domingo, 23 de agosto de 2015

Dora Kramer A sangue frio

- O Estado de S. Paulo

O PMDB decidiu adiar em dois meses o congresso que realizaria em setembro para oficializar a decisão de concorrer à Presidência da República em 2018 e com isso marcar o início do processo (lento e gradual) de desembarque do governo Dilma Rousseff.

Para efeito externo o partido dirá que a nova data, 15 de novembro, se deve ao atraso na elaboração do programa de governo com o qual pretende apresentar credenciais do País. O motivo real, contudo, é outro: evitar que os pemedebistas resolvam romper agora, de maneira ruidosa e radical, a sangue quente. E, sobretudo, em momento de turbulência.

A decisão de deixar os ânimos esfriarem foi tomada antes da denúncia apresentada pelo procurador-geral da República ao Supremo Tribunal Federal contra o deputado Eduardo Cunha, presidente da Câmara. No partido reza a norma de que são fatos independentes entre si.
Cunha poderá contar com o formalismo da “solidariedade política” e só. No tocante às questões legais o partido não vai se envolver nem tecer considerações a respeito da conduta dos investigadores ou do conteúdo da denúncia.

O pedal do freio foi acionado em decorrência da a interpretação do Palácio do Planalto de que a declaração do vice-presidente de que “alguém” precisa reunificar o Brasil significava a adesão de Michel Temer a uma urdidura pelo impeachment da presidente em conluio com Eduardo Cunha. Essa posição deu argumento aos rebeldes mais contundentes para defender a ideia do rompimento-já, pois seria impossível a convivência com o governo em clima de total desconfiança.

O risco de que a maioria aprovasse o desembarque imediato passou a ser grande. Nesta hipótese, estaria alterado o cronograma original que previa um desligamento suave, negociado com a presidente Dilma a fim de não transparecer deslealdade nem açodamento oportunista, até o desenlace final marcado para depois da posse dos prefeitos eleitos em 2016.

Por que essa data? Porque até lá o PMDB ainda tem vantagens a obter do governo do PT. A presidente deu ao vice a missão de recompor a base parlamentar e Michel Temer delegou a Eliseu Padilha a tarefa de executá-la mediante a redistribuição dos cargos federais de terceiro escalão nos Estados.

Para receber (apoio) é preciso dar (cargos), é o lema que preside a operação da qual Padilha se ocupa diuturnamente recebendo deputados e senadores com cinco pastas divididas por ordem alfabética sobre a mesa de trabalho, com a etiqueta “cargos estaduais”.

Ele vai se dedicar à empreitada até 1.º de setembro quando, então, deixará o gabinete da secretaria de Relações Institucionais e voltará à função para a qual foi nomeado: ministro da Aviação Civil.

Diga-se, em favor do PMDB, que o objetivo não é apenas a ocupação de cargos. Há também operação política. O partido faz o movimento em prol da baixa temperatura para não ser visto como incendiário e poder se posicionar como o fiador da governabilidade, credenciando-se como alternativa para 2018.

Por esse raciocínio, mais vantajoso que abrir espaço para o PT fazer o que faz de melhor, oposição, é o PMDB atuar para chegar às próximas eleições com a imagem de poder moderador apto a contar com a confiança do eleitor por se conduzir com equilíbrio na crise.

Antes tarde. Na véspera da apresentação da denúncia contra Eduardo Cunha a liderança do governo no Congresso foi chamada ao Ministério da Justiça. Saiu de lá com a impressão de que a acusação contra o presidente do Senado, Renan Calheiros, foi postergada, mas não evitada.

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