segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Hora de ‘ sangue frio e fígado na geladeira’

Fernanda Krakovics – O Globo

• Ex- ministros afirmam que Temer deveria ganhar mais espaço na articulação

Ex- ministros da articulação política afirmam que a raiz da atual crise com a Câmara e do esfacelamento da base aliada é a falta de “apetite político” da presidente Dilma, que tem um perfil mais técnico. Eles dizem que é preciso fortalecer o vice-presidente Michel Temer no comando da articulação política, e que a situação chegou a tal ponto que, em nome da responsabilidade com o país, os líderes têm que dialogar. Para esses ex- ministros, é preciso ter tranquilidade.

— A questão da relação política depende do apetite político de quem governa. No governo Lula, estava atrás de nós alguém que gostava de política. O Lula conversava com deputados e senadores de forma espontânea. A presidente é uma gestora, gosta de coisas que dependem menos de pessoas — disse um ex- ministro da articulação política do governo Lula, para quem a deterioração da relação entre o Legislativo e o Executivo é tão grande que a reconstrução é “muito difícil”.

Walfrido dos Mares Guia, ministro das Relações Institucionais no segundo governo Lula, defende que se dê mais poder a Temer. Ainda de acordo com Walfrido, o vice deveria ter prazo de um mês e meio a dois para acertar:

— Como a temperatura está alta, é necessário tranquilidade e um mínimo de tempo para atuar, para fazer a acomodação da base. Ele ( Temer) tem de um mês e meio a dois para fazer essa acomodação. O Temer tem que ter um empoderamento como articulador.

O vice costuma reclamar que o ministro Aloizio Mercadante ( Casa Civil) sabota acordos fechados por ele de nomeações para cargos federais, e que o ministro Joaquim Levy ( Fazenda) barra a liberação de emendas parlamentares.

Agora, o vice convive ainda com a desconfiança de ministros do PT, que o acusam, em reuniões internas, de conspirar contra Dilma. O motivo foi a declaração de que “alguém” precisa unir o país — o que foi lido por petistas como uma admissão explícita de que Dilma não teria como cumprir esse papel. A interpretação foi de que o peemedebista estava se credenciando para o cargo, em meio a articulações da própria base aliada para que a presidente não termine o mandato.

O ex- ministro Alexandre Padilha, também articulador político no 2 º governo Lula, disse que o governo deve aproveitar a derrota sofrida na Câmara, semana passada, para chamar empresários, trabalhadores, sociedade civil, movimentos sociais e a classe política e construir uma pauta que permita ao país enfrentar a crise econômica.

Apesar dos apelos de Temer e do ministro Nelson Barbosa ( Planejamento), a Câmara aprovou, em 1 º turno, proposta de emenda constitucional que vincula os salários da AdvocaciaGeral da União à remuneração dos ministros do Supremo, que é de R$ 33,7 mil.

Padilha também defendeu que a presidente viaje pelo país. Atendendo conselhos do ex- presidente Lula, Dilma começou uma rodada de viagens pelo Norte e Nordeste, na tentativa de recuperar sua popularidade.

— A instabilidade política e a insegurança econômica não são boas para ninguém, nem governo, oposição, empresários nem trabalhadores. A 1 ª coisa é respeitar as instituições. Tem um voto popular que tem que ser respeitado. E ter uma pauta legislativa que ajude o país a enfrentar a crise econômica internacional. Não é hora de interesses corporativos ou específicos se sobreporem — disse Padilha, que é secretário de Relações Governamentais da Prefeitura de São Paulo.

Ex- ministros foram unânimes em recomendar tranquilidade.

— Na política tem que ter sangue frio e fígado na geladeira — afirmou Padilha.
Atual ministro das Comunicações e ex- ministro da articulação política no governo Dilma, Ricardo Berzoini disse que essa tarefa tem que ser de todos, e não só de Temer.

— O desafio da articulação é sempre complexo, especialmente no quadro de fragmentação partidária do Brasil. É um esforço que não pode se restringir a quem está responsável por ele. Tem que ser tarefa de todos, ministros, deputados e senadores experientes. E da presidente. Berzoini também pregou serenidade: — Sou seguidor das orientações de Paulinho da Viola: “Faça como o velho marinheiro, que durante o nevoeiro, leva o barco devagar” — brincou, citando um trecho da música “Argumento”.

Para Walfrido, é preciso entender que, independente do governo, determinadas medidas de “saneamento econômico” têm que ser feitas:

— Estamos em um quadro de temperatura e pressão altas, mas ninguém está à beira da morte.

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