilma, a confuciana que prefere o "caminho do meio", queixou-se das "despesas discricionárias não contingenciáveis" em saúde, educação, Bolsa-Família e benefício aos servidores, no relato da jornalista Claudia Safatle.

Dezesseis anos antes, o então presidente Fernando Henrique Cardoso também fez promessas vãs em seu discurso de posse no segundo mandato, ao proclamar não ter sido eleito para ser o gerente da crise, mas para superá-la. Disse isso no mês em que trocaria três vezes de presidente do Banco Central, perdendo sua popularidade para sempre. Mas, de todo modo, alertou que ia chover. No sentido metafórico, claro, já que o governo foi imprevidente em relação à estiagem que levou ao apagão de 2001. Disse que não hesitaria em fazer o que fosse preciso para por fim ao tormento do déficit público. "É melhor o remédio amargo que cura a doença do que a febre crônica que compromete a saúde do organismo". Doença alguma foi curada, mas Fernando Henrique não falseava quando avisou: "A taxa de desemprego poderá elevar-se."

Essa dissociação entre a Dilma que buscava votos em 2014 da atual sepulta qualquer possibilidade de recuperação em sua imagem. Perde-se a alma quando o único objetivo é se seguir vivo. É algo que congela a presidente nos 7% que tanto a incomoda, segundo a entrevista de ontem. Sua honradez pessoal, fator incontroverso, é seu principal ativo para permanecer no cargo. "Não devo nada, não fiz nada errado", sentenciou. Não há, por ora, no TCU, no STF ou no TSE elementos que a desmintam.

Há outro ativo, secundário, que ainda a preserva: está evidente que o vice-presidente Michel Temer não empolga a elite empresarial e nem política como alternativa. O vice aumentou seu protagonismo fora de Brasília e os empresários demonstraram interesse em ouvi-lo, mas entregar o poder ao PMDB não é algo que comove, sobretudo entre os setores que estavam mais atentos ao risco de um rebaixamento de crédito do país, como o feito anteontem.

Salvo no caso das medidas provisórias que afetavam diretamente direitos trabalhistas, onde a resistência maior partia do PT, esteve no PMDB o principal muro de contenção a cada passo do ajuste proposto pelo ministro da Fazenda. Há dúvidas sobre o papel de liderança de Temer em relação a Renan Calheiros e Eduardo Cunha.

Dois manifestos empresariais já foram divulgados, deixando óbvio que se vive um clima de sucessão presidencial antecipada. Um terceiro está em gestação na Sociedade Rural Brasileira, envolvendo o agronegócio. A depender da vontade do presidente da instituição, Gustavo Diniz Junqueira, será mais uma agenda na praça, disponível a quem tiver força para efetivamente governar.

A hipótese Temer ganha alguma força no Congresso, onde ontem houve o lançamento na Câmara da petição virtual pelo impeachment. Falar no processo de afastamento regulado pela Lei 1.079 é abrir caminho para o pemedebista. Quando há um mês o ar começou a se tornar rarefeito em Brasília, a iniciativa dos deputados da oposição foi propor a antecipação das eleições, um modo de dizer que não é apropriado o vice substituir a presidente.

Um eventual governo Temer depende da conjunção de dois fenômenos raros: a unificação do PMDB e do PSDB em torno de um propósito comum. São duas siglas com tendência quase irresistível à falta de solidariedade entre seus membros.

Dilma tem a seu favor a ausência de elementos concretos que a incriminem e a debilidade de seus adversários as limitações do partido que controla toda a linha sucessória. Vai tentar provar, com razoáveis chances de êxito, que é possível sangrar por três anos e meio.

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