domingo, 26 de julho de 2015

Míriam Leitão - Ressaca fiscal

- O Globo

Há fatos concretos que levam à piora da percepção sobre a economia brasileira, a partir da redução dos objetivos fiscais neste ano e nos próximos. O fiscal parece uma coleção de números que interessa apenas aos economistas e ao mercado, mas, na verdade, ele é o ponto de encontro de eventos que afetam a todos: inflação, juros, crescimento, confiança no país e seu futuro.

A ressaca da decisão anunciada na quarta-feira continuará sendo sentida em várias áreas e por muito tempo. Se o governo fará menor esforço fiscal, isso significa que a maior parte do custo de combater a inflação ficará sobre a política monetária, ou seja, os juros terão que ficar mais altos por mais tempo. A inflação está namorando os dois dígitos e isso precisa ser combatido porque desestrutura o país, reduz renda, cria instabilidade e eleva o desconforto econômico, principalmente entre os mais pobres. O combate ao mal tem que ser por essas duas vias — a fiscal e a monetária —, e se um dos dois instrumentos enfraquece, o outro tem que ser usado com mais força. E os juros já são absurdamente altos no Brasil.

O anúncio da última semana, pelo que foi decidido, mostra um evidente enfraquecimento do ministro Joaquim Levy, que é uma âncora em um governo à deriva. Desidratar a confiança no ministro é a pior forma de o governo se defender. Ele negou em entrevista para mim que havia perdido a queda de braço, ou até que houvesse esse disputa. Mas, dias antes, ele falara ao jornalista Valdo Cruz, da “Folha de S. Paulo”, que reduzir a meta exigiria o prolongamento do ajuste no tempo. Ele parecia ainda lutar contra a redução da meta para 2015.

O anúncio surpreendeu, por ter alcançado os anos vindouros e ter sido mais drástico do que o imaginado. E foi acrescido de uma licença para ter déficit primário em 2015. Como no governo Dilma a dívida cresceu de forma impressionante, essa falta de ousadia nas contas públicas leva à inevitável conclusão de que a dinâmica da dívida púbica vai piorar ainda mais. Para se ter uma ideia, no começo do primeiro mandato, a dívida bruta era 52% do PIB. Hoje é 62% e a projeção, a partir dos novos dados, é que poderá chegar a 70%.

Outros países emergentes, com grau de investimento, ou tem números mais baixos ou tem projeções de queda da dívida, como a Índia. Por isso, o rebaixamento do Brasil está sendo visto como questão de tempo. A perda do selo de bom pagador é uma ameaça mais provável a partir das decisões desta semana. E isso afeta o custo dos financiamentos ao país e às empresas brasileiras. Tem a ver, em última análise, com a capacidade de o país retomar o crescimento. O rebaixamento torna o caminho para voltar a crescer mais árduo.

O governo diz que não havia alternativa a não ser ter números mais modestos para as metas fiscais. A decisão de permitir até déficit primário em 2015 foi tomada para evitar problemas com o TCU. Em 2014, já houve déficit primário, e o governo precisou pedir, depois do fato consumado, autorização para o não cumprimento da meta. Isso fere a Lei de Responsabilidade Fiscal. A proposta de que o país possa fechar no vermelho, caso haja frustrações de receita, é para evitar problemas no TCU e foi visto por todos como uma licença para gastar.

Os ministros divergem, evidentemente. Não é segredo para ninguém, ainda que quando converso com eles sempre ouço que a relação é boa e as divergências, pequenas. O ministro Nelson Barbosa, olhando o passado recente, disse o seguinte: “se o país tivesse crescido a 2% este ano, estaria arrecadando R$ 100 bilhões a mais.” Esse contrafactual não é entendido no mercado, onde as melhores cabeças econômicas já apostavam em um ano recessivo em 2015 até para corrigir os amargos resultados da aventura da “Nova Matriz Macroeconômica”, defendida pelo próprio Nelson Barbosa no primeiro mandato da presidente Dilma, quando assessorava o ex-ministro Guido Mantega.

Joaquim se preocupa com o futuro da trajetória da dívida, e dos riscos de rebaixamento. Neste aspecto, a decisão da última semana confirma seus temores. A presidente Dilma tentou ser salomônica. Atendeu à proposta de corte de metas, feita por Nelson Barbosa, e acatou de Joaquim Levy a sugestão de novo contingenciamento. Tudo ponderado, pesou mais no clima em relação ao país a forte redução das metas fiscais por três anos. Essa decisão continuará tendo consequências nos próximos meses. Os tempos serão difíceis.

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