quarta-feira, 8 de julho de 2015

Míriam Leitão - Não é, mas pode ser

- O Globo

Impeachment não é golpe, mas pode ser. O impedimento de um chefe de Estado faz parte do presidencialismo, desde que sejam cumpridas todas as normas constitucionais. Se fosse apenas por causa de manifestações, ou baixa popularidade do chefe do executivo, seria golpe. Contra Fernando Collor, foi o ato final de um julgamento no Congresso que o levou a renunciar.

Como votou e se posicionou o PT no Collor? Pela saída do presidente. Ele foi golpista? Não, seguiu o entendimento majoritário, ao fim da investigação, que mostrou recursos de origem escusa no pagamento das contas pessoais do presidente, como na reforma da Casa da Dinda e outras despesas. Não foi por um Fiat Elba. Foi todo um conjunto de ilegalidades e uso de dinheiro do caixa de PC Farias.

O que fez o PT quando o ex-presidente Fernando Henrique iniciou seu segundo mandato no meio de um desabamento da aprovação por causa da crise cambial? Defendeu oficialmente o impeachment do então presidente no "Fora FHC". Isso é golpismo? Sim. Porque uma crise econômica, como a que vivemos agora, não justifica o impedimento, apesar de a presidente Dilma estar fazendo o oposto do que disse na campanha, num claro caso de estelionato eleitoral. Collor também disse que o seu adversário prenderia o dinheiro da caderneta de poupança e foi ele que fez isso. Mas não foi o desastrado Plano Collor, ou seja, o estelionato, que o derrubou.

Ninguém falou de qualquer indício de dinheiro escuso nas contas pessoais da presidente, e por isso a comparação com Collor não se coloca. Mas, sim, há ameaças sobre o governo Dilma. Empreiteiros investigados na Operação Lava-Jato e outros envolvidos têm falado, em delações premiadas, de contribuições à sua campanha feitas para se obter vantagens em contratos com a Petrobras. A maior parte desse dinheiro foi entregue em doações declaradas. Se restar provado que a doação veio como parte do esquema do superfaturamento de obras e de contratos da Petrobras, caberá à Justiça decidir se a pena para o crime é a perda do mandato. Se forem respeitados todos os procedimentos constitucionais, diante de provas, não será golpe, mas sim um processo previsto em lei de impedimento de presidente.

O outro caminho sobre o qual o PSDB tem falado é o da reprovação das contas. Esse é bem mais discutível. O TCU tem nome de tribunal, mas não é. Como todos sabem, ele faz parte da estrutura do poder legislativo e apenas dará um parecer sobre as contas da presidente em 2014. Os sinais apontados no relatório preliminar do TCU são suficientemente fortes para que o parecer seja pela rejeição. As pedaladas fiscais chegaram a R$ 40 bilhões. As maquiagens e as ofensas contábeis foram numerosas. Se tudo isso for aceito pelo TCU, ele pode fechar as portas e cuidar da vida porque nunca mais vai dar parecer contrário a qualquer abuso de chefe do executivo federal. Vai sempre fazer ressalvas que nunca serão consideradas. Com isso, também, arquive-se a Lei de Responsabilidade Fiscal, porque ela estabelece claramente que bancos públicos não podem emprestar para seus controladores, e aquelas operações são, de fato, operações de crédito. O que o Congresso decidirá depois é imprevisível.

O presidencialismo prevê o instituto do impeachment. No parlamentarismo, a dissolução de um governo é mais simples. No presidencialismo, é sempre traumático, mas não é golpe se seguir as determinações constitucionais. A Presidência não é invulnerável ao processo legal. Portanto, a presidente Dilma só poderia dizer que seus adversários são "um tanto golpistas" se tentarem apeá-la do poder sem o devido processo legal.

Na sua entrevista à "Folha de S. Paulo", a presidente demonstra estar um tanto exasperada. Entende-se. Este está sendo um difícil começo de governo. Não por culpa de terceiros, mas dela mesma, da política econômica que praticou no mandato passado e da linha que adotou na campanha eleitoral de "desconstruir" adversários e mentir sobre a conjuntura. A verdade apareceu assim que as urnas foram fechadas e, com isso, veio o desabamento do seu apoio popular.

Nestes primeiros seis meses, o governo pareceu perdido, caótico e contraditório. A mais importante defesa, no momento, seria a presidente governar. E isso não é moleza.

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