terça-feira, 14 de julho de 2015

José Casado - Aposta de alto risco

- O Globo

Numa recente reunião com empresários, o senador Aécio Neves surpreendeu pelo tom enfático no cenário de um impeachment de Dilma Rousseff. Nem todos o levaram a sério.

Repetiu o roteiro, abandonando a ênfase, na recente convenção do PSDB: "Esse grupo político que aí está, está caminhando a passos largos para a interrupção deste mandato."

Aécio e seu grupo apresentaram uma dezena de petições ao Tribunal Superior Eleitoral. A velocidade na escrita de algumas talvez possa justificar os delitos cometidos contra o idioma e a grafia (Rousseff virou "Roussef", por exemplo). O objetivo expresso é "cassar os registros ou diplomas" da presidente e do vice.

A maioria tem média de 50 páginas e 4.000 palavras, e é suficientemente difusa na sugestão de indícios de abuso de poder na campanha.

Em nenhuma, no entanto, é possível identificar algo similar ao "Fiat Elba" de Fernando Collor, o carro de uso pessoal do então presidente comprado com dinheiro vindo de contas fantasmas gerenciadas pelo seu tesoureiro de campanha, PC Farias (o cheque do pagamento exibido no GLOBO pelo repórter Jorge Moreno foi decisivo para o afastamento de Collor).

A ofensiva judicial do PSDB de Aécio começou com acusação de fraude na contagem eletrônica dos votos. O tribunal descartou-a por descabida e sem provas. Sucederam-se iniciativas para cassação dos adversários sob variadas suspeitas.

Na ação número 194.358 justificou-se: "A diferença entre as duas chapas (Aécio e Dilma) em disputa no segundo turno foi de apenas 2,28%, num universo de 105.542.273 votos válidos. Ora, somados os votos em branco e nulos (1,71% e 4,63% do total de 112.683.273 de votos apurados, respectivamente), tem-se que a legitimidade dos reeleitos é extremamente tênue."

Quer dizer exatamente o que parece: Dilma venceu porque teve 2,28% de votos a mais que Aécio, mas diante da diferença raquítica, o PSDB de Aécio acha a legalidade da reeleição (e do governo) uma coisa "extremamente tênue".

Na essência, é a reivindicação do mais fácil - a morte política do adversário vencedor - pelo caminho do menor esforço: chancela judicial para a névoa de suspeitas de abusos na disputa eleitoral mais acirrada em 25 anos.

Em 2014, o candidato Aécio realizou a proeza de confirmar o fim de uma fantasia política, a suposta hegemonia do PT sobre o voto dos pobres. Um de cada três dos seus eleitores tinha renda familiar de até R$ 1.448, segundo o Datafolha. Entre esses, 21% sobreviviam com até R$ 2.172. Faltaram-lhe votos, principalmente na sua Minas Gerais, mas ele conduziu a oposição unida, revigorando-a com os 48,5% da preferência do eleitorado.

Passaram-se oito meses. O ex-candidato procura se manter na boca de cena da política travestido como arauto do impeachment. Essa pregação cotidiana, assentada numa peculiar interpretação da realidade na qual "a história sou eu", levou a uma nova divisão do PSDB. O partido continua sem saber o que dizer ao eleitorado recém-conquistado, e que empobrece ainda mais na crise.

As cartas sobre o futuro de Dilma e Temer dependem de sete ministros do TSE e 11 do Supremo, combinados com dois terços do Congresso - no compasso do ronco das ruas, hoje silentes. O senador Aécio fez uma aposta de alto risco. Pode sair menor do que entrou nesse jogo.

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