segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Estatais são sócias em 234 empresas

• TCU já encontrou irregularidades em negócios da CEF e dos Correios

• Tribunal vai investigar se parte dessas sociedades foi estruturada para permitir a realização de contratos sem licitação

Levantamento do Tribunal de Contas da União revela que as estatais têm participação societária em 234 empresas privadas, informa VINICIUS SASSINE. O TCU investiga se parte dessas empresas foi montada para depois ser contratada sem licitação, o que é ilegal. O Banco do Brasil e suas subsidiárias são sócios de 19 empresas. Duas sociedades estruturadas pela Caixa Econômica e pelos Correios foram encerradas pelo TCU após serem constatadas irregularidades.

Pente-fino do TCU em estatais

Vinicius Sassine – O Globo

BRASÍLIA - As estatais brasileiras têm participação societária em pelo menos 234 empresas privadas e nelas injetam recursos públicos sem fiscalização pelos órgãos de controle. O levantamento inédito, elaborado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e obtido pelo GLOBO, faz parte de um processo aberto para mapear a extensão dos negócios paralelos das empresas públicas. O objetivo principal é identificar casos de contratação ilegal desses empreendimentos pelas próprias estatais.

A participação societária de uma estatal em empresas privadas não significa necessariamente que existam irregularidades. O problema está na estatal participar da estruturação dessas empresas privadas para depois contratá- las sem licitação. O TCU quer fiscalizar todas essas operações financeiras, em especial as participações minoritárias, quando a estatal formalmente não é a controladora da empresa.

O plenário do TCU já determinou o encerramento de sociedades estruturadas pela Caixa Econômica Federal e pelos Correios, por ter identificado ilegalidades nas parcerias com empresas privadas, principalmente a contratação — ou a intenção de contratar — os empreendimentos sem licitação. Agora, um pente- fino busca encontrar novos casos a partir do levantamento concluído neste mês.

O ministro Bruno Dantas, do TCU, foi o relator dos processos que analisaram empresas integradas por Caixa e Correios. Partiu dele a iniciativa de propor o levantamento completo das participações de estatais nas empresas privadas, que agora servirá de base para novas fiscalizações. Procurado pelo GLOBO, Dantas não quis falar das empresas que integram a lista, mas defendeu a investigação.

— O trabalho do TCU vem revelando uma nova fronteira na busca de flexibilização (dos negócios). É um modelo que vem servindo de escudo contra a fiscalização por órgãos de controle e que vem permitindo contratações sem licitação. Esse modelo vem se repetindo em diversos casos e precisa ser fiscalizado — disse Dantas.

BB e subsidiárias são sócias de 19 empresas
No mesmo dia em que determinou o fechamento da empresa paralela criada pela Caixa Econômica, em 22 de abril deste ano, o TCU aprovou a realização do levantamento de todos os casos em que estatais figurem como sócias minoritárias em empresas já existentes.

O pente-fino deveria incluir também as chamadas sociedades de propósito específico (SPEs), estruturas permitidas por lei e bastante comuns na iniciativa privada.

Segundo o levantamento do TCU, o Banco do Brasil e subsidiárias participam minoritariamente de 19 empresas. Em uma dessas, o banco tem metade das ações. O BNDESPar, criado para capitalizar empreendimentos controlados por grupos privados, figura como sócio em 42 empresas, com participações que variam de 0,01% a 50% do total de ações. A CaixaPar, vinculada à Caixa, é sócia de 12 — uma delas, a Branes Negócios e Serviços, foi anulada pelo TCU após ter sido contratada pelo próprio banco, sem licitação, para serviços de crédito imobiliário da ordem de R$ 1,2 bilhão.

A Petrobras Distribuidora (BR) informou ser sócia de seis empresas na área de energia, com participações que variam de 33% a 50%. A Gaspetro, outra subsidiária da Petrobras, é sócia de mais três empreendimentos. Não há na lista do TCU informações sobre as participações societárias da Petrobras, nem das SPEs da petrolífera que continuam na ativa.

Desde a década de 1990, a Petrobras já constituiu 24 SPEs, com investimentos na ordem de US$ 22 bilhões em obras como gasodutos, plataformas e refinarias. O caso mais emblemático é o da rede de gasodutos Gasene, revelado pelo GLOBO. A SPE criada para construir os gasodutos era uma empresa de fachada, administrada por um laranja. Um superfaturamento superior a 1.800% foi identificado nos contratos, conforme auditoria do TCU. O tribunal já chamou diretores da Petrobras para se explicarem sobre as supostas irregularidades.

As estatais da área de energia são recordistas em participações em empresas privadas — muitas delas SPEs criadas para construir empreendimentos na área. Eletrobras, EletrobrasPar, Eletronorte, Chesf, Furnas e Eletrosul têm ao todo 150 participações em empresas, com índices de 0,01% a 50% do total das ações.

O GLOBO questionou ao Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Dest), vinculado ao Ministério do Planejamento, se considera elevada a quantidade de participações societárias das empresas públicas. “Alguns segmentos da economia vivem um processo de conglomeração, por outro lado, uma série de leilões da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) utilizou-se do mecanismo de SPEs, como também a ANP (Agência Nacional de Petróleo) impôs ajustes regulatórios que geraram impactos societários. O número deve ser lido à luz desse contexto. Em geral, os leilões da Aneel exigem que se constitua SPE para a execução da obra e a operação dos serviços”, respondeu o departamento, por meio da assessoria de imprensa do ministério.

O Dest tem um cadastro das participações societárias, com informações declaradas anualmente pelas estatais, mas não torna públicos os dados. “Tanto a estatal quanto as SPEs devem ter auditorias externas”, sustenta o departamento. Ainda segundo o Dest, as participações societárias devem estar registradas em balanço: “Se não constarem, estão irregulares.”

O órgão diz fornecer informações a instituições de controle e afirma que “onde houver recurso público deve haver fiscalização”, acrescentando que “qualquer participação societária de empresa estatal deve estar prevista em sua lei de criação. A estatal só pode ter participações se for autorizada pelo Congresso e dentro de modelos previstos por lei, regulamentos da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e práticas de mercado.”

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