domingo, 16 de agosto de 2015

Merval Pereira - A marcha da História

- O Globo

Protesto pode dimensionar crise, mas não é decisivo. As manifestações marcadas para todo o país darão hoje a dimensão da crise que estamos vivendo, e o tamanho das massas nas ruas será decisivo para os desdobramentos políticos, mas não definitivo.

Os políticos no Congresso, os membros do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Tribunal Superior Eleitoral ( TSE), que têm nas mãos processos que podem levar à interrupção do mandato da presidente Dilma, estão ansiosos para ver materializar-se nas ruas o tamanho da indignação da sociedade civil, já medida pelas pesquisas de opinião num número impactante e recordista na História recente: 71% de rejeição ao governo Dilma.

A voz rouca das ruas, na feliz expressão de Ulysses Guimarães, é um fator fundamental na decisão política por trás dos julgamentos dos órgãos de controle, que representam justamente essa sociedade que se movimenta pelo país em busca de uma solução para a crise em que estamos metidos. Mas nada é automático no jogo político, e mesmo que as manifestações de hoje superem as anteriores, não é líquido e certo que a presidente Dilma não terminará seu mandato antes do tempo previsto, assim como não é possível dizer que ela estará garantida no cargo se as manifestações forem menos expressivas.

Manifestações vigorosas, mesmo que menores, confirmarão a percepção, já detectada pelas pesquisas de opinião, de que há uma maioria ampla contrária ao governo, mas isso por si só não é suficiente, numa democracia como a nossa, para derrubar uma presidente eleita pelo voto popular.

A comprovação das ilegalidades cometidas no ano eleitoral para conseguir a vitória nas urnas, ou a confirmação de que o financiamento de campanhas eleitorais foi feito com dinheiro desviado da Petrobras no esquema de corrupção montado pelo governo para se perpetuar no poder, isso sim justifica um impedimento, e ele poderá sair desses processos que estão em tramitação no TCU e no TSE ou de outros que aparecerem, frutos de investigações em curso, como a Operação Lava-Jato, que está chegando muito perto de desvendar o esquema corrupto petista.

O jogo político tem diversos desdobramentos, e ao influenciá-lo a movimentação de rua é uma das variáveis importantes, mas não a única, nem a decisiva. O senador José Serra pretende desenvolver uma análise pessoal das grandes manifestações de que participou em sua vida política, que o levou a estar, aos 22 anos, no palanque do Comício da Central do Brasil em 1964 como presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE).

O senador tucano, hoje acusado de querer entregar o pré-sal às companhias estrangeiras, naquela noite defendeu ardorosamente a encampação das refinarias privadas, apoiando a medida anunciada pelo presidente João Goulart.

No exílio no Chile, nos anos 70 do século passado, participou de manifestações a favor do governo Allende e lembra-se de uma, em especial, que encheu de gente 1,5 quilômetro de avenidas.

Na Marcha dos Cem Mil, em 1968, Serra estava no exílio, mas a História afirma que não havia cem mil pessoas na Rio Branco, o que importa menos do que o sentido daquela manifestação, um marco no combate à ditadura. Os comícios pelas Diretas Já em 1984 contaram com o apoio da maioria dos governadores pelos estados, pareciam uma pressão insuperável sobre o Congresso, mas a emenda Dante de Oliveira acabou sendo derrotada por pequena margem.

Mas a marcha batida para o fim da ditadura prosseguia, mesmo que tivesse durado muito mais tempo do que se previa. As manifestações de hoje são a continuidade das que começaram em 2013, marcando o início do fim da hegemonia petista, sabe-se agora, baseada em um monumental esquema de corrupção que começou a ser desvelado em 2005, com a descoberta do mensalão, e continua sendo destrinchado pelas investigações da Operação Lava-Jato. O processo da História está em marcha irreversível, e as manifestações de hoje são um elemento a mais nesse intrincado jogo político. Ao contrário das similares anteriores, as manifestações dos últimos anos contra o governo Dilma são fruto da convocação pelas redes sociais e não obedecem a comandos partidários, mesmo que partidos de oposição tenham aderido a elas.

Mas há comandos partidários tentando ajudar o governo Dilma atrapalhando as manifestações. O prefeito do Rio, Eduardo Paes, do PMDB, por exemplo, manteve para hoje eventos-teste das Olimpíadas de 2016, fechando diversas ruas da Zona Sul, depois de ter sido anunciado que eles seriam adiados por causa das manifestações.

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