sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Eliane Cantanhêde - De derrota em derrota

- O Estado de S. Paulo

Há algo de errado quando a presidente da República convoca uma entrevista para declarar, a quem interessar possa, que o vice-presidente tem sido extremamente leal e que “é mentira” que o ministro da Fazenda vá cair. O que deduzir disso? Que muita gente anda duvidando da lealdade do vice e achando que o ministro mais forte do governo está por um fio.

Fiquemos no ministro Joaquim Levy, aquele que foge de um anúncio importante porque está com gripe, tem suspeita de pneumonia na véspera da viagem internacional da presidente mais importante nos dois mandatos e dá um pulo ali nos EUA por motivos particulares enquanto o País pega fogo. Ok, ele não tem culpa da gripe nem da suspeita de pneumonia e, afinal, todos temos motivos particulares. Mas, no caso do ministro, isso só aumenta as incertezas.

Levy tem mil e uma utilidades para a presidente Dilma Rousseff. É a nova cara do governo para os investidores internacionais, é a garantia para o setor privado interno de que aquelas maluquices do primeiro mandato já eram, é o primeiro ministro da Fazenda que assume a negociação, cara a cara, com o Congresso. É, enfim, quem tenta criar uma barreira para o ímpeto gastador de todo o resto do governo – inclusive do ministro do Planejamento, Nelson Barbosa.

E é justamente por essas suas qualidades, e não pelos seus defeitos, que Levy virou o saco de pancadas do PT, da CUT, do MST, da UNE, de todas as categorias do serviço público que pressionam por aumentos salariais, algumas vezes até justos, na maioria nem tanto. Além de alimentar a pauta de colunistas que não entendem patavina de economia, mas não resistem ao velho populismo.

Se já era desconfortável ter inimigos assim (porque são justamente os braços do governo), agora ficou pior, porque fecha-se o cerco. Além da pancadaria, digamos, à esquerda, Levy começou a apanhar do outro lado, do setor empresarial. Em nota, a Fiesp – que confraterniza com o vice Michel Temer – reclama que Levy “não vê problema em terminar o ano com 1,5 milhão de empregos a menos”.

E o ministro vai apanhar mais, depois que fez vazar a deveras interessante notícia de que o governo nem conseguiu cortar devidamente os gastos nem aumentar consideravelmente as receitas e, portanto, vai ter de... aumentar impostos.

Além dos movimentos sociais e da CNI/Fiesp, a gritaria tende a ficar ensurdecedora, com aposentados, funcionários e aqueles 71% das pesquisas berrando contra Levy. Aliás, contra o governo.

Pode ser só impressão de quem está de fora, mas Levy consegue ser, ao mesmo tempo, o homem forte do governo e o que perde todas. Perdeu muitos anéis nas votações do Congresso. Perdeu no corte do Orçamento, que saiu bem menor do que gostaria. Perdeu na liberação de R$ 500 milhões para a base aliada lamber os beiços. Perdeu duas vezes na antecipação do 13.º dos aposentados e pensionistas: não queria antecipação nenhuma, perdeu. Propôs pelo menos dividir em duas parcelas, perdeu de novo.

O vice Temer saiu da coordenação política por bons motivos e com intenções mais ou menos assumidas, mas também porque não aguentava mais a pressão e os embates com o PT, sobretudo com o PT encastelado em cargos-chave do governo. E se Levy, acossado também pelos empresários que apoiam Temer, seguir seus passos?

Além de engolir a chateação interna no governo, a pressão do PT dentro e fora do Congresso, os desaforos dos aliados e agregados petistas, as notas malcriadas da Fiesp e sabe-se lá quantas cobras e lagartos da própria chefe Dilma, Levy agora vai ter que conviver 24 horas por dia com as ameaças que vêm da China.

A pergunta é: ele vai suportar a pressão? E, se não aguentar, como Dilma vai resistir sem Temer na política e sem Levy na economia? Com o desarticulador Aloizio Mercadante negociando com o Congresso e o gastador Nelson Barbosa cuidando do ajuste fiscal? São dúvidas, para reflexão.

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