domingo, 12 de julho de 2015

Merval Pereira - Na corda bamba

- O Globo

A presidente Dilma ontem saiu da sua soberba para admitir que, para não cair, as pessoas precisam de ajuda, sempre. A tirada, inusualmente irônica diante da situação - a presidente caminhava em uma rede elástica, como se estivesse numa corda bamba - e do que indiretamente comentava, a fala do vice Michel Temer que havia dito na véspera que ninguém precisava ajudar Dilma, pois ela não cairia, mostra que a presidente começou a entender o tamanho de sua encrenca e está disposta a abrir novos caminhos de entendimento para se manter no poder minimamente operante.

Ao mesmo tempo em que se discute o impeachment de Dilma, com a ajuda da própria, como um ingrediente inegável do cenário político atual, chega às livrarias o trabalho do sociólogo Brasilio Sallum Jr, "O impeachment de Fernando Collor - sociologia de uma crise", da editora 34, com um texto analítico do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. "A hora é mais do que oportuna para revermos as condições nas quais foi possível prosperar uma operação política tão delicada e de consequências tão imprevisíveis como a destituição de um presidente eleito pelo voto popular", diz Fernando Henrique logo na abertura de seu texto, fazendo ligação direta entre os acontecimentos que o livro narra e a situação em que nos encontramos.

E é nessa comparação que temos a oportunidade de constatar as semelhanças e as diferenças entre os dois casos. Uma semelhança é imediata: Collor, ao confiscar a poupança depois de acusar seu adversário de ter essa intenção, e Dilma, com o estelionato eleitoral da última campanha, têm raízes semelhantes na rejeição do cidadão comum.

A tese do livro, na visão de Fernando Henrique, é que a destituição de Collor faz parte de um processo de consolidação de uma nova forma de relação política entre o Executivo e o Legislativo, uma operação política que visava obrigar o Executivo a respeitar as demandas do Legislativo.

Redução das desigualdades era uma das demandas mais evidentes na ocasião, levadas à frente por partidos como PT, PSDB e PMDB, saídos da Constituinte cidadã na oposição ao governo Collor. Essa é uma diferença crucial entre aquela época e hoje, pois o Congresso está marcado devido às relações promíscuas entre Executivo e Legislativo exacerbada nos governos petistas, pela mancha da corrupção.

Fernando Henrique diz que o livro descreve com minúcias "o intrincado processo que envolveu movimentos populares, a mídia, organizações da sociedade civil, lideranças parlamentares, Forças Armadas". Sobretudo, mostra que, por trás da efervescência política, "havia atores políticos organizados com visão de futuro".

O processo só deslanchou quando os partidos chegaram a um acordo sobre o que poderiam ganhar com a destituição. Hoje, essas negociações estão em processo. E temos diferenças e semelhanças. As negociações de bastidores acontecem em Brasília, os movimentos populares já se manifestaram e preparam nova investida para agosto, mas Dilma mal ou bem tem um amparo político de partidos e movimentos sociais que Collor não tinha, embora estejam enfraquecidos diante das denúncias de corrupção e desvios.

O livro mostra, salienta Fernando Henrique, que agentes da sociedade civil como OAB, UNE, ABI, CUT conduziram o cerco popular, formado majoritariamente pela classe média. Hoje, temos a classe média mobilizada contra o governo, mas essas associações da sociedade civil já não mobilizam, em franca decadência, na maioria capturadas pelo governo com favores políticos e financeiros.

Collor é descrito como "um presidente que interpretava seus poderes constitucionais à moda de um presidencialismo plebiscitário, a ser exercido com voluntarismo". O voluntarismo de Dilma já é conhecido dos brasileiros, e o aumento das contas de energia é a mais exemplar consequência dele.

FH chama a atenção para o fato de que naquele momento havia uma preocupação de dar um caráter moral à ação política, e o Movimento pela Ética na Política foi fundamental. Hoje, essa mesma valorização de aspectos éticos da política vai contra o governo, e é reduzido a um moralismo udenista pelos mesmos movimentos e partidos que outrora estiveram envolvidos na sua exaltação. Não é por outra razão que Dilma ressalta a todo momento que não tomou para si nenhum recurso desviado.

No impeachment de Collor, a acusação era direta a ele, que teria se beneficiado em termos pessoais. Hoje, estamos diante de desvios e ilegalidades manipulados por um partido a favor de sua permanência no poder. São questões mais complexas, que exigem um amadurecimento democrático que não há certeza se já atingimos.

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