domingo, 16 de agosto de 2015

Miriam Leitão -Razão de existir

- O Globo

Se o Tribunal de Contas da União (TCU) nos servir uma pizza, é o caso de se pensar sobre a razão de sua existência. Tudo bem se o Congresso achar que uma eventual recomendação contrária do TCU não pode ser motivo para impeachment, mas o próprio órgão tem que ser objetivo, do contrário, estará liberando um vale tudo nas finanças públicas. O que Dilma fez não pode ser feito.

Aconsequência da decisão do TCU é assunto da soberania do Legislativo, por isso faz sentido o que o ministro Luis Roberto Barroso decidiu: é melhor que seja o Congresso a deliberar sobre um eventual processo, do que a Câmara dos Deputados, apenas. Não só pela pessoa que ocupa o cargo no momento, mas porque é mais lógico que seja atribuição de todo o parlamento.

O TCU custa caro ao país e não é para ser um aprovador geral das contas dos governos. Sobre o órgão paira uma dúvida institucional. Ele é formado por ministros indicados por políticos, não faz parte do Judiciário, apesar de chamar tribunal, e seus ministros têm vitaliciedade. A dúvida de sempre é se pessoas que terão todas essas vantagens, até o final de suas vidas, pagas pelo nosso bolso, atenderão aos interesses coletivos ou servirão aos senhores que os indicaram?

Por um momento, nos últimos meses, o país passou a considerar que o Tribunal de Contas sairia fortalecido, ao ser capaz de elaborar um relatório favorável à reprovação de contas em tudo reprováveis. O parecer dos técnicos já divulgado em sua fase preliminar é um conjunto de mais de 80 páginas, e nele há a condenação da utilização dos bancos públicos como fontes de crédito para o governo.

As operações feitas pelo governo Dilma são proibidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Simplesmente elas não podem ocorrer. O governo mandou os bancos pagarem benefícios orçamentários e assim manteve o dinheiro nos seus cofres. Eles pagaram e foram ressarcidos meses depois. Mas aí o governo já havia espetado uma enorme conta nessas instituições.

Aceitar isso é chamar o pizzaiolo e servir ao distinto público pagante mais uma indigesta pizza. É natural que o contribuinte se pergunte para que mesmo existe o TCU. Agora já se foi longe demais. As irregularidades foram expostas para todos, o relatório preliminar foi lido pelos especialistas, o tempo dado ao governo foi usado em sofismas do tipo “todo mundo fez, logo posso fazer”, ou por explicações que fazem pouco da inteligência alheia, como a de que é previsto no contrato. Nada disso é verdade.

Qualquer contrato de prestação de serviço financeiro pode conter uma cláusula estabelecendo que, em caso de insuficiência de fundos, o valor é pago e, em seguida, a despesa será coberta pelo contratante. Mas não faz sentido o tempo de atraso, nem o montante bilionário a que se chegou de programas assistenciais cobertos pela Caixa Econômica, Banco do Brasil, BNDES, FAT, FGTS. O governo Dilma ficou devendo a todos os bancos e fundos e, assim, foi construída uma falsificação das contas públicas.

Pode até haver na longa lista de irregularidades levantadas pelos técnicos do TCU algumas que dê para explicar, mas os empréstimos concedidos aos bancos públicos para o governo não podem acontecer porque foram proibidos pela LRF. E a lei proibiu por bons motivos. Durante anos os bancos foram usados como emissores de moeda. Governos federal e estaduais sacavam a descoberto de seus bancos e assim desorganizavam as contas públicas. Quebravam as instituições e estimulavam a inflação. Foi necessário fechar alguns bancos, privatizar outros, sanear todos à custa de recursos do contribuinte e, em seguida, proibir a prática. Ela reapareceu no governo Dilma, que agora diz que isso é contratual. Não pode haver um contrato autorizado a burlar uma lei.

Neste momento, o governo usa os políticos que indicaram os ministro do TCU para que pressionem por um alívio no julgamento das contas de 2014. A manobra começa a surtir efeito. Se a pressão funcionar, e o TCU encontrar formas de desdizer o que vinha dizendo e negar a irregularidade que apontou, será um retrocesso institucional e um tiro dado pelo tribunal em seu próprio pé. No dia seguinte, será natural que o contribuinte se pergunte: para que mesmo existe o TCU?

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