quarta-feira, 22 de julho de 2015

Merval Pereira - A "delação premiada" de Marcelo

- O Globo

Quando Marcelo Odebrecht, preso em Curitiba, encaminhou um bilhete a seus advogados orientando "destruir e-mail sondas", ligou-se logo a orientação a um e-mail descoberto pela Polícia Federal em que um diretor da empreiteira falava em conseguir um "sobrepreço" num contrato de sondas petrolíferas.

Logo os advogados da Odebrecht correram a explicar que esse "destruir" era metafórico, e queria dizer apenas que era preciso provar que "sobrepreço" também não significava "sobrepreço", mas, sim, uma taxa legal do contrato. Agora, a PF encontrou uma série de anotações de Marcelo em seus celulares, e várias dão a entender coisas gravíssimas.

Por exemplo, ele questiona em uma delas seu vice-presidente jurídico se é necessário avisar Edinho (Silva?) que nas campanhas dela (Dilma Rousseff?) e também de (Fernando?) Haddad pode aparecer dinheiro de uma conta na Suíça. Seria um aviso amigo ou uma ameaça? Quer dizer o que todos nós imaginamos, que a campanha de Dilma foi financiada por dinheiro ilegal?

O juiz Sérgio Moro deu dois dias para que haja uma explicação oficial por parte do empreiteiro sobre o significado de cada uma daquelas anotações, que estão sendo traduzidas pela PF com a ajuda de vários órgãos de imprensa e blogs, dentre os quais se destaca "O Antagonista", de Diogo Mainardi e Mario Sabino.

Para Moro, o trecho mais perturbador é a referência ao uso de "dissidentes PF" com "trabalhar para parar/anular" a investigação. "Sem embargo do direito da defesa de questionar juridicamente a investigação ou a persecução penal, a menção a "dissidentes PF" coloca uma sombra sobre o significado da anotação", ressalta o juiz.

Uma das anotações achadas pela PF nos celulares de Marcelo Odebrecht diz ser necessário ter "contato ágil/permanente com o grupo de crise do governo e nós para que informações sejam passadas e ações coordenadas".

Há ainda entre as anotações algumas que indicam que os executivos da empreiteira presos na Lava-Jato Márcio Faria e Rogério Araújo são orientados para que não "movimentem nada e que serão reembolsados, bem como terão suas famílias asseguradas". Além disso, Marcelo lembra a necessidade de "higienizar apetrechos" dos dois, o que, diz a PF, "traduz a ideia de que os apetrechos (a exemplo de telefones, tablets, notebooks, pendrives etc.) sejam limpos, impedindo que, em possível apreensão, possam conter informações prejudiciais aos supracitados".

Em outro momento, aparece a possibilidade de incentivar "delação premiada" de Rogério Araújo como sendo um plano alternativo (fallback). Segundo a Polícia Federal, "referência a Rogério Araújo e conta-corrente na Suíça é constante, indicando a preocupação de Marcelo com a mesma, como pode ser observado na anotação "RA vs cc Sw" (direção fluxo? Delação dos envolvidos?)".

No caso da "declaração premiada" combinada, seria como fazer doações de dinheiro roubado como se fossem legais, uma tática utilizada pelas empreiteiras. Assim como o dinheiro fica "lavado" pelo TSE, a "delação" seria oficializada pelo Supremo.

Como alternativa, o presidente da Odebrecht admite a possibilidade de ter dado dinheiro para caixa dois de campanha: "Campanha incluindo caixa 2, se houver era soh com MO (a PF acredita ser a MO Consultoria, empresa de fachada de Alberto Youssef), que não aceitava vinculação. PRC (Paulo Roberto Costa) soh se foi rebate de cx2".

Vários nomes de políticos surgem no decorrer das anotações, inclusive altas cifras para o Vaca, que todos acreditam ser João Vaccari, o ex-tesoureiro do PT já preso.

As anotações de Marcelo são muito detalhadas, o que combina com a descrição de seus carcereiros em Curitiba, que certa vez o definiram como uma pessoa que passa o dia escrevendo, tomando notas. Graças a esse hábito, a PF tem em mãos uma coletânea de notas e informações que podem se equivaler a uma delação premiada, depois de devidamente decodificada.

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