terça-feira, 29 de setembro de 2015

As costas largas do ajuste fiscal – Editorial / O Estado de S. Paulo

É curiosa a lógica dos petistas que, com o argumento de que o ajuste fiscal “prejudica os trabalhadores”, atacam as propostas do governo para colocar suas contas em ordem. Nada prejudica mais a população pobre e os assalariados em geral do que a inflação crescente que corrói os salários e o desemprego que cresce. De uma recessão econômica, apenas os mais ricos têm condições de se proteger – e nem sempre. Para defender os pobres é preciso combater não o ajuste do que está errado, mas os erros que levam à necessidade do ajuste. Atacar as medidas de austeridade em nome dos interesses dos trabalhadores é sinal de miopia ideológica, má-fé ou ignorância.

Pois é exatamente à luta contra o ajuste fiscal que os petistas estão se agarrando, não na tentativa de salvar o governo Dilma, mas a si próprios. Uma entrevista concedida a O Globo por André Singer, ex-porta-voz do presidente Lula, e um documento ontem divulgado pela Fundação Perseu Abramo, criada e mantida pelo PT, escancaram a opção petista pelo caminho mais fácil de um populismo de palanque, adornado por lantejoulas “acadêmicas”, na tentativa de salvar o Brasil das “garras do capitalismo”.

André Singer se refere à “corajosa ofensiva desenvolvimentista de Dilma Rousseff em seu primeiro mandato”, para depois acusá-la de, “ao chamar o ministro Joaquim Levy para a pasta da Fazenda”, entregar os pontos “para aqueles que ela procurou confrontar no primeiro mandato”. Singer atropela o fato de que ao convocar Levy, executivo do Bradesco, Dilma contrariou a sugestão de seu mentor Lula de que nomeasse ministro da Fazenda o próprio presidente daquele banco, Luiz Carlos Trabuco.

Preocupado com o estrago que Dilma estaria causando ao “legado lulista”, Singer entende que ela cometeu o erro de fazer “um movimento para recuperar a confiança da burguesia brasileira e do capital internacional” e, “como resultado, estamos na maior recessão dos últimos 20 anos: o custo social é imenso”. Quer dizer, o País está em crise não porque Dilma foi perdulária e incompetente no primeiro mandato, mas porque não combateu eficazmente a “burguesia brasileira” e o “capital internacional”.

Já o documento divulgado pela Fundação Perseu Abramo tem o sectarismo ideológico de uma cartilha esquerdista sem nenhum compromisso com a realidade: “A lógica que preside a condução do ajuste é a defesa dos interesses dos grandes bancos e fundos de investimentos. Eles querem capturar o Estado e submetê-lo a seu controle, privatizar bens públicos, apropriar-se da receita pública, baratear o custo da força de trabalho e fazer regredir o sistema de proteção social”. A parte que menciona “capturar o Estado” deve ter sido inspirada no projeto de poder do PT, bem como a referência a “apropriar-se da receita pública” trata de um ponto no qual lideranças petistas e aliadas têm feito grande sucesso – mensalão e petrolão que o digam.

O mais inacreditável é que os “especialistas” do “centro de estudos” petista jogam nas costas do ajuste fiscal, que nem está minimamente implementado, a responsabilidade por todos os erros cometidos por Dilma em seu primeiro mandato: “O ajuste fiscal está jogando o País numa recessão, promove a deterioração das contas públicas e a redução da capacidade de atuação do Estado em prol do desenvolvimento econômico. Mais grave é a regressão no emprego, nos salários, no poder aquisitivo e nas políticas sociais”. O instituto petista despeja ainda sobre as costas largas do ajuste fiscal a responsabilidade por ampliar “a crise política e as ações antidemocráticas e golpistas em curso”.

Para “retirar o País da desastrada austeridade econômica em curso” – como se tudo não se devesse ao esbanjamento do dinheiro público, quando as receitas eram generosas –, os gênios petistas sugerem, entre outras preciosidades “progressistas”, baixar os juros (e deixar a inflação estourar), retirar o custo dos investimentos do cálculo do superávit primário (e arrombar de vez as contas públicas), alterar o calendário de metas da inflação (para manipular os seus efeitos, como se aqui fosse a Argentina) e a regulação do mercado de câmbio (para impedir que o dólar flutue ao sabor do mercado). Só faltou a tigrada que estudou o problema sugerir que o governo acabe com a crise por decreto. Trabalho sério e esforço, nem pensar, que ninguém é de ferro.

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