quinta-feira, 2 de julho de 2015

Monica Baumgarten de Bolle - Dilma nos EUA

- Folha de S. Paulo

• O Brasil continua na fase dos slogans vazios; "Mais Brasil no mundo", "mais mundo no Brasil"

Jogo de soma zero é expressão que significa que, se um lado ganha em uma relação de trocas qualquer, a outra parte sempre perde. A soma do que cabe a um e a outro, portanto, é zero. De todas as falácias que circulam livres por aí, entre todos os lugares-comuns que confundem alhos com bugalhos quando se trata de economia, campeã é a ideia de que o comércio entre dois países é jogo de soma zero. Querem ver?

Pesquisa feita em 64 municípios brasileiros com mais de 20 mil entrevistados conduzida pela IdeiaInteligência constatou que 41% das pessoas discordam da premissa de que a aproximação entre o Brasil e os Estados Unidos geraria mais empregos e oportunidades de trabalho para os brasileiros; e que 52% acham que, nessa relação, a renda e o emprego dos americanos aumentariam em detrimento dos rendimentos e das oportunidades acessíveis aos brasileiros.

No entanto, 55% das pessoas pensam que laços mais estreitos entre o Brasil e os EUA melhorariam a oferta de bens de qualidade --nada contra a mandioca. Ao mesmo tempo, 73% dos entrevistados acreditam que o fim da exigência de vistos para entrada nos EUA traria importante melhoria na vida de cada um.

Não é extraordinário? O comércio internacional, que a literatura acadêmica já mostrou --exaustivamente, diga-se-- ser vantajoso para todos os envolvidos, é percebido pela população como algo ruim. Como no Brasil, a mesma percepção prevalece em diversos países, inclusive nos EUA. Basta ver as declarações de diversos líderes do Partido Democrata contrários ao Trans-Pacific Partnership, o mega-acordo comercial entre os EUA e mais 11 nações que deverá ser aprovado até o fim do ano.

Mas, se os brasileiros acham que ampliar o comércio entre as empresas brasileiras e americanas é ruim, eles têm certeza de que viajar para as terras de Tio Sam sem restrições é algo muito, muito bom. Assim como é bom comprar tudo o que o país de Obama produz.

O comércio facilitado, como ocorre por meio dos acordos de livre-comércio que tantos países negociam entre si, aumenta a disponibilidade de bens estrangeiros no país. Mas o comércio é ruim; comprar bens americanos é que é bom.

Se o governo brasileiro soubesse explicar para a população que mais comércio entre o Brasil e os EUA significa maior disponibilidade de bens de qualidade, além de fomentar concorrência saudável entre produtos estrangeiros e nacionais reduzindo custos e preços, a visita recente de Dilma aos EUA poderia ter feito o impensável nas atuais circunstâncias: elevar a sua popularidade.

Se o governo brasileiro tivesse ensaiado a aproximação com os Estados Unidos há algum tempo, quiçá tivesse conseguido até avançar na questão do fim de exigência de vistos para os viajantes brasileiros.

Diante do veredicto dado pelo povo, imagine o que isso não teria feito pela popularidade da presidente? A presidente que, nas entrevistas concedidas, não se fartou em comentar a agenda doméstica, deixando de lado as manchetes positivas que poderiam ter saído de sua breve passagem por Nova York e Washington --os avanços na área ambiental, por exemplo.

Mas o Brasil continua na fase dos slogans vazios. "Mais Brasil no mundo", exortou a presidente, "mais mundo no Brasil", arrematou. Assim ficamos.

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Monica de Bolle, economista, é doutora pela London School of Economics e pesquisadora do Peterson Institute for International Economics.

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